Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03428/15.8BEBRG
Data do Acordão:04/12/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC
REVISÃO
Sumário:Tem de se julgar inquinado, por vício de violação de lei, despacho (da Diretora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) que, embora reconhecendo a comprovação, pelo sujeito passivo/contribuinte, de “prejuízos fiscais”, não relevados numa, legítima e legal, liquidação oficiosa de IRC, afasta a sua operação sob o pretexto, último, de extemporaneidade na apresentação do pedido de revisão (oficiosa) da mesma, dando, consequentemente, guarida a uma tributação desconforme com a realidade, não incidente, em princípio, sobre o “rendimento real” da impugnante (empresa).
Nº Convencional:JSTA00071710
Nº do Documento:SA22023041203428/15
Data de Entrada:02/16/2023
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A representação da Fazenda Pública (rFP) recorre de sentença, oriunda do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, com data de 31 de março de 2022, que julgou procedente impugnação judicial ( “e, em consequência, anula-se o ato impugnado com as demais consequências legais”.), apresentada por A..., S.A., …, visando “a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa por si apresentado e, consequentemente, a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, relativa ao ano de 2012, no valor de EUR 50.146,17”.

A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: «

A - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida no âmbito da impugnação judicial supra identificada, que teve por objeto a liquidação oficiosa de IRC, referente ao ano de 2012, no valor de € 50 146,17, promovida pela AT nos termos do regime legalmente previsto no artigo 90º, n.º 1, alínea b) do CIRC.

B - Na douta sentença recorrida, o Tribunal “a quo”, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela impugnante, com a consequente anulação da liquidação oficiosa de IRC efetuada pelos serviços da Administração Tributária e Aduaneira (AT), alicerçando-se na factualidade dada como provada, nomeadamente a que ficou a constar dos pontos A) a G) da matéria assente, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.

C - Tendo em conta os factos dados como provados, o Tribunal “a quo” primeiramente pronunciou-se positivamente acerca de o pedido de revisão dos atos tributários por iniciativa dos contribuintes, nos termos do artigo 78º, n.º 1 da LGT, consubstanciar uma das formas que é assegurada aos contribuintes de promover a correção dos atos de liquidação oficiosa, como a dos autos, promovido nos termos do artigo 90º, n.º 1, alínea b) do CIRC, face à omissão do dever de entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC.

D - Na sequência deste entendimento, fundamentou a procedência da pretensão da impugnante na existência de erro imputável aos serviços da AT como fundamento do pedido de revisão, nos termos do artigo 78º, nº 1 da LGT.

E - Ora, a FP não pode concordar com este entendimento, porquanto, no caso de a liquidação oficiosa ser promovida pela AT nos termos previstos no artigo 90º, n.º 1, alínea b) do CIRC, na sequência da omissão de entrega da declaração de rendimentos de IRC a que os contribuintes se encontram obrigados, como é o caso, a correção do ato tributário a que alude o artigo 90º, n.º 12, no prazo estabelecido no artigo 101º do CIRC (que remete para os artigos 45º e 46ª da LGT) é, no entender da Fazenda Pública, uma prerrogativa da AT, e não, do contribuinte.

F - Aceitar que o contribuinte que omite o dever de entrega da declaração de rendimentos de IRC, pudesse, em qualquer circunstância, dentro do prazo estabelecido no artigo 101º do CIRC, promover a correção da liquidação oficiosa elaborada nos termos legalmente impostos, em obediência ao regime de liquidação estabelecido na lei para os contribuintes faltosos, era desvirtuar/inviabilizar, de todo, a aplicação de tal regime legal, que visa desincentivar a omissão declarativa.

G - A este propósito, transcreve-se parte do que ficou dito no voto de vencido expresso no Ac. do STA, datado de 05-12-2018, proferido no processo n.º 0220/11 (disponível em www.dgsipt): “(…) O número 4 do artigo 76º do CIRS permite que a liquidação seja corrigida, mas a sua correção não pode inviabilizar a aplicação do nº 2 do mesmo artigo - (…) -, ou nenhum sentido faria ter-se estabelecido tal procedimento para o caso de não entrega da declaração. O referido mecanismo visa desincentivar a falta de entrega da declaração.

