Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0482/09
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
IVA
TRANSACÇÃO INTRACOMUNITÁRIA
Sumário:Recai sobre a Administração Tributária o ónus da prova da qualidade de sujeito passivo de IVA, agindo como tal, do vendedor interveniente nas transacções intracomunitárias.
Nº Convencional:JSTA00067950
Nº do Documento:SAP201211210482
Data de Entrada:02/29/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC TCA NORTE DE 2007/06/28
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:RITI92 ART1 A ART3 A ART32 A
LGT98 ART74 N1 N3 ART1
CIVA ART28 E G ART82
CCIV ART346 ART350 N2
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0733/09 DE 2010/05/19
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……, com os demais sinais dos autos, recorre, por oposição de acórdãos, do aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 28/6/2007 (a fls. 354 a 358) que dando provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a decisão proferida em 1ª instância e, em substituição, julgou improcedente a impugnação da liquidação de IVA do ano de 1985 e respectivos juros compensatórios.

1.2. Admitido o recurso, o recorrente apresentou, nos termos do disposto no nº 3 do art. 284º do CPPT, alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados (fls. 379 a 381).

1.3. Por despacho do Exmo. Relator no TCAS (fls. 382 – cfr., igualmente, fls. 430), considerou-se existir a invocada oposição de acórdãos e foi ordenada a notificação das partes para deduzirem alegações, nos termos do disposto nos arts. 284º, nº 5 e 282, nº 3, ambos do CPPT.

1. O recorrente termina as alegações do recurso formulando as conclusões seguintes:
A) O Acórdão recorrido e os Acórdãos fundamento decidiram de forma oposta a mesma questão fundamental, na ausência de alteração da respectiva regulamentação jurídica e em face de situações de facto idênticas, pelo que se verifica a oposição de Acórdãos referida nos artigos 27°, alínea b), do E.T.A.F. e 284°, do C.P.P.T.;
B) Face à redacção do artigo 1°, alínea a), do Regime do IVA nas Transmissões Intracomunitárias (RITI), na ausência de prova da qualidade dos vendedores enquanto sujeitos passivos de IVA, agindo com tais, não é lícito à Administração Fiscal proceder à presunção dessa qualidade e, consequentemente, à liquidação de IVA devido pelas aquisições intracomunitárias;
C) Ao decidir em sentido contrário ao aqui exposto, bem como, em contrário ao decidido no Acórdão fundamento, violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 74°, n° 1, da Lei Geral Tributária, e 1°, alínea a) do Regime do IVA nas Transmissões Intracomunitárias, motivo por que deve ser revogada.
Termina pedindo se declare a oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido e que o recurso seja julgado procedente, vindo, a final, o acórdão recorrido a ser revogado.

1.5. A recorrida Fazenda Pública apresentou contra-alegações, sustentando que o acórdão recorrido deve ser confirmado e formulando as Conclusões seguintes:
1. Em sede dos presentes autos, a AF apenas tinha que provar os pressupostos da aplicação de métodos indirectos, nos termos do art. 74°, 3 da LGT e não a efectiva existência e concretos elementos das operações tributáveis por si presumidas.
2. Ela desonerou-se completamente do seu encargo probatório.
3. A prova da efectiva natureza das compras de veículos usados realizadas no mercado comunitário cumpria, pois, ao Recorrente.
4. Ele não conseguiu realizar essa prova, suscitando, quanto muito, uma dúvida que, por força do disposto no art. 100º, 2 do CPPT tem que ser valorada a favor da AF.
5. O acórdão recorrido deve, pois, ser mantido.

