Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01346/14
Data do Acordão:03/18/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:CADUCIDADE
PENHORA
Sumário:I - No Código Civil cfr artigos 328 a 333 verificado que esteja decorrido o prazo da caducidade a mesma opera automaticamente sendo mesmo do conhecimento oficioso do Tribunal.
II - Mas em direito administrativo a caducidade só opera automaticamente se a lei assim o determinar dado o interesse público que lhe está subjacente e o fim que a caducidade visa.
III - Se a finalidade é a de assegurar um direito que não possa ser exercido para além de determinado prazo a caducidade é automática, como é o caso, por exemplo do exercício do direito de liquidação
IV - Mas quando tem em vista assegurar o efeito de uma faculdade da Administração a caducidade não opera automaticamente depende de um acto expresso da Administração que a declare.
V - Tendo o executado requerido a declaração da caducidade da penhora posteriormente à nova redacção dada ao artigo 235 do CPPT há uma impossibilidade legal de atender ao seu pedido
Nº Convencional:JSTA00069119
Nº do Documento:SA22015031801346
Data de Entrada:11/17/2014
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART183-A ART235.
L 53-A DE 2006/09/29.
CCIV66 ART328 ART333.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC027415 DE 1996/04/24.
Referência a Pareceres:P PGR N2046 DE 2002/09/26.
Referência a Doutrina:SÉRVULO CORREIA - NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO ED DANÚBIO LDA LISBOA 1982 PAG472.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

RELATÓRIO:

Não se conformando com o despacho do mº juiz do TAF de Viseu que indeferiu o pedido de declaração de caducidade da garantia (penhora) efectuada em 25 02 2002 veio o impugnante A……… dele interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo formulando as seguintes conclusões:
1 Por requerimento de 17 03 2011 o recorrente requereu a declaração de caducidade da garantia (penhora) efectuada em 25 02 2002
2 Fê-lo ao abrigo da lei nº 15/2001 à data da garantia em vigor cujo aditado ao artigo 183–A ao CPPT veio regulamentar a caducidade de tal garantia.
3 Nos autos de impugnação (do ano de 1999) não foi proferida decisão até 18 02 2014.
4 Este atraso não resulta de motivo imputável ao impugnante.
5 O pedido foi indeferido por o mº juiz considerar que o pedido de levantamento da penhora foi apresentado em 17 03 2011 quando a lei 53-A 2006 já tinha revogado o artigo 183-A do CPPT.
6º O que equivale a dizer que o levantamento da penhora apenas poderia ter ocorrido se tivesse sido pedido e deferido enquanto vigorou o artigo 183-A do CPPT.
7 Fundamenta a sua decisão de indeferimento tão só na falta do pedido tempestivamente apresentado de levantamento da penhora ainda que entenda que se trata de mera faculdade por parte da Administração Tributária.
8 A mª juiz entende assim que só as penhoras (garantias em bens indicados pelo executado caem no âmbito da caducidade automática sendo esse o entendimento da AT
9 Mas não resulta da letra e não pode ser o espírito da lei que a contrapartida da garantia da caducidade, da garantia constituída por penhora só ocorra quando ela seja oferecida pelo contribuinte.
10 Na sua essência a “ratio legis” do instituto da caducidade liga-se a razões de certeza, de segurança e de paz jurídica pelo qual se extinguem as garantias.
11 A questão decidenda que constitui o objecto deste recurso é a de saber se tendo no caso sub judice sido preenchidos os requisitos para ocorrer a caducidade antes da revogação do artigo 183-A do CPPT continua ou não a ser possível declarar a caducidade
12 Ou seja a de saber se o artigo 183-A do CPPT é aplicável ou não às garantias prestadas e já caducadas no início da vigência da norma revogatória constante da lei 53-A 2006.
13 Dispunha o artigo 183-A do CPPT que a garantia prestada para suspender a execução em caso de impugnação judicial caducava se nesta não tivesse sido proferida decisão em 1ª instância no prazo de dois anos a contar da sua apresentação.
14 Mais tarde a Lei 30-B 2002 de 30 12 veio alargar o prazo de decisão no processo tributário para três anos.
15 Atenta a aplicação da lei no tempo dúvidas não resta que tal garantia se acha sujeita ao regime legal de caducidade era então de dois anos.
16 Não tendo sido julgada a impugnação até à presente data in casu ocorreu manifestamente a caducidade de tal garantia em 25 02 2004
17 E caducou automaticamente por força do artigo 183-A do CPPT
18 Os requisitos para ocorrer a caducidade preencheram-se antes da revogação deste artigo
19 E onde continua a ser possível declarar a caducidade uma vez que se trata de uma situação jurídica constituída à sombra de lei antiga.
20 Em 01 Janeiro de 2007 já havia caducado a garantia prestada por terem decorrido dois três anos desde a data da apresentação da respectiva impugnação judicial
21 A decisão recorrida fez errónea aplicação do direito
Deve revogar-se esta decisão e deferir-se o pedido de declaração de caducidade da garantia.

Não houve contra alegações

O Mº Pº pronuncia-se pela não procedência do recurso

Colhidos os vistos cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO:

De facto:

Foi a seguinte matéria de facto que o Tribunal a quo deu como assente e não foi objecto de contestação.

A) Contra o impugnante foram instaurados pelo Serviço de Finanças de Viseu 1 os processos de execução fiscal nº 2722019901006398 e nº 2720199901008056 com vista à cobrança coerciva de IVA e IRS dos exercícios de 1994,1995 e 1996 cfr folhas 121 e 126
B) Em 31 05 1999 A………. deduziu impugnação judicial contra os actos de liquidação de IVA dos exercícios de 1994,1995 e 1996 subjacentes às dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal referido em A).
C) Em 25 02 2002 no âmbito dos processos executivos identificados em A) foi efectuada a penhora da fracção autónoma designada pelas letras CD do prédio urbano da freguesia de ………. sob o artigo 2085 folhas 159/161
D) Os processos de execução fiscal referidos em A) encontram-se suspensos a aguardar decisão a proferir no processo de impugnação judicial folhas 126
E) Por requerimento de 17 03 2011 o impugnante requereu a declaração de caducidade da garantia efectuada nos autos de impugnação.
F) Nos autos de impugnação não foi proferida decisão até 18 02 2014,

De direito:

Perante esta factualidade o mº juiz a quo ponderando os vários preceitos que sucedendo-se no tempo prescreveram sobre a caducidade da garantia e da penhora considerou que o legislador admitiu a caducidade da penhora nos mesmos termos previstos no artigo 183-A do CPPT para a caducidade da garantia mas que com a redacção da Lei 53-A 2006 de 29 de Setembro esse regime foi revogado voltando-se ao regime do artigo 235 do CPPT que não permite o levantamento da penhora qualquer que seja o período em que demore a prolacção da decisão em 1ª instância pelo que indeferiu o pedido.

É contra esta decisão e interpretação que se insurge a recorrente porquanto, como se alcança das suas conclusões, considera que a caducidade automática que resultava do artigo 183-A do CPPT não abrangia apenas as garantias oferecidas pelo executado mas abrangia igualmente as restantes como seja no caso a penhora efectuada nos bens da recorrente pela AT.
E tendo os requisitos determinantes da caducidade ocorrido antes da revogação do artigo 235 do CPPT a recorrente entende ser possível declarar a caducidade da penhora já que a caducidade in casu operou automaticamente pelo decurso do prazo de 3 anos

Importa para apreciação do recurso em primeiro lugar relevar os elementos que estruturam o instituto da caducidade e seguidamente decidir da natureza deste instituto em sede de procedimento administrativo.
O instituto da caducidade tem como elementos constitutivos cumulativos o não exercício de uma situação subjectiva – a caducidade opera pela mera inércia do titular da posição jurídica. Depois o decurso do tempo que tem de ser contínuo, não havendo lugar à interrupção.
E por último a extinção do direito do titular da posição jurídica por virtude do decurso do prazo legalmente fixado para a caducidade

Ora nos termos do Código Civil cfr artigos 328 a 333 verificados que esteja decorrido o prazo da caducidade a mesma opera automaticamente sendo do conhecimento oficioso do Tribunal

Mas em direito administrativo a caducidade só opera automaticamente se a lei assim o determinar dado o interesse público que lhe está subjacente e o fim que a caducidade visa.
Se a finalidade é a de assegurar um direito que não possa ser exercido para além de determinado prazo a caducidade é automática, como é o caso, por exemplo do exercício do direito de liquidação
Mas quando tem em vista assegurar o efeito de uma faculdade da Administração a caducidade não opera automaticamente depende de um acto expresso da Administração que a declare.

Neste sentido se posiciona Sérvulo Correia quando afirma in Noções de Direito Administrativo – Editora Danúbio Ldª Lisboa 1982 pp472 “ A caducidade pode ser objecto de um acto verificativo – denominado declaração de caducidade pelo qual a Administração declara essa situação jurídica tornando-a certa e incontestável”.
Também o acórdão do STA de 24 04 1996 no processo 27415 defende a mesma posição quando afirma: “um dos modos de extinção dos actos administrativos é a caducidade que pode ser objecto de um acto verificativo pelo qual a Administração declara essa situação jurídica tornando-a certa e incontestada”
E no sentido de que a caducidade em direito administrativo só pode considerar-se automática quando este em causa assegurar um direito que não possa ser exercido para além de determinado prazo ou quando a lei expressamente o determina sendo que nas restantes situações, face ao interesse público subjacente a mesma terá de ser objecto de reconhecimento e de declaração da Administração, veja-se também o parecer da Procuradoria Geral da República nº 2046 de 26 09 2002 cuja doutrina seguimos de perto por ser aquela que consideramos melhor fundamentada de direito.

Mas no caso dos autos há razões pelas quais entendemos não estarmos perante a caducidade automática. Muito embora se admita que o artigo 183-A consagre uma caducidade automática, já o mesmo se não pode dizer, como pretende o recorrente, quanto à pretendida caducidade automática da penhora ordenada pela Administração Tributária em execução fiscal.
Efectivamente o artigo 235 do CPPT ao prescrever que a “penhora pode ser levantada” e ao remeter a verificação dos pressupostos para que tal ocorra para o artigo 183-A com as necessárias adaptações ou seja para o procedimento aí regulado, não consagra ou impõe um direito antes consagra uma mera faculdade
Pelo que contrariamente ao sustentado pelo recorrente resulta claro da letra da lei que o artigo 235 na redacção anterior consagrava uma faculdade e não um direito potestativo.

Também a doutrina, com Vieira de Andrade e Sérvulo Correia entre outros, considera que “ a caducidade não opera automaticamente quando assume a natureza de uma verdadeira sanção por incumprimento e o seu efeito extintivo depende de uma declaração administrativa tomada em procedimento prévio com audição prévia do particular interessado”

A penhora em causa é um acto da Administração Tributária exequente que visa garantir a satisfação da dívida exequenda - no caso dividas de IVA dos anos de 1994 e 1995 e a possibilidade do levantamento da penhora anteriormente prevista visava no fundo a celeridade processual, sancionando o atraso da decisão por culpa não imputável ao executado.
Por ser um acto da Administração Tributária e o interesse público subjacente a tal acto – a cobrança de impostos e a celeridade na sua cobrança – e tal facto não poder deixar de ser tido em conta e devidamente ponderado face aos interesses em confronto da Administração Tributária e do particular executado é que o artigo 235/1 do CPPT consagrou não uma caducidade automática “ex lege” mas uma faculdade, pois se assim não fosse bastaria a remissão para o artigo 183-A do CPPT, sem mais.
Pelo que não tendo o recorrente requerido a declaração da caducidade atempadamente, como ficou provado, face à nova redacção da ao artigo 235 do CPPT não há agora possibilidade legal de tal caducidade ser declarada.

DECISÃO:
Face ao exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 18 de Março de 2015. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.