Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0633/14
Data do Acordão:02/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRS
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
ACTO DESTACÁVEL
CASO DECIDIDO
Sumário:I - Da decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto, atinente a “manifestações de fortuna”, cabe recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias - nos termos das disposições combinadas do nº 7 do artº 89º-A da Lei Geral Tributária e do nº 2 do artº 146º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
II - A decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.
Nº Convencional:JSTA00070027
Nº do Documento:SA2201702150633
Data de Entrada:05/29/2014
Recorrente:A........
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CONST05 ART13 ART103 ART104
LGT98 ART87 N1 D ART89 ART89-A N1 N2 N3 N4 N7
CPPTRIB99 ART99
CPTA02 ART87 N1 A ART89 N1 I
CPA91 ART133 N2 D
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0422/11 DE 2011/07/06; AC STA PROC0334/09 DE 2009/09/09; AC STA PROC0188/09 DE 2009/09/09; AC STA PROC0342/08 DE 2008/09/24
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 A……….., com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que absolveu da instância a Fazenda Pública com o fundamento na verificação da excepção dilatória da inimpugnabilidade de acto recorrido.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. Salvo o devido respeito que nos merece a opinião e a ciência jurídica da Meritíssima Juíza do tribunal a quo, afigura-se ao Recorrente que a Douta Sentença padece de erro de julgamento ao não apreciar nem decidir a impugnação do acto administrativo que procedeu às liquidações nºs 2013 5000230183201, 2013 5000231211 e 2013 5001585450 (parte, no montante de 32 680,45€) relativas ao IRS dos anos de 2009, 2010 e 2011, respetivamente, com fundamento na verificação da exceção dilatória da “inimpugnabilidade do ato impugnado” prevista na alínea c), n.º 1, artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que a mesma não poderá manter-se.
II.Com efeito no relatório da sentença recorrida e com relevância para o presente recurso jurisdicional, vem referido o seguinte:
a) “II — Questões a decidir
Ao Tribunal compete apreciar e decidir i) da impugnabilidade da fixação da matéria tributável, ii) da nulidade das liquidações impugnadas por violação dos princípios da capacidade contributiva e do rendimento-acréscimo (sublinhado e negrito, nossos), (p. 2).
b) “Da inimpugnabilidade do acto
(...) Assim, impõe-se decidir se o impugnante podia lançar mão da impugnação judicial para atacar as correcções que foram efectuadas pela Administração Tributária, com recurso a métodos indirectos nos termos do disposto no artigo 87.º n.º 1, alínea d) e artigo 89.º-A n.º 4, ambos da LGT” (sublinhado e negrito, nossos), (p. 4).
c) “Retornando ao caso dos autos, do petitório ressalta à evidência que a pretensão última prosseguida pelo impugnante é a aplicação de métodos indirectos nos termos do disposto no artigo 89.ºA da LGT”. (negrito nosso), (p. 5).
d) “Assim, mesmo que ao impugnante fosse permitido apresentar impugnação judicial contra o acto que aqui vem impugnado, sempre estaríamos perante caso julgado nos termos do que determinam os artigos 580.º e 581.º, ambos do CPC uma vez que se constata a existência de identidade de sujeitos, de pedido e causa de pedir (sublinhado e negrito, nossos), (p. 5/6).
III. Quanto à questão referida na alínea a):
i) O recorrente nunca questionou os atos de fixação da matéria tributável.
ii) Aliás, para o recorrente, as decisões de avaliação constituem atos destacáveis do procedimento administrativo, tornando-se caso decidido e consolidando-se na ordem jurídica, pelo que não poderão ser postas em causa na impugnação judicial das respetivas liquidações, cfr. artigos 24.º e 32.º da p.i.
iii) Assim, o objeto da impugnação não são os atos administrativos de 18 de junho de 2012 e 18 de março de 2013, praticados pelo Diretor de Finanças de Braga entidade competente nos termos do n.º 6 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, mas antes o ato administrativo que procedeu às liquidações supra referidas, praticado pela Autoridade Tributária nos termos do artigo 75.º do CIRS (Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares).
iv) Por outro lado os fundamentos da impugnação não são, só e apenas, a nulidade das referidas liquidações, por violação dos princípios da capacidade contributiva e do rendimento-acréscimo, como vem referido na sentença recorrida mas também a invalidade das mesmas por vício de violação de lei, embora a título subsidiário, cfr. artigos 84.º e ss da p.i.
IV. Quanto à questão referida na alínea b):
i) Como resulta da fundamentação constante da p.i., nomeadamente dos artigos 34.º e 84.º, o recorrente não lançou mão da impugnação judicial para atacar as correcções que foram efectuadas pela Administração Tributária, com recurso a métodos indirectos, como refere a sentença recorrida, mas antes pretendeu questionar a legalidade das respetivas liquidações por nulidade ou, subsidiariamente, por vício de violação de lei (errónea interpretação do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT), independentemente do quantum da matéria tributável fixado.
ii) O que está em causa na impugnação de cuja sentença se recorre é, só e apenas, o ato de liquidação do tributo (IRS) e não os atos de fixação da matéria tributável.
V. Quanto à questão referida na alínea c):
i) Contrariamente ao referido na douta sentença, o pedido, rectius, os pedidos formulados pelo impugnante e ora recorrente são a declaração de nulidade das liquidações impugnadas, nos termos do 133.º/2-al. d) do CPA, por ofenderem o conteúdo essencial do princípio da igualdade e do direito da capacidade contributiva (direito fundamental de natureza análoga ao regime dos Direitos, Liberdades e Garantias), previstos, respetivamente, nos artigos 13.º e 103.º/104.º da CRP, e subsidiariamente, a anulação das mesmas por vício de violação de lei (errónea interpretação do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT).
ii) Assim não se entende que na sentença recorrida seja dito (...) do petitório ressalta à evidência que a pretensão última prosseguida pelo lmpugnante é a aplicação de métodos indirectos nos termos do disposto no artigo 89.º- A da LGT”.
iii) Repita-se, o que está em causa é o ato de liquidação e não os atos de fixação da matéria tributável,
VI. Quanto à questão referida na alínea d):
I) Refere a sentença recorrida que, mesmo que ao impugnante fosse permitido apresentar impugnação judicial contra o ato que aqui vem impugnado (pensamos estar a referir-se à liquidação e não à fixação da matéria tributável, não obstante as contradições constantes nas questões supra), sempre estaríamos perante caso julgado, nos termos do que determinam os artigos 580.º e 581.º ambos do CPC uma vez que se constata a existência de identidade de sujeitos, de pedido e causa de pedir.