1.6. O MP emitiu Parecer nos termos seguintes:
«Objecto do recurso - acórdão do TCA Norte-SCT proferido em 28.06.2007 (em oposição com acórdão do TCA Sul-SCT proferido em 19.10.2004 processo n° 880/03).
FUNDAMENTAÇÃO
1. Pressupostos para o conhecimento do recurso
Sufragamos o sentido do despacho proferido em 6.01.2011 pelo juiz relator no tribunal recorrido, sobre a verificação dos pressupostos para resolução do conflito de jurisprudência emergente da oposição de acórdãos (fls. 430):
- identidade da questão fundamental de direito
- identidade da regulamentação jurídica aplicável
- identidade de situações fácticas
- antagonismo das soluções jurídicas
(art. 284º CPPT; art. 30° al. b) ETAF aprovado pelo DL n° 129/84, 27 Abril).
2. Conflito de jurisprudência
Questão fundamental de direito: ónus da prova da qualidade de sujeito passivo de IVA, agindo como tal, do vendedor nas transacções intracomunitárias (art. 1º al. a) RITI).
O conflito deve ser resolvido no sentido da adesão à tese do acórdão fundamento, segundo a qual recai sobre a administração tributária (AT) o ónus da prova da qualidade de sujeito passivo de IVA, agindo como tal, do vendedor interveniente nas transacções intracomunitárias.
Argumentário
I. O acórdão recorrido não afirma que a administração tributária (AT) tenha demonstrado a qualidade de sujeitos passivos de IVA, agindo como tal, dos vendedores na Alemanha intervenientes nas transacções; apenas admite que as características concretas da transacção tornam fundada a presunção da AT de que os vendedores tenham intervindo naquela qualidade.
II. Pretendendo a AT a liquidação do IVA sobre ela recai o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca (art. 1º al. a) RITI; art. 74° n° 1 LGT).
A AT não beneficia de qualquer presunção legal ou judicial que permita firmar factos presumidos desconhecidos a partir de factos conhecidos (arts. 349°/351° CCivil).
III. A prova de que o vendedor na transacção intracomunitária é sujeito passivo de IVA (no país da UE onde a venda se realiza) está longe de ser intoleravelmente difícil, no quadro da cooperação internacional estabelecida com as autoridades fiscais dos Estados membros da EU.
IV. A parte onerada com o ónus suporta a consequência jurídica do insucesso na prova dos factos que constituem o objecto daquele; sendo irrelevante a falta de produção de prova em contrário ou de contraprova pela parte contrária, porque a AT não beneficia de qualquer presunção (arts. 346º e 350° n° 2 CCivil).
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
O acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por acórdão declaratório da procedência da impugnação judicial e anulatório da liquidação de IVA».

1.9. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. No acórdão recorrido julgaram-se provados os factos seguintes:
1° - O impugnante tem por actividade principal o comércio de automóveis CAE código 501000 - cfr. doc. de folhas 18 dos autos.
2° - Em acção de fiscalização e inspecção tributária foram-lhe efectuadas correcções em sede de IVA e relativamente ao exercício de 1995 por se considerar que o sujeito passivo foi notificado para no prazo de 5 dias a contar da notificação apresentar as facturas de aquisição das viaturas bem como os meios de pagamento utilizados e as correspondentes facturas de venda.
A notificação não foi cumprida pois o contribuinte não possui quaisquer facturas de compra, apenas possui as declarações de veículos ligeiros ou facturas de venda da totalidade das viaturas adquiridas.
Quanto aos meios de pagamento utilizados o sujeito passivo afirma ter pago tudo em dinheiro. Este facto constitui elemento suficiente para cálculo do lucro tributável pela aplicação de métodos indiciários.
Foi também notificado para no prazo de 15 dias substituir as declarações de rendimentos apresentadas para os exercícios de 1994 e 1995 dado que os rendimentos declarados não correspondiam aos efectivos. A notificação não foi cumprida - cfr. doc. de folhas 108 a 114 do PA.
3° - Não se conformando com tal facto o impugnante apresentou reclamação - cfr. doc. de folhas 72 a 78 do PA.
4° - Foi elaborada a acta de reunião da comissão de revisão onde no ponto l consta: «pelo presidente da Comissão foi considerado como sendo fora do âmbito desta comissão a apreciação e qualificação das aquisições efectuadas pelo reclamante como intra comunitárias ou não».
Sobre esta acta recaiu o despacho de «Considerando que o acordo entre os vogais da comissão cumpriu os pressupostos e os procedimentos previstos no CPT no uso da competência atribuída no n° 4 do artigo 87° do citado código confirmo a legalidade do acordo - cfr. doc. de folhas 64 a 68 do PA.
5° - Foram emitidas notas de liquidação nos montantes supra mencionados a título de IVA - doc. de folhas 11 a 15.
6° - Resulta dos autos que a impugnante adquiriu várias viaturas em estado de usadas da CEE durante os anos de 1994 e 1995 para depois vendê-las em Portugal – cfr. doc. de folhas 24 a 99 do autos.
7° - De folhas 159 a 298 mostram-se traduzidos documentos referidos em 6 sendo certo que de alguns deles resulta de forma inequívoca como titular pessoa individual ou individualmente identificada – cfr. folhas 160, 161, 197, 204, 209, 216, 219, 220, 222, 225, 235, 242, 250, 252, 259, 272, 277, 286 que aqui se dão por reproduzidos.
8° - De folhas 110 a 119 encontra-se a sentença do TT de 1° Instância do Porto relativa à impugnação de IRS do ano de 1994 e 1995.

