Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01092/04
Data do Acordão:11/30/2004
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL.
DOLO.
NEGLIGÊNCIA.
REMESSA DO PROCESSO AO MINISTÉRIO PÚBLICO.
RECURSO JURISDICIONAL.
Sumário:Em processo de contra-ordenação fiscal, a decisão do Juiz ordenando a remessa dos autos ao Ministério Público com vista à instauração de procedimento criminal, por entender que está indiciado um crime de abuso de confiança fiscal, p. p. pelo art.105º do RGIT, não é susceptível de recurso, nos termos do n. 1 do art. 73º do RGCO.
Nº Convencional:JSTA00061256
Nº do Documento:SA22004113001092
Data de Entrada:10/25/2004
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF LISBOA.
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:DL 433/82 DE 1982/10/27 ART73 N2 ART78.
RGIT01 ART83.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A..., Ld., com sede na Estrada da Circunvalação, MRC, r/c, dt, Lisboa, interpôs, junto do então Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, recurso judicial da decisão do chefe de finanças da Direcção de Finanças de Lisboa, que lhe aplicou uma coima de 1330 €.
O Mm. Juiz do 2º Juízo do TAF de Lisboa decidiu determinar “a remessa dos autos ao Ministério Público com vista à instauração de procedimento criminal”, por entender que está indiciado nos autos “um crime de abuso de confiança fiscal, p. p. pelo art. 105º do RGIT”.
Inconformado o MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs recurso para este Supremo Tribunal. São do seguinte teor as conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo Senhor Procurador da República junto daquele Tribunal:
1. Da matéria fáctica dada como provada não se pode extrair que o facto ilícito imputado à arguida tenha sido praticado com dolo.
2. A factualidade dada como provada é tão só a de, enquanto sujeito passivo do IVA, a arguida estar obrigada a entregar as declarações periódicas a que se refere o artigo 40° do CIVA, conjuntamente com o imposto arrecadado, por força do artigo 26° do mesmo diploma, e de ter apresentado no dia 3 de Janeiro de 2003 a declaração periódica de IVA respeitante a Junho de 2001, resultando dessa declaração imposto a pagar no montante de € 6.628,28, tendo nessa data procedido ao pagamento do imposto.
3. Esta factualidade é subsumível, não no quadro da apropriação da prestação de imposto (crime pp. pelo artigo 105° do RGIT), mas no quadro legal do atraso na entrega da prestação de imposto, caracterizado como contra-ordenação pp. pelos artigos 114°, nºs 1 e 2 e 26°, n. 4, do RGIT, podendo integrar, em abstracto, uma conduta dolosa ou negligente;
4. Nos casos em que se prevêem tipos legais de infracção cometida com dolo e com negligência preenchidos pela mesma materialidade, a descrição factual terá implícita uma afirmação da existência de culpa, que, na falta de referência explícita ao dolo, se deverá entender ser a negligência, como forma mínima de imputação subjectiva de uma conduta a uma actuação.
5. No caso dos autos foi esta imputação por negligência que se fez à arguida, na medida em que os factos apenas apontam que houve violação do dever legal de cuidado e não que o agente tenha agido, sabendo e querendo a realização do tipo;
6. Com efeito, a entrega da declaração de IVA para além do prazo de 90 dias, aliás, acompanhada do pagamento do imposto traduz, no mínimo, a violação de um dever de cuidado objectivamente imposto aos gerentes de uma sociedade comercial, como é a arguida. A culpa está na inércia da arguida ao deixar de realizar a acção (entrega da declaração) exigida por lei;
7. Não se presumindo o dolo na infracção fiscal e não resultando da matéria de facto dada como provada nada donde possa extrair-se que o facto ilícito foi praticado com dolo, ao decidir da forma como o fez, a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 114º, nºs 1 e 2, 26°, n. 4 e 105°, n. 1, do RGIT.
8. Deve, pois, ser anulada nos termos do artigo 75°, n. 2, al. b), do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL 433/82, de 27 de Outubro, e ordenada a devolução do processo ao tribunal recorrido para que, aqui, em nova decisão, se conheça e emita pronúncia sobre as questões suscitadas pela arguida no recurso que interpôs da decisão administrativa de aplicação de coima e que, na impugnada decisão, não foram equacionadas, afrontadas e muito menos decididas.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
2. É a seguinte a matéria de facto fixada na instância:
1. A arguida apresentou no dia 3JAN2003 a declaração periódica do IVA respeitante a JUN2001;
2. Dessa declaração resultava imposto a pagar no montante de € 6.628,28;
3. Tendo nessa data procedido ao pagamento do imposto.
3. Sendo estes os factos, vejamos agora o direito.
A possibilidade de conversão do processo de contra-ordenação em processo criminal está prevista no art. 76º do Regime Geral das Contra-Ordenações (aplicável ex-vi do art. 3º, b) do RGIT), que estatui o seguinte:
“1. O tribunal não está vinculado à apreciação do facto como contra-ordenação, podendo, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, converter o processo em processo criminal.
“2. A conversão do processo determina a interrupção da instância e a instauração de inquérito, aproveitando-se, na medida do possível, as provas já produzidas”.
A decisão do Mm. Juiz acolhe assim arrimo neste preceito legal.
E é contra esta decisão que o Ministério Público se insurge.
Mas a questão nuclear a resolver tem a ver com a admissibilidade do presente recurso.
O art. 73º do RGCO diz-nos quais os casos em que se pode recorrer para o Tribunal Superior (devendo obviamente compatibilizar-se este preceito com o disposto no art. 83º do RGIT).
Dispõe o n. 1 do citado preceito:
“Pode recorrer-se … da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64º, quando:
“a) for aplicada ao arguido uma coima superior a …;
“b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
“c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a … ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
“d) A impugnação judicial for rejeitada;
“e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal”.
Logo vemos que nestes preceitos não vem elencada a possibilidade de recurso na hipótese versada nos autos.
E que a possibilidade de recurso em processo de contra-ordenação tem aspectos mais restritivos relativamente aos processos de natureza penal sai reforçada se atentarmos no disposto no art. 78º, 3, do RGCO, onde, em processo penal, o recurso relativo à contra-ordenação não está sujeito às limitações do referido art. 73º (“nem dependendo o recurso relativo à contra-ordenação dos pressupostos do art. 73º”, isto para usar a terminologia legal).
É certo que o n. 2 do mesmo artigo prevê a possibilidade de aceitação do recurso (interposto pelo arguido ou pelo Ministério Público) “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou a promoção da uniformidade da jurisprudência”
Mas o recurso não foi interposto com este fundamento.
Assim sendo, o recurso não é admissível.
4. Face ao exposto, acorda-se em não tomar conhecimento do recurso, por inadmissível.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente.
Lisboa, 30 de Novembro de 2004. – Lúcio Barbosa (relator) – Fonseca Limão – Pimenta do Vale.