ii) Efetivamente, nos termos do n.º 1 do artigo 581.º do Código de Processo Civil, repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
iii) No entanto a impugnação a que se refere a sentença ora recorrida não é idêntica ao recurso judicial interposto da fixação da matéria coletável, nos termos do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, por não haver identidade de pedido.
iv) Com efeito no recurso judicial “atacava-se” a decisão de avaliação da matéria coletável proferida pelo Diretor de Finanças de Braga, enquanto na impugnação a que se refere a sentença recorrida “atacou-se” a legalidade das liquidações de IRS efetuadas pela Autoridade Tributária, nos termos do artigo 75.º do CIRS.
v) Mas também não há identidade de causa de pedir uma vez que, nas duas ações, são diferentes os factos concretos invocados.
VII Face às referidas incongruências nos fundamentos da decisão recorrida, não é perfeitamente entendível a motivação da mesma ao não apreciar e decidir a pretensão do impugnante e ora recorrente, absolvendo da instância a Fazenda Pública, atenta a verificação da exceção dilatória da “inimpugnabilidade do ato impugnado”, prevista na alínea c), n.º 1, artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
VIII. Contudo parece-nos que tal residirá no facto de as decisões de avaliação da matéria coletável consubstanciarem verdadeiros atos destacáveis.
IX. Estes, no dizer de Jorge LOPES DE SOUSA (In Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6ª edição 2011, Áreas Editora, p.468) “são atos que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, justificando-se que sejam impugnados por forma autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidade distintas da que deve proferir a decisão final”.
X. E continua o mesmo autor: “(...) Se os actos destacáveis não forem impugnados, a decisão consolidar-se-á e o que neles se decidiu ficará assente no procedimento tributário em que eles estejam inseridos ou conexionados, não podendo a decisão final do procedimento ser impugnada com fundamentos em vícios do acto destacável”(sublinhado e negrito, nossos).
Xl. Traduzindo-se a liquidação stricto sensu na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável ou tributável (José CASALTA NABAIS, in “”Direito Fiscal”, Almedina, p.253) constitui um ato administrativo distinto de todos os que o precederam no respetivo procedimento, como seja o da avaliação da matéria coletável por métodos indiretos.
XII. Assim o ato de liquidação é impugnável, nos termos do n.º 4 do artigo 268.º da CRP (Constituição de República Portuguesa) e artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, desde que não seja invocado qualquer vício do ato destacável.
XIII. Precisamente o que sucedeu na impugnação de cuja sentença se recorre.
XIV. Com efeito, o recorrente entende que o referido ato é nulo nos termos do artigo 133.º/2-al. d) do CPA (Código de Procedimento Administrativo), por ofender o conteúdo essencial do direito fundamental da capacidade contributiva e o princípio da igualdade, plasmados, respetivamente, nos artigos 103.º e 104.º (direitos fundamentais de natureza análoga ao regime dos Direitos, Liberdades e Garantias) e 13.º (princípio fundamental) da CRP, cfr. artigos 34.º a 83.º da p.i.
XV. Uma vez que a norma que sustenta as liquidações impugnadas (n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT, no segmento em que prevê a tributação em IRS nos três anos seguintes ao da aquisição de bens constantes dos n.ºs 1 a 4 da tabela prevista naquela norma) padece de invalidade, sendo materialmente inconstitucional
XVI. Acompanhando José Carlos Vieira de Andrade (in “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, 2ª edição, Almedina, p. 80) poderá dizer-se que o direito de não pagar impostos inconstitucionais ou ilegalmente liquidados, são direitos fundamentais formalmente constitucionais fora do catálogo.
XVII. Por outro lado, e a título meramente subsidiário, a impugnação funda-se na invalidade do referido ato administrativo de liquidação, por vício de violação de lei, ao tributar a mesma manifestação de fortuna (imóveis) nos três anos seguintes ao do da aquisição dos mesmos bens acabando por assumir um carácter gravemente sancionatório e eventualmente confiscatório que uma sociedade de Direito não pode tolerar (Vide, neste sentido, João Sérgio Ribeiro, in “Tributação Presumida do Rendimento- Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável”, op.cit.,p.308) cfr. artigos 84.º a 94.º da p.i.
XVIII. Com efeito, a melhor interpretação da norma que sustenta tal procedimento (artigo 89.º-A da LGT), no segmento em que prevê a tributação em IRS nos três anos seguintes ao da aquisição de bens constantes dos n.ºs 1 a 4 da tabela prevista naquela norma) é a de que a determinação do rendimento com base na aquisição de um bem previsto na tabela do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT só pode ser feita uma vez, relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos, cfr. sumário do acórdão do STA (Supremo Tribunal Administrativo) de 17-04-2013 (Proc. 0433/13), publicado no site http://www.dgsi.pt.
XIX. No mesmo sentido, os acórdãos do STA de 24-07-2013 (Proc. 01203/13) e 28-01-2014 (Proc. 01281/13), e do TCAN (Tribunal Central Administrativo Norte) de 28-02-2013 (Proc. 00519/12.OBEPNF), publicados no site http://www.dgsi.pt.
XX. Não obstante a matéria coletável do IRS haver sido fixada, tornando-se caso decidido e consolidando-se na ordem jurídica, a Autoridade Tributária não poderá proceder à liquidação do respetivo imposto quando este ato administrativo for contrário à Lei.
XXI. Assim o recorrente, nunca questionando a avaliação da matéria coletável, quer no seu quantum ou modus procedendi, não poderá concordar com a sentença recorrida que não apreciou e decidiu a impugnação, deduzida com fundamentos diferentes dos constantes do recurso judicial daquele ato administrativo.
XXII. Por tudo quanto vem exposto é de concluir que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de Direito, pelo que não poderá manter-se.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 –O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu bem fundamentado parecer no sentido do não provimento do recurso sustentado que, no fundo, o recorrente sindica a determinação da matéria tributável, por métodos indirectos, na medida em que na sua fixação foram tidos em conta, manifestações de fortuna ocorridas nos três anos anteriores e que o rendimento tributável que esteve na génese das sindicadas liquidações se mostra definitivamente fixado e consolidado na ordem jurídica, sendo insusceptível de ser alterado.

