Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0629/13
Data do Acordão:05/08/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
INTERRUPÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário:I – A paragem do processo que determinou a interrupção da prescrição por período superior a um ano e por motivo não imputável ao sujeito passivo determina a cessação do efeito interruptivo e a sua degradação, por força da aplicação do artigo 49.º, n.º 2, da LGT (na redacção em vigor em 2002), em mero efeito suspensivo de um ano.
II – A pendência de impugnação judicial, a partir do momento em que foi deferido o pedido de dispensa de garantia, porque obsta à possibilidade de cobrança da dívida, determina a suspensão da prescrição, ainda que ainda não tenha sido instaurada a execução fiscal, devendo interpretar-se nesse sentido o disposto no n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
III – Para efeitos de aferir da prescrição de uma obrigação tributária, o tempo pelo qual se sobreponham dois períodos de suspensão da prescrição só pode relevar-se uma vez.
IV – A oposição à execução fiscal, desde que a dívida exequenda esteja garantida ou haja dispensa de prestação de garantia, determina a suspensão do prazo prescricional até que haja decisão transitada em julgado (art. 49.º, n.º 3, da LGT, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro).
Nº Convencional:JSTA00068247
Nº do Documento:SA2201305080629
Data de Entrada:04/22/2013
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - PRESCRIÇÃO
Legislação Nacional:LGT98 ART49 N1 N3
CPPTRIB99 ART180 N1
L 100/99 DE 1999/07/26
L 53-A/2006 DE 2006/12/29
CCIV66 ART318 ART320
Legislação Comunitária:CAC ART244
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG256
JORGE DE SOUSA - SOBRE A PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA NOTAS PRÁTICAS 2ED PAG17
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 3147/12.7BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…………….., Lda.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrente) reclamou para o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do disposto nos arts. 276.º a 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 1 que indeferiu o pedido de levantamento das penhoras, formulado com fundamento na prescrição das obrigações tributárias correspondente às dívidas exequendas, provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e direitos aduaneiros do ano de 1998.

1.2 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, considerando que não se verificava a prescrição das dívidas exequendas, julgou a reclamação judicial improcedente. Isto, em síntese, porque considerou que

· o prazo de prescrição é de oito anos, nos termos do n.º 1 do art. 48.º da Lei Geral Tributária (LGT), e começou a contar-se em 1 de Janeiro de 1999, pelo que, a inexistirem causas de interrupção ou prescrição, a prescrição ocorreria em 31 de Dezembro de 2006;

· a prescrição interrompeu-se em 5 de Fevereiro de 2002, com a dedução de impugnação judicial contra as liquidações que deram origem às dívidas exequendas, atento o disposto no art. 49.º, n.º 1, da LGT;

· na tese da Reclamante, o efeito interruptivo decorrente da dedução da impugnação judicial degradou-se em suspensivo, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 49.º da LGT, na redacção em vigor à data, em virtude da paragem desse processo, por mais de um ano e por motivo não imputável à impugnante, motivo por que as obrigações tributárias teriam prescrito em 31 de Dezembro de 2007;

· no entanto, em 16 de Outubro de 2002, a Executada foi dispensada da prestação de garantia para suspender o processo de execução fiscal, nos termos do art. 244.º do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), «pelo que a instauração do processo de execução fiscal ficou suspensa»;

· atento o que dispõe o n.º 3 do art. 49.º da LGT, o prazo de prescrição esteve suspenso desde 16 de Outubro de 2002 até 18 de Novembro de 2008, data em que a AT interpelou a ora Recorrente para efectuar o pagamento;

· assim, temos que «o processo esteve suspenso por 6 anos, 1 mês e 1 dia, ao que será de adicionar mais 1 ano de suspensão resultante da degradação do efeito interruptivo em suspensivo, considerando que a impugnante esteve parada por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte», o que significa que, «no total, temos 7 anos, 1 mês e 1 dia de suspensão do processo, pelo que o prazo de prescrição (que se completaria a 31 de Dezembro de 2006, caso não ocorresse qualquer causa de suspensão ou interrupção) se completará em 1 de Fevereiro de 2014)»

1.3 A Executada não se conformou com essa sentença e dela recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Permitimo-nos não transcrever as duas primeiras alíneas, nas quais a Recorrente sustentava que ao recurso devia ser conferido efeito suspensivo, uma vez que foi esse o efeito determinado pelo despacho que admitiu o recurso.):

«DO ERRO DE JULGAMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA FACE À PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA

C) Estando em causa dívidas de Direitos Aduaneiros e IVA liquidadas pelas Autoridades Aduaneiras – cujas datas de constituição remontam aos dias 29 de Outubro, 16 de Novembro e 7 de Dezembro de 1998 – e perante a ausência de norma directamente aplicável constante do CAC, é aplicável o regime geral das obrigações tributárias;

D) O artigo 48.º, n.º 1, da LGT, na redacção do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro (versão originária), é aplicável à dívida exequenda por força do artigo 5.º, n.º 1, deste último diploma legal, uma vez que, nos termos do artigo 297.º do CC, «a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar»;

E) Por força da aplicação do disposto no artigo 49.º, n.º 1, da LGT (na redacção em vigor em 2002), o prazo de prescrição foi interrompido no dia 5 de Fevereiro de 2002 com a apresentação de impugnação judicial das liquidações das dívidas em causa;

F) Tendo a impugnação judicial estado parada, por motivo não imputável à Executada, por prazo superior a um ano, o referido efeito interruptivo cessou, degradando-se, por força da aplicação do artigo 49.º, n.º 2, da LGT (na redacção em vigor em 2002), em mero efeito suspensivo de um ano;

G) Ao contrário do que é sustentado pelo Douto Tribunal a quo, o deferimento do pedido de suspensão da cobrança da dívida exequenda, com dispensa de prestação de garantia, ao abrigo do artigo 244.º do CAC, por despacho de 16 de Outubro de 2002, não teve por efeito a suspensão do prazo de prescrição ao abrigo do artigo 49.º, n.º 3, da LGT;

H) Em consequência, a dívida exequenda prescreveu a 31 de Dezembro de 2007».

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, nos seguintes termos:

«1. A……………………, Lda. vem interpor recurso da sentença proferida em reclamação, na qual não se reconheceu a prescrição que tinha servido de fundamento à apresentação daquela, e que no dito recurso se continua a defender ter ocorrido com base na cessação de efeito interruptivo por a impugnação ter estado parada por prazo superior a um ano, tendo degradado em suspensivo por força da aplicação do art. 49.º n.º 2 da L.G.T. (na redacção em vigor em 2002) e por não ser também de considerar o efeito suspensivo decorrente do deferimento do pedido de suspensão da cobrança da dívida exequenda proferido por despacho de 16-10-2002 que foi aplicado ao abrigo do art. 49.º, n.º 3 da LGT.

2. Emitindo de novo parecer, não é de divergir do que foi já proferido em 1.ª instância, no sentido da improcedência.
Concorda-se com o acima referido efeito interruptivo ter cessado a 5-2-2003, com a consequência de se considerar o período de um ano decorrido desde a apresentação da impugnação decorrido como de suspensão da prescrição por um ano.
E nada impede, assim, que a partir de então seja de aplicar os efeitos suspensivos de outra causa de suspensão entretanto ocorrida, com base no dito art. 49.º n.º 3 da L.G.T. e no art. 244.º do C.A.C..
Com efeito, tendo sido suspensa a execução fiscal com base em pedido de dispensa de garantia que foi deferido a 16-10-02, por estarem reunidos os requisitos da dispensa na segunda referida disposição prevista, o que se funda também na apresentação de impugnação.
No sentido de terem sido reconhecidos os efeitos de uma semelhante causa de suspensão no domínio da lei ao tempo aplicável, e sido até considerado a razão lógica de tal ser uma actuação do requerente em termos de impedir que prosseguisse com a execução, tendo sido efectuada uma aplicação do disposto nos art. 49.º n.º 3 da LG.T. de que se indica como exemplo o de 4-3-09, proferido no proc. 160/09, acessível em www.dgsi.pt.
Tendo no caso em apreciação sido a suspensão da execução determinada de acordo com o dito art. 244.º do C.A.C., na versão também ao tempo aplicável, conforme foi decidido também no ac. do S.T.A. de 27-4-05, proferido no proc. n.º 1263/04 acessível na mesma base de dados, e no ac. do Tribunal Constitucional de 18-1-06 com o n.º 305/05, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, em que mais detalhadamente constam os motivos de tal regime ser o aplicável na sequência de várias normas comunitárias, e para que se remete».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que as obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas não estavam prescritas.
Como procuraremos demonstrar, a solução joga-se em torno da resposta que dermos à seguinte questão: a suspensão do prazo de prescrição nos termos do disposto no n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção da Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, exige a prévia instauração da execução fiscal ou pode ocorrer, ainda que não tenha sido instaurada a execução, desde que tenha sido prestada garantia ou dispensada a prestação desta, se tiver sido deduzida impugnação judicial contra a liquidação e, assim, tiver ficado suspensa a cobrança da dívida?


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
«
A) Em 07/01/2009, com base na certidão de dívida n.º 6652008067 foi instaurado, no serviço de finanças de Lisboa-1, o processo de execução fiscal n.º 3068200901002090, para a cobrança coerciva do montante de 1.100.658,03€ (cfr. fls. 1 a 4 do PEF em apenso).

B) A dívida exequenda diz respeito ao procedimento de cobrança a posteriori n.º 21/01, referente a IVA e direitos aduaneiros respeitante a DU de 29/10/1998, 16/11/1998, 07/12/1998, liquidação de 17/10/2001, IVA, cujas liquidações foram efectuadas em 17/10/2001, e cujos prazos de pagamento voluntário terminou a 29/11/2008 (cfr. certidão de dívida da Alfândega de Setúbal a 4 do PEF em apenso).

C) Por oficio datado de 07/01/2009 foi a reclamante citada para os termos do processo de execução fiscal mencionado em A) (cfr. fls. 98 do PEF em apenso).

D) Em 08/11/2001 a reclamante requereu a dispensa de prestação de garantia, nos termos do disposto no art. 244.º do CAC (cfr. fls. 119 do PEF).

E) Em 05/02/2002 a ora reclamante apresentou impugnação judicial das liquidações mencionadas na alínea anterior (cfr. fls. 8 e ss do PEF em apenso).

F) Por despacho n.º 14/2002 do Director da Alfândega de Setúbal datado de 16/10/2002 foi a ora reclamante dispensada da prestação de garantia nos termos do disposto no art. 244.º do Código Aduaneiro Comunitário (cfr. fls. 271 dos autos, fls. 54 do PEF, despacho a fls. 122 e fls. 119 do PEF).

G) Em 05/12/2006 foi proferida sentença no TAF de Almada que julgou improcedente a Impugnação judicial (cfr. fls. 8 e ss PEF em apenso).

H) No período compreendido entre 05/02/2002 a 05/12/2006 o processo de impugnação judicial ficou parado por mais de um ano sem que tenha sido praticado qualquer acto processual (cfr. fls. 8 e ss do PEF e apenso):

I) Em 04/09/2008 foi proferido acórdão no Tribunal Constitucional que negou provimento ao recurso interposto da decisão mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 18 e ss do PEF em apenso).

J) Em 18/11/2008 foi assinado o aviso de recepção referente ao ofício da Alfândega de Setúbal dirigido à ora Reclamante, para pagamento da quantia mencionada em A), sob pena de instauração do processo de execução fiscal para a cobrança coerciva (cfr. fls. 24 do PEF em apenso).

K) Em 12/02/2009 a reclamante apresentou oposição à execução fiscal mencionada em A) (cfr. fls. 62 do PEF em apenso).

L) A presente reclamação foi apresentada junto do serviço de finanças de Lisboa — 1 em 29/10/2012 (cfr. a fls. 4 dos autos)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrente pediu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 1 que declarasse a prescrição das obrigações tributárias correspondentes às dívidas que lhe estão a ser exigidas coercivamente na presente execução.
O Chefe daquele serviço de finanças indeferiu esse pedido e a Executada reclamou judicialmente dessa decisão.
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa indeferiu a reclamação, considerando que as obrigações tributárias que deram origem à dívida exequenda não estão prescritas.
A Executada interpôs recurso da sentença, sustentado que as obrigações tributárias se encontram prescritas e que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, tendo efectuado errada interpretação e aplicação da norma prevista no n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho.
Cumpre apreciar e decidir, sendo que a questão a dirimir, como deixámos dito em 1.8, é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que as obrigações tributárias correspondentes à dívida exequenda não estavam prescritas.

2.2.2 DA PRESCRIÇÃO

2.2.2.1 Nos autos estão a ser cobradas coercivamente dívidas provenientes de IVA e direitos aduaneiros do ano de 1998. Assim, como bem ficou referido na sentença recorrida e não é questionado pela Recorrente, o prazo de prescrição a considerar é de oito anos e a sua contagem faz-se com início em 1 de Janeiro de 1999, tudo nos termos do n.º 1 do art. 48.º da LGT (Apesar de as dívidas se referirem ao ano de 1998, quando ainda estava em vigor o art. 34.º do Código de Processo Tributário (CPT), que fixava o prazo de prescrição em 10 anos, a contar do início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, o n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro – diploma que provou a LGT – estabeleceu como regra para regular a sucessão no tempo dos regimes prescricionais do CPT e da LGT, o disposto no art. 297.º do Código Civil, de acordo com o qual a regra é a aplicação do novo prazo, a não ser que da aplicação do mesmo, ainda que mais curto, resulte um termo mais tardio do que o que resultaria da lei antiga. O que significa que, porque o prazo de 10 anos previsto no art. 34.º do CPT só se iniciaria em 1 de Janeiro de 1999, é manifesto que o prazo aplicável é o 8 anos previsto no art. 49.º, n.º 1, da LTG, com início de contagem no mesmo dia 1 de Janeiro de 1999.).
O que significa que, como bem registou a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa e a Recorrente aceita, o prazo de prescrição, na ausência de causas de interrupção ou de suspensão, teria o seu termo final em 31 de Dezembro de 2006.
No entanto, tudo como também bem salientou a Juíza do Tribunal a quo e aceita a Recorrente, o prazo interrompeu-se em 5 de Fevereiro de 2002, com a dedução de impugnação judicial contra as liquidações que deram origem à dívida exequenda, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 49.º da LGT, na redacção aplicável, que é a do Decreto-Lei n.º 100/99, de 26 de Julho.
Mas, como ficou dito na sentença recorrida, essa impugnação judicial esteve parada por mais de um ano e por motivo não imputável à Impugnante. O que significa que, em face do disposto no n.º 2 do art. 49.º da LGT, na sua redacção inicial, por força da paragem do processo de impugnação judicial nessas circunstâncias, cessou o efeito interruptivo decorrente da dedução desse processo, degradando-se em efeito suspensivo por um ano. O que, na ausência de outras causas de interrupção ou de suspensão, levaria a considerar que o prazo da prescrição se completaria em 31 de Dezembro de 2007.
Sucede, porém, que, como bem notou a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, há ainda que considerar que a Impugnante pediu a dispensa da prestação de garantia, em ordem a obter a suspensão da cobrança da dívida nos termos do art. 244.º do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), pedido que foi deferido em 16 de Outubro de 2002, sendo que esse efeito suspensivo apenas foi levantado em 18 de Novembro de 2008, após trânsito em julgado da decisão que julgou improcedente a referida impugnação judicial, quando a Alfândega de Setúbal interpelou a ora Recorrente para efectuar o pagamento (A nosso ver, a cessação da suspensão dá-se, não com essa interpelação, mas com o trânsito em julgado da decisão proferida na impugnação judicial, nos termos do n.º 4 do art. 49.º da LGT.).
Ponderando essa factualidade, considerou a Juíza do Tribunal a quo que o prazo prescricional esteve suspenso entre 16 de Outubro de 2002 e 18 de Novembro de 2008, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 49.º da LGT.
Mais considerou que a esse período de suspensão – que computou em 6 anos, 1 mês e 1 dia – haverá que adicionar (A nosso ver, nessa soma não poderá considerar-se por duas vezes o período em que se sobreponham períodos de suspensão.) o período de 1 ano determinado pela conversão do efeito interruptivo da instauração da impugnação judicial em efeito suspensivo por força da paragem desse processo por período superior a 1 ano e por motivo não imputável à Impugnante, motivo por que concluiu que «no total, temos 7 anos, 1 mês e 1 dia de suspensão do processo, pelo que o prazo de prescrição (que se completaria a 31 de Dezembro de 2006, caso não ocorresse qualquer causa de suspensão ou interrupção), se completará em 1 de Fevereiro de 2014».
A Recorrente concorda que, em face da paragem da impugnação judicial, por motivo que não lhe é imputável, por mais de um ano, o efeito interruptivo decorrente da instauração do processo se degradou em efeito suspensivo, nos termos do art. 49.º, n.º 2, da LGT, na redacção em vigor em 2002.
Na verdade, nos termos do n.º 2 do art. 49.º da LGT, norma legal que veio a ser revogada pelo art. 90.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), mas que estava em vigor à data (A revogação do art. 49.º, n.º 2, da LGT, é inaplicável, porque o período superior a um ano de paragem do processo de execução fiscal já tinha decorrido antes do início da vigência da norma revogatória (cfr. art. 91.º da Lei n.º 53-A/2006, 29 Dezembro), como resulta da alínea H) da factualidade que a sentença deu como assente.), a paragem por mais de um ano do processo que tenha determinado a interrupção da prescrição, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, desde que não seja imputável ao sujeito passivo, «faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação».
Mas discorda da tese adoptada na sentença relativamente ao efeito do deferimento do pedido dispensa de garantia para suspensão da cobrança da dívida exequenda, efectuado na sequência da impugnação judicial, ao abrigo do art. 244.º do CAC. Para a Recorrente, contrariamente ao que entendeu a Juíza do Tribunal a quo, esse facto não tem efeito suspensivo do prazo prescricional.
Se bem interpretamos as alegações de recurso, sustenta a Recorrente que não há lugar à suspensão do prazo de prescrição ao abrigo do n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção então em vigor, que é a da Lei n.º 100/99, de 26 de Julho. Isto, porque, a seu ver, a suspensão da prescrição nos termos daquela norma legal apenas se verifica desde que esteja instaurada a execução fiscal. Ora, porque a execução fiscal só foi instaurada em 7 de Janeiro de 2009, sustenta a Recorrente que a suspensão da cobrança da dívida no âmbito do processo de cobrança a posteriori com dispensa de prestação de garantia, ao abrigo do art. 244.º do CAC, não determinou a paragem do processo de execução fiscal, paragem que, nos termos do referido n.º 3 do art. 49.º da LGT era pressuposto para que o prazo de prescrição ficasse suspenso.
Ou seja, enquanto a Juíza do Tribunal a quo sustenta que o prazo da prescrição se suspendeu por força da dedução de impugnação judicial tão-logo foi deferido o pedido de dispensa de garantia, a Recorrente sustenta que este facto não determinou tal suspensão porque a mesma estava dependente da paragem da execução fiscal e esta ainda não tinha sido instaurada. Mais sustenta a Recorrente, antecipando a argumentação desfavorável, que não colhe o argumento de que a instauração da execução fiscal enquanto durou a suspensão da cobrança da dívida era inadmissível ou, pelo menos, inútil e, por isso, desnecessário: não era inadmissível porque poderia ser instaurada a execução fiscal e, de imediato, sustada (numa situação análoga à do art. 180.º, n.º 1, do CPPT); não era inútil porque teria precisamente o efeito útil de permitir ao Estado, enquanto credor tributário, passar a beneficiar do regime de suspensão do prazo de prescrição previsto no n.º 3 do art. 49.º da LGT.
Assim, o desfecho do recurso, como adiantámos em 1.8, joga-se em torno da resposta que dermos à seguinte questão: a suspensão do prazo de prescrição nos termos do disposto no n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção da Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, exige a prévia instauração da execução fiscal ou pode ocorrer, mesmo que ainda não tenha sido instaurada a execução, desde que tenha sido prestada garantia ou dispensada a prestação desta, se tiver sido deduzida impugnação judicial contra a liquidação e, assim, tiver ficado suspensa a cobrança da dívida?

2.2.2.2 O n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção da Lei n.º 100/99, dispunha: «O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso».
O legislador, quando da nova redacção dada ao art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, passou o regime até então constante do n.º 3 para o aditado n.º 4, do seguinte teor: «O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida».
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «A fórmula utilizada no n.º 4 do art. 49.º da LGT, «suspensão da cobrança da dívida» é aparentemente mais lata do que a anteriormente utilizada no n.º 3 do mesmo artigo, que era «paragem do processo de execução fiscal», pois a cobrança pode ser suspensa antes da instauração da execução fiscal, quer no caso de pagamento em prestações, quer no caso de prestação de garantia [ou, dizemos nós, de dispensa da prestação de garantia].
Porém, a diferença é aparente, pois a fórmula anterior «paragem do processo de execução fiscal» devia ser interpretada, se não por mera interpretação declarativa, pelo menos por interpretação extensiva, como abrangendo os casos em que ele nem se pode iniciar, pois é evidente a paridade entre as duas situações» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação b2) ao art. 175.º, nota de rodapé com o n.º 1, pág. 256.).
Assim não o entendeu a Recorrente, que, numa interpretação da lei cingida à letra do preceito, sustenta que no caso sub judice, pese embora tenha sido deduzida impugnação judicial e tenha havido dispensa da prestação de garantia, o prazo da prescrição não se suspendeu porque não houve paragem do processo de execução fiscal, uma vez que este não tinha ainda sido instaurado.
Salvo o devido respeito, nas situações em que tenha sido deduzida impugnação judicial e prestada garantia ou obtida a dispensa de prestação da mesma, não vemos que se possa fazer depender a suspensão do prazo de prescrição do facto de ter sido já deduzida, ou não, execução fiscal. Na verdade, não vislumbramos motivo que justifique, para efeito de suspensão do prazo prescricional, as situações em que a execução fiscal, porque já instaurada, tenha parado daquelas em que, porque ainda não tinha instaurada execução fiscal, a cobrança não prosseguiu enquanto a impugnação judicial não foi decidida.
Note-se que relevante para que o prazo de prescrição esteja suspenso é a impossibilidade de o credor cobrar a sua dívida e essa impossibilidade existe quer a execução fiscal esteja já instaurada quer não.
Na verdade, a prescrição tem por fundamento específico a negligência do titular do direito em exercê-lo durante um determinado período de tempo, que legitima a presunção de que ter querido renunciar ao seu exercício (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, pág. 17.). Ora, enquanto esteve pendente a impugnação judicial, e em face da dispensa de prestação de garantia que lhe foi concedida, a AT estava impossibilitada de cobrar a dívida, sendo indiferente que a execução fiscal estivesse já, ou não, instaurada. Durante esse período, quer a execução fiscal estivesse ou não instaurada, nunca poderia imputar-se a falta de cobrança a negligência do credor.
Assim, a nosso ver e nos termos do n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção aplicável, é de considerar que o prazo de prescrição esteve suspenso desde que foi deferido o pedido de dispensa da garantia até que a decisão da impugnação judicial transitou em julgado, ou seja, desde 16 de Outubro de 2002 até 19 de Setembro de 2008, data em que transitou em julgado o acórdão do Tribunal Constitucional que negou provimento ao recurso interposto da decisão da impugnação judicial.

2.2.2.3 Face ao que ficou exposto, para aferir se as obrigações tributárias que deram origem à dívida exequenda estão ou não prescritas há, pois, que ter em conta o seguinte:

(i) o prazo de prescrição iniciou-se em 1 de Janeiro de 1999 e é de 8 anos;
(ii) esse prazo esteve suspenso desde 16 de Outubro de 2002 até 19 de Setembro de 2008 (ou seja, desde que, na pendência da impugnação judicial, foi deferido o pedido de dispensa de garantia até que transitou em julgado a decisão proferida naquele processo, por um período de 5 anos 11 meses e 3 dias);
(iii) esse prazo esteve também suspenso por 1 ano, por força da degradação do efeito interruptivo decorrente da instauração da impugnação judicial em efeito suspensivo, por força da paragem do processo por mais de um ano e por motivo não imputável à Impugnante, mas desconhecendo-se de quando até quando;
(iv) no entanto, se não a totalidade, pelo menos parte do período desta suspensão por um ano estará incluído no (e consumido pelo) período de suspensão referido no ponto anterior (sendo que a impugnação judicial foi deduzida em 5 de Fevereiro de 2002, ainda que tivesse parado logo após a sua apresentação e assim se tivesse mantido durante mais de um ano, esse ano só se completaria em 5 de Fevereiro de 2003 e a suspensão do prazo determinada pela impugnação judicial iniciou-se em 16 de Outubro de 2002).

Ou seja, na hipótese menos favorável aos interesses da Recorrente (período de suspensão total mais longo, a que corresponde uma maior “extensão” da prescrição) o prazo terá estado suspenso desde 5 de Fevereiro de 2002 até 19 de Setembro de 2008, ou seja, por um período de 6 anos, 7 meses e 14 dias. O que significa que, sempre nessa hipótese e na ausência de outras causas de interrupção ou de suspensão a considerar, a prescrição nunca ocorreria antes de 14 de Julho de 2013.

Na hipótese mais favorável aos interesses da Recorrente (de todo o período de suspensão decorrente da paragem por um ano da impugnação judicial ter sido consumido pelo período de suspensão determinado pela pendência da impugnação judicial e, por isso, essa suspensão ser pelo período mais curto possível) o prazo de prescrição terá estado suspenso desde 16 de Outubro de 2002 até 19 de Setembro de 2008, ou seja, por um período de 5 anos 11 meses e 3 dias. Nessa hipótese, e na ausência de outras causas de interrupção ou de suspensão a considerar, a prescrição já teria ocorrido em 3 Novembro de 2012.

2.2.2.4 Note-se, no entanto e decisivamente, que, de acordo com a matéria de facto que vem dada como assente, maxime a alínea K), em 12 de Fevereiro de 2009, a ora Recorrente apresentou oposição à execução fiscal. Ora, se esse facto não assume relevância enquanto facto interruptivo (Note-se que a oposição à execução fiscal não consta como facto interruptivo do elenco do n.º 1 do art. 49.º da LGT e, apesar de aí constar, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a citação em processo de execução fiscal, o n.º 3 do mesmo artigo não permite que se confira relevância como causa interruptiva senão ao primeiro facto que a determinar e que, no caso sub judice, foi a impugnação judicial.), assume-a, inequivocamente, como facto suspensivo, nas situações, como a sub judice, em que a dívida se encontra garantida ou houve dispensa da prestação de garantia, tudo como resulta do n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção em vigor à data e que é a da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
Assim, e qualquer que seja o período de suspensão a relevar por efeito da degradação em efeito suspensivo do efeito interruptivo determinado pela paragem do processo de impugnação judicial, a verdade é que a suspensão do prazo prescricional em 12 de Fevereiro de 2009, determinada pela instauração da oposição à execução fiscal, se manterá até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nesse processo, nos termos do n.º 3 do art. 49.º da LGT na referida redacção. O que nos leva a concluir que não decorreu ainda o prazo da prescrição.
Note-se, finalmente, que a suspensão da prescrição tem como efeito que esta, se já iniciado o respectivo prazo, não corra enquanto se verificar o facto a que é atribuído efeito suspensivo (cfr. arts. 318.º a 320.º do CC) e que a lei não estabelece restrição alguma a que a suspensão do prazo ocorra mais do que uma vez.

O recurso não pode, pois, ser provido, sendo de manter a decisão recorrida, se bem que por fundamentação diversa.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A paragem do processo que determinou a interrupção da prescrição por período superior a um ano e por motivo não imputável ao sujeito passivo determina a cessação do efeito interruptivo e a sua degradação, por força da aplicação do artigo 49.º, n.º 2, da LGT (na redacção em vigor em 2002), em mero efeito suspensivo de um ano.
II - A pendência de impugnação judicial, a partir do momento em que foi deferido o pedido de dispensa de garantia, porque obsta à possibilidade de cobrança da dívida, determina a suspensão da prescrição, ainda que ainda não tenha sido instaurada a execução fiscal, devendo interpretar-se nesse sentido o disposto no n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
III - Para efeitos de aferir da prescrição de uma obrigação tributária, o tempo pelo qual se sobreponham dois períodos de suspensão da prescrição só pode relevar-se uma vez.
IV - A oposição à execução fiscal, desde que a dívida exequenda esteja garantida ou haja dispensa de prestação de garantia, determina a suspensão do prazo prescricional até que haja decisão transitada em julgado (art. 49.º, n.º 3, da LGT, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro).


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 8 de Maio de 2013. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.