3.1. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido no TCA Norte, em 28/6/2007 (a fls. 354 a 358), invocando o recorrente que o mesmo está em oposição com o acórdão proferido no TCA Sul, em 19/10/2004, no processo nº 880/03, em que se decidiu que recai sobre a AT o ónus da prova da qualidade de sujeito passivo de IVA, agindo como tal, do vendedor interveniente nas transacções intracomunitárias.
O Exmo. Relator do acórdão recorrido julgou verificada a invocada oposição de acórdãos, o que nem as partes, nem o MP questionam.
E apesar de sobre tal decisão não se formar, nesse âmbito, caso julgado, nem este Tribunal de recurso ficar impedido ou desobrigado de a apreciar - cfr. art. 685º-C, nº 5 do CPC – podendo, se for caso disso, ser julgado findo o respectivo recurso (cfr., por todos, o acórdão deste Tribunal Pleno, de 19/5/2010, proc. nº 733/09) também agora se constata e se conclui, reapreciando-a, que, no caso, se encontram efectivamente preenchidos os pressupostos processuais do recurso previsto no art. 284º do CPPT, por oposição de acórdãos, dado que, perante o mesmo quadro factual (liquidação de IVA por transacções intracomunitárias substanciadas em aquisições a título oneroso e em território Alemão, por parte de um nacional sujeito passivo de IVA e agindo como tal, de viaturas usadas) os acórdãos em confronto sufragam soluções de direito antagónicas no que respeita ao ónus da prova da qualidade de sujeito passivo (por parte do respectivo vendedor) de IVA, agindo como tal (art. 1º al. a) RITI), configurando-se, portanto, identidade da questão fundamental de direito, identidade das situações fácticas e identidade da regulamentação jurídica aplicável.

3.2. Com efeito, como os autos evidenciam, considerou-se no acórdão recorrido que, face às correcções efectuadas pela AT, «ao impugnante restava a possibilidade de provar que os veículos em causa haviam sido adquiridos a particulares que não eram sujeitos de IVA», ao passo que no acórdão fundamento se exara «não ser possível concluir nem presumir que estamos perante sujeitos passivos de IVA que actuaram como tal no acto da venda ao ora impugnante» sendo que «… dados os mecanismos de controle internacionais não estava impossibilitada a AT de fazer prova dessa qualidade que apregoa dos vendedores dos veículos já que a prova negativa não deve ser exigida ao impugnante, porque praticamente impossível

3.3. Nada obstando, portanto, à decisão de mérito, importa assim decidir a questão suscitada: a de saber sobre quem impende o ónus da prova da qualidade de sujeito passivo de IVA, agindo como tal, do vendedor nas transacções intracomunitárias (art. 1º al. a) do RITI).
Vejamos.

4.1. Na tese do recorrente, face à redacção da al. a) do art. 1°do RITI, na ausência de prova da qualidade dos vendedores enquanto sujeitos passivos de IVA, agindo com tais, não é lícito à Administração Fiscal proceder à presunção dessa qualidade e, consequentemente, à liquidação de IVA devido pelas aquisições intracomunitárias. Pelo que o acórdão recorrido, ao decidir em contrário, violou o disposto no nº 1 do art. 74º da LGT e naquela al. a) do art. 1º do RITI.
Já na tese da recorrida Fazenda Pública, a AT apenas tinha que provar os pressupostos da aplicação de métodos indirectos, nos termos do nº 3 do art. 74° da LGT e não a efectiva existência e concretos elementos das operações tributáveis por si presumidas, sendo que a AT se desonerou completamente do seu encargo probatório, pelo que a prova da efectiva natureza das compras de veículos usados realizadas no mercado comunitário cumpria ao recorrente, prova que este não logrou fazer.
Não acompanhamos, porém, o entendimento da AT e, por conseguinte, o entendimento do acórdão recorrido.