H - Com efeito, o entendimento contrário promoveria, na perspetiva da FP, o incumprimento declarativo generalizado, e seria incompreensivelmente benéfico para os contribuintes incumpridores do seu dever de apresentar a declaração de rendimentos, poderem vir promover a correção da liquidação oficiosa efetuada nos termos legalmente impostos para a situação de incumprimento declarativo, como se não tivessem incumprido esse dever a que se encontram obrigados, dilatando, desta forma, por vários anos, o pagamento do imposto devido.

I - Assim, no entender da FP, face ao supra exposto, teremos que concluir, que a revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte do ato de liquidação oficiosa promovido nos termos do artigo 90º, n.º 1, alínea b) do CIRC, no prazo estabelecido no artigo 101º do CIRC, não se mostra admissível, por desvirtuar por completo o regime de liquidação estabelecido na lei para os casos de omissão declarativa, que visa desincentivar a falta de entrega da declaração de rendimentos.

J - Não obstante, ainda que se aceite que o regime de revisão do ato tributário previsto no artigo 78º, n.º 1 da LGT, consubstancia uma das várias possibilidades de reação que ao sujeito passivo de imposto é assegurada pela lei, para promover a correção da liquidação oficiosa promovida de acordo com o regime estabelecido na lei para os sujeitos passivos que incorreram em omissão declarativa, teriam necessariamente que se verificar as condições/pressupostos de procedência do pedido de revisão oficiosa do ato tributário previstas no artigo 78º, n.º 1 da LGT.

K - Na parte final do artigo 78°, nº 1 da LGT estabelece-se a possibilidade de poder ser efetuada a revisão oficiosa do ato tributário com base em erro imputável aos Serviços da AT, tendo o Douto Tribunal “a quo” fundamentado a procedência da pretensão da impugnante, precisamente na existência de um erro imputável aos serviços da AT.

L - Como ficou sumariado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 5-11-2020, proferido no Processo nº 328/05.3 (disponível em www.dgsi-pt): “(…) II- Para a questão se subsumir no erro “imputável aos serviços”, constante no artigo 78º, nº 1 da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi.

M - Ora, no caso em apreço, não nos parece que exista qualquer erro imputável aos serviços da AT. Senão vejamos,

N - Resulta dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, que a impugnante não apresentou dentro do prazo legal a declaração periódica de rendimentos - Modelo 22- referente ao exercício de 2012.

O - Não cumprindo os sujeitos passivos as obrigações declarativas a que estão adstritos, na presente situação, a prevista nos artigos 117º, n.º 1, alínea b) e 120º, n.º 1 do CIRC, a AT procede, por imposição legal, oficiosamente à sua liquidação, com base nos elementos de que disponha, nos termos do disposto no artigo 90º, n.º 1, alínea b) do CIRC.

P - Na sequência da liquidação oficiosa efetuada pela AT foi o sujeito passivo notificado da demonstração da liquidação de IRC, não tendo, no seguimento da mesma, apresentado qualquer petição de reclamação ou impugnação judicial por forma a contestar a liquidação oficiosa em referência.

Q - Com efeito, seria em sede de reclamação graciosa, que no entender da FP, a AT, após verificação dos elementos contabilísticos da sociedade, podia ter efetuado a correção a que se faz referência no artigo 90°, n.º 12 do CIRC.

R - Assim, dúvidas não subsistem, de que a liquidação oficiosa em causa nos autos, tem na sua génese um comportamento omissivo, por parte do sujeito passivo, no caso, a não entrega da declaração de rendimentos de IRC, referente ao ano de 2012, no prazo previsto na lei, comportamento que apenas a este é imputável e que abriu caminho, ex lege, a que a Administração Fiscal, ao abrigo dos seus poderes vinculados, e em obediência ao princípio da legalidade a que está adstrita, procedesse à liquidação oficiosa de IRC, de acordo com o regime previsto no artigo 90º, n.º 1, alínea b) do CIRC.

