Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0629/13 |
Data do Acordão: | 05/08/2013 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA INTERRUPÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO |
Sumário: | I – A paragem do processo que determinou a interrupção da prescrição por período superior a um ano e por motivo não imputável ao sujeito passivo determina a cessação do efeito interruptivo e a sua degradação, por força da aplicação do artigo 49.º, n.º 2, da LGT (na redacção em vigor em 2002), em mero efeito suspensivo de um ano. II – A pendência de impugnação judicial, a partir do momento em que foi deferido o pedido de dispensa de garantia, porque obsta à possibilidade de cobrança da dívida, determina a suspensão da prescrição, ainda que ainda não tenha sido instaurada a execução fiscal, devendo interpretar-se nesse sentido o disposto no n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro. III – Para efeitos de aferir da prescrição de uma obrigação tributária, o tempo pelo qual se sobreponham dois períodos de suspensão da prescrição só pode relevar-se uma vez. IV – A oposição à execução fiscal, desde que a dívida exequenda esteja garantida ou haja dispensa de prestação de garantia, determina a suspensão do prazo prescricional até que haja decisão transitada em julgado (art. 49.º, n.º 3, da LGT, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro). |
Nº Convencional: | JSTA00068247 |
Nº do Documento: | SA2201305080629 |
Data de Entrada: | 04/22/2013 |
Recorrente: | A... LDA |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TT1INST LISBOA |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - PRESCRIÇÃO |
Legislação Nacional: | LGT98 ART49 N1 N3 CPPTRIB99 ART180 N1 L 100/99 DE 1999/07/26 L 53-A/2006 DE 2006/12/29 CCIV66 ART318 ART320 |
Legislação Comunitária: | CAC ART244 |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG256 JORGE DE SOUSA - SOBRE A PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA NOTAS PRÁTICAS 2ED PAG17 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 3147/12.7BELRS
1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A…………….., Lda.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrente) reclamou para o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do disposto nos arts. 276.º a 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 1 que indeferiu o pedido de levantamento das penhoras, formulado com fundamento na prescrição das obrigações tributárias correspondente às dívidas exequendas, provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e direitos aduaneiros do ano de 1998. 1.2 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, considerando que não se verificava a prescrição das dívidas exequendas, julgou a reclamação judicial improcedente. Isto, em síntese, porque considerou que · o prazo de prescrição é de oito anos, nos termos do n.º 1 do art. 48.º da Lei Geral Tributária (LGT), e começou a contar-se em 1 de Janeiro de 1999, pelo que, a inexistirem causas de interrupção ou prescrição, a prescrição ocorreria em 31 de Dezembro de 2006; · a prescrição interrompeu-se em 5 de Fevereiro de 2002, com a dedução de impugnação judicial contra as liquidações que deram origem às dívidas exequendas, atento o disposto no art. 49.º, n.º 1, da LGT; · na tese da Reclamante, o efeito interruptivo decorrente da dedução da impugnação judicial degradou-se em suspensivo, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 49.º da LGT, na redacção em vigor à data, em virtude da paragem desse processo, por mais de um ano e por motivo não imputável à impugnante, motivo por que as obrigações tributárias teriam prescrito em 31 de Dezembro de 2007; · no entanto, em 16 de Outubro de 2002, a Executada foi dispensada da prestação de garantia para suspender o processo de execução fiscal, nos termos do art. 244.º do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), «pelo que a instauração do processo de execução fiscal ficou suspensa»; · atento o que dispõe o n.º 3 do art. 49.º da LGT, o prazo de prescrição esteve suspenso desde 16 de Outubro de 2002 até 18 de Novembro de 2008, data em que a AT interpelou a ora Recorrente para efectuar o pagamento; · assim, temos que «o processo esteve suspenso por 6 anos, 1 mês e 1 dia, ao que será de adicionar mais 1 ano de suspensão resultante da degradação do efeito interruptivo em suspensivo, considerando que a impugnante esteve parada por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte», o que significa que, «no total, temos 7 anos, 1 mês e 1 dia de suspensão do processo, pelo que o prazo de prescrição (que se completaria a 31 de Dezembro de 2006, caso não ocorresse qualquer causa de suspensão ou interrupção) se completará em 1 de Fevereiro de 2014)» 1.3 A Executada não se conformou com essa sentença e dela recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Permitimo-nos não transcrever as duas primeiras alíneas, nas quais a Recorrente sustentava que ao recurso devia ser conferido efeito suspensivo, uma vez que foi esse o efeito determinado pelo despacho que admitiu o recurso.): «DO ERRO DE JULGAMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA FACE À PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA C) Estando em causa dívidas de Direitos Aduaneiros e IVA liquidadas pelas Autoridades Aduaneiras – cujas datas de constituição remontam aos dias 29 de Outubro, 16 de Novembro e 7 de Dezembro de 1998 – e perante a ausência de norma directamente aplicável constante do CAC, é aplicável o regime geral das obrigações tributárias; D) O artigo 48.º, n.º 1, da LGT, na redacção do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro (versão originária), é aplicável à dívida exequenda por força do artigo 5.º, n.º 1, deste último diploma legal, uma vez que, nos termos do artigo 297.º do CC, «a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar»; E) Por força da aplicação do disposto no artigo 49.º, n.º 1, da LGT (na redacção em vigor em 2002), o prazo de prescrição foi interrompido no dia 5 de Fevereiro de 2002 com a apresentação de impugnação judicial das liquidações das dívidas em causa; F) Tendo a impugnação judicial estado parada, por motivo não imputável à Executada, por prazo superior a um ano, o referido efeito interruptivo cessou, degradando-se, por força da aplicação do artigo 49.º, n.º 2, da LGT (na redacção em vigor em 2002), em mero efeito suspensivo de um ano; G) Ao contrário do que é sustentado pelo Douto Tribunal a quo, o deferimento do pedido de suspensão da cobrança da dívida exequenda, com dispensa de prestação de garantia, ao abrigo do artigo 244.º do CAC, por despacho de 16 de Outubro de 2002, não teve por efeito a suspensão do prazo de prescrição ao abrigo do artigo 49.º, n.º 3, da LGT; H) Em consequência, a dívida exequenda prescreveu a 31 de Dezembro de 2007». 1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. 1.5 A Fazenda Pública não contra alegou. 1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, nos seguintes termos: «1. A……………………, Lda. vem interpor recurso da sentença proferida em reclamação, na qual não se reconheceu a prescrição que tinha servido de fundamento à apresentação daquela, e que no dito recurso se continua a defender ter ocorrido com base na cessação de efeito interruptivo por a impugnação ter estado parada por prazo superior a um ano, tendo degradado em suspensivo por força da aplicação do art. 49.º n.º 2 da L.G.T. (na redacção em vigor em 2002) e por não ser também de considerar o efeito suspensivo decorrente do deferimento do pedido de suspensão da cobrança da dívida exequenda proferido por despacho de 16-10-2002 que foi aplicado ao abrigo do art. 49.º, n.º 3 da LGT. 2. Emitindo de novo parecer, não é de divergir do que foi já proferido em 1.ª instância, no sentido da improcedência. 1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo. 1.8 A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que as obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas não estavam prescritas. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: B) A dívida exequenda diz respeito ao procedimento de cobrança a posteriori n.º 21/01, referente a IVA e direitos aduaneiros respeitante a DU de 29/10/1998, 16/11/1998, 07/12/1998, liquidação de 17/10/2001, IVA, cujas liquidações foram efectuadas em 17/10/2001, e cujos prazos de pagamento voluntário terminou a 29/11/2008 (cfr. certidão de dívida da Alfândega de Setúbal a 4 do PEF em apenso). C) Por oficio datado de 07/01/2009 foi a reclamante citada para os termos do processo de execução fiscal mencionado em A) (cfr. fls. 98 do PEF em apenso). D) Em 08/11/2001 a reclamante requereu a dispensa de prestação de garantia, nos termos do disposto no art. 244.º do CAC (cfr. fls. 119 do PEF). E) Em 05/02/2002 a ora reclamante apresentou impugnação judicial das liquidações mencionadas na alínea anterior (cfr. fls. 8 e ss do PEF em apenso). F) Por despacho n.º 14/2002 do Director da Alfândega de Setúbal datado de 16/10/2002 foi a ora reclamante dispensada da prestação de garantia nos termos do disposto no art. 244.º do Código Aduaneiro Comunitário (cfr. fls. 271 dos autos, fls. 54 do PEF, despacho a fls. 122 e fls. 119 do PEF). G) Em 05/12/2006 foi proferida sentença no TAF de Almada que julgou improcedente a Impugnação judicial (cfr. fls. 8 e ss PEF em apenso). H) No período compreendido entre 05/02/2002 a 05/12/2006 o processo de impugnação judicial ficou parado por mais de um ano sem que tenha sido praticado qualquer acto processual (cfr. fls. 8 e ss do PEF e apenso): I) Em 04/09/2008 foi proferido acórdão no Tribunal Constitucional que negou provimento ao recurso interposto da decisão mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 18 e ss do PEF em apenso). J) Em 18/11/2008 foi assinado o aviso de recepção referente ao ofício da Alfândega de Setúbal dirigido à ora Reclamante, para pagamento da quantia mencionada em A), sob pena de instauração do processo de execução fiscal para a cobrança coerciva (cfr. fls. 24 do PEF em apenso). K) Em 12/02/2009 a reclamante apresentou oposição à execução fiscal mencionada em A) (cfr. fls. 62 do PEF em apenso). L) A presente reclamação foi apresentada junto do serviço de finanças de Lisboa — 1 em 29/10/2012 (cfr. a fls. 4 dos autos)». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR A ora Recorrente pediu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 1 que declarasse a prescrição das obrigações tributárias correspondentes às dívidas que lhe estão a ser exigidas coercivamente na presente execução. 2.2.2 DA PRESCRIÇÃO 2.2.2.1 Nos autos estão a ser cobradas coercivamente dívidas provenientes de IVA e direitos aduaneiros do ano de 1998. Assim, como bem ficou referido na sentença recorrida e não é questionado pela Recorrente, o prazo de prescrição a considerar é de oito anos e a sua contagem faz-se com início em 1 de Janeiro de 1999, tudo nos termos do n.º 1 do art. 48.º da LGT (Apesar de as dívidas se referirem ao ano de 1998, quando ainda estava em vigor o art. 34.º do Código de Processo Tributário (CPT), que fixava o prazo de prescrição em 10 anos, a contar do início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, o n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro – diploma que provou a LGT – estabeleceu como regra para regular a sucessão no tempo dos regimes prescricionais do CPT e da LGT, o disposto no art. 297.º do Código Civil, de acordo com o qual a regra é a aplicação do novo prazo, a não ser que da aplicação do mesmo, ainda que mais curto, resulte um termo mais tardio do que o que resultaria da lei antiga. O que significa que, porque o prazo de 10 anos previsto no art. 34.º do CPT só se iniciaria em 1 de Janeiro de 1999, é manifesto que o prazo aplicável é o 8 anos previsto no art. 49.º, n.º 1, da LTG, com início de contagem no mesmo dia 1 de Janeiro de 1999.). 2.2.2.2 O n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção da Lei n.º 100/99, dispunha: «O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso». 2.2.2.3 Face ao que ficou exposto, para aferir se as obrigações tributárias que deram origem à dívida exequenda estão ou não prescritas há, pois, que ter em conta o seguinte: (i) o prazo de prescrição iniciou-se em 1 de Janeiro de 1999 e é de 8 anos; Ou seja, na hipótese menos favorável aos interesses da Recorrente (período de suspensão total mais longo, a que corresponde uma maior “extensão” da prescrição) o prazo terá estado suspenso desde 5 de Fevereiro de 2002 até 19 de Setembro de 2008, ou seja, por um período de 6 anos, 7 meses e 14 dias. O que significa que, sempre nessa hipótese e na ausência de outras causas de interrupção ou de suspensão a considerar, a prescrição nunca ocorreria antes de 14 de Julho de 2013. Na hipótese mais favorável aos interesses da Recorrente (de todo o período de suspensão decorrente da paragem por um ano da impugnação judicial ter sido consumido pelo período de suspensão determinado pela pendência da impugnação judicial e, por isso, essa suspensão ser pelo período mais curto possível) o prazo de prescrição terá estado suspenso desde 16 de Outubro de 2002 até 19 de Setembro de 2008, ou seja, por um período de 5 anos 11 meses e 3 dias. Nessa hipótese, e na ausência de outras causas de interrupção ou de suspensão a considerar, a prescrição já teria ocorrido em 3 Novembro de 2012. 2.2.2.4 Note-se, no entanto e decisivamente, que, de acordo com a matéria de facto que vem dada como assente, maxime a alínea K), em 12 de Fevereiro de 2009, a ora Recorrente apresentou oposição à execução fiscal. Ora, se esse facto não assume relevância enquanto facto interruptivo (Note-se que a oposição à execução fiscal não consta como facto interruptivo do elenco do n.º 1 do art. 49.º da LGT e, apesar de aí constar, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a citação em processo de execução fiscal, o n.º 3 do mesmo artigo não permite que se confira relevância como causa interruptiva senão ao primeiro facto que a determinar e que, no caso sub judice, foi a impugnação judicial.), assume-a, inequivocamente, como facto suspensivo, nas situações, como a sub judice, em que a dívida se encontra garantida ou houve dispensa da prestação de garantia, tudo como resulta do n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção em vigor à data e que é a da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro. O recurso não pode, pois, ser provido, sendo de manter a decisão recorrida, se bem que por fundamentação diversa. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. |