Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0870/16
Data do Acordão:07/12/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:ANÚNCIO
CONCURSO
MENÇÃO
Sumário:É de admitir revista estando em discussão as consequências da omissão de menções obrigatórias em anúncios de concurso público.
Nº Convencional:JSTA000P20812
Nº do Documento:SA1201607120870
Data de Entrada:07/05/2016
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.

1.1. A………………, S.A. intentou providência cautelar, contra o Ministério da Justiça e B…………………, S.A., C………………, S.A., D………….., S.A., E…………….., S.A., e F…………….., S.A., pedindo:
«a) Ser decretada a suspensão de eficácia do despacho do Secretário de Estado da Justiça que aprovou o relatório final e adjudicou o contrato à contra-interessada B…………….., SA;
b) Ser decretada a suspensão do procedimento de concurso público tendente à celebração do Contrato de Aquisição de Serviços para Implementação do Portal da Justiça [Procedimento n.º 1/2014];
c) Serem a entidade requerida e a contra-interessada B……………., S.A. intimadas a abster-se de celebrar o contrato;
d) Caso o contrato haja sido, entretanto, celebrado, ser decretada a suspensão da sua eficácia».

E na respectiva acção de contencioso pré-contratual peticionou:
«a) Ser declarada a respectiva nulidade, ou caso assim não se entenda, anulado o despacho do Secretário de Estado da Justiça que aprovou o relatório final e adjudicou o contrato à contra-interessada B………………, S.A.;
b) Ser a entidade demandada condenada a aprovar novo Programa do Procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detectadas, a promover a publicação no D.R. e no JOUE, em conformidade com a regulamentação aplicável e a praticar todos os actos e diligências subsequentes do concurso».

1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria antecipou o juízo sobre a causa principal, nos termos do artigo 121.º do CPTA, proferindo sentença em que decidiu (fls. 166/200):
«Face ao exposto, julgo procedente a presente acção e, em consequência, anulo o despacho de 8 de Julho de 2015, do Secretário de Estado da Justiça que aprovou o relatório final e a adjudicação do contrato à contra-interessada B……………., S.A., condenando o R. a retomar o procedimento no momento da realização das sessões de esclarecimento dos requisitos dos protótipos entregues, mas respeitando os princípios violados, nos termos em que se deixam explicitados».

1.3. O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 05.05.2016 (fls. 296/351), confirmou a sentença.

1.4. É desse acórdão que a autora vem requerer a admissão do recurso de revista, ao abrigo do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, por nos autos se debaterem duas questões cuja relevância jurídica se reveste de importância fundamental.
A primeira questão emerge da incompletude dos avisos de abertura do procedimento concursal, tanto Diário da República (DR) como no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE), de elementos reputados de essenciais.
Concretiza, arguindo, que «os Anúncios publicados no D.R. e no JOUE são omissos em relação as aspectos fundamentais relativos às condições de participação no procedimento e aos elementos a ponderar para a sua adjudicação, bem como ao contrato a celebrar. / Elementos esses cuja inclusão nos anúncios é obrigatória, justamente, por serem essenciais a uma tomada de decisão ponderada e consciente dos operadores económicos do espaço europeu, relativamente à decisão de participar no concurso. / Ao fazer publicar os anúncios no Diário da República e no Jornal Oficial da União Europeia com as omissões descritas, a entidade demandada, ora recorrida, incorreu na violação ostensiva dos artigos 130°, n° 1 e 131°, n° 1 do CCP, do artigo 1º, al. a) e anexo III da Portaria n° 701-A/2008, de 29 de Julho, dos arts. 35º, nº 2, 36º, nº 1, Anexo VIIA da Directiva nº 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 e do art. 2º e anexo III do Regulamento CE nº 1564/2005, da Comissão, de 7 de Setembro de 2005, bem como na violação dos princípios da publicidade, da transparência e da concorrência. / Vícios que afectam todo o procedimento subsequente e se incorporam no acto administrativo impugnado, gerando a sua nulidade, ou, pelo menos, quando assim não se entenda, a sua anulabilidade. / O entendimento segundo o qual os referidos vícios não são invalidantes da decisão de adjudicação ignora a função instrumental dos anúncios relativamente aos princípios da publicidade, transparência e concorrência, traves mestras do direito europeu da contratação pública» (conclusões 4 a 8).
E, mais à frente conclui que «ao decidir que a incompletude dos anúncios publicados não implica a invalidade do acto de adjudicação impugnado, o Acórdão recorrido incorre justamente na violação de todas as normas e princípios referidas em 8» (conclusão 12).
A segunda questão suscitada pela recorrente prende-se com a apresentação de um protótipo, na fase concursal, que se traduzia no portal informático que a entidade demandada visava adquirir.
Materializa a questão alegando que «das normas contidas nos artigos 19º, nºs 3 e 4, 21º, nº 2, al. e), 22º e Anexos V, al. d) e XIII do programa do procedimento resulta inequivocamente uma obrigação para os concorrentes de apresentarem com as respetivas propostas um protótipo integrando o “Portal” em funcionamento com todas as funcionalidades aptas a serem testadas, o que se revela juridicamente inaceitável. / Exigir aos concorrentes, para efeitos de apresentação (e posterior análise) das propostas, a execução da prestação contratual, tal qual esta se encontra prevista no caderno de encargos, antecipa para uma fase de avaliação da proposta a execução do próprio contrato submetido a concurso, com o risco acrescido de, em caso de não adjudicação, tal execução ficar sem a justa remuneração, o que põe em causa os princípios da proporcionalidade e do equilíbrio e da sinalagmaticidade contratuais. / Ademais resulta das disposições contidas no CCP, designadamente dos arts. 56º, nº 1, 57º, n°1, al. b) e 75º, nº 1 que a proposta é uma declaração de substracto documental que expressa e formaliza a vontade do concorrente de contratar e o modo como se dispõe a fazê-lo. / O que significa que a proposta é constituída por documentos nos quais os concorrentes exprimem a forma e o modo como se propõem executar o contrato, designadamente, relativamente aos aspectos submetidos à concorrência. / Assim, a avaliação deve incidir sobre os atributos expressos, assumidos e vertidos em documento e não sobre a execução do contrato propriamente dita, para que sobre essa materialidade o júri possa realizar testes e proceder à avaliação» (conclusões 13 a 17).

1.5. O Ministério da Justiça pugna pela não admissão da revista.
Alega, relativamente à primeira questão, que «o atual Código dos Contratos Públicos limitou a função do anúncio à mera divulgação do procedimento e contratação e não ao seu regulamento, cujo conteúdo consiste em meras indicações com carácter meramente informativo, (…), sendo que as normas do programa de concurso prevalecem sobre essas indicações, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do CCP» (conclusão 6)
Aduz, ainda, que «nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 40.º, o anúncio não é peça do procedimento, (…)» (conclusão 8).
Sobre a segunda questão argúi que «os requisitos da entrega dos protótipos obedecem ao disposto no n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º e alínea e) n.º 2 do artigo 22.º e Anexos V, alínea d) e Anexo XIII do programa de procedimento, o que foi aceite pelo Recorrente, conforme Ata elaborada pelo júri, em 4 de março de 2015 junta aos autos. / A ora Recorrente não apresentou ao júri do concurso qualquer reclamação ou invocação de qualquer irregularidade quanto à apresentação do protótipo, só vindo a invocar as alegadas irregularidades na pronúncia apresentada em sede de audiência prévia, após conhecimento inequívoco de que o relatório do júri não a posicionava como proposta economicamente mais vantajosa» (conclusões 13 e 14).

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. Como se viu, uma das questões colocadas nos autos emerge de admitida incompletude dos avisos de abertura do procedimento concursal, tanto no Diário da República como no Jornal Oficial da União Europeia, de elementos reputados essenciais pela recorrente.
O acórdão recorrido ponderou «que a não inclusão de todas as menções obrigatórias nos anúncios publicados no Diário da República e no JOUE não constitui causa de invalidade do procedimento concursal (…)».
É contra o assim decidido que se insurge a recorrente, defendendo a necessidade de serem publicitados, no aviso de abertura do concurso, os «aspectos fundamentais relativos às condições de participação no procedimento e aos elementos a ponderar para a sua adjudicação, bem como ao contrato a celebrar».
Está, portanto, em discussão saber das consequências da incompletude dos avisos de abertura.
Pese embora ambas as instâncias terem convergido na decisão, certo é que a questão suscitada apresenta relevo jurídico, motivado pela complexidade dos elementos que devem integrar os anúncios dos avisos de abertura dos procedimentos concursais, de forma a traçar-se uma linha jurisprudencial estável capaz de servir de referente a todos os operadores na área em discussão. De igual modo, a problemática apresenta também relevo social pela probabilidade de se repetir num indeterminado número de casos.
Essa questão, e sem prejuízo do âmbito do recurso se estender ao demais suscitado, é razão, por si, de admissão da revista.

3. Pelo exposto, admite-se a revista.

Lisboa, 12 de Julho de 2016. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.