Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:098/17.2BEALM
Data do Acordão:05/04/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - Em regra as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.
II – Como se fixou no Acórdão do Pleno da Secção do CT prolatado em 26-02-2014, no Processo nº 01481/13, casos há, como o previsto no artº 33º do Decreto-lei nº 8-B/2002, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Segurança Social em suprimento das obrigações dos contribuintes.
III - Nestas situações a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo.
IV – Mas, dada a falta, no actual Código Contributivo, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, da definição clara de um acto final do procedimento conducente à fixação do montante das contribuições e quotizações, só pode ser considerado como acto de liquidação, o acto formalmente comunicado ao sujeito passivo, donde constem a declaração de remunerações objecto de registo e o apuramento das contribuições devidas, assim como o prazo de pagamento e meios de impugnação.
V- Sendo assim, ao direito de liquidar tais contribuições é aplicável, por força do disposto nos artigos 1.º, 2.º 3º da Lei Geral Tributária, o regime de caducidade do direito à liquidação previsto no artº 45.º do mesmo diploma legal, uma vez que o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo especial de caducidade do direito de liquidação.
VI- In casu, porque o acto de liquidação advém de contribuições referentes ao período compreendido entre Janeiro de 2005 e Dezembro de 2010, é notório que em 30/09/2016, data em que foi remetida a comunicação ao sujeito passivo, já tinha decorrido o indicado prazo de 4 anos, com isso não contendendo o desconto do prazo de 6 meses que poderia decorrer da duração da acção inspectiva, conforme dispõe o artigo 46º da LGT e que as instâncias não fixaram.
Nº Convencional:JSTA000P29333
Nº do Documento:SA220220504098/17
Data de Entrada:12/16/2021
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:IGFSS - INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL – SETÚBAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso de revista por A………… LDA., com os sinais dos autos, nos termos do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/04/2021, que concedeu parcial provimento ao recurso intentado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. – Secção de Processo de Setúbal, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgara procedente a oposição deduzida pela recorrente, no processo de execução fiscal n.º 1501-2016/ 00375420 e apensos, por dívidas provenientes de quotizações, contribuições e juros de períodos de tributação dos anos de 2005 a 2010, perfazendo o montante de 4.905.262,72 Euros.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente A………… LDA., as seguintes conclusões:


a. Entende a Recorrente que é de relevância jurídica e de interesse social, saber, se:
(i) a notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ocorrido em 06/10/2011 (cf. ponto 11 da matéria de facto), pode ser equiparado ao ato de liquidação das contribuições e cotizações apuradas oficiosamente naquele processo de averiguações, substituindo-se ao ato de liquidação materializado em 30/09/20016 (cf. ponto 19 e 20 da matéria de facto); e
(ii) a notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações apenas à Mandatária da Oponente e não à Oponente (cf. ponto 11 da matéria de facto), atenta contra os direitos e interesses legítimos da Recorrente, enquanto destinatária do ato, violando o disposto no artigo 103.º, n.º 3 Constituição da República Portuguesa).
b. Em concreto, crê a Recorrente que o Supremo Tribunal Administrativo não se pronunciou até à presente data sobre as questões enunciadas, de modo que se possa concluir existir uma jurisprudência uniforme sobre as mesmas.
c. Considerando os efeitos jurídicos decorrentes da notificação dos atos acima identificados, deve reconhecer-se que nos presentes autos está em causa a proteção do instituto da caducidade dos atos de liquidação ínsito no artigo 45.º da Lei Geral Tributária e, bem assim, a salvaguarda dos direitos de defesa dos administrados quando sejam violadas as regras que regulam a perfeição dos atos de notificação.
d. Nesse sentido, e estando em causa a salvaguarda dos direitos de defesa dos administrados, deve o presente recurso de revista ser admitido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 285.º do CPPT.
e. De facto, a admissão do recurso de revista deve ser concedida sempre que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
f. No caso sub judice, sendo admitido o presente recurso de revista, a primeira questão a que importa responder é a de saber se a recorrida se deve considerar notificada das liquidações contributivas em 06/10/2011, pela comunicação escrita através da qual os serviços da segurança social notificaram o mandatário da aqui Recorrente do teor do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ou, em 30/09/2016, pela notificação para pagamento feita ao mandatário da aqui Recorrente.
g. Em concreto, é de relevância jurídica e de interesse social saber se a notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ocorrido em 06/10/2011 (cf. ponto 11 da matéria de facto), pode ser equiparado ao ato de liquidação das contribuições e cotizações apuradas oficiosamente naquele processo de averiguações, substituindo-se ao ato de liquidação materializado em 30/09/2016 (cf. ponto 19 e 20 da matéria de facto).
h. A apreciação desta questão, porque é suscetível de abranger um inúmero número de casos, reveste-se de importância fundamental, na medida em que permitirá à entidade fiscalizadora liquidar contribuições e cotizações após o decurso do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da Lei Geral Tributária.