4 - Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga fixou a seguinte matéria de facto:
1) Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga efectuaram procedimento inspectivo ao aqui Impugnante decorrente da Ordem de serviço n.º 01201200751 e 01201201146, respeitante aos anos de 2009 e 2010 - cfr. fls. 1 e 2 do processo administrativo (PA) junto aos autos.
2) Na sequência do procedimento inspectivo descrito em 1), foi em 14.06.2012 elaborado relatório no qual são descritas as razões fundamentadoras das correcções à matéria colectável com recurso a métodos indirectos — cfr. fls. 20 a 31 do pa junto aos autos.
3) Na sequência do descrito em 2), em 18.06.2012 foi fixado o rendimento tributável relativamente aos anos de 2009 e 2010, e notificado o Impugnante através do ofício n.º 513 5950 de 19.06.2012 — cfr. fls. 32 e 33 do PA junto aos autos e artigo 15° da PI.
4) O Impugnante apresentou recurso da decisão de avaliação da matéria colectável por aplicação de métodos indirectos decorrente do descrito em 2) e 3), que correu termos neste Tribunal sob o n.º 1198/12.OBEBRG, invocando a violação do princípio da proporcionalidade e da capacidade contributiva — cfr. fls. 5 do PA junto aos autos.
5) No âmbito do recurso a que se alude em 4) foi em 31.10.2010 proferida, sentença com o seguinte segmento decisório: «(...) pelo exposto, julgo totalmente improcedente, por não provado, o presente recurso, e consequentemente mantenho a decisão recorrida.”— cfr. fls. 1 a 10 do PA junto aos autos.
6) Na sequência do descrito em 2) e 3) foi emitida a liquidação de IRS n.º 2013 5000230183, respeitante ao ano de 2009 no montante total de €125.233,64 e a liquidação n.º 2013 5000231211, respeitante ao ano de 2010 no montante de €120.702,24- cfr. artigo 18° da PI.
7) Da decisão descrita em 5) não foi interposto recurso pelo Impugnante — cfr. artigo 17° da PI.
8) Em 18.03.2013 foi fixado o rendimento tributável do ano de 2011, fundamentado no artigo 89°-A n.º 4 da LGT, e notificado o Impugnante através do ofício n.º 513 2399 em 19.03.2013 — cfr. artigo 22° da PI.
9) O Impugnante não apresentou recurso da fixação do rendimento tributável descrito em 8) — cfr. artigo 24° da PI.
10) Na sequência do descrito em 8) foi emitida a liquidação de IRS n.º 2013 5001585450 no montante de €97.047,69— cfr. artigo 25° da PI.


