Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01014/08.8BEALM 090/18
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:REGIME GERAL
TAXA
AUTARQUIA LOCAL
REGIME TRANSITÓRIO
Sumário:I - A fundamentação imposta na Lei n° 53-E/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o regime geral das taxas das autarquias locais exige, no artigo 8º, nº 2, alínea c), que o regulamento que crie taxas municipais contenha, obrigatoriamente, sob pena de nulidade, a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das mesmas taxas.
II - A mencionada Lei, que entrou em vigor, em 1 de Janeiro de 2007, consagrou um regime transitório, que permitia aos municípios a adequação dos regulamentos até ao início do segundo ano financeiro subsequente à sua entrada em vigor, versão original, ou até início do 3º ano financeiro subsequente à entrada em vigor da presente lei, versão da Lei nº 64-A/2008, de 31-12, OE para 2009, artigo 53º, ou, finalmente, até ao dia 30 de Abril de 2010, versão da Lei nº 117/2009, de 29/12.
III - O Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas, Licenças e Autorizações do Município do Barreiro que foi publicado no Diário da República, II série, de 12/12/2006 e foi parcialmente alterado por deliberação da Assembleia Municipal do Barreiro em 07/03/2008 mediante proposta da respectiva Câmara Municipal e em plena vigência do RGTAL, deveria ter observado as regras nele consagradas, designadamente, “a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas, designadamente os custos diretos e indiretos, os encargos financeiros, amortizações e futuros investimentos realizados ou a realizar pela autarquia local”, prevista na alínea c) do n° 2 do art. 8° da Lei no 53-E/2006.
Nº Convencional:JSTA000P25123
Nº do Documento:SA22019110601014/08
Data de Entrada:01/31/2018
Recorrente:MUNICÍPIO DO BARREIRO
Recorrido 1:A............, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por MUNICÍPIO DO BARREIRO, visando a revogação da sentença de 06-10-2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação intentada por A…………, LDA., na qual peticionava a anulação de taxa devida pelo licenciamento de painéis publicitários, efectuada pelo Município do Barreiro, no valor de € 64.570,00 e referente ao ano de 2008.

Não se conformando, nas suas alegações, formulou a entidade recorrente MUNICÍPIO DO BARREIRO as seguintes conclusões:

“1- Nos autos discute-se a aplicação do Regulamento de Liquidação e cobrança de Taxas, Licenças e Autorizações do Município do Barreiro aprovado em 10 de Outubro de 2006, alterado em 7 de Março de 2008.

2- O Tribunal a quo decidiu não aplicar o Regulamento Municipal supra referido, uma vez que, no entender da Mm.ª Juiz, na alteração do citado Regulamento Municipal, de 7/3/2008 não foi respeitado o disposto no art.º 8º n.º 2 al. c) da Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL).

3- O Tribunal a quo entendeu que, não obstante o que dispõe o art.º 17º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro (RGTAL), a al. c) do n.º 2 do art.º 8º estava em vigor e, como tal, na alteração regulamentar deveria ter sido acompanhada de fundamentação económico financeira.

4- Salvo o devido respeito, tal interpretação esvazia de sentido o art.º 17º da referida Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, que só comina com a revogação automática os regulamentos que no dia 30/4/2010 não cumpram com aquilo que se prevê neste mesmo regime.

5- Resulta daquele preceito, conjugado com o art.º 8º do mesmo diploma que, os regulamentos de taxas em vigor deverão adaptar-se às exigências do art.º 8º até à data prevista no art.º 17.º, considerando-se revogadas as taxas em questão sempre que essa adaptação não suceda.

6- Por isso, os regulamentos de taxas entrados em vigor depois de 30 de Abril de 2010 deverão obedecer a estas exigências, considerando-se total ou parcialmente nulas as suas disposições quando essa obediência não se verifique.