i. Entende a Recorrente que através da notificação do relatório final de averiguações (materialmente equivalente a um relatório final de inspeção) é dado conhecimento do encerramento do processo de averiguações, sendo identificados e sistematizados os factos detetados, procedendo-se, ainda, à sua qualificação jurídico-tributária.
j. Ademais, por intermédio da notificação do relatório final de averiguações, termina a eficácia suspensiva da ação de inspeção externa (cfr. artigo 62.º, n.º 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira).
k. Ora, a tese sufragada pela Recorrida e que foi acolhida pelo Tribunal recorrido, tem como consequência prática impedir a ocorrência da caducidade do direito à liquidação, pondo em causa os principais vetores do instituto da caducidade: a certeza jurídica e a defesa ordem pública, através da estabilização das situações jurídico tributárias dos contribuintes, permitindo que decorrido um determinado período, estas se tornem certas e inatacáveis.
l. No caso em análise, apenas em 30 de setembro de 2016 (4 anos volvidos da conclusão do procedimento inspetivo!) viria a Recorrente, por intermédio do seu mandatário, a ser notificada do ato de liquidação decorrente do registo oficioso das declarações de remuneração relativas ao período de janeiro de 2015 a dezembro de 2010.
m. Mais se diga que a equiparação feita na decisão recorrida entre notificação da conclusão do procedimento inspetivo e notificação do ato de liquidação das contribuições e quotizações em falta, para além de não ter acolhimento legal, é factualmente negada pelo teor do Documento n.º 3 junto aos autos em sede de petição inicial.
n. Do citado documento consta expressamente que “(...) dispõe a entidade devedora, V/constituinte, do prazo de 30 dias para proceder ao pagamento voluntário das contribuições e cotizações apuradas e respetivos juros calculados à taxa legal, a contar da data da assinatura do aviso de receção, findo o qual, caso seja constatada a ausência de pagamento, será instaurado o competente processo de cobrança coerciva do débito apurado, ao abrigo do Decreto-lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro na sua redação atual”.
o. Motivo pelo qual, não se pode aceitar que a notificação da conclusão do procedimento inspetivo seja reputada como um ato de liquidação, permitindo desse modo retroagir a notificação do ato de liquidação à data de 30 de setembro de 2011, impedindo assim a ocorrência da prescrição / caducidade da dívida.
p. Por todo o exposto, dúvidas não restam de que a Segurança Social quando notificou a Recorrente do ato de liquidação, atuou em violação do prazo de caducidade consagrado no artigo 45.º da Lei Geral Tributária.
q. Motivo pelo qual, a decisão recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, por ter procedido a uma errada aplicação das normas aplicáveis ao caso, devendo a decisão recorrida ser substituída por decisão que reconheça que o ato notificado ao Mandatário da Oponente em 30 de setembro de 2011, consiste no Relatório Final do Processo de Averiguações n.º 200701191481 (isto é, no Relatório Final de Inspeção – cfr. Documento n.º 2 junto aos autos em sede de petição inicial) e não ao ato de liquidação de contribuições que, necessariamente, é posterior a notificação daquele Relatório, e que apenas foi notificado à Mandatária da Oponente em 22 de setembro de 2016.
r. Quando à segunda questão, importa saber face às normas em vigor, podendo a notificação em causa ser qualificada como um ato de liquidação de contribuições e quotizações, esse ato podia ser exclusivamente notificado à Mandatária da Oponente.
s. Entende a Recorrente que esta segunda questão é também ela suscetível de abranger um inúmero número de casos, e é de manifesta importância na medida em que permite à entidade fiscalizadora instaurar processos de execução fiscal sem que se mostre provada a notificação às entidades empregadoras para procederem ao pagamento voluntario de dívidas exequendas.
t. No caso, o ato de liquidação, independentemente de se considerar ter sido notificado na data de 30/11/2011 ou em 21/09/2016, foi notificado apenas e exclusivamente à Mandatária da Oponente e nunca ao sujeito passivo (aqui o Recorrente), em manifesta violação das normas legais que regulam a notificação dos atos de liquidação.
u. No caso, entende a Recorrente que a notificação do ato de liquidação, por constituir um ato com caráter pessoal, apenas se pode considerar perfeita com a notificação do próprio interessado.
v. Note-se que em Acórdão de 13 de janeiro de 2021, o Supremo Tribunal Administrativo admitiu um recurso de revista em que se pretendia saber se a recorrente não “carecia de ser notificada do ato de liquidação adicional de IMT pela Administração Tributária, porque considerou-se notificada por efeito da notificação consumada ao seu cônjuge (…) e se a falta de notificação, não atenta contra os direitos e interesses legítimos da recorrente, enquanto contribuinte, esquartejando-lhe, enquanto ao sujeito passivo, o exercício dos direitos e cumprimentos dos deveres previstos nas normas tributárias”.
w. No caso, a questão de direito essencial é a mesma: saber se a notificação do ato de liquidação que deu origem aos presentes autos podia ter sido notificada apenas à Mandatária da aqui Recorrente.
x. Pelo que deve igualmente o presente recurso ser admitido e reconhecido que a notificação do ato de liquidação sindicado não foi notificado à Recorrente.
y. Mais se devendo reconhecer que o Tribunal a quo deveria ter conhecido oficiosamente a violação do dever de notificação do ato de liquidação que deu origem ao título executivo que constituía o objeto da oposição judicial que deu origem ao presente recurso.