S - Pelo exposto, não se verifica in casu o necessário erro imputável aos serviços como pressuposto de procedência do pedido de revisão oficiosa da liquidação dos autos a que a impugnante lançou mão, nos termos do artigo 78º, n.º 1 da LGT, pelo que, consequentemente, não está a AT sujeita ao dever de correção da liquidação oficiosa em crise nos autos através da revisão oficiosa do ato tributário.

T - Ao não decidir assim, a douta sentença recorrida, no entender da FP, fez uma errada interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente, do artigo 90º do CIRC, n.º 1, alínea b) e n.º 12 do CIRS e do artigo 78º, n.º 1 da LGT, devendo, a mesma, ser substituída por douto acórdão que considere improcedente a impugnação judicial interposta pela impugnante, ora recorrida, mantendo-se, consequentemente na ordem jurídica a liquidação impugnada.

Nestes termos e nos restantes, que doutamente se tenha por bem convocar, pugna a Fazenda Pública pela procedência do presente recurso jurisdicional, com revogação da sentença do Tribunal a quo, com o que farão Vossas Excelências a sempre e costumada

JUSTIÇA »


*

A sociedade recorrida não formalizou contra-alegações.

*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, concluindo “no sentido de ser negado provimento ao presente recurso, na parte em que decidiu que o ato impugnado, consubstanciado no despacho de indeferimento do pedido de revisão, se mostra inquinado com o vício de violação de lei”.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

Na sentença recorrida, consta: «

Com interesse para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

A) A Impugnante não entregou até ao dia 30/05/2012, a declaração periódica de rendimentos, modelo 22, do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, referente ao exercício de 2012, [cfr. acordo];

B) Na sequência do referido em A), em 14/05/2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à emissão de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º ...73, em nome da Impugnante, no valor de 50.146,37 [cfr. acordo, doc. ... da petição inicial e fls. 2v do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

C) A liquidação referida em B) teve por base a totalidade da matéria coletável do exercício de 2009 e foi notificada à Impugnante [cfr. acordo e fls. 2v do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

D) Em 5/12/2014, a Impugnante procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos, modelo 22, do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, referente ao exercício de 2012 [cfr. doc. n.º ... da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

E) Em 10/12/2014, a Impugnante apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira pedido de revisão oficiosa da liquidação referida em B) nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária [cfr. fls. 1 do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

F) Em 30/04/2015, após o exercício do direito de audição da Impugnante, a Diretora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, por subdelegação de competências, converteu em definitivo a decisão de indeferimento fundada, entre o mais, nos seguintes fundamentos: “(…)

A declaração de rendimentos do exercício de 2012 deveria ter sido, tempestivamente, entregue e efectuada a subsequente liquidação do imposto que, ex lege, fosse devido; A declaração entregue pelo sujeito passivo, após cumprido pela Administração o disposto no artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, é intempestiva e não produz efeitos. Falta o pressuposto do erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1. da LGT); Não tendo a obrigação declarativa sido cumprida pelo sujeito passivo, houve negligência por parte deste, apenas a si imputável: Mais nada restou à Administração Fiscal senão, ao abrigo dos seus poderes vinculados ditados pela lei, proceder a uma liquidação oficiosa. A Requerente estava enquadrada no regime geral de tributação; A Requerente terá tido actividade, conforme se comprova pela declaração periódica de rendimentos apresentada em 5 de Dezembro de 2014, onde apurou o resultado líquido (prejuízos fiscais), pela liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e seu pagamento, pela apresentação de declarações mod. 1 o (ex: retenções na fonte por pagamento de rendimentos de categoria A de IRS), e pelo recebimento de rendimentos de capitais. (…)” - [cfr. fls. 8/9v do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

G) A decisão referida em F) foi notificada à Impugnante [cfr. fls. 10/13 do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]; »


***

A consideração das razões coligidas, pela rte, para atacar a sentença recorrida, em particular, na perspetiva do resumo efetivado nas conclusões, inicialmente, transcritas, impõe concluir-se pela imputação de “errada interpretação e aplicação do Direito”, destacadamente, do disposto nos artigos (arts.) 90.º n.ºs 1 alínea (al.) b) e 12 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e 78.º n.º 1 da Lei Geral tributária (LGT).

