Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0670/16
Data do Acordão:06/15/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
CULPA DO LESADO
NEXO DE CAUSALIDADE
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista se vem questionado o entendimento do acórdão recorrido quanto ao disposto na segunda parte do artigo 7.º do DL n.º 48051, de 21.11.1967 e ele segue a linha do que tem sido considerado no Supremo Tribunal Administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P20673
Nº do Documento:SA1201606150670
Data de Entrada:05/30/2016
Recorrente:A......
Recorrido 1:UNIVERSIDADE ABERTA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. A……. intentou acção administrativa comum contra a Universidade Aberta peticionando a condenação da ré a pagar ao autor uma indemnização por danos patrimoniais sofridos, no montante de 221.000,00€ e uma indemnização por danos morais, no montante de 129.000,00€, na sequência de ter obtido a classificação de “Recusado” nas provas de doutoramento, prestadas em 04.05.2007.

1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, por sentença de 09.09.2013 (fls. 88/90), absolveu a ré do pedido por considerar verificar-se excepção peremptória, por não impugnação atempada da deliberação do júri de doutoramento. O autor recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão de 28.03.2014 (fls.131/145), concedeu provimento ao recurso e determinou «a baixa dos autos ao TAF de Coimbra para aí prosseguir os seus termos, se nada obstar».

1.3. O TAF de Coimbra proferiu nova decisão, em 08.09.2014 (fls.163/168), e novamente absolveu o réu do pedido.

1.4. Em recurso, o TCA Norte, por acórdão de 22.01.2016 (fls. 211/222), negou provimento ao recurso.

1.5. É desse acórdão que o recorrente vem requerer a admissão do recurso de revista alegando, para tanto, que estão preenchidos os pressupostos previstos no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA.
Inicia as conclusões das alegações com as seguintes questões:

«1ª Para efeitos de valoração da concorrência ou exclusividade da culpa do lesado pode-se qualificar como culposa (seja a título de do/o ou de negligência) a omissão de um comportamento que não é imposto por lei e que o administrado não tem nem o dever nem a obrigatoriedade jurídica de adoptar, sobretudo quando ele recorreu a um dos meios processuais previstos na lei e adequados à tutela da pretensão jurídica que pretende ver reconhecida?
2ª É compatível com o direito à tutela judicial efectiva, com o disposto no art 38º do CPTA e com o princípio da responsabilidade estadual que um Tribunal exclua liminarmente o direito à indemnização peticionada apenas por o administrado não ter impugnado previamente um acto administrativo que lhe era desfavorável ou, pelo contrário, semelhante entendimento representa uma forma encapotado de manter a prévia impugnabilidade contenciosa como um pressuposto processual das acções indemnizatórias?
3ª É compatível com o direito à tutela judicial efectiva e com o princípio da igualdade das partes que um Tribunal conclua ab initio antes da realização de qualquer meio de prova que a culpa é exclusivamente de uma das partes, sobretudo quando não há qualquer presunção legal nesse sentido e quando nem sequer valorou comparativamente a conduta do lesante?»

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. No caso em apreço, como se relatou, houve uma primeira decisão do TAF ainda subsidiária da corrente jurisprudencial que, durante muito tempo entendia a segunda parte do artigo 7º do Decreto-Lei nº 48051, de 21.11.1967, como prevendo uma verdadeira excepção peremptória, determinando a absolvição do réu, quando o autor não tivesse interposto recurso de anulação do acto por si considerado ilegal.
O TCA, no entanto, revogou essa decisão, fazendo precisamente apelo à mudança que se havia operado no entendimento daquele preceito, que não podia ser interpretado no sentido de consagrar excepção peremptória ou obstáculo de ordem processual ao conhecimento ou procedência da pretensão, apenas relevando na determinação dos danos indemnizáveis. Trouxe a seu favor, entre o mais, o acórdão do Pleno deste Supremo Tribunal de 27.2.1996, recurso 23058. E aliás, este Tribunal, na linha desse Pleno, pronunciou-se, depois, em múltiplos arestos: entre outros, acórdão de 31.10.2000, processo n.º 46354; acórdão de 07.10.2004, processo n.º 069/2004; acórdão de 16.11.2004 processo n.º 48197, onde se ponderou que o sentido daquele «inciso legal configura não uma excepção peremptória extintiva do direito de indemnização, caracterizando antes um caso de exclusão ou diminuição da indemnização quando a negligência processual do lesado, por falta ou deficiente impugnação do acto administrativo ilegal ou por falta ou deficiente utilização de meios processuais acessórios, tenha contribuído para a produção ou agravamento dos danos processuais acessórios. / Assim, passou a prevalecer o entendimento de que a aludida regra caracterizava uma situação equivalente à do artº 570º do Cód. Civil».

Ora, tendo baixado os autos, o TAF intentou o cumprimento do julgado e apreciação no respeito do quadro interpretativo fixado. Concluiu que, ainda assim, «manifestamente todos os danos alegados na PI têm como causa necessária a recusa do doutoramento. Nenhum deles teria subsistido ou teria sequer começado a correr se o Autor tivesse impugnado a decisão que lhe recusa o doutoramento».
Esse juízo foi corroborado pelo acórdão recorrido, tendo em atenção a situação concreta. Aliás, o acórdão começou por afastar alegada violação do caso julgado. O acórdão procurou demonstrar que, embora com apreciação que conduzira ao mesmo resultado de improcedência, a segunda decisão do TAF efectuara a análise que era devida.

O recorrente suscita fundamentalmente questões sobre a qualificação do seu comportamento e sobre a tutela judicial efectiva.
Ora, no que essas questões respeitam a uma teoria, a uma doutrina, trata-se de matéria que já não tem sequer relevo geral, se as confinarmos ao que interessa ao 7º do Decreto-Lei nº 48051, de 21.11.1967, que foi o tido em conta nos autos. É que sucedeu-lhe a Lei n.º 67/2007, de 31.12, na qual o artigo 4.º contempla precisamente o comportamento do lesado como elemento para a determinação da indemnização. Esse dado não se confunde com o plano estritamente processual, regido pelo artigo 38.º do CPTA. Sobre essa distinção, por exemplo, a anotação a esse artigo em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, de Mário Aroso de Almeida, Carlos Fernandes Cadilha.

Já no que respeita aos aspectos específicos do caso, trata-se, nos próprios termos, de situação muito particular, sobre a qual incidiram duas decisões conformes, não se aparentando que as sustentações que obtiveram, designadamente a do acórdão recorrido, escapem aos cânones exigíveis.
Nestes termos, nem se apresenta problemática de importância fundamental nem a revista é claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

3. Pelo exposto não se admite a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 15 de Junho de 2016. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.