7- Ora, a situação dos autos não se inscreve em nenhum das situações supra referidas, porque na data da alteração regulamentar, mas sobretudo na data em que ocorreu a liquidação sub judice, antes de 30 de Abril de 2010, a norma não se considerava automaticamente revogada. De sublinhar, que o facto do art.º 18º do RGTAL prever que o RGTAL entra em vigor em 1 de janeiro de 2007, não significa que todas as normas que o compõem entrem em vigor na mesma data.

8- Por isso, o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas, Licenças e Autorizações do Município (publicado em DR II Série de 12 de Dezembro de 2006 — Apêndice 85), alterado por deliberação de 7/3/2008 estava plenamente em vigor à data da respectiva liquidação, i.e., em 2 de Junho de 2008, quando ainda faltavam mais de dois anos para que os Municípios procedessem à global alteração dos seus regulamentos para darem resposta e cumprimento ao art.º 8º do RGTAL.

9- Aliás, mesmo que assim se não entendesse, resulta da própria letra do art.º 8º n.º 2 do RGTAL que é nula exclusivamente a criação de taxas, para significar que é apenas e tão só a criação das mesmas que se considera que fica sujeito ao novo regime legal. O Município do Barreiro não criou a taxa que já existia no supra referido Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas, Licenças e Autorizações do Município de 12 de Dezembro de 2006, mas limitou-se a modificar o valor da mesma.

11- O Tribunal a quo não interpretou correctamente o art.º 8º do RGTAL, à luz do que se acha previsto no art.º 17º do RGTAL, (em que se prevê o regime transitório para a adaptação dos Regulamentos Municipais, ao que dispõe esse mesmo regime geral).

12- A douta sentença padece, por isso, de erro na determinação do direito aplicável. Na interpretação que o Tribunal a quo faz dos preceitos em análise (conjugação do art.º 17º e art.º 8.º n.º 2 al. c)) o Município deveria ter observado na alteração do Regulamento, em Março de 2006, a exigência legal, que só determinou revogação dos demais regulamentos que com ela fossem desconformes em 30/4/2010!

Nestes termos e nos melhores de Direito, revogando a decisão recorrida e mantendo o acto de liquidação na Ordem Jurídica, farão a costumada JUSTIÇA.”


A recorrida A…………, LDA., formulou contra-alegações em que pugna pela manutenção do julgado, embora sem estruturar conclusões.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do artº.146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, no parecer que se segue e que se transcreve na parte que interessa:

“ (…) Na verdade, verifica-se, efetivamente, a ilegalidade da taxa em que se fundou a liquidação, porque inexistiu qualquer estudo prévio de fundamentação económico-financeira, o que afronta o disposto no artigo 8º, n.º 2, alínea c), da citada Lei 53-E/2006, de 29 de dezembro.
Assim, ressuma do processado, mormente do facto levado à alínea H) do probatório (v. fls. 222 verso do p. f.), que não houve qualquer estudo ou outro elemento que permitisse alcançar a justificação para a fixação do concreto montante da taxa aprovada e cobrada à Impugnante A…………, L.da.
Acresce que essa omissão infringe diretamente a lei, especificamente o aludido artigo 8.º, n.º 2, alínea c), do RGTAL.
Em adição, a essa consequência não obsta a consagração expressa da norma transitória contemplada no artigo 17.° do mesmo diploma.
Efetivamente, na ótica do Ministério Público, o legislador curou aí de enunciar o limite máximo do horizonte temporal em que os regulamentos vigentes teriam de ser alterados, a fim de se adequar e, ademais, respeitar o regime jurídico previsto no RGTAL, ou seja, sem prejuízo da sua aplicação imediata, se acaso os mesmos regulamentos fossem objeto de alteração, como ocorreu, no caso em presença.
A ser assim, o Ministério Público revê-se nas sagazes e certeiras considerações aduzidas na sentença em crise, segundo as quais “(...) No caso concreto, o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas, Licenças e Autorizações do Município do Barreiro foi publicado no Diário da República, II série, de 12/12/2006 e foi parcialmente alterado por deliberação da Assembleia Municipal do Barreiro, em 07/03/2008, mediante proposta da respetiva Câmara Municipal.
Ora, esta alteração ao regulamento que ocorreu em 07/03/2008, em plena vigência do RGTAL, deveria ter observado as regras nele consagradas, designadamente, “a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas, designadamente os custos diretos e indiretos, os encargos financeiros, amortizações e futuros investimentos realizados ou a realizar pela autarquia local”, prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 53-E/2006. (…)” (assim, cfr. fls. 226 do p. f.)
De resto, ainda que assim não se entendesse, o Ministério Público corrobora a tese defendida pela Recorrida A…………, L.da, no âmbito das suas hábeis contra-alegações (cfr. fls. 263 a 273 do p. f.), de que a fixação da taxa municipal em causa sempre afrontaria os princípios da fundamentação económico-financeira das taxas, da equivalência e da proporcionalidade, proclamados nós artigos 266º, n.º 2 268º, n.º 3, ambos da CRP e 4º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.
E, em abono desta abordagem da natureza das taxas e da exigência de bilateralidade ou reciprocidade de prestações, chama-se à colação o douto aresto do STA, de 03/12/2014, no Processo n.º 01273/13 (disponível in www.dgsi.pt, tal como os que iremos citar, de seguida) - [ Aí se refere, expressamente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem versado sobre esta problemática, em inúmeros arestos, designadamente nos Acórdãos de 08/10/2014, no Processo n.º 0221/12 e de 29/10/2014, no Processo n.º 862/14].
Ainda em prol deste entendimento, permitimo-nos invocar o douto Acórdão do TCA Sul, de 17/01/2012, tirado no Processo n.° 04796/11.(…)”- [2 Nos termos do respetivo sumário: “(...) 3. Consagra o art°.8, n° 2, da Lei 53-E/2006, de 29/12 (diploma que prevê o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais) exigências precisas para a edição dos regulamentos locais de taxas. A norma em causa obriga as autarquias à enunciação clara da base de incidência, da base de cálculo, das isenções e modo de pagamento das taxas locais, mais exigindo, a par destes elementos, que se explicite a fundamentação económica e financeira das taxas criadas, tudo sob pena de nulidade do diploma em causa. // 4. Especificamente, no que respeita à fundamentação económica e financeira das taxas criadas refere a norma (cfr. art°. 8, nº. 2, al. c), do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais), que o valor dos tributos deve levar em consideração, designadamente, os custos diretos e indiretos, os encargos financeiros, as amortizações e os investimentos realizados, ou a realizar, pela autarquia local. Na estruturação da fundamentação económico-financeira da taxa criada a autarquia deve levar em consideração, desde logo, o princípio da equivalência jurídica consagrado no art.º 4, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais”.