4.2. Nos termos da al a) do art. 1º do Regime do IVA nas transacções intracomunitárias (na redacção, aqui aplicável, do DL nº 290/1992, de 28/12) estão sujeitas a IVA «As aquisições intracomunitárias de bens efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no Nº 1 do artigo 2º, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos do IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas, não efectue no território nacional a instalação ou montagem dos bens nos termos do Nº 2 do artigo 9º nem os transmita nas condições previstas no Nº 1 e Nº 2 do artigo 11º».
É esta, portanto, a norma de incidência que preside à presente divergência.
O acórdão recorrido considerou que as operações questionadas (aquisições intracomunitárias a título oneroso, por um nacional sujeito passivo de IVA e agindo como tal, de viaturas para revenda) estão sujeitas a IVA, nos termos da citada al. a), dado que, por um lado, ficou provado que o impugnante é sujeito passivo de IVA que exerce a actividade de revendedor de veículos, designadamente de veículos usados adquiridos em países da CEE, no caso, na Alemanha, e os veículos em causa foram aí adquiridos e dado que, por outro lado, o mesmo estava obrigado, por força da sua qualidade de sujeito passivo, à emissão de facturas nos termos da al. b) do art. 28º do CIVA, bem como a ter a sua escrita de tal modo organizada que no que toca à aquisição de veículos usados (incluindo o de países membros da CEE) não resultasse a mínima dúvida para a AT da origem da sua compra, bem como, ainda, à identificação do vendedor (cfr. art. 28° als. e) e g) do CIVA) e às restantes imposições do POC.
E mais considerou que, não constando da contabilidade do impugnante tais dados, e tendo ficado provado que o impugnante não deu cumprimento às solicitações que a AT lhe fez, então, demonstrada que estava a compra através de dinheiro, sem justificação para tal facto que contraria o normal giro comercial, estava a AT legitimada a socorrer-se do método presuntivo ou da correcção da matéria tributável em sede de IVA, pois que cumprira o ónus da prova dos pressupostos legais da sua actuação (arts. 1º da LGT, 82º do CIVA e 1º al. a), 3° e 32º al. a) do RITI).
Mas não tendo o contribuinte procedido a essa escrituração e tendo a AT demonstrado a proveniência dos veículos e constatado a inexistência de facturas a eles atinentes, estava constatada a falta de credibilidade da escrita e legitimada a AT para corrigir a matéria tributável nos termos do art. 82º do CIVA, restando ao impugnante a possibilidade de provar que os veículos em causa haviam sido adquiridos a particulares que não eram sujeitos de IVA.
E referindo-se à eventual inversão do ónus da prova, o acórdão também conclui que tal inversão não se verifica, porque:
- Em primeiro lugar era ao impugnante que, no caso, cabia provar tal facto: venda realizada ao impugnante por sujeito não passivo de IVA, já que é ele quem afirma tal facto que contraria a actividade normal por si desenvolvida (art. 74°, n° 1 da LGT).
- Depois porque há que ter em conta também o critério da disponibilidade e facilidade probatória tornando flexíveis as regras de repartição do «onus probandi» tendo sempre em conta a parte que mais provavelmente esteja em condições de poder carrear para os autos tal prova (nesta óptica, deverão fazer-se «recair as consequência da falta de prova sobre a parte que tinha mais facilidade ou se achava numa posição prevalente ou mais favorável pela disponibilidade e ou proximidade da fonte da prova».
- Em terceiro lugar, mesmo que concedendo ocorrer inversão de prova, ela assenta em bases bastantes para determinarem tal inversão e tal facto não é demasiado oneroso para o recorrente (tendo a escrita do impugnante deixado de merecer fiabilidade à AT não restava outra alternativa pelo que tendo cumprido o seu dever de prova dos pressupostos legitimadores do exercício de correcção, a sua actuação não merece censura). Numa situação destas não era à AT, mas sim ao impugnante, que competia demonstrar que os veículos objecto de impugnação haviam sido vendidos por sujeitos não obrigados à liquidação de IVA. E não o fez.

4.3. Daqui resulta, portanto, desde logo, como bem salienta o MP, que o acórdão recorrido não afirma que a AT haja demonstrado a qualidade de sujeitos passivos de IVA, agindo como tal, dos vendedores na Alemanha intervenientes nas transacções; na verdade, o acórdão apenas admite que as características concretas da transacção tornam fundada a presunção da AT de que os vendedores tenham intervindo naquela qualidade.
Ora, de acordo com a supra transcrita norma de incidência (al. a) do art. 1º do Regime do IVA nas transacções intracomunitárias, essa incidência (objectiva) só se verifica quando ocorrerem aquisições intracomunitárias de bens efectuadas em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo, agindo como tal, mas desde que o vendedor seja também ele sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos de IVA noutro Estado membro e que não esteja aí abrangido por qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas …
No caso, pretendendo a AT a liquidação do IVA, sobre ela recai o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca (art. 1º al. a) do RITI; art. 74° n° 1 da LGT).
E tendo-se em conta que, segundo a norma de incidência, os pressupostos desta apenas ficam verificados em caso de aquisição intracomunitária de bens por sujeito passivo nacional, agindo como tal, e de o vendedor ser também ele sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos de IVA noutro Estado membro, havemos de concluir que essa qualidade de sujeito passivo, agindo como tal, por parte do vendedor, se insere, ainda, nos pressupostos do facto tributário, ou seja, no âmbito dos factos constitutivos do direito que a AT invoca.
Daí que não se corrobore a tese do acórdão recorrido, no sentido de que, não constando da contabilidade do impugnante os dados pertinentes, e tendo ficado provado que ele não deu cumprimento às solicitações que a AT lhe fez, então, demonstrada que estava a compra através de dinheiro, sem justificação para tal facto que contraria o normal giro comercial, estava a AT legitimada a socorrer-se do método presuntivo ou da correcção da matéria tributável em sede de IVA, pois que cumprira o ónus da prova dos pressupostos legais da sua actuação (arts. 1º da LGT, 82º do CIVA e 1º al. a), 3° e 32º al. a) do RITI).
E nem se diga, igualmente, que não tendo o contribuinte procedido à respectiva escrituração e tendo a AT demonstrado a proveniência dos veículos e constatado a inexistência de facturas a eles atinentes, esta estava legitimada, face à falta de credibilidade da escrita, para corrigir a matéria tributável nos termos do art. 82º do CIVA, restando ao impugnante a possibilidade de provar que os veículos em causa haviam sido adquiridos a particulares que não eram sujeitos de IVA.
Na verdade, como se disse, a actuação da AT não se esgota, aqui, numa simples correcção da matéria tributável: tal actuação acaba por redundar em presunção de um dos pressupostos do próprio facto tributário aqui em causa, apesar de, por ser ela a pretender a liquidação do imposto, sobre ela recair o ónus da prova dos factos constitutivos desse direito à liquidação (diferente seria, porventura, a conclusão, caso estivéssemos perante liquidação de IRC).
Ora, como igualmente refere o MP, a AT não beneficia, nomeadamente em sede de incidência do imposto, de qualquer presunção legal ou judicial que permita firmar factos presumidos desconhecidos a partir de factos conhecidos (cfr. arts. 349°/351° do CCivil).
E, por outro lado, a prova de que o vendedor na transacção intracomunitária é sujeito passivo de IVA (no país da UE onde a venda se realiza) está longe de ser intoleravelmente difícil, no quadro da cooperação internacional estabelecida com as autoridades fiscais dos Estados membros da EU.
Pelo que, neste contexto e porque a parte onerada com o ónus suporta a consequência jurídica do insucesso na prova dos factos que constituem o objecto daquele (sendo irrelevante a falta de produção de prova em contrário ou de contraprova pela parte contrária, já que a AT não beneficia de qualquer presunção (cfr. arts. 346º e 350° n° 2 do CCivil), não pode, no caso, confirmar-se o acórdão recorrido.

DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em, julgando verificada a invocada oposição de acórdãos, conceder provimento ao presente recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar procedente a presente impugnação judicial, com a consequente anulação da liquidação impugnada.
Sem custas, por delas, ao tempo - data da impugnação (2/11/1999) - estar isenta a Fazenda Pública.

Lisboa, 21 de Novembro de 2012. – Joaquim Casimiro Gonçalves (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro – Pedro Manuel Dias Delgado – Maria Fernanda dos Santos Maças – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira.