Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0257/12
Data do Acordão:04/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
REVERSÃO
INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO DO DEVEDOR
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Sumário:I - A reversão em execução fiscal pode ser decidida contra os responsáveis subsidiários, mesmo sem o património do devedor originário ainda estar excutido, bastando que existam fundadas razões para se poder concluir que os bens penhorados ao devedor originário sejam insuficientes para pagar a totalidade da dívida.
II - Nesse caso, o benefício da excussão é salvaguardado com a suspensão dos efeitos da reversão, caso se verifique a impossibilidade de apuramento da suficiência dos bens penhorados.
III - As omissões, inexactidões ou insuficiência na instrução do procedimento de reversão são defeitos que atingem a própria reversão e como tal devem ser invocados em sede de oposição à execução e não na reclamação do despacho que exigiu a prestação da garantia como condição de suspensão da execução.
Nº Convencional:JSTA00067520
Nº do Documento:SA2201204120257
Data de Entrada:03/08/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART22 N3 ART23 ART48 N3 ART52
CPPTRIB99 ART153 N2 ART160
Referência a Doutrina:PAULO MARQUES RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS GESTORES E DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS PAG144
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1.1. A………, com sinais dos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a reclamação que, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, deduziu do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Loulé, que determinou a prestação, no prazo de 15 dias, de garantia idónea, no valor de 4.696.232,60.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
1. Como se infere da Sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido formulado na presente reclamação judicial, porquanto considerou que a aplicação do disposto no artigo 23°, n.º 3, da Lei Geral Tributária — em concreto, na parte que diz respeito à suspensão oficiosa — pressupõe a prévia penhora dos bens do responsável subsidiário.
2. Porém, como tem vindo a ser sedimentado pela jurisprudência e assinalado pela doutrina mais reconhecida, o disposto no n.º 3 do artigo 23.° da Lei Geral Tributária determina que o processo de execução fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do devedor principal, sempre que não seja possível concluir com segurança que os bens penhorados e penhoráveis do devedor originário são suficientes para pagamento integral da dívida (sendo certo que, a secundar o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, a mencionada norma jurídica perderia todo o seu efeito útil).
3. Posto isto, faz-se notar no caso em apreço, ainda não se encontra excutido o património da devedora originária, pois que está por penhorar o património da mesma (seja os bens e direitos especificamente afectos à actividade da B………, seja dos restantes bens e direitos da sociedade-mãe, a C………).
4. Perante o que fica exposto o processo de execução fiscal n.° 1082201101016180, revertido contra o ora RECORRENTE, encontra-se legalmente suspenso até que se encontre totalmente excutido o património da devedora originária, situação que, até à presente data, não se verificou.
5. Significa o anterior, que o despacho da Senhora CHEFE DO SERVIÇO DE FINANÇAS DE LOULÉ -1, ao exigir ao RECORRENTE a prestação de garantia, no valor de € 4.696.232,60 (quatro milhões, seiscentos e noventa e seis mil, duzentos e trinta e dois euros e sessenta cêntimos), para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.° 1082201101016180 — já suspenso até integral excussão do património da devedora originária — viola flagrantemente o disposto no n.º 3 do artigo 23º da Lei Geral Tributaria.
6. Por conseguinte, não se pode deixar de concluir que a sentença ora recorrida assentou em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, impondo-se, por esse motivo, a sua revogação, com a consequente procedência do pedido anulatório inicialmente formulado pelo RECORRENTE.

1.2 Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto do S.T.A. emitiu parecer no sentido de apenas ser possível à administração tributária praticar medidas cautelares.

2. A sentença considerou a seguinte matéria de facto:
a) Em 29/03/2011, foi instaurado o processo de execução fiscal n.° 1082201101016180, contra a executada B………, pessoa colectiva n.º ………, com sede em ………, ………, ………, 8135 Almancil, para cobrança coerciva de dívidas de IRC do ano de 2007, no montante de 3.644.233,11, cfr. fls. 1 e 2.
b) A Executada foi citada em 13/04/2011, cfr. fls. 5 a 7.
c) Em 18/05/2011, no processo de execução fiscal a que se refere a alínea anterior foi prestada a seguinte informação (fls. 28):
«Para efeitos do disposto nos art. 8° do RGIT, art. 23º e art. 60º da LGT (reversão contra responsáveis subsidiários), art. 153° e 160° do CPPT, cumpre-me informar V. Exa. que B………, LDA, NIPC ………, sito na ………, ……… — ……… — 8135 Almancil, é executado, no presente processo, por dívida IRC, montante de e 3.644.233,11 (três milhões seiscentos e quarenta e quatro mil duzentos e trinta e três euros e onze cêntimos), acrescido de juros e custas.
2. Compulsados diversos elementos temos que:
a. A devedora não possui bens susceptíveis de penhora, que garantam o pagamento da dívida.
b. Consultado o registo da sociedade na C R Comercial (fls. 26 e 27) os Sujeitos Passivos abaixo indicados são representantes, na executada, nos seguintes períodos:

NOME
NIF
FUNÇÕES
PERÍODO
Desde Até
D………
………
Representante
19-04-2005
17-01-2008
A………
………
Representante
7-01-2008
Final

3. Assim pelas razões apontadas, encontra-se reunido o pressuposto referido na alínea a) do n.° 2 do art.° 153° do C.P.P.T., para reversão da execução contra os representantes, D……… e A………, que são subsidiariamente responsáveis em relação à devedora originária e solidariamente entre si, relativamente às dividas cujo prazo legal de pagamento terminou no período de exercício dos representantes, nos termos do disposto na alínea b) do art° 24°, n.° 1 da LGT, com referencia ao responsável A……… e nos termos da alínea a) do mesmo artigo relativamente ao responsável D………».
d) Em 18/05/2011, foi proferido o projecto de despacho de reversão da execução contra o Reclamante, cfr. fls. 29.
e) Por despacho de 23/07/2011, a execução reverteu contra o ora reclamante, cfr. fls. 125.
f) O Reclamante foi pessoalmente citado em 05/08/2011, cfr. fls. 129.
g) O ora Reclamante deduziu oposição à execução fiscal que foi registada neste Tribunal com o n.° 526/11.0 BELLE, cfr. fls. 141.
h) Em 21/09/2011, foi proferido o despacho ora sob reclamação, donde resulta com interesse para a decisão (fls. 142):
«Tendo em atenção o disposto no art.° 52° da Lei Geral Tributária, n° 2 do art. 169° e nº 5 do art. 199° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, cite-se o executado, para no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar garantia idónea, que fixo no valor de € 4.696232,60 (quatro milhões, seiscentos e noventa e seis mil, duzentos e trinta e dois euros e sessenta cêntimos), conforme conta, que poderá consistir em garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente».
i) O antecedente despacho foi notificado ao Reclamante em 27/09/2011, cfr. fls. 147 a 149.
J) A presente reclamação foi apresentada em 03/10/2011, cfr. fls. 153.
h) No Serviço de Finanças foi prestada a seguinte informação (fls. 271 e 272):
«1 - Aos 29 de Março do corrente ano, foi instaurado em nome da sociedade B………, NIPC. ………, o processo de execução fiscal n°1082201101016180, que corresponde à liquidação de IRC, respeitante ao ano de 2007, na importância de € 3.312.119,21 e respectivos juros de mora na importância de € 332.113,90
Esta liquidação resultou da acção inspectiva credenciada pela ordem de serviço nº. 01201001379 de 28/06/2010 e concluída em 08/10/2010.
2 - Da informação prestada no dia 18 de Maio do corrente ano, consta que a devedora não possui bens susceptíveis de penhora que garantam o pagamento da divida, encontrando-se reunidas as condições referidas na alínea a) do n°2 do art. 153.° do CPPT, para reversão da execução contra os representantes D……… e A……… ora reclamante, que são subsidiariamente responsáveis em relação à devedora originária e solidariamente entre si, relativamente às dívidas cujo prazo legal de pagamento terminou no período de exercício dos representantes, nos termos do disposto na alínea b) do Art° 24°, nº. 1, da LGT, com referência ao oponente e nos termos da alínea a) do mesmo artigo relativamente ao responsável D……….
3 - Aos 18 de Maio do corrente ano, foi emitido o despacho para audição (Reversão) em nome do reclamante, A………, NIF. ………, com domicilio fiscal em ……… — ……… — ……… -8135-……… Almancil, na qualidade de Responsável Subsidiário, pela divida, não tendo provado não lhe ser imputável a falta de pagamento da divida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art°. 24°. nº. 1 b) da LGT
4 - Na mesma data, foi extraída a notificação Audição - Prévia (Reversão), com o fundamento previsto no n°. 4 do art°. 23° e art°. 60°. da LGT e enviada ao ora reclamante sob registo nº. RM7474838304 2PT
5 - Aos 27 de Julho do corrente ano foi proferido o despacho de reversão contra o ora reclamante, na qualidade de responsável subsidiário (art°. 24°. nº. 1 alínea b) da LGT).
6 - Na mesma data, foi extraída a citação da reversão e enviada sob o registo nº. RM3091801 18PT, tendo a mesma sido devolvida com a indicação de objecto não reclamado.
7 - Assim, procederam os serviços à emissão do mandado para citação pessoal, tendo o oponente sido citado pessoalmente em 5 de Agosto do corrente ano.
8 - Na sequência da entrega de reclamação graciosa em nome da sociedade devedora a que foi atribuído o nº. 108220110400143.5, foi prestada a informação e o despacho no processo executivo, procedendo-se ao cálculo da garantia a prestar, para efeitos de suspensão da execução, nos termos do art.° 52°. da LGT e nº. 2 do art°. 169°. do CPPT. Pelo n/oficio n.° 5063, de 14-06-2011, (Registado com aviso de recepção RM 7011211637PT) foi a sociedade devedora notificada para apresentar garantia, para efeitos de suspensão do referido processo de execução fiscal. O aviso de recepção foi assinado em 15/06/2011, não tendo sido apresentada qualquer garantia.
9 - No dia 05 de Setembro de 2011 foi apresentada pelo ora reclamante oposição à execução, instaurada sob o n° 1082201109000100, a qual foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé em 2011-09-08, a coberto do n.º ofício n° 7760.
10 - Aos 13 de Setembro de 2011, o respectivo TAF Loulé comunica ao Chefe deste Serviço de Finanças que, por despacho proferido pelo Mm°. Juiz em 12-09-2011 foi admitido liminarmente a supra citada oposição, informando para o eventual efeito do disposto nos art°s 212° e 169° n° 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), relativamente ao processo executivo em causa.
11 - Aos 21 de Setembro de 2011, foi proferido despacho para cálculo da garantia a apresentar para efeitos de suspensão da execução, nos termos do art° 52° da Lei Geral Tributária (LGT) e n°2 do Art.° 169° do CPPT. Calculada a garantia pelo valor de € 4 696 232,60 e na mesma data foi proferido despacho com vista à citação do executado, para no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar garantia idónea.
12 - Para efeitos de suspensão da execução, nos termos do n° 2 do Art° 169° do CPPT, na mesma data, foi enviado ao reclamante (A………), o oficio n° 8176, registado com aviso de recepção, sob o n° RM78O1 15556PT, tendo sido assinado o AR em 27 de Setembro de 2011.
13 - Foi também enviado à sociedade de Advogados ………, na qualidade de mandatários do executado/reclamante o oficio n° 8284, registado com aviso de recepção, sob o n° RM309180461 PT tendo sido assinado o AR em 23 de Setembro de 2011.
Cumpra-se o disposto no n°. 3 do art°. Art.º 115.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (C.P. P.T.)
Remetam-se os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé. Serviço de Finanças de Loulé 1, 07 de Outubro de 2011».
l) O Reclamante foi designado representante da originária devedora por deliberação de 18/12/2007, cfr. fls. 26.
m) O Reclamante renunciou ao cargo de representante em 04/02/2011, cfr. fls. 26.
n) A Administração Fiscal emitiu a demonstração de liquidação de IRC referente ao exercício de 2007 e a demonstração de liquidação de juros, cfr. fls. 243. e 244.
o) O prazo para pagamento voluntário terminou em 31/01/2011, cfr. fls. 245.
p) A originária devedora reclamou graciosamente em 31/05/2011, cfr. fls. 246.
q) Em 12/12/2011, a Administração Fiscal comunicou (fls. 291):
«Conforme “print” do sistema informático, referente às penhoras efectuadas à empresa B………, nif ………, as mesmas não surtiram qualquer efeito, uma vez que as respostas foram negativas (não reconhece obrigação e não é cliente/trabalhador).
Com referência às penhoras notificadas em Novembro e Dezembro, este Serviço de Finanças não recebeu ainda qualquer resposta das entidades às quais as mesmas foram requeridas)».

3. Após o recorrente, contra quem reverteu a execução fiscal, ter deduzido oposição, o órgão de execução fiscal notificou-o para prestar garantia idónea, com vista à suspensão da execução.
Ao abrigo do artigo 276º do CPPT, o recorrente reclamou do despacho que determinou a prestação da garantia, alegando que o processo de execução fiscal se deve considerar suspenso desde o termo do prazo da oposição, uma vez que ainda não se encontra excutido o património da devedora originária.
A sentença recorrida julgou improcedente a reclamação com fundamento em que; (i) “a suspensão do processo de execução fiscal, nos termos do nº 3 do artigo 23º da LGT, assenta, pelo menos, na verificação de dois requisitos: - que à ordem do processo de execução fiscal estejam penhorados bens do responsável subsidiário; - e que não seja possível determinar a suficiência dos bens por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo mesmo responsável subsidiário”; (ii) “no caso dos autos, não foram penhorados quaisquer bem do responsável subsidiário, ora Reclamante, e por isso, não é viável a determinação da suficiência dos bens penhorados”; (iii) “inexistindo bens penhorados do responsável subsidiário, estamos fora do âmbito de aplicação da norma do nº 3 do artigo 23º da LGT, inexistindo fundamento para a suspensão do processo de execução fiscal”.
O recorrente considera que essa decisão incorre em erro sobre os pressupostos de direito, porque do nº 3 do artigo 23º da LGT resulta que “o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do devedor principal, sempre que não seja possível concluir com segurança que os bens penhorados e penhoráveis do devedor originário são suficientes para pagamento integral da dívida”, sendo certo que, no caso concreto, “ainda não se encontra excutido o património da devedora originária, pois que está por penhorar o património da mesma”, e por conseguinte “não se encontra predeterminado o valor do património da devedora originária».
A controvérsia reside pois no seguinte: enquanto o órgão de execução fiscal considera que a execução apenas se suspende se for prestada garantia idónea, nos termos dos artigos 52º da LGT e 169º do CPPT, o recorrente defende que a execução suspende-se automaticamente após a reversão, para garantir o benefício de excussão prévia, nos termos do nº 2 do artigo 23º da LGT.
A questão de direito a resolver passa por desvendar no artigo 23º da LGT as condições determinantes da suspensão da execução fiscal relativamente ao responsável subsidiário.
Ora, este artigo 23º estabelece no nº 1 que «a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal»; dispõe no n.º 2 que «a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão»; e no n.º 3 prescreve-se que «caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei».
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 153.º do CPPT preceitua que «o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido».
Estas normas estabelecem os pressupostos da reversão, o momento em que ela deve ocorrer e as condições em que pode ser suspensa, tendo por ponto de partida a salvaguarda do benefício da excussão. Para a resolução daquela questão impõe-se pois determinar o modo como a lei compatibiliza a reversão com o benefício da excussão.
Do carácter subsidiário da responsabilidade tributária, imposto no nº 3 do artigo 22º da LGT, decorre que a execução fiscal só pode ser revertida contra o responsável subsidiário depois de excutidos os bens do devedor originário. Daqui resulta, por um lado, que o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa do seus bens, e apenas pode exigi-la do devedor subsidiário no caso de se provar a inexistência ou insuficiência de bens daqueles e, por outro, que o devedor subsidiário pode recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiver sido excutido todos os bens daqueles devedores.
O nº 2 do artigo 153º do CPPT, que tem que ser lido em conjugação com o artigo 23º da LGT, condiciona a reversão à verificação a uma das seguintes situações: (i) inexistência de bens penhoráveis na esfera patrimonial do devedor originário; (ii) fundada insuficiência dos bens do devedor originário para satisfação do dívida exequenda.
Se os devedores (principal e solidário) não têm bens, o órgão pode e deve reverter imediatamente a execução contra os responsáveis subsidiários, pois nada há para excutir. A maior dificuldade reside quando os bens desses devedores não são suficientes para pagar a dívida e acrescido. O órgão de execução fiscal está vinculado a fazer uma investigação aprofundada sobre a existência de bens no património do devedor originário ou dos eventuais responsáveis solidários, mas apesar disso, pode prognosticar-se que o produto da venda dos penhoráveis ou penhorados não chega para liquidar a totalidade da dívida exequenda.
Nesta última situação, perante o modo como a matéria se encontra tratada pelo legislador, que não contribui ou facilita a clareza das soluções, torna-se complexo compatibilizar o benefício da excussão com a reversão, pois a aplicação do conceito indeterminado «insuficiência» pode não ditar a medida exacta da responsabilidade do dever subsidiário. Uma interpretação do conceito que tenha como resultado a penhora e venda de bens do revertido de valor superior à medida da sua responsabilidade pode ser inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição do excesso.
Em princípio, para que tal não aconteça, a reversão só deveria acontecer após excutidos os bens do devedor originário. Só nessa altura é possível apurar com rigor o quantum da insuficiência e a «extensão» da responsabilidade do revertido, elemento de facto que o nº 4 do artigo 23º e nº 1 do artigo 160º do CPPT mandam incorporar no despacho de reversão.
Mas, da interpretação conjugada do nº 2 e 3 do artigo 23º da LGT, resulta que é possível emitir o acto de reversão antes da prévia excussão dos bens do devedor originário. Com efeito, a letra da lei parece não deixar margem para dúvidas quanto a essa possibilidade: as expressões «bens penhoráveis» e «sem prejuízo do benefício da excussão» do nº 2 do artigo 23º só têm sentido se a reversão ocorrer antes da excussão; de igual modo, a possibilidade de «suspensão» da reversão prevista no nº 3 do mesmo artigo só se compreende na situação em que, antes da excussão, já houve reversão, caso contrário seria desprovida de sentido útil.
Para não se ultrapassar os parâmetros ditados pelo princípio da proporcionalidade, a reversão antes de excutido o património do devedor originário, com possibilidade de penhora imediata dos bens do revertido, não pode ocorrer em todas as situações de insuficiência. Assim, a lei não só exige uma «fundada insuficiência», como fixa alguns critérios para se formular o juízo de insuficiência, ao mandar atender aos valores constantes do auto de penhora e outros elementos que a administração tributária disponha. Mas o uso de critérios objectivos nem assim garante com segurança que o responsável subsidiário não seja chamado à execução para responder por quantia superior à que lhe é exigida. Se a lei lhe dá o direito de recusar o cumprimento enquanto não estiverem executados todos os bens do devedor principal, é porque legalmente apenas deve estar obrigado a pagar a diferença entre o montante do imposto e o produto da venda dos bens do devedor ou o que este pagou.
A forma que a lei encontrou para proteger este direito do responsável subsidiário foi a suspensão da reversão quando «não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar». Portanto, no caso de impossibilidade de apuramento da suficiência dos bens penhorados, ou seja, quando ainda não é possível quantificar a responsabilidade do revertido, o despacho de reversão não produz o efeito de prosseguir a execução contra o revertido, salvaguardando-se desse modo o benefício da excussão. A contrario, significa isto que, sendo possível determinar com exactidão o quantum de responsabilidade do revertido, não há benefício da excussão. Ora, isto praticamente só pode ocorrer quando os bens do devedor principal tiverem um valor predeterminado, como acontece com dinheiro e créditos.
Apurada e provada a insuficiência dos bens do devedor originário, havendo apenas uma “duvida residual” quanto ao exacto montante dessa insuficiência, o órgão de execução fiscal pode avançar para a reversão, embora com suspensão da execução quanto ao revertido até que seja excutido o património daquele. Como refere Paulo Marques, «resulta da lei que o reversão em execução fiscal pode ser decidida contra os responsáveis subsidiários, mesmo sem o património do devedor originário ainda estar excutido, bastando que existam fundadas razões para se poder concluir que os bens penhorados ao devedor originário sejam insuficientes para pagar a totalidade da dívida, não se exigindo o cálculo com absoluta exactidão dessa insuficiência patrimonial. A dúvida sobre o quantum a pagar pelo responsável subsidiário deve constituir uma dúvida residual em termos de manifesta insuficiência patrimonial do devedor originário (ou solidário). Isto significa que o órgão de execução fiscal deve aferir a priori a insuficiência de bens do devedor principal e dos responsáveis solidários, permanecendo somente a dúvida sobre o exacto montante dessa mesma insuficiência» (cfr. Responsabilidade Tributária dos Gestores e dos Técnicos Oficiais de Contas, Coimbra Editora, pág. 144).
Pode parecer estranho que «no momento da reversão», constatada a impossibilidade de aferir com precisão o quantitativo da insuficiência patrimonial, se determine oficiosamente a suspensão da execução quanto à penhora e venda dos bens do responsável subsidiário. Mas, havendo já a certeza quanto à insuficiência dos bens do devedor originário, o interesse público na interrupção da prescrição (cfr. nº 3 do art. 48º da LG) ou o interesse particular do revertido em impugnar, desde logo, a dívida cuja responsabilidade lhe é atribuída (cfr. nº 4 do art. 22º da LGT), pode justificar que a reversão ocorra antes da excussão, sem que tal exceda os limites da proporcionalidade, o que certamente acontecerá se a suspensão da reversão atingir, desde logo, a penhora dos bens do responsável subsidiário.
Posto isto, está-se em condições de averiguar se no caso dos autos existe impossibilidade de apuramento da suficiência dos bens penhoráveis, condição determinante da suspensão da reversão.
Do que resulta das alegações do recorrente, que em nada alteram a posição inicialmente assumida, não está em causa qualquer juízo errado do órgão de execução fiscal, quer quanto à insuficiência dos bens penhoráveis ou penhorados, quer quanto à impossibilidade de apuramento do quantum dessa insuficiência. O recorrente limita-se a alegar que “não se encontra excutido o património da devedora originária, pois que está por penhorar o património da mesma”, e que por isso “não se encontra predeterminado o valor do património da devedora originária”. Ora, esta afirmação não centraliza o problema no âmbito do requisito da insuficiência, mas sim no âmbito do pressuposto adjectivo da inexistência de bens penhoráveis.
A controvérsia levanta-se assim sobre a existência ou não de bens penhoráveis e não sobre a sua (in)suficiência e/ou quantificação, pois o despacho de reversão teve como fundamento a inexistência de bens penhoráveis. Sem se conhecer se o devedor originário tem bens penhoráveis, logicamente que não é possível formular qualquer juízo sobre a «fundada suficiência», assim como fazer qualquer juízo de prognose sobre o quantum de responsabilidade patrimonial do recorrente.
Assim sendo, o que está em causa é saber se o despacho de reversão emitido com base na inexistência de bens penhoráveis (al. a) do nº 2 do art. 153º do CPPT) enferma de erro nos pressupostos de facto, seja porque se comprova a existência de bens penhoráveis, seja porque há deficit de instrução, que redunda em erro invalidante da reversão. Naturalmente que a falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da reversão afectará esta não só se tais diligências forem obrigatórias (violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes, alegados pelo interessado, por insuficiência de prova de que a administração tributária poderia e deveria ter colhido (erro nos pressupostos de facto).
Acontece que as omissões, inexactidões ou insuficiência na instrução do procedimento de reversão, a existirem, são defeitos que atingem a própria reversão e como tal devem ser invocados em sede de oposição à execução. E foi isso mesmo que o recorrente fez quando deduziu oposição à execução invocando exclusivamente que o órgão de execução não cuidou de demonstrar a inexistência de bens penhoráveis, que não realizou quaisquer diligências com vista à verificação da existência de bens da devedora originária (cfr. fls. 250 e ss. dos autos).
Como a reclamação tem o mesmo fundamento que a oposição, parece que o recorrente pretende estender o âmbito do nº 3 do artigo 23º da LGT às situações em que existe controvérsia quanto à existência de bens penhoráveis. Ou seja, como ainda não está demonstrada a inexistência de bens penhoráveis, também há uma situação de impossibilidade de apuramento da insuficiência de bem que justifica a imediata suspensão da execução.
Mas, parece que aquela norma não consente esta interpretação, uma vez que nela se prevê que a excussão seja condição de prosseguimento da execução apenas quando há bens penhorados de valor indeterminado. Portanto, o mecanismo da suspensão da execução para garantir o benefício da excussão só funciona quando não seja possível avaliar com exactidão o valor dos bens penhorados ao devedor originário. De contrário, estar-se-ia a conhecer um fundamento da oposição, porventura com o risco de se obter decisões contraditórias.
Em todo o caso, mesmo que seja de interpretar a norma do nº 3 do artigo 23º à situação de dúvida quanto à existência de bens penhoráveis, subsistente enquanto não transitar em julgado a acção de oposição, sempre seria de exigir que o responsável subsidiário fizesse pelo menos prova do contrário, ou seja, que indicasse quais os bens existentes no património da devedora originária que podem ser susceptíveis de penhora e sobre os quais há dificuldade em determinar o respectivo valor. Tal circunstância, ainda que não dê a certeza absoluta sobre a existência dos bens, que só será obtida na oposição, mesmo assim poderia ser prova suficiente, dado o carácter urgente da reclamação. A simples justificação ou a prova informativa da existência de bens penhoráveis, apesar de exigir um menor grau de probabilidade que a prova necessária para se decidir a oposição, não podia deixar de ser o mínimo indispensável à justificação da suspensão dos efeitos da reversão na pendências da oposição.
Ora, no caso concreto, não há qualquer elemento de prova, indiciador que seja, que o património da devedora originária integra bens penhoráveis. Bem pelo contrário, as tentativas que o órgão de execução fiscal fez para penhorar créditos da devedora originária não surtiram efeito. Portanto, mesmo que o nº 3 do artigo 23º fosse aplicável à situação litigiosa sobre a inexistência de bens, e não é, ainda assim, não haveria como dar por demonstrados os pressupostos da insuficiência de bens e da impossibilidade de determinar o “quantum” de responsabilidade do revertido.

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 12 de Abril de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.