Termos em que deve o presente recurso de revista ser admitido e julgado procedente.

O recorrido Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP. veio contra-alegar, tendo apresentado as seguintes conclusões:

a) A recorrente vem fundamentar o recurso de revista, no facto de considerar, como sendo de relevância jurídica e de interesse social saber se:
• A notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ocorrido em 06/10/2011, pode ser equiparado ao ato de liquidação das contribuições e cotizações apuradas oficiosamente naquele processo de averiguações, substituindo-se ao ato de liquidação materializado em 30/09/2016; e
• A notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações apenas à mandatária da oponente e não à oponente, atenta contra os direitos e interesses legítimos da recorrente, enquanto destinatária do ato, violando o disposto no artigo 103° n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
b) O n.º 1 do art. 285.º do CPPT estabelece o seguinte. "Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para lima melhor aplicação do direito."
c) A jurisprudência do STA tem reiteradamente sublinhado a excecionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito.
d) A admissibilidade do recurso de revista está condicionada não por critérios quantitativos, mas por um critério qualitativo, que é o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para que se verifique uma melhor aplicação do direito.
e) A relevância social fundamental verifica-se quando, efetivamente, a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos que venham a surgir ou quando esteja em causa uma questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
f) Quanto à clara necessidade da admissão do recurso de revista para melhor aplicação do direito, tal há-de resultar da suscetibilidade de se verificar uma repetição num número indeterminado de casos futuros e consequentemente a necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória e daí a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, ou por as instâncias terem tratado certa matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, e daí a necessidade e utilidade da intervenção daquele tribunal.
g) Efetivamente, e como é entendimento da jurisprudência, a recorrente terá que alegar e demonstrar essa excecionalidade, que as questões que leva ao Supremo Tribunal Administrativo têm uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é mesmo necessário para uma melhor aplicação do direito.
h) Entende-se que a recorrente não demonstra que, as questões que coloca, assumem relevância jurídica ou social, isto é, que se revistam de importância fundamental ou que a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
i) Ora, como já se referiu, para que se verifique a admissão do recurso de revista, que não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, a lei exige que se verifique uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso seja claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, o que não se verifica neste caso, devendo o recurso não ser admitido, por tudo o que já foi exposto.
j) Diga-se ainda que, as questões referidas são muito localizadas e não apresentam relevo jurídico ou social, de modo a configurar-se como apresentando questões de importância fundamental.
l) Quanto à necessidade clara de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, nem aqui se verifica tal circunstância pois que, isso apenas se justifica quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação" (acórdão do STA de 09110/2014, proc. n.º 01013/14).
m) Diga, pois, que apenas se verifica a relevância jurídica ou social, quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, de enquadramento normativo especialmente complexo ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litigio e,
n) Apenas, ocorre clara necessidade da admissão deste tipo de recurso, para melhor aplicação do direito, quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, que se poderá repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável ou coloque fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais (veja-se o acórdão do STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13)
o) Do presente recurso deduzido, não se retira qualquer questão que possa ser enquadrada no rol das questões que a lei admite que possam ser apreciadas com o recurso de revista.
p) Entende o aqui recorrido que, a interposição do presente recurso se deve ao facto de a recorrente se não conformar com a decisão proferida, no acórdão recorrido, antes preferindo uma decisão contrária, insistindo na argumentação que a favorece, ainda que estejamos perante questões sem relevância jurídica ou social ou de questões insusceptíveis de se alargarem a uma multiplicidade de casos ou ainda sem se verificar qualquer erro manifesto ou notório.
q) Caso assim não se entenda, o aqui recorrido, enquanto recorrente no recurso que foi interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul, defendeu que a aqui recorrente (ali recorrida) tinha sido notificada, na pessoa do seu mandatário, da decisão de liquidação em 06/10/2011 tendo, desde esta data, perfeito conhecimento de que era considerada definitivamente em dívida de contribuições para a Segurança Social.
r) Existindo uma liquidação oficiosa de contribuições efetuada pelo Instituto de Segurança Social, na sequência da investigação efectuada à aqui recorrente em que se apurou a omissão de declarações de remunerações pagas aos seus trabalhadores e tendo a ora recorrente sido notificada para a liquidação do devido em 06/10/2011, não estaria precludido o direito de liquidar as contribuições em dívida, pelo menos as respeitantes aos períodos de 09/2007 a 12/2010 e respetivos juros.
s) De acordo com o regime previsto no artigo 40.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial para a Segurança Social, as entidades contribuintes são obrigadas a declarar à Segurança Social, em relação a cada um dos trabalhadores ao seu serviço, o valor da remuneração que constitui a base de incidência contributiva, que deve ser efetuada até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que diga respeito, podendo esses elementos ser obtidos, designadamente, no âmbito de ações de fiscalização ou de inspeção e assumindo, por isso mesmo a natureza de uma verdadeira liquidação.
t) Considerando que se trata de um ato de liquidação de tributos está sujeito ao regime de notificações dos atos tributários previsto nos artigos 36.º e 40.º do CPPT.
u) Dispõe o artigo 40.º do diploma acima citado, que as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e, a aqui recorrente foi notificada na pessoa do seu mandatário.
w) A notificação que foi feita em setembro de 2016, pelo Instituto de Segurança Social, IP, Centro Distrital de Setúbal, não produziu qualquer efeito na liquidação das contribuições em causa, visando apenas informar que, apesar de ter sido emitido o documento de pagamento, continuavam por pagar as contribuições e quotizações devidas e apuradas no âmbito do processo de fiscalização.
x) Assim, considerando que a aqui recorrente foi notificada da liquidação efetuada em 06/10/2011, a notificação posterior a esta era simplesmente dispensável, por já terem sido dadas todas as oportunidades de pagamento dos montantes em falta.
y) Por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul foi decidido, quanto ao que aqui interessa e está em causa, que:
" (…) importará indagar se o juiz decidiu contra os factos, deles não tendo retirado as devidas ilações, nomeadamente no que respeita à data em que a recorrida foi, ou se deve considerar notificada das liquidações contributivas: se em 06/10/2011, pela comunicação escrita através da qual os serviços da segurança social notificaram o mandatário da oponente "do teor do relatório final e do encerramento do processo de averiguações, bem como do apuramento do montante de €3. 789.646,34 considerado como contribuições em divida pela oponente" (cf. ponto 11 da matéria assente), se em 30/09/2016 pela notificação para pagamento feita à oponente, nos termos transcritos no ponto 19. da matéria assente,
A sentença recorrida relevou a data de 30/09/2016 como aquela que consubstancia a notificação à oponente do acto de liquidação e dai retirou as inerentes consequências jurídicas, divergindo o recorrente, para quem a data a considerar como sendo a data da notificação das liquidações contributivas à oponente é a da anterior comunicação feita em 06/10/2011.
A nosso ver, assiste razão ao recorrente, na verdade, na linha da jurisprudência do STA que vimos acompanhando, se se configura como autoliquidação a declaração de remunerações apresentada pela entidade contribuinte/empregadora, com o conteúdo legalmente fixado [vd. artigos 12.º e 13.º da Lei n.º 8-B/2002, de 15 de Janeiro e 56.º e 57.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro], só pode logicamente entender-se que a elaboração oficiosa dessas declarações de remuneração pela segurança social, visando suprir omissões declarativas da entidade contribuinte/empregadora (artigos 33.º da Lei n.º 8-B/2002 e 56/4 da Lei n.º 4/2007), corresponde ao próprio acto de liquidação contributiva.
Julgamos ser esse o entendimento que se retira do citado acórdão do STA de 26/02/2014, tirado no proc. 01481/13, quando refere: "Ora no caso resulta do probatório (al. D) que a impugnante e ora recorrente foi apenas notificada em 06/01/2009 da elaboração oficiosa das declarações de remunerações a que correspondem omissões nas contribuições devidas no valor de € 1.071.750.77, por referência ao período de Julho de 2003 a Maio de 2007 (Doc. 1 da Pi e PAT apenso), não tendo sido alegado ou provado qualquer facto integrante de causa suspensiva do prazo de caducidade nos termos do art. 46.º da Lei Geral Tributária.
É certo que o lançamento das liquidações oficiosas na conta corrente das entidades contribuintes/empregadoras, poderá originar montante em dívida não corresponde ao montante da liquidação oficiosa, mas esses actos de acertos de contas não se confundem com a própria liquidação contributiva, pelo que não se descortina, por aqui, a necessidade de qualquer acto de liquidação subsequente ao da elaboração oficiosa da declaração de remunerações bem como do cálculo das contribuições que lhe correspondam.
Nesta linha de raciocínio, impõe-se relevar como data da notificação das liquidações exequendas à entidade contribuinte/empregadora (oponente e ora recorrida) a de 06/10/2011, que corresponde à comunicação que lhe foi feita pela segurança social do apuramento do montante de € 3.789.646,34 de contribuições em falta (cfr. ponto 11 da matéria assente)
A comunicação recebida pela oponente em 30/09/2016, notificando-a nos termos que constam no ponto 19. do probatório, constitui uma mera interpelação do devedor para pagamento voluntário da dívida lÍquida, prévia à citação, que não se confunde com a anterior notificação da liquidação, ocorrida em 06/10/2011.
z) E assim, decidiu "Conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida no segmento em que julgou extinta a execução por dívidas liquidadas dos períodos de tributação de 09/2007 a 12/2010, julgando a oposição improcedente nessa parte."
aa) Entende o aqui recorrido que, não podia aquele Douto Tribunal ter decidido de forma diferente, tendo a sua decisão sido tomada de forma clara, fundamentada e sem qualquer mácula que deva ser corrigida, devendo a mesma ser mantida.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso de revista não ser admitido ou, caso assim não se entenda, deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente e ser mantida a Douta decisão recorrida.

Neste Supremo Tribunal e por Acórdão de 24/11/2021, a revista foi admitida, da qual se transcreve a parte que interessa:


“Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Se é certo que as questões colocadas pela recorrente neste recurso, cfr. conclusão a), que nos vem dirigido já não são novas, a verdade é que as mesmas são recorrentes suscitando sempre alguma dificuldade na sua apreciação face aos contornos específicos da determinação, liquidação e cobrança das quantias respeitantes às contribuições para a segurança social, em que assume um especial relevo a interpretação das normas próprias que regulam esta matéria.
Na verdade, a solução a dar às questões identificadas pela recorrente dependem da interpretação que o julgador faz de tais normas e, efectivamente, são questões transversais à maioria dos casos concretos que surgem para discussão no âmbito dos processos tributários.
Assim, tendo-se como assente a matéria de facto relevada pelas instâncias, impõe-se que este Supremo Tribunal se debruce, mais uma vez sobre estas questões de modo a que possa, mais uma vez, dar-lhes uma resposta cabal.
Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.”

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no seguinte parecer:


I. OBJECTO DO RECURSO.
1. O presente recurso de revista vem interposto do acórdão do TCA Sul, proferido a 15/04/2021, na parte em que julgou não verificada a falta de notificação no prazo de caducidade das contribuições relativas ao período de 2005/01 a 2010/12.
Considera a Recorrente que «a primeira questão a que importa responder é a de saber se a recorrida se deve considerar notificada das liquidações contributiva em 06/10/2011, pela comunicação escrita através da qual os serviços da segurança social notificaram o mandatário da aqui Recorrente do teor do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ou, em 30/09/2016, pela notificação para pagamento feita ao mandatário da aqui Recorrente».
Considera ainda a Recorrente que «Quando à segunda questão, importa saber face às normas em vigor, podendo a notificação em causa ser qualificada como um ato de liquidação de contribuições e quotizações, esse ato podia ser exclusivamente notificado à Mandatária da Oponente».
No acórdão que admitiu o recurso fez-se constar que «…as questões colocadas pela recorrente neste recurso, …. são recorrentes suscitando sempre alguma dificuldade na sua apreciação face aos contornos específicos da determinação, liquidação e cobrança das quantias respeitantes às contribuições para a segurança social, em que assume um especial relevo a interpretação das normas próprias que regulam esta matéria».
DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES.
2. Atentas as alegações de recurso e o teor do acórdão de admissão da revista, afigura-se-nos que há que considerar duas questões (podendo uma ficar prejudicada pela solução dada à outra):
a) A primeira consiste em saber qual o ato que consubstancia a liquidação oficiosa das contribuições em dívida e em que data o mesmo se deve dar como notificado ao contribuinte (a aqui Recorrente), para efeitos de aferir se essa notificação ocorreu ou não no prazo de caducidade;
b) A segunda, a de saber se a notificação desse ato de liquidação oficiosa se deve ter como validamente feito na pessoa do mandatário da Recorrente.
II. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
1. A primeira questão que vem colocada a este tribunal tem subjacente o entendimento de que o instituto da caducidade do direito de liquidação se aplica igualmente, pelo menos em determinados casos, em sede de contribuições para a segurança social.
Como se sabe, esta questão é controversa e este tribunal começou inicialmente por adotar o entendimento no sentido de o referido instituto previsto no artigo 45º da LGT não ser aplicável em sede de contribuições para a segurança social (No acórdão de 23/09/2009, proferido no proc. nº 0436/09, considerou-se que o regime de contribuições e quotizações sempre foi submetido a um regime específico e o legislador nunca consagrou qualquer prazo de caducidade, tendo-se concluído que «no caso das contribuições e quotizações em dívida à Segurança Social não é configurável a caducidade do direito à liquidação» e que «não é aplicável à cobrança de dívidas de contribuição para a Segurança Social o regime de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT que, como resulta dos seus termos, só é aplicável a casos em que há lugar a liquidação da dívida e respectiva notificação, antes de ser instaurado qualquer processo executivo». No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos de 30/05/2012, proc. 0104/12, e de 28/03/2012, proc. 0947/11.).
Todavia, no acórdão do Pleno de 26/02/2014, proferido no proc. nº 01481/13, adotou-se entendimento contrário, tendo-se considerado (em síntese e sumário):
«II -…Casos há, como o previsto no artº 33º do Decreto-lei nº 8-B/2002, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Segurança Social em suprimento das obrigações dos contribuintes.
III - Nestas situações a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo.
IV- Sendo assim, ao direito de liquidar tais contribuições é aplicável, por força do disposto nos artigos 1.º, 2.º 3º da Lei Geral Tributária, o regime de caducidade do direito à liquidação previsto no artº 45.º do mesmo diploma legal, uma vez que o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo especial de caducidade do direito de liquidação».
Ainda que se nos afigurem pertinentes as considerações tecidas nos votos de vencidos então lavrados (E que têm forte respaldo no regime legal, que está construído a pensar apenas no instituto da prescrição.), entendemos que é de manter esta jurisprudência, por a mesma responder da melhor forma às garantias do contribuinte que nestas situações se impõem, em razão de uma adequada tutela jurisdicional efetiva, a qual aliás foi reiterada em diversos acórdãos deste tribunal (Tanto quanto sabemos esta jurisprudência foi confirmada nos acórdãos da secção de 09/04/2014, proc. 01876/13, de 21/05/2014, proc. 0766/13, de 28/05/2014, proc. 0220/14, e de 30/11/2016, proc. 01622/13.).
Todavia, se assim é, há que clarificar os termos em que tal instituto se aplica e a forma como podem ser exercidos os direitos do contribuinte uma vez que aparentemente o legislador se alheou dessas preocupações.
Com efeito, a disciplina dos diversos diplomas legais aplicáveis (anteriores ao Código Contributivo, aprovado pela Lei nº 110/2009, de …) centra-se sobretudo nos termos e mecanismos do cumprimento da obrigação contributiva por parte dos respetivos sujeitos passivos, para além de ser bastante genérica a atribuição de competências aos diversos órgãos e entidades dos Serviços da Segurança Social.
Refere a este propósito o prof. Casalta Nabais, (Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, 2010, pag. 664) reportando-se à liquidação e cobrança da “taxa social única”, como «uma autoliquidação relativamente às contribuições das entidades patronais, e uma liquidação por terceiro (liquidação em substituição) no concernente às contribuições dos trabalhadores, já que estas são objecto de retenção na fonte a título definitivo pelas entidades patronais».
E como previa o artigo 13º do Dec.-Lei nº 8-B/2002, de 15 de Janeiro, diploma legal à data em vigor, «constituem elementos essenciais da declaração de remunerações, para efeitos de apuramento do montante de contribuições a pagar, o valor da remuneração, os tempos de trabalho que lhe correspondam, a taxa contributiva aplicável e o montante da totalidade das contribuições correspondentes às remunerações declaradas».
Por sua vez dispunha o nº1 do artigo 17º do mesmo diploma que «Compete ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com observância do âmbito de aplicação fixado no artigo 2.º, assegurar a gestão do processo de arrecadação e cobrança das contribuições, quotizações e correspondentes juros de mora, constituindo os referidos valores receitas correntes do referido Instituto», atribuições que estão desconcentradas nas delegações distritais do IGFSS.
Mas o que ocorre no caso do incumprimento dessa obrigação contributiva?
No artigo 33º do Dec.-Lei nº 8-B/2002, de 15 de Janeiro, prevê-se o suprimento oficioso dessa obrigação, dispondo o seu nº 2 que «A inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efectuados oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção».
Decorre dos Estatutos do Instituto da Segurança Social, em vigor à data dos factos, aprovado pela Portaria nº 638/2007, de 30 de Maio, designadamente do seu artigo 10º nº2, alínea c), que compete ao Departamento de Fiscalização «Elaborar e registar oficiosamente as declarações de remunerações na sequência do resultado apurado na acção inspectiva». E por sua vez ao “Departamento de Identificação, Qualificação e Contribuições”( DIQC), « Zelar pelo cumprimento das obrigações contributivas dos contribuintes e beneficiários da segurança social» e «Assegurar e controlar a cobrança das contribuições da segurança social» - alíneas f) e g) do artigo 7º do Estatuto;
Por sua vez os Centros Distritais «são os serviços responsáveis, ao nível de cada um dos distritos, pela execução das medidas necessárias ao desenvolvimento e gestão das prestações, das contribuições e da acção social» - artigo 28º do Estatuto -, serviços que estão organizados em “unidades” e “núcleos” dirigidos pelos respetivos directores – nº2 do artigo 29º.
Do cotejo das referidas normas resulta apenas que o apuramento e registo das remunerações em falta e das respetivas contribuições compete aos Serviços de Fiscalização. Por outro lado não está prevista a prática de qualquer outro ato por parte de outro órgão que defina os termos da relação contributiva com o contribuinte ou beneficiário, para além das competências de âmbito geral (como as cometidas ao “Departamento de Identificação, Qualificação e Contribuições”).
Tal situação é evidente na matéria de facto assente nas diversas decisões das instâncias no âmbito dos acórdãos deste tribunal em que foi chamado a pronunciar-se sobre a questão da caducidade do direito de liquidação, donde resulta que o ato impugnado pelo contribuinte consiste na decisão do órgão dos Serviços de Fiscalização (diretor do núcleo de fiscalização), após o exercício do direito de audição do contribuinte, que sanciona as conclusões do relatório e determina o registo oficioso das remunerações na conta corrente do beneficiário.
Ora, se no acórdão do Pleno de 26/02/2014 se deu um grande passo no enquadramento e aplicação do instituto da caducidade do direito de liquidação, afigura-se-nos que não foi suficientemente profundo para responder de forma cabal à questão que se coloca nestes autos e que consiste em saber qual é o ato relevante que define a situação tributável do contribuinte nos casos da chamada “liquidação oficiosa”, ou seja, nos casos em que as contribuições da segurança social são apuradas pelos Serviços da Segurança Social (sendo certo que essa questão também não foi enunciada ou sequer aflorada em qualquer um dos arestos que reiteraram essa jurisprudência).
Nem a LGT, nem o CPPT, consagram uma noção de ato tributário (Uma vez que foi adotado o conceito de relação jurídica tributária como conceito ordenador do direito fiscal (cfr. a este propósito Saldanha Sanches, in “Manual de Direito Fiscal”, 1998, pág.105 e seguintes.), embora se refiram ao mesmo em diversas normas, utilizando a terminologia “liquidação”, mas nem sempre com o mesmo sentido e alcance, pois ora tem subjacente um sentido amplo, abrangendo os atos do procedimento de liquidação, ora um sentido mais restrito e conexo com o ato final de aplicação da taxa à matéria tributável (artigo 95º, nº1,alínea a), da LGT, e artigo 60º do CPPT).
Assim, para o prof. Casalta Nabais (Direito Fiscal, pág. 304, 2ª edição), “….A liquidação, lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) o lançamento subjetivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação fiscal. 2) o lançamento objetivo através do qual se determina a matéria coletável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) a liquidação stricto sensu traduzida na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável ou tributável e 4) as (eventuais) deduções à coleta.(…)”.
Também se tem considerado que «a liquidação se considerada como um procedimento administrativo é um conjunto e sequência de actos e actuações desenvolvidas quer pela AT quer pelos particulares com vista à determinação administrativa do montante tributável em cada caso concreto. Mas se considerada como acto administrativo deve entender-se como a manifestação unilateral da AT sobre o «an» e o «quantum» de uma obrigação tributária mediante a qual a AT exerce o seu direito de cobrança fixando dessa forma o montante exacto da prestação bem como o poder de exigi-la do obrigado tributário» - artigos 36º, 44ºe 60º do CPPT.
Nos termos do artigo 13º do Código Contributivo (aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro), «O montante das contribuições e das quotizações é determinado pela aplicação da taxa contributiva às remunerações que constituem base de incidência contributiva,…»
Na jurisprudência deste tribunal que temos vindo a citar, designadamente no acórdão do Pleno de 26/02/2014, considerou-se que «…enquanto que nas situações de autoliquidação se verifica, por via de regra uma homologação implícita pela Administração decorrente da aceitação do pagamento do imposto, já na liquidação estamos perante uma verificação constitutiva da existência da obrigação de imposto,…», e que «… atento o regime previsto no referido artº 33º do Decreto-lei 8 B/2002, que esta inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, e assumem, por isso, a natureza de uma verdadeira liquidação».
Ora, no caso concreto importa identificar o ato da Administração Tributária (Segurança Social) através do qual, com efeitos declarativos, foi fixado o montante exacto das contribuições em dívida, em face da matéria tributável apurada na ação de fiscalização, que no caso corresponde às remunerações, reais ou convencionais, que constituem a base de incidência contributiva e que não foram comunicadas à Segurança Social.
Na jurisprudência dos TCA’s formaram-se, aparentemente, duas correntes antagónicas: (i) Uma no sentido propugnado no acórdão recorrido (No mesmo sentido propugnado no acórdão recorrido foram proferidos os acórdãos do TCA sul de 29/04/2021, proc. 0207/10.2BEPDL, e do TCA Norte de 06/06/2019, proc. 0470/10.), no sentido de que a decisão final do procedimento de averiguações, proferida pelo diretor do núcleo de fiscalização, que sanciona a proposta dos serviços de fiscalização, donde constam todos os elementos para efeitos de registo das remunerações e respetivas contribuições, configura uma verdadeira liquidação; (ii) E uma segunda a considerar que a decisão proferida no procedimento de averiguações não tem esse desiderato e serem distintas as entidades que superintendem à ação de fiscalização e à comunicação do valor das contribuições.
No sentido da segunda corrente, foi proferido o acórdão do TCA Sul, de 14/11/19, processo nº 201/16.0BELRS (No mesmo sentido foi proferido o Acórdão do TCA Norte de 25/01/2018, proc. 00298/11.9BEAVR.), no qual se argumentou:
«o Relatório Final de Averiguações não é, nem nunca poderia ser considerado uma liquidação, mas apenas o apuramento das responsabilidades da Recorrente de acordo com os dados obtidos no âmbito do procedimento. Note-se, por último, que são diferentes as entidades a quem compete a acção de averiguações e aquela que promove a execução do registo oficioso das Declarações de Remunerações e a notificação para pagamento voluntário da quantia apurada em sede do procedimento de averiguações, estando esta última a cargo do Centro Distrital de Lisboa.
Tanto que assim é que, posteriormente, foi a Recorrente notificada por ofício enviado pelo Centro Distrital de Lisboa (28.03.2012) de «(…) que foram registadas oficiosamente Declarações de Remunerações no valor de 5.198.49.69, e em consequência passa essa Entidade a ser devedora à Segurança Social da importância de € 924.58 conforme taxa contributiva de 23% e de € 1.805.085.97, à taxa de 34,75% aplicada de acordo com o art. 53º da Lei 110/2009 de 16 de Setembro , alterada pela Lei 119/2009 de 30/12.» [cfr. al.M) do probatório].
Esta comunicação é, em nosso entendimento, a correspondente à notificação da liquidação [a liquidação (em sentido estrito) de um imposto (como, aliás, o apuramento de qualquer parte de um todo) se faz pela aplicação (multiplicação) de uma taxa (valor expresso em percentagem) à matéria colectável- Acórdão do TCA Norte de 08.01.2009, proferido no processo n.º 430/07.3BEPNF, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)] que claramente indica a quantia a pagar resultante da «taxa contributiva de 23% e de € 1.805.085.97, à taxa de 34,75% aplicada de acordo com o art. 53º da Lei 110/2009.»
Ora, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que a resposta à questão não contende só com a disciplina legal, que neste aspeto é vaga e genérica, sendo certo que não está previsto qualquer procedimento de liquidação das contribuições, mas também com a atuação dos órgãos da Segurança Social na elaboração do ato de comunicação do montante das contribuições apurado, ou seja, com a forma dessa comunicação. Até porque o regime legal está essencialmente concebido para a recolha das declarações de remunerações (ou mapas de remunerações), quer servem de suporte não só ao apuramento das contribuições e quotizações devidas, como à carreira contributiva dos beneficiários.
No regime legal que deixamos supra mencionado, os Serviços de Inspeção não só apuravam os elementos relativos ao incumprimento da obrigação contributiva, como aparentemente procediam ao registo das remunerações, o que de certa forma estava em consonância com as atribuições definidas na Portaria nº 638/2007, de 30 de Maio, designadamente do seu artigo 10º nº2, alínea c), no qual se previa que compete ao Departamento de Fiscalização «Elaborar e registar oficiosamente as declarações de remunerações na sequência do resultado apurado na acção inspectiva» (sublinhados nossos).
Daí que nos casos que foram objecto da jurisprudência deste tribunal e no caso do acórdão do TCA recorrido, no ofício dirigido ao sujeito passivo da obrigação contributiva se tenha feito constar que com a decisão final do procedimento de averiguações ficava definitivamente assente a declaração de remunerações em falta e respetivas contribuições em dívida, sendo o mesmo informado que se tratava de uma decisão suscetível de impugnação contenciosa.
Todavia, com a aprovação do Código Contributivo, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de setembro, e Decreto Regulamentar nº 1-A/2011, de 3 de janeiro, ambos os diplomas com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2011, e com os Estatutos do Instituto da Segurança Social, aprovados pelo Dec.-Lei nº 83/2012, de 30 de março, e respetivo regulamento, aprovado pela Portaria nº 135/2012, de 8 de maio, é mais nítida a diferenciação das atribuições do Departamento de Fiscalização e dos demais Serviços do IGFSSS, designadamente dos serviços desconcentrados deste Instituto.
Assim, nos termos das alíneas b) e c) do nº2 do artigo 8º da Portaria nº 135/2012, compete ao Departamento de Fiscalização:
b) Fiscalizar o cumprimento das obrigações dos beneficiários e contribuintes, nomeadamente as relacionadas com o enquadramento, a inscrição, o registo e a declaração de remunerações;
c) Elaborar e determinar o registo oficioso das declarações de remunerações, na sequência do resultado da ação inspetiva;
Ou seja, já não compete aos serviços de fiscalização proceder ao registo das declarações, mas apenas “determinar” esse registo.
Por outro lado, nos termos do artigo 16º do Código Contributivo (Artigo 16.º
Registo de remunerações
1 - A instituição de segurança social competente procede ao registo das remunerações sobre as quais incidiram as contribuições e as quotizações, bem como dos respetivos períodos contributivos.
2 - O registo referido no número anterior constitui a carreira contributiva dos beneficiários relevante para efeitos de atribuição das prestações.)
, compete à instituição de segurança social competente proceder ao registo das remunerações sobre as quais incidiram as contribuições e as quotizações.
E nos temos das alíneas f) e g) do nº2 do artigo 5º, compete ao “Departamento de Prestações e Contribuições”:
(…)
f) Zelar pelo cumprimento das obrigações contributivas dos contribuintes e beneficiários da segurança social;
g) Assegurar e controlar a cobrança das contribuições da segurança social;
E nos termos da alínea f) do nº2 do artigo 17º, compete aos Centros Distritais, como serviços territorialmente desconcentrados:
f) Assegurar o cumprimento das obrigações contributivas das entidades empregadoras e trabalhadores independentes;