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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A)- A impugnante dedica-se à actividade publicitária (cfr. documento de fls. 15/17).
B)- Em 14 de Janeiro de 2008, a ora impugnante dirigiu à Câmara Municipal do Barreiro pedido de renovação das licenças de publicidade exterior para o ano de 2008 (cfr. fls. 18/19).
C) — Por ofício n° 03223 de 24 de Junho de 2008 a Câmara Municipal do Barreiro comunicou à ora impugnante que deveria proceder ao pagamento de €64.750,00 referente a taxas pela afixação de painéis referente ao 2° trimestre de 2008 (cfr. fls. 20).
D) — Consta ainda do ofício mencionado na alínea anterior que “Podem V. Exªs reclamar desta liquidação ou impugná-la nos termos gerais de direito e especificamente ao abrigo do art. 16º do Regulamento Geral das Taxas das Autarquias Locais aprovado pela Lei 53-E/2006 de 29 de Dezembro” (cfr. fls. 20).
E) — Em 17/07/2008 foi apresentada pela ora impugnante reclamação invocando que o faz ao abrigo do art. 16° do Regulamento Geral das Taxas das Autarquias Locais (cfr. fls. 24/28).
F) - Por ofício n° 4700 de 18 de Setembro de 2008 a Câmara Municipal do Barreiro informou a impugnante sobre a resposta à reclamação mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 29).
G) — Em 19/11/2008 foi enviada por registo postal a petição de impugnação de fls. 1/14.
H) — Em 02/06/2016, o Município do Barreiro informa este tribunal que no ano de 2008 “a alteração promovida ao Regulamento de Taxas não foi acompanhada do estudo económico-financeiro” (cfr. teor de fls. 205).
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA (correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo).
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo Município recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação intentada pela ora recorrida, padece de erros de julgamento que teriam resultado na violação dos artigos 17.º e 8.º, n.º 2, alínea c) do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei nº. 53-E/2006, de 29 de Dezembro.
Na sentença recorrida foi decidido não aplicar o supracitado Regulamento Municipal com fundamento em que, na alteração ao mesmo introduzida em 7/3/2008, não foi acatado o disposto no art.º 8º n.º 2 al. c) da Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL) e que, mesmo em vista do ordenado no art.º 17º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro (RGTAL), a al. c) do n.º 2 do art.º 8º estava em vigor o que obrigava a que a alteração regulamentar fosse acompanhada de fundamentação económico financeira.
Dissentindo desta argumentação, o recorrente ampara que essa interpretação esvazia de sentido o art.º 17º da referida Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, que só comina com a revogação automática os regulamentos que no dia 30/4/2010 não cumpram com aquilo que se prevê neste mesmo regime, ou seja, resulta daquele preceito, conjugado com o art.º 8º do mesmo diploma que, os regulamentos de taxas em vigor deverão adaptar-se às exigências do art.º 8º até à data prevista no art.º 17.º, considerando-se revogadas as taxas em questão sempre que essa adaptação não suceda.
Enfim, segundo o recorrente os regulamentos de taxas entrados em vigor depois de 30 de Abril de 2010 deverão obedecer a estas exigências, considerando-se total ou parcialmente nulas as suas disposições quando essa obediência não se verifique mas, a situação dos autos não se inscreve em nenhum das situações supra referidas, porque na data da alteração regulamentar, mas sobretudo na data em que ocorreu a liquidação sub judice, antes de 30 de Abril de 2010, a norma não se considerava automaticamente revogada, acrescendo que o facto do art.º 18º do RGTAL prever que o RGTAL entra em vigor em 1 de Janeiro de 2007, não significa que todas as normas que o compõem entrem em vigor na mesma data.
É por assim entender que conclui que o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas, Licenças e Autorizações do Município (publicado em DR II Série de 12 de Dezembro de 2006 — Apêndice 85), alterado por deliberação de 7/3/2008 estava plenamente em vigor à data da respectiva liquidação, i.e., em 2 de Junho de 2008, quando ainda faltavam mais de dois anos para que os Municípios procedessem à global alteração dos seus regulamentos para darem resposta e cumprimento ao art.º 8º do RGTAL, sendo que, mesmo a entender o contrário, emerge da própria letra do art.º 8º n.º 2 do RGTAL que é nula exclusivamente a criação de taxas, para significar que é apenas e tão só a criação das mesmas que se considera que fica sujeito ao novo regime legal. E o Município do Barreiro não criou a taxa que já existia no supra referido Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas, Licenças e Autorizações do Município de 12 de Dezembro de 2006, mas limitou-se a modificar o valor da mesma.
Em contraposição, a recorrida e o Ministério Público, consonantes, perfilham o entendimento de que, no caso concreto, o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas, Licenças e Autorizações do Município do Barreiro foi publicado no Diário da República, II série, de 12/12/2006 e foi parcialmente alterado por deliberação da Assembleia Municipal do Barreiro, em 07/03/2008, mediante proposta da respectiva Câmara Municipal.
Ora, em alinhamento com a tese da sentença, entendem a recorrida e o EPGA que esta alteração ao regulamento que ocorreu em 07/03/2008, em plena vigência do RGTAL, deveria ter observado as regras nele consagradas, designadamente, “a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas, designadamente os custos diretos e indiretos, os encargos financeiros, amortizações e futuros investimentos realizados ou a realizar pela autarquia local”, prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 53-E/2006. (…)” (assim, cfr. fls. 226 do p. f.).
Apreciando.
Como é manifesto, a questão nuclear radica na correcta hermenêutica do art.º 8º do RGTAL, à luz do que se acha previsto no art.º 17º do RGTAL o qual estabelece o regime transitório para a adaptação dos Regulamentos Municipais, para determinar se o Município deveria ter observado na alteração do Regulamento, em Março de 2008, a exigência legal, que limitou a revogação dos demais regulamentos que com ela fossem desconformes em 30/4/2010.
Ora, sobre a primeira vertente da questão, não subsistem dúvidas de que o facto tributário da Taxa em apreço referente ao ano de 2008 ocorreu nesse mesmo ano.
E é inquestionável que o artigo 8.°, n.° 2, alínea c), do RGTAL, impõe que “2 - O regulamento que crie taxas municipais ou taxas das freguesias contém obrigatoriamente, sob pena de nulidade: c) A fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas, designadamente os custos directos e indirectos, os encargos financeiros, amortizações e futuros investimentos realizados ou a realizar pela autarquia local;".
Há ainda que atentar no disposto no artigo 17.º, alínea a), do RGTAL que estabelece o regime transitório e que determina que “As taxas para as autarquias locais actualmente existentes são revogadas no dia 30 de Abril de 2010, salvo se, até esta data: a) Os regulamentos vigentes forem conformes ao regime jurídico aqui disposto; b) Os regulamentos vigentes forem alterados de acordo com o regime jurídico aqui previsto.”.
Do que vem dito decorre com inteira clareza que uma vez que o facto tributário ocorreu em 2008, o Regulamento só não estaria, por força do regime transitório previsto no artigo 17.°, alínea a), do RGTAL, obrigado a conter a fundamentação económico-financeira relativa ao valor da Taxa se não estivesse conforme ao regime jurídico disposto nesse diploma.
Vale isto por dizer que estando em causa uma Taxa cujo facto gerador ocorreu em 2008, ou seja, durante o período transitório previsto no artigo 17.°, alínea a), do RGTAL, o Regulamento em causa já era aplicável com a alteração nele introduzida por aplicação do inciso do artº 17º, al. a) à situação em apreço.
Na verdade, na norma transitória do art. 17° referido “As taxas para as autarquias locais atualmente existentes são revogadas no início do segundo ano financeiro subsequente à entrada em vigor da presente lei, salvo se, até esta data:
a) Os regulamentos vigentes forem conformes ao regime jurídico aqui disposto;
b) Os regulamentos vigentes forem alterados de acordo com o regime jurídico aqui previsto.”.
Com bem denota a sentença, o corpo desta norma foi posteriormente alterado (mantendo-se as suas alíneas) pela Lei n° 64-A/2008 de 31 de Dezembro e pela Lei n° 117/2009 de 29 de Dezembro.
E a redacção dada pela Lei n° 64-A/2008 de 31 de Dezembro era a seguinte “As taxas para as autarquias locais atualmente existentes são revogadas no início do 3° ano financeiro subsequente à entrada em vigor da presente lei, salvo se, até esta data (…)”.
Por seu turno, a redacção conferida pela Lei nº 117/2009 de 29 de dezembro apontava para que “As taxas para as autarquias locais atualmente existentes são revogadas no dia 30 de abril de 2010, salvo se, até esta data (…)”.
Impõe-se, por isso, concluir que ocorria uma revogação automática das taxas das autarquias locais caso não fossem adaptadas de acordo com o regime previsto no RGTAL, às seguintes datas, por ordem, 01/01/2009, 01/01/2010 e 30/04/2010.
Contudo e como se enfatiza na sentença recorrida, a existência dessa revogação automática, não afasta a necessidade de que uma alteração regulamentar não tenha de respeitar as regras consagradas no RGTAL, designadamente quanto à exigência de fundamentação económico-financeira prevista na citada alínea c) do n° 2 do art. 8º.
Ora e continuando a sufragar o discurso fundamentador da sentença, no caso concreto o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas, Licenças e Autorizações do Município do Barreiro foi publicado no Diário da República, II série, de 12/12/2006 e foi parcialmente alterado por deliberação da Assembleia Municipal do Barreiro em 07/03/2008 mediante proposta da respectiva Câmara Municipal.
Com esta alteração ao regulamento que aconteceu em 07/03/2008, em plena vigência do RGTAL, deveria ter observado as regras nele consagradas, designadamente, “a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas, designadamente os custos diretos e indiretos, os encargos financeiros, amortizações e futuros investimentos realizados ou a realizar pela autarquia local”, prevista na alínea c) do n° 2 do art. 8° da Lei no 53-E/2006.
O certo é, como se enfatiza na sentença e objectivam os autos, o Município do Barreiro informou expressamente o tribunal que a alteração promovida ao Regulamento de Taxas não foi acompanhada do estudo económico-financeiro (cfr. alínea H) do probatório), por entender que só a partir de 01/01/2010 é que os regulamentos deviam conter essa fundamentação face ao art. 17° da mesma lei.
Mas, como já antevisto, a alteração ao Regulamento verificada em 07/03/2008 deveria ter sido acompanhada do estudo económico-financeiro, e não o tendo sido, o referido regulamento padece de nulidade nos termos da alínea c) do n° 2 do art. 8° do RGTAL, pelo que consequentemente a liquidação de taxa ora impugnada deve ser anulada.
Ao lavrar nesse entendimento, a sentença recorrida é assertiva pois, como decorre das normas transcritas, a publicação do RGTAL, em 29/12/2006, com entrada em vigor 1/01/2007, implicou que, sob pena de nulidade, os regulamentos de aprovação de regulamentos prevendo taxas das autarquias locais passassem a conter um conjunto de elementos, entre os quais, a fundamentação económico financeira relativa ao valor das taxas. Por sua vez, o artigo 17.° do mesmo corpo de normas, dava até 30/04/2010 para que os regulamentos já aprovados viessem a pôr-se conforme as novas exigências contidas no RGTAL, sob pena de serem revogados e a alteração de que foi alvo o Regulamento tem de ser valorada no sentido de que, com ela, se operou a sua conformação como o RGTAL.
Assim sendo e na senda do Acórdão do TCA Sul, de 17/04/2012, tirado no Processo n.° 04796/11 e relatado pelo ora 1º adjunto desta formação, “(...) 3. Consagra o art°.8, n° 2, da Lei 53-E/2006, de 29/12 (diploma que prevê o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais) exigências precisas para a edição dos regulamentos locais de taxas. A norma em causa obriga as autarquias à enunciação clara da base de incidência, da base de cálculo, das isenções e modo de pagamento das taxas locais, mais exigindo, a par destes elementos, que se explicite a fundamentação económica e financeira das taxas criadas, tudo sob pena de nulidade do diploma em causa. // 4. Especificamente, no que respeita à fundamentação económica e financeira das taxas criadas refere a norma (cfr. art°. 8, nº. 2, al. c), do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais), que o valor dos tributos deve levar em consideração, designadamente, os custos diretos e indiretos, os encargos financeiros, as amortizações e os investimentos realizados, ou a realizar, pela autarquia local. Na estruturação da fundamentação económico-financeira da taxa criada a autarquia deve levar em consideração, desde logo, o princípio da equivalência jurídica consagrado no art.º 4, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais”.
Entendemos, por referência ainda à doutrina fixada no acórdão do S.T.A. de 27-9-2017, proferido no processo 479/16, que ocorre ilegalidade por falta de fundamentação económico-financeira já que em 2008, ano a que se reporta, já tinha cessado o regime transitório previsto no R.G.T.A.L.
A sentença recorrida, que assim decidiu, não merece censura e deve ser confirmada.
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3.- DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.
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Lisboa, 6 de Novembro de 2019. - José Gomes Correia (relator) - Joaquim Condesso - Paulo Antunes.