Face a esta delimitação, dirigindo atenções para aquela peça, podemos constatar que, num primeiro momento, fixou como questão a solucionar “saber se se verifica o vício de violação de lei fundado no erro nos pressupostos de facto e direito invocados pela Impugnante, mormente se a Impugnante tem direito a que sejam relevados os prejuízos constante da declaração modelo 22, referente ao exercício de 2012, apesar de o mesmo não ter sido declarado no prazo normal de declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ou de declaração de substituição”. Sobre a mesma, após reproduzir o teor, literal, da “constelação normativa aplicável”, concretamente, os arts. 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), 78.º (n.ºs 1 a 5) da LGT e 90.º n.º 1 als. a) a c) e n.º 12 do CIRC, expendeu o conjunto de argumentos seguinte ( Com sombreados que acrescentamos.): «

(…).

Ora, interpretando o artigo 78.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária resulta que a revisão dos atos tributários pode operar de duas formas distintas, a saber: por iniciativa do sujeito passivo ou por iniciativa da Administração Tributária (sendo que, no primeiro dos casos, o fundamento da revisão pode ser qualquer ilegalidade e o pedido deve ser apresentado no prazo da reclamação administrativa, enquanto que, quando a iniciativa é da Autoridade Tributária e Aduaneira, o prazo para a interposição do pedido de revisão é de 4 anos, após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. Resultando do art.º 78.º, n.º 2 que se considera imputável aos serviços, o erro na autoliquidação.

Cumpre referir que embora o art.º 78.º da LGT, no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à revisão que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redação inicial, que é o n.º 7 na redação vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte.

Assim, tal como a Autoridade Tributária e Aduaneira deve, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário (no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, como decorre do n.º 1 do art. 78.º da Lei Geral Tributária), com fundamento em erro imputável aos serviços, também o contribuinte pode, dentro dos mesmos prazos, pedir que seja cumprido esse dever (Cfr. Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, 28.5, págs. 212 a 214.) – Neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/05/2016, no processo n.º 0407/15, disponível em www.dgsi.pt).

Nesta senda, a revisão prevista no art.º 78.º da Lei Geral Tributária constitui um poder-dever da Autoridade Tributária e Aduaneira, a qual se impõe na sua atividade, por força dos princípios justiça, da igualdade e da legalidade dos impostos. (cf. art.º 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e art.º 55.º da LGT), de forma a que não se exija dos contribuintes senão o imposto resultante dos termos da lei (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3/06/2015, proferido no processo n.º 793/14, disponível em www.dgsi.pt).

Deste modo, tal como sucede relativamente a qualquer ato tributário, independentemente de poder usar os meios de defesa normais (reclamação graciosa, recurso hierárquico e impugnação judicial), o contribuinte pode também pedir a revisão do ato tributário no prazo de reclamação administrativa com fundamento em qualquer ilegalidade; e pode ainda solicitar à Administração Tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, que esta revogue o ato com fundamento em erro imputável aos serviços.

Ora, o dever da Autoridade Tributária e Aduaneira concretizar a revisão de atos tributários, a favor do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, de acordo com os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade a que a Autoridade Tributária e Aduaneira se encontra sujeita, sendo que tais princípios impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros nas liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei – Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, Vol. II, 6ª Edição, p. 704.

(…).

Este dever da Autoridade Tributária e Aduaneira assume uma especial densidade no caso dos autos, uma vez que a referida Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece expressamente a existência de prejuízos no exercício em causa referindo que: “A Requerente terá tido actividade, conforme se comprova pela declaração periódica de rendimentos apresentada em 5 de Dezembro de 2014, onde apurou o resultado líquido (prejuízos fiscais), pela liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e seu pagamento, pela apresentação de declarações mod. 10 (ex: retenções na fonte por pagamento de rendimentos de categoria A de IRS), e pelo recebimento de rendimentos de capitais.” (cfr. al. F) do probatório).

Isto posto, como supra se aludiu, a questão que se suscita nos presentes autos consiste em saber se a Impugnante tem direito a que sejam relevados os prejuízos constantes da declaração modelo 22, no exercício de 2012, apesar de os mesmos não terem sido declarados nos prazos normais de declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ou de declaração de substituição.

Ora, sobre tal concreta questão pronunciou-se o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão n.º 2399/15.5BELSB, datado de 15/12/2021, a cuja fundamentação se adere sem reservas.

(…).

Em face do exposto, impõe-se concluir que, perante um pedido de revisão oficiosa do acto tributário, fundado em erro nos pressupostos de facto, a Administração Tributária encontra-se investida no poder-dever de apreciar e decidir o pedido de revisão em causa, formulado pelo contribuinte, à luz do disposto no artigo 78.º/1, da LGT.

Resta-nos, todavia, apurar se aquela pode objectar a extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa, com base na preclusão dos prazos de reclamação administrativa ordinária.

A resposta à presente questão depende da comprovação da ocorrência de erro imputável aos serviços (78.º/1, in fine, da LGT). Para que o erro seja imputável aos serviços, é necessário que a desconformidade do acto tributário com a realidade da matéria colectável não se deva a conduta negligente do contribuinte. «O erro imputável é um erro relevante, que tenha conduzido a errado apuramento da situação tributária do contribuinte e que tenha causado um prejuízo efectivo e suficientemente grave» (Paulo Marques, A revisão do acto tributário, IDEFF, 2018, p. 235.). Se a Administração, dentro do prazo de caducidade da liquidação, toma conhecimento através dos elementos fornecidos pelo contribuinte, de que a liquidações oficiosas emitidas enfermam de erro na determinação da matéria colectável e rejeita apreciar e decidir o pedido de revisão oficiosa das mesmas, o erro torna-se imputável aos serviços, na medida em que, em face dos elementos disponíveis, mantêm na ordem jurídica liquidações oficiosas sem suporte factual adequado. (…)”

Efetivamente, tendo a Impugnante fornecido elementos que permitiram à Autoridade Tributária e Aduaneira admitir a existência de prejuízos no exercício em causa (como aliás admite a referida Autoridade Tributária e Aduaneira em F) do probatório), impõe-se concluir que, no mínimo, “(…) a manutenção dos atos tributários questionados exige a realização de diligências inspetivas no sentido de aferir do acerto da matéria coletável que lhes subjaz, ou seja, exige a apreciação e a decisão, quanto ao fundo, do pedido de revisão dos atos tributários em apreço. O que no caso não sucedeu, pelo que, seja o despacho de indeferimento do pedido de revisão, seja os actos de liquidação que o mesmo preserva, mostram-se inquinados com o vício de violação de lei (78.º/1, in fine, da LGT), o que determina a sua anulação. (…)”.

(…). »

Expostos os motivos para ter sido julgada procedente esta impugnação judicial, liminarmente, constatamos ser irrelevante o primeiro motivo de discordância, da rte, com a sentença objetada, consubstanciado nas conclusões E a I.

Não obstante haver reproduzido, em parte o conteúdo do art. 90.º do CIRC, o julgador efetivou a apreciação e julgamento, da pretensão da impugnante, mediante a, exclusiva, consideração do estatuído no art. 78.º da LGT, destacadamente, da parte final do seu n.º 1, ou seja, partiu do pressuposto, único, da existência de um pedido, do sujeito passivo/contribuinte, de revisão (oficiosa) da emitida liquidação oficiosa de IRC – cf. al. B) dos factos provados, para concluir, em síntese, que os atuantes serviços da autoridade tributária e aduaneira (AT) não o podiam ter indeferido, com base na sua extemporaneidade, reputando, por isso, em primeira mão, ilegal o despacho de indeferimento, mencionado em F) dos factos provados, bem como, reflexamente, aquele ato de liquidação oficiosa.

Acresce, não podermos, também, enquadrar esta crítica, da rte, como apontamento de um erro de enquadramento jurídico da situação julganda, na medida em que, como decorre dos factos apurados – als. D) e E), in casu, o sujeito passivo/impugnante não se limitou à entrega, em 5 de dezembro de 2014, de uma declaração de rendimentos, modelo 22, respeitante ao IRC do exercício de 2012, tendo, concomitantemente, no seguinte dia 10, concretizado a apresentação de um “pedido de revisão oficiosa da liquidação referida em B) nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária”. Por outras palavras, a versada objeção poderia revestir alguma virtualidade se estivéssemos, confrontados, apenas, com a apresentação de uma declaração periódica de rendimentos/declaração de substituição, fora das condições e prazos dos arts. 120.º e 122.º (respetivamente) do CIRC, discutindo a possibilidade, legítima, de servir de elemento desencadeador da correção prevista no art. 90.º n.º 12 do CIRC ( Na redação da Lei n.º 2/214 de 16 de janeiro; em 2012, era o n.º 10.). Talvez ciente desta nuance e implicação, a rte, na conclusão J, condicionalmente, mas aceita que “o regime de revisão do ato tributário previsto no artigo 78º, n.º 1 da LGT, consubstancia uma das várias possibilidades de reação que ao sujeito passivo de imposto é assegurada pela lei, para promover a correção da liquidação oficiosa promovida de acordo com o regime estabelecido na lei para os sujeitos passivos que incorreram em omissão declarativa, …”.

Remanesce, portanto, a imputação de erróneo julgamento, à sentença, pelas razões condensadas nas conclusões J a T, emergindo, com centralidade, a defesa da não verificação, na situação julganda, do “erro imputável aos serviços”, exigido, como fundamento, explícito, para poder ser operada revisão, pelo órgão competente da AT, a pedido do contribuinte, de ato tributário de liquidação nos quatro anos seguintes à sua emissão, com a cobertura do prescrito no art. 78.º n.º 1, parte final, (e n.º 7) da LGT.

Aquilatemos.

Do art. 78.º n.º 1 da LGT, decorre, desde a primeira hora, que a revisão, dos atos tributários, por ação da entidade que os praticou, pode ter lugar:

- por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;

- por iniciativa da administração tributária, nos quatro anos após a liquidação (tendo sido pago o tributo), com fundamento em erro imputável aos serviços.

Outrossim, a jurisprudência é, persistentemente, repetitiva:

- da possibilidade, adjuvante destas duas, de, a pedido do contribuinte, formalizado dentro dos quatro anos seguintes ao momento da liquidação/ato a rever, poder ser realizada, pelo órgão competente da administração tributária, a revisão (oficiosa) dos atos tributários;

- de que o conceito de “erro imputável aos serviços”, mencionado na 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT, não compreende todo e qualquer “vício” (designadamente, vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, abrangendo, estes, o erro nos pressupostos de facto e de direito e sendo a imputabilidade, aos serviços, independente da demonstração da culpa dos funcionários, envolvidos na emissão do ato errante.

Importa, ainda, referenciar que a melhor leitura/compreensão do art. 78.º da LGT (na integralidade) não pode deixar de ter presente que a Administração Pública prossegue o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, estando, os seus órgãos e agentes, subordinados à Constituição e à lei – cf. art. 266.º n.ºs 1 e 2 da CRP, respeito este, do princípio da legalidade, expressamente, imposto, à administração tributária, no art. 55.º da LGT, a par, entre outros, do das garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários. Ora, sem hesitações, objetivamente, em função do respetivo, integral, conteúdo normativo, o art. 78.º da LGT consubstancia, no âmbito da proteção dum Estado de Direito, um depósito de garantias, acrescidas, de defesa e reposição da legalidade, concedidas aos sujeitos de relações jurídico-tributárias, pelo que, a sua operação deve, na nossa perspetiva, visar obter o equilíbrio (possível) entre exercício dos poderes fiscais/tributários do Estado e defesa dos interesses, subjetivos, dos contribuintes (lato sensu).

Estabelecidas estas, gerais, linhas de orientação, focando o fundamento (neste caso, exclusivamente, disputado), de revisão dos atos tributários (de liquidação tributária), traduzido, pelo legislador, na menção do “erro imputável aos serviços”, julgamos seguro, quanto ao seu preenchimento, desde logo, afirmar que tal imputabilidade não se reporta, como no direito civil, ao estado normal da pessoa que lhe permite discernir a importância e efeitos dos seus atos e, muito menos, tem a ver com a “capacidade de culpa”, penalista. Efetivamente, como, acima, demos nota, a imputação dos erros, aos serviços da AT, é independente, prescinde, da demonstração da culpa dos serviços/agentes, envolvidos na emissão do ato viciado.

Neste conspecto, o termo “imputável” vale, aqui, em primeira linha, com o significado, comum, de “suscetível de ser imputado; atribuível”, o qual, conformado com a, necessária, compatibilização aos interesses em jogo (no art. 78.º da LGT), quer dizer, erro, no sentido de ilegalidade, não resultante de, provocada por, atribuída a, uma informação/declaração/intervenção do contribuinte ou obrigado tributário.

Sendo estes os parâmetros por que nos norteamos, de imediato, é percetível não assistir razão à rte, quando sustenta a impossibilidade de haver um erro imputável aos serviços, em decorrência de “a liquidação oficiosa em causa nos autos, te(r) na sua génese um comportamento omissivo, por parte do sujeito passivo, no caso, a não entrega da declaração de rendimentos de IRC, referente ao ano de 2012, no prazo previsto na lei, comportamento que apenas a este é imputável …” – cf. conclusão R.

Como decorre, escorreito, da sentença recorrida, o afirmado e relevado erro dos serviços não se situa na emissão da liquidação oficiosa, manifestamente, tratando-se de um ato imposto praticar por disposição legal expressa (art. 90.º n.º 1 al. b) do CIRC), mas, sim, deriva da circunstância, casuística, de « tendo a Impugnante fornecido elementos que permitiram à Autoridade Tributária e Aduaneira admitir a existência de prejuízos no exercício em causa (como aliás admite a referida Autoridade Tributária e Aduaneira em F) do probatório), impõe-se concluir que, no mínimo, “(…) a manutenção dos atos tributários questionados exige a realização de diligências inspetivas no sentido de aferir do acerto da matéria coletável que lhes subjaz, ou seja, exige a apreciação e a decisão, quanto ao fundo, do pedido de revisão dos atos tributários em apreço. (…)” »

Em suma, temos de acolher o entendimento e a decisão de, desde logo, se julgar inquinado, por vício de violação de lei, o despacho aludido e em parte reproduzido no ponto F) dos factos, quando, embora reconhecendo a comprovação, pelo sujeito passivo/contribuinte, de “prejuízos fiscais”, não relevados numa, legítima e legal, liquidação oficiosa de IRC, afasta a sua operação sob o pretexto, último, de extemporaneidade na apresentação do pedido de revisão (oficiosa) da mesma, dando, consequentemente, guarida a uma tributação desconforme com a realidade, não incidente, em princípio, sobre o “rendimento real” da impugnante (empresa).


*******

# III.

Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concordamos negar provimento ao recurso.


*

Custas pela recorrente.

*****
[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 12 de abril de 2023. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.