6. Do objecto do recurso

Da análise da sentença recorrida e dos fundamentos invocados pelo recorrente para pedir a sua alteração podemos concluir que o objecto do presente recurso é o de saber se incorreu em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que absolveu a entidade demandada da instância de impugnação das liquidações de IRS relativas aos anos de 2009, 2010 e 2011, no entendimento de que as tais liquidações são inimpugnáveis, uma vez que a matéria tributável, que esteve na génese das mesmas, determinada com recurso a métodos indirectos, se encontra definitivamente fixada e consolidada na ordem jurídica.

É contra o assim decidido que é interposto o presente recurso.

A base da argumentação do recorrente assenta nas seguintes proposições:
- O recorrente nunca questionou os atos de fixação da matéria tributável;
- O que está em causa na impugnação de cuja sentença se recorre é, só e apenas, o acto de liquidação do tributo e não os actos de fixação da matéria tributável.
- Contrariamente ao referido na sentença os pedidos formulados pelo impugnante e ora recorrente são a declaração de nulidade das liquidações impugnadas, nos termos do 133.º/2-al. d) do CPA, por ofenderem o conteúdo essencial do princípio da igualdade e do direito da capacidade contributiva previstos, respectivamente, nos artigos 13.º e 103.º/104.º da CRP, e subsidiariamente, a anulação das mesmas por vício de violação de lei (errónea interpretação do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT).

7.1 Do invocado erro de julgamento

No caso vertente a Mª Juiz a quo considerou que o impugnante se propunha lançar mão da impugnação judicial para atacar as correcções que foram efectuadas pela Administração Tributária, com recurso a métodos indirectos nos termos do disposto nos arts. 87º, nº 1, al. d) e 89º, nº 4, da LGT, e que tendo intentado o respectivo recurso nos termos do nº 7 do artº 89-A da LGT, com decisão de improcedência proferida em sentença transitada em julgado, a matéria tributável se encontrava definitivamente fixada, com força de caso decidido ou caso resolvido.
E de facto resulta do probatório que a matéria tributável relativa ao IRS de 2009, 2010 foi fixada com recurso a métodos indirectos ao abrigo do disposto nos artigos 87.°/l/ d) e 89.°-A/1/2/ a)/4 da LGT.
E que, não conformado com a decisão de fixação da matéria tributável por métodos indirectos, com referência aos períodos de tributação de 2009 e 2010, o Impugnante e ora recorrente, apresentou recurso ao abrigo do disposto no artº 89º- A, nº 7 da LGT, recurso esse julgado improcedente por decisão judicial de 31.10.2012, transitada em julgado em 15.11.2012.
Por sua vez também a matéria tributável referente ao exercício de 2011 foi fixada por métodos indirectos, ao abrigo do disposto no artº 87º, al. d) e 89º-A da LGT, tendo o recorrente sido notificado de tal decisão em 19.03.2013.
Porém, perante essa notificação o recorrente não lançou mão do recurso judicial previsto no artº 89º-A, nº 7 da LGT.
Constata-se, pois, que a matéria tributável fixada com recurso a métodos indirectos, que esteve na génese de todas as liquidações sindicadas, se mostra definitivamente fixada e consolidada na ordem jurídica: a respeitante aos exercícios de 2009 e 2010, por decisão judicial transitada em julgado, e a referente ao exercício de 2011, por decisão administrativa que não foi alvo de recurso judicial.

Ora, como vem afirmando de forma pacífica e reiterada a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Cf., entre outros, o Acórdão 342/08, de 24.09.2008, e os acórdãos que se lhe seguiram, 188/09, de 09.09.2009, 334/09 de 09.09.2009, e 422/11 de 06.07.2011, todos in www.dgsi.pt.) a decisão de avaliação da matéria tributável prevista pelo artº 89º-A da LGT constitui acto que, embora preparatório da liquidação (em sentido estrito), assume a natureza de acto prejudicial ou acto destacável pois que, desde logo, define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações inter-subjectivas e condicionando irremediavelmente a decisão final.

Como assim, decidido que seja o «recurso» de tal decisão de avaliação da matéria colectável (ou na falta dele) constitui-se sobre a questão caso decidido ou caso resolvido, de efeitos similares aos do caso julgado judiciário, consolidando-se a decisão.
No caso em apreço, embora o recorrente alegue que ataca apenas e só os actos de liquidação do tributo e não os actos de fixação da matéria tributável, o que resulta da petição inicial é que o mesmo formula o pedido de anulação das liquidações por vício de violação de lei ( errónea interpretação do nº 4 do artº 89º -A da LGT) , com fundamento em ilegalidade – erro no apuramento da matéria tributável – defendendo ainda que foram apuradas com base em norma inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.
E conclui a petição de impugnação nos seguintes termos:

«Pelo expendido supra deverá concluir-se que nos três anos posteriores às manifestações de fortuna (aquisição de imóveis) a AT tributou o impugnante em IRS, sem considerar as seguintes circunstâncias:

1 ª Que os rendimentos declarados pelo impugnante nos anos de 2009 a 2011 são manifestamente inferiores aos resultantes do rendimento padrão, facto que viola o princípio da capacidade contributiva, ínsito no artigo 4.° da LGT e nos artigos 103.° e 104.° da CRP;
2ª Que nesses anos não se verificou a existência de nenhum indicador de riqueza nem foi realizada nenhuma despesa que sugira rendimentos não declarados, facto que viola o princípio do rendimento-acréscimo, ínsito no nº 1 do artigo 1.° e alínea d) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 9.° do CIRS e nos artigos 103.° e 104.° da CRP;
3ª Que sujeitos passivos com o mesmo rendimento poderão pagar montante diferente de imposto, facto que viola o princípio da igualdade (horizontal), ínsito no nº 2 do artigo 5.° da LGT e no artigo 13.° da CRP; e
4.ª Que o n.º 4 do artigo 89º -A da LGT deve ser interpretado no sentido de que a presunção no mesmo prevista apenas pode atuar uma vez, relativamente aos anos em que se verificou a manifestação de fortuna (no caso concreto, a aquisição de imóveis de valor de aquisição igualou superior a 250 000,00 €) ou em qualquer um dos três anos seguintes, e não em todos esses anos.»
Ou seja, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, no fundo, o recorrente sindica a determinação da matéria tributável, por métodos indirectos, na medida em que na sua fixação foram tidos em conta, manifestações de fortuna ocorridas nos três anos anteriores, invocando assim, a errónea quantificação do sinal exterior de riqueza.
É certo que nos termos do artº 99º do CPPT constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade.
E o recorrente veio formular o pedido de anulação das liquidações sindicadas com fundamento em ilegalidade – erro no apuramento da matéria tributável, em seu entender apurada com base em norma inconstitucional.
Porém, uma vez que o rendimento tributável dos anos de 2009, 2010 e 2011 se mostra definitivamente fixado e consolidado na ordem jurídica, na impossibilidade de ser reeditada a discussão desta questão, pois que já havia sobre ela caso julgado, estando o juiz impedido de apreciar o mérito da impugnação, a Fazenda Pública não podia deixar de ser absolvida da instância, como resulta do disposto nos arts. 87º, nº 1, al a) e 89º, nº 1, al. i) do CPTA aplicáveis por força da al c) do artº 2º do CPPT.
A sentença recorrida, que decidiu neste pendor, não merece censura.

8. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Casimiro Gonçalves – Isabel Marques da Silva.