Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0999/07
Data do Acordão:02/20/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
CITAÇÃO
PENHORA
ACTO JURISDICIONAL
ACTO MATERIALMENTE ADMINISTRATIVO
REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
GARANTIA
Sumário:I – A citação e a penhora ordenadas num processo de execução fiscal não são actos jurisdicionais.
II – Pedida a revisão do acto tributário, com fundamento em ilegalidade, é de suspender a execução, nos termos do art.º 169º, 1, do CPPT, se for prestada garantia.
III – Na verdade, a revisão é uma verdadeira reclamação.
IV – Penhorada nos autos importância suficiente que garante o valor da dívida, está o contribuinte em condições de obter a suspensão da execução, como aliás decorre do art. 169º, 1, do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00064960
Nº do Documento:SA2200802200999
Data de Entrada:11/22/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART52 ART78 ART103.
CPPTRIB99 ART169 ART188 ART257 ART276.
CPTRIB91 ART237.
Jurisprudência Nacional:AC TC 331/92 DE 1992/10/21.; AC TC 152/2002 DE 2002/04/17.; AC TC 498/2001 DE 2002/06/18.; AC STA PROC25027 DE 2001/05/02.; AC STA PROC25941 DE 2001/05/09.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, identificado nos autos, reclamou, junto do TAF de Almada, da decisão do competente órgão de execução fiscal que ordenou a citação do executado, e subsequentemente a penhora, e indeferiu o pedido de suspensão da execução.
O Mm. Juiz daquele Tribunal julgou a reclamação improcedente.
Inconformado, o reclamante interpôs recurso para este Supremo Tribunal. Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso:
a) Entendeu-se na sentença que a pretensão reclamatória do agora recorrente não merecia provimento fundamentalmente, e para o que in casu interessa, por duas ordens de razões, a saber:
I. Que o facto de o recorrente não ter tornado a iniciativa de prestar garantia não permitia a suspensão da execução nos termos do artigo 169°, n.º 1 do CPPT, isto apesar de já ter ocorrido a penhora de uma quantia em dinheiro par parte da DGCI, quantia essa que cobria o valor supostamente em dívida;
II. Que o acto de penhora não enfermava de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade nos termos em que o recorrente os havia invocado.
b) Bem ao contrário do entendido pela sentença o facto de ter sido a DGCI a tomar a iniciativa de fazer a penhora que fez, obtendo assim uma garantia, em nada impede que a execução seja suspensa.
c) E sem grande esforço se pode concluir que o entendimento do recorrente é o certeiro bastando para tal atentar no texto da lei, o que a sentença não fez pois que se limitou a interpretar o artigo 169°, n.º 1 do CPPT descurando por completo o artigo 199° do mesmo diploma.
d) Com efeito nos termos deste ultimo normativo citado (n.º 4) vale coma garantia a penhora já feita para assegurar o pagamento da dívida e essa já se encontrava feita e não se questiona.
e) Mas se assim o era a execução teria de ficar suspensa até a decisão final do pleito pendente e isto decorre sem grande esforço, pensa-se, da interpretação conjugada dos artigos 169°, n.º 3 e 199° do CPPT.
f) E neste mesmo sentido se pronuncia a doutrina e jurisprudência supra citadas.
g) Pode ter sido tacitamente acolhido pela sentença o entendimento da DGCI de que o facto de a reacção do recorrente ao acto tributário ter sido feita pela via do pedido de revisão do acto tributário, nos termos do artigo 78° da LGT tal não caberia na previsão do artigo 169°, n.º 1 do CPPT.
h) Mas se assim foi tal entendimento também não se afigura certeiro pois que tal pedido de revisão do acto tributário consubstancia uma verdadeira reclamação em sentido lato, e por isso é-lhe aplicável o regime previsto no artigo 169° do CPPT.
i) A penhora, enquanto acto processual, destina-se efectivamente a chamar, pela primeira vez, o devedor à execução e nos termos do artigo 103°, n.º 1, da Lei Geral Tributaria, “o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional”.
j) Como caracterizar a «participação da administração tributária» no processo executivo fiscal? Desde logo, tal «participação» apenas pode ocorrer «nos actos que não tenham natureza jurisdicional», ou seja, mesmo em sede de processo executivo fiscal, a Administração tributária apenas poderá praticar actos materialmente administrativos.
k) Encontrando-se-lhe vedada a prática de actos, formal ou materialmente, jurisdicionais pois que tal decorre claramente, não só do artigo 103°, n.º 1, da Lei Geral Tributária, já citado, como igualmente do disposto no artigo 54°, n.º 1, alínea h), da mesma Lei.
l) Ora, de tudo isto decorre expressamente que a execução fiscal é um processo de natureza judicial, na execução fiscal são praticados actos jurisdicionais, na execução fiscal, a Administração tributária participa apenas praticando actos que não tenham natureza judicial (ou, mais rigorosamente, natureza jurisdicional), na execução fiscal, os actos de natureza jurisdicional apenas podem ser praticados por autoridade judicial e tal autoridade judicial é o «juiz da execução fiscal», referido no artigo 103°, n.º 2, da Lei Geral Tributária.
m) Deste modo o acto de citação e penhora praticados pela DGCI são completamente nulos e de nenhum efeito.
n) Ao assim não entender violou a sentença os artigos 169°, 199° do CPPT, 78° da LGT, 11°, n.º 2, 202°, nºs 1 e 2, 212°, n.º 3, 268, n.º 5 e 165°, n.º 1, p) da CRP.
o) Não se podendo assim manter e devendo ser revogada e substituída por uma decisão que de provimento a pretensão do recorrente.
Não houve contra-alegações.
Neste STA, o EPGA defende que o recurso merece provimento parcial.
Com dispensa de vistos, vêm os autos à conferência.
2. É a seguinte a matéria de facto fixada na instância:
A. Em 10/01/2003 foi instaurado no serviço de finanças do Seixal 2 o processo de execução fiscal n.º 3697-03/100817.0 ao reclamante para a cobrança coerciva do montante de € 9.766,08, sendo o montante de € 8.524,33 referente a IRS de 1998 e o montante de € 1.241,75 referente a juros compensatórios.
B. Os acrescidos do processo de execução fiscal mencionado na alínea anterior que compreende juros de mora e custas do processo são no montante total de € 3.589,50.
C. Em 21/07/2006 o reclamante apresentou requerimento dirigido ao chefe do Serviço de Finanças de Seixal 2 a peticionar a suspensão da execução fiscal mencionada na alínea anterior com o fundamento em que apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS de 1998.
D. Em 23/11/2006 foi proferido despacho pelo chefe do serviço de finanças de Seixal 2 que determinou a aplicação do montante de € 13.355,58 respeitante ao cheque bancário enviado pelo Banco B…, S.A., objecto de penhora automática, considerando que “... não existir qualquer impugnação judicial pendente ou recurso judicial ou mesmo reclamação graciosa e uma vez que também não se encontra no processo constituída qualquer garantia ...”.
3. São duas as questões que o recorrente coloca no seu recurso: a nulidade dos actos de citação e penhora por serem actos jurisdicionais (que não podiam assim ser praticados pela DGCI, havendo pois violação de normas constitucionais). E a não suspensão da execução, após pedido de revisão apresentado pelo recorrente.
Vejamos cada questão de per si:
3.1. Da nulidade dos actos.
O recorrente defende que, sendo a citação e penhora actos jurisdicionais, daí que não possam ser praticados por agentes da administração tributária, devendo ser antes praticados por um juiz.
Vejamos.
O processo de execução fiscal tem natureza de processo judicial – art.º 103º, 1, da LGT. Mas o mesmo normativo admite a participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
Será que os actos em causa têm essa natureza jurisdicional, estando pois vedados à administração tributária?
A lei prevê expressamente que quer a citação, quer a penhora, sejam da competência do órgão de execução fiscal – vide artºs. 188º e ss. do CPPT.
Os actos jurisdicionais praticados na execução estão previstos no art.º 151º, 1, do CPPT: os incidentes, os embargos, a oposição e a graduação e verificação de créditos. E ainda a anulação da venda – art.º 257º do CPPT.
Preceitos aliás com tradução legal no direito anterior – vide art.º 237º, 2, do CPT.
Estes são os actos jurisdicionais que exigem a intervenção do juiz.
Os outros são considerados pela lei como actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos de execução fiscal.
Mas também estes estão sujeitos ao controlo do juiz, através da reclamação (vide disposição citada e art.º 276º do CPPT).
Quer isto dizer que, quer a ordem de citação, quer a penhora, não cabem nas atribuições do juiz, mas sim no respectivo órgão de execução fiscal. Decisões que obviamente são susceptíveis de recurso para o juiz respectivo.
Quer isto dizer que nos termos da lei ordinária estão eles na esfera da competência do órgão de execução fiscal.
Mas serão eles inconstitucionais?
É pacífica a jurisprudência deste STA no sentido de que tais normas são constitucionais – vide, a título de exemplo os acórdãos deste STA de 2/5/2001 (rec. n.º 25027) e de 9/5/2001 (rec. n.º 25.945).
Que é uma posição que sufragamos.
E, instado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade de tais normas, o TC defende também ele essa constitucionalidade – vide, a título de exemplo, o acórdão do TC n.º 331/92, de 21/10/1992, 152/2002, de 17/4, proc. 498/2001 e acórdão n.º 263/02, de 18/6/2002.
Improcede assim este segmento do recurso.
3.2. A suspensão da execução.
O Mm. Juiz indeferiu o pedido de suspensão da execução fiscal (corroborando assim a tese da administração fiscal) com o fundamento de que o recorrente não prestara garantia, nem requerera a sua isenção.
Mas neste ponto não tem razão.
Na verdade, e como é pacífico nos autos, foi penhorada importância suficiente que garante o valor da dívida.
Assim, garantida a importância em causa, está o contribuinte em condições de obter a suspensão da execução, como aliás decorre do art.º 169º, 1, do CPPT.
Questão diversa é saber se o pedido de revisão pode fundamentar a suspensão da revisão.
Nos termos deste preceito, a execução só ficará suspensa até decisão do pleito (garantida a dívida), em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial.
Mas não está contemplada na letra da lei a revisão do acto tributário.
Mas, sendo a revisão uma verdadeira reclamação, não pode deixar de se entender que também o pedido de revisão do acto tributário suspende a execução – vide artºs 78º, 1, da LGT 52º, 1, da LGT e art.º 169º, 1, do CPPT. Procede assim, neste segmento do recurso, a pretensão do recorrente.
4. Face ao exposto, acorda-se:
a) Em negar provimento ao recurso no segmento em que é pedida a nulidade dos actos (de citação e de penhora);
b) Em conceder provimento ao recurso no segmento em que se pediu a suspensão da execução, revogando-se, nesta parte, a decisão recorrida, e ficando assim suspensa a execução, até decisão definitiva do pedido de revisão.
Custas pelo recorrente, na proporção de vencido, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008. - Lúcio Barbosa (relator) - Pimenta do Vale - Miranda de Pacheco.