Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01184/09
Data do Acordão:02/03/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
Sumário:O artigo 89.º do CPPT deve ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos por iniciativa da administração tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, sob pena de violação dos princípios da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n. º 4 da CRP).
Nº Convencional:JSTA00066264
Nº do Documento:SA22010020301184
Data de Entrada:11/30/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO/COBRANÇA.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC846/08 DE 2009/09/23.; AC STA PROC1183/09 DE 2009/12/16.; AC STA PROC1170/09 DE 2010/01/13.; AC STAPLENO PROC356/08 DE 2009/05/06.; AC STAPLENO PROC694/08 DE 2009/10/28.; AC STAPLENO PROC997/08 DE 2009/12/02.; AC TC 386/2005 PROC947/04 DE 2005/07/13.; AC TC 481/08 DE 2008/10/07.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO ANOTAÇÃO AO ART89.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 7 de Outubro de 2009, que julgou procedente a reclamação que o A…, S.A. deduziu contra o acto de compensação, efectuado pela Administração Tributária, da dívida em cobrança na execução fiscal n.º 317420090101772 com o crédito/reembolso de IVA no valor de € 614.638,49.
Rematou as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A- Ao decidir pela inadmissibilidade da compensação da dívida, por iniciativa da Administração Tributária, enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, enferma a douta sentença recorrida de erro de julgamento em matéria de direito.
B- Na verdade, findo o prazo do pagamento voluntário, o devedor acha-se em mora, ou seja, em situação de incumprimento, sendo que, esse incumprimento legitima a cobrança coerciva, bem como a cobrança através da compensação das dívidas com créditos de que o devedor seja titular, nos termos previstos no citado art.° 89° do CPPT.
C- Rectius, a partir do momento da constituição da mora, a AT está não apenas legitimada a proceder à cobrança coerciva, mas obrigada a fazê-lo, na medida em que não tem, nesta matéria, qualquer margem para critérios de oportunidade, sendo a sua actuação estritamente vinculada à lei.
D- A lei é clara nessa absoluta vinculação da AT, estabelecendo, quer a indisponibilidade do crédito tributário, quer a proibição da moratória, no n.º 2 do art.° 30º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual o crédito tributário é indisponível só podendo ser criadas condições para a sua redução ou extinção com respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária.
E- Por sua vez, o n.º 3 do art.° 36° do citado diploma legal, estabelece que a AT não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.
F- Do que se trataria no caso de a AT não proceder à compensação em causa, enquanto não decorressem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação, seria a concessão de moratória no pagamento de uma obrigação tributária, num caso não expressamente previsto na lei.
G- As cautelas de absoluta vinculação da AT à lei de que o legislador se socorreu na matéria da cobrança da dívida tributária, são motivadas pela natureza dessa mesma dívida, pelo seu carácter público, pela celeridade que é necessária imprimir na sua cobrança e pela correlativa afectação à satisfação das necessidades colectivas.
H- Anulando o legislador, com esta vinculação, qualquer margem para apreciação casuística ou critérios de oportunidade, estabelecendo a cobrança da dívida por compensação obrigatória, verificadas que sejam a mora e a existência de um crédito do mesmo devedor sobre a AT, susceptível de compensação.
I- A este propósito e, em desfavor dos que defendem a inconstitucionalidade material do art.° 89° do CPPT, quando interpretado no sentido de permitir a compensação logo que a dívida se torne exigível, já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 386/2005, no sentido de que aquela interpretação não é materialmente inconstitucional face aos princípios da igualdade e do acesso aos tribunais (arts 13° e 20° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
J- No sentido propugnado pela Fazenda Pública, também se pronunciou o STA, num Acórdão de 30-07-2008, proc. 0133/08: “O artigo 89°, n.º 1 do CPPT não afronta os princípios fundamentais da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, quando interpretado no sentido de que a compensação de créditos fiscais, realizada por iniciativa da Administração Tributária, pode ser efectuada desde o momento em que a dívida se torne exigível, apesar de ainda não se encontrar esgotado o prazo para o exercício do direito de impugnação e de esta ainda não ter sido deduzida.”
K- E, nem se argumente com a lesão irreversível dos direitos do devedor, porquanto, os seus direitos de defesa em nada ficam coarctados, uma vez que, na eventual procedência da sua pretensão, será ressarcido pelo valor indevidamente cobrado, acrescido dos juros indemnizatórios devidos.
L- Não se configurando, desta forma, qualquer lesão irreversível para a reclamante, porquanto a compensação operada em tais circunstâncias não importa a perda definitiva do valor do crédito.
M- Em suma, de acordo com o art.° 89° do CPPT a AT está obrigada a proceder à compensação de dívidas, não sendo tal compensação objecto de decisão discricionária, estando, pelo contrário, sujeita ao preenchimento de determinados requisitos e condições expressamente estabelecidos na lei, de entre os quais não se encontra o de se encontrarem decorridos os prazos para impugnação contenciosa ou administrativa da liquidação.
N- Na verdade, se o legislador tivesse querido adicionar o pressuposto da necessidade de se mostrarem esgotados os prazos para impugnação contenciosa ou administrativa da liquidação, tê-lo-ia dito expressamente, acrescendo-o aos demais requisitos expressamente elencados, atendendo às cautelas de que se socorreu ao legislar sobre a matéria da cobrança.
O- Ao pronunciar-se em sentido oposto, ocorre a douta decisão recorrida em erro de julgamento por errada aplicação do direito.
1.2. A Recorrida contra-alegações para pugnar pela manutenção do julgado, que rematou com o seguinte quadro conclusivo:
A- O nº 1 do art. 89º do CPPT exprime a intenção legislativa de a compensação só dever efectuar-se quanto a dívidas sobre as quais não haja controvérsia.
B- Por isso, esta forma de auto-tutela do Fisco só se admite quando já haja um grau de certeza suficiente acerca da exigibilidade da dívida (ou seja, só em fase executiva, e sem que penda processo destinado a apreciar a legalidade da dívida ou da execução).
C- Pois bem, se aquele grau de certeza inexiste depois de instaurada uma impugnação ou reclamação, ainda menos existe numa fase anterior à instauração desse processo, sendo até mais exigível aguardar pelo decurso integral dos respectivos prazos de interposição.
D- As consequências práticas do entendimento perfilhado pela Fazenda Pública são inaceitáveis à luz da Constituição.
E- Por um lado, porque obriga os contribuintes a deduzirem as suas reclamações ou impugnações no dia seguinte ao termo do prazo de pagamento voluntário (para evitarem a ablação imediata do seu direito ao reembolso), privando-os do tempo necessário ao exercício dos seus direitos de defesa.
F- Por outro, porque os priva de reembolsos imprescindíveis para fazer face aos seus compromissos mensais, causando intoleráveis desequilíbrios na tesouraria das empresas, cujo ressarcimento poderá mesmo tornar-se impossível se daí resultarem situações de insolvência.
G- O artigo 89.° do CPPT deve pois ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos, por iniciativa da administração tributária, enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação dessa dívida, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.°, 20.° e 268.°, n° 4 da CRP).
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:
«A questão em análise neste recurso consiste em saber se é admissível a compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária antes de esgotado o prazo de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução.
Esta questão tem, ultimamente, sido objecto de apreciação uniforme neste STA, nomeadamente os acórdãos de 23/04/2008, recurso n.° 133/08; de 21/05/2008, recurso n.° 356/08; de 25/06/2008, recurso n.° 464/08; de 17/12/2008, recurso n.° 997/08; de 07/01/2009, recurso n.° 694/08; de 15/04/2009, recurso n.° 262/09; de 22-04-2009, recurso n.° 277/09; de 6/05/2009, recurso n.° 356/08, de 13/05/2009, recurso n.° 355/09; de 17/06/2009, recurso n.° 531/09 e de 23/09/2009, recurso n.° 846/09.
Conforme alega a recorrente, o Tribunal Constitucional no acórdão n.° 386/2005 entendeu que o n.° 1 do artigo 89.° do CPPT não é materialmente inconstitucional, face aos princípios da igualdade e do acesso aos tribunais, quando interpretado com o sentido de permitir a compensação logo que a dívida se toma exigível, findo o prazo de pagamento voluntário de 30 dias, mesmo antes de estar findo o prazo para o exercício do direito de impugnação, ainda que desta interpretação resulte para o contribuinte que vise obstar à compensação a necessidade de impugnar o acto de liquidação dentro daquele prazo de 30 dias, sob pena de perder o direito de ver suspensa a execução.
Só que, apesar daquela interpretação não ser efectivamente inconstitucional, não será, porventura, a que melhor se coaduna com espírito da lei. Louvamo-nos por inteiro nas considerações do Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a páginas 635 e 636, anotação 9 ao citado artigo 89.°, em "Código de Procedimento e de Processo Tributário”, anotado e comentado, I volume, 5ª edição, quando afirma que “a interpretação que se deve efectuar do n.° 1 do artigo 89º não é essa, pois a proibição de efectuar a compensação se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda exprime uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia. Por isso, está ínsito naquele n.º 1, que a compensação não possa ser declarada enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa e administrativa do acto de liquidação da dívida em causa”.
Outro entendimento “...redundaria numa diminuição irrazoável e desproporcionada dos meios de defesa e impugnatórios da recorrente, com potencialidade para lesar de forma irreversível os seus direitos, já que não precludindo embora a possibilidade de vir a contestar a dívida executada e não importando numa perda definitiva do valor do seu crédito, a verdade e que a privação no momento certo do correspondente montante pode ocasionar graves problemas de liquidez de empresas como a recorrente e, em última analise, comprometer a sua sobrevivência económica" (Acórdão do STA de 23/04/2008, proferido no recurso 133/08).
Concluímos, por isso, pela inadmissibilidade de compensação de dívidas de tributos por iniciativa da Administração Tributaria antes de esgotados os prazos de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso judicial ou oposição a execução, por ser esta interpretação mais consentânea com a Constituição, por não permitir a privação coerciva de um direito de crédito sem que sejam concedidas ao afectado todas as garantias de defesa concedidas à generalidade dos executados fiscais.»
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
* * *
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A- Pela Administração Tributária foram emitidas várias liquidações de IVA, no montante de imposto a pagar pela ora reclamante de 7.034.978,73 euros, cujo prazo para pagamento voluntário ocorreu em 31/3/2009 - cfr. fls. 37 a 73 dos autos.
B- Em 25/4/2009, pelo Serviço de Finanças de Porto-1 foi instaurada a execução fiscal n° 317420090101772, contra a ora reclamante, para cobrança coerciva da dívida referida na alínea a).
C- Em 26/5/2009, a Administração Tributária efectuou a compensação reclamada (n° 20090000000071023), no valor de 614.638,49 euros, emergente de reembolso de IVA a que a reclamante teria direito, para pagamento da dívida integrante do processo de execução fiscal indicado em b).
D- A presente reclamação foi apresentada em 1/6/2009.
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3. A única questão que se coloca no presente recurso consiste em saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por ter considerado que o artigo 89.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) não consente que a Administração Tributária proceda, por sua iniciativa, à compensação de dívidas tributárias com créditos tributários de que o executado disponha, em momento anterior ao esgotamento dos prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida exequenda.
Tal como refere o Exm.º Magistrado do Ministério Público no douto parecer acima transcrito, esta questão tem sido, ultimamente, objecto de apreciação reiterada pelo Supremo Tribunal Administrativo, sempre no sentido de que o artigo 89.º do CPPT não permite, numa interpretação conforme a Constituição, a compensação de dívida de tributos por iniciativa da Administração Tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, pois não pode admitir-se que ocorra uma privação coerciva de um direito de crédito sem que sejam concedidas ao afectado todas as garantias de defesa concedidas à generalidade dos executados fiscais – cfr., para além daqueles que vêm citados no referido parecer, os recentes acórdãos proferidos em 23/09/2009, no recurso n.º 846/09, em 16/12/2009, no recurso n.º 1183/09, e em 13/01/2010, no recurso n.º 1170/09.
E para além dos inúmeros acórdãos proferidos pela Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, há que atender, sobretudo, aos recentes acórdãos proferidos pelo Pleno da Secção em 6/05/2009, em 28/10/2009 e em 2/12/2009, nos recursos nºs 356/08, 694/08 e 997/08, respectivamente, todos em idêntico sentido e que secundamos.
Como se deixou dito neste último acórdão do Pleno, cuja fundamentação subscrevemos sem reservas, “... pode entender-se que o n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário «não consubstancia uma limitação inaceitável do direito de defesa», e, assim, poderá não ser materialmente inconstitucional – como, aliás, já decidiu o Tribunal Constitucional no seu acórdão supracitado.
Julgamos, no entanto, que a interpretação do n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de melhor conformidade com a Constituição e os seus princípios (mormente o de tutela jurisdicional efectiva), é aquela que diz não ser admissível «que ocorra uma privação coerciva de um direito de crédito (…), sem que sejam concedidas ao afectado por ela todas as garantias de defesa que são concedidas à generalidade dos executados fiscais» – de certo modo se acolhendo a doutrinação de Jorge Lopes de Sousa, supracitado.
Cf. no sentido do que vem de dizer-se, por exemplo, os acórdãos desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-5-2008; de 25-6-2008; e de 15-4-2009, proferidos nos recursos n.º 356/08; n.º 464/08; e n.º 262/09.
Cf., por último, mas não por isso menos importante, o acórdão do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 6-5-2009, proferido no recurso n.º 365/08, em que ficou confirmado que «O artigo 89.º do CPPT deve ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos por iniciativa da administração tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, sob pena de violação dos princípios da igualdade, de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n. º 4 da CRP)».
De resto, à tese do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 386/2005, que se pronunciou sobre a constitucionalidade material do artigo 89.º do CPPT, proferido no processo n.º 947/04, com data de 13.07.2005, é o próprio Tribunal Constitucional a dar a seguinte resposta, de modo subido aliás: «a concreta realização do direito por mediação de uma norma legal pressupõe uma ponderação prudencial do sentido normativo do critério aplicando, concorrendo para esse desiderato um conjunto de elementos ou factores que determinam, em face dos diferentes sentidos possíveis da norma, aquele que corresponderá “ao melhor direito” na óptica da sua aplicação do caso concreto, tendo por referentes axiais a intencionalidade prático-normativa da norma considerada em face da ratio iuris desvelada pelas valências axiológicas do sistema jurídico»; «(…) devendo referir-se que o juízo de constitucionalidade vertido no Acórdão n.º 386/2005, não implica nem traduz a ideia de que o concreto sentido normativo aí analisado corresponde à única interpretação possível ou tão-pouco àquela que terá maior densidade axiológica em face dos parâmetros de constitucionalidade invocados»; «(…) o que significa, portanto, que este Tribunal, no aresto citado, não cuidou da determinação do “melhor direito” em termos de apurar o sentido ou dimensão normativa que traduzisse, à luz dos pertinentes critérios metodológicos, o critério normativo mais adequado à justa realização do direito» – cf., ipsis verbis, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 481/08, de 7-10-2008.
O Tribunal aplicador da lei, porém, tem a tarefa de realizar e consubstanciar «um esforço interpretativo de desocultação do sentido mais adequado a conferir ao artigo 89.º do CPPT mobilização normativa» – como, com pertinência para o caso, ensina o erudito acórdão do Tribunal Constitucional.
O acórdão recorrido (seguindo, de resto, a doutrinação de Jorge Lopes de Sousa) fez do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário a seguinte “mobilização normativa”: «O artigo 89.º do CPPT deve ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos por iniciativa da administração tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, sob pena de violação dos princípios da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n. º 4 da CRP)».
Como assim, e sem necessidade de mais alargados considerandos, resta-nos dizer, em resposta ao thema decidendum, que o acórdão recorrido fez boa interpretação do disposto no n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Razão por que havemos de concluir, em síntese, que numa interpretação conforme à Constituição, o artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não apoia a Administração na declaração de compensação de dívida tributária, sem que sobre o acto de liquidação da dívida tenham decorrido os prazos de impugnação administrativa e contenciosa”.
Neste contexto, conclui-se que a sentença recorrida, ao decidir pela inadmissibilidade da compensação operada, não padece do erro de julgamento que lhe é imputado, assim improcedendo todas as conclusões da alegação de recurso.
* * *
4. Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Fazenda Pública, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010. – Dulce Manuel Neto (relatora) - Jorge Lino Alves de Sousa - Joaquim Casimiro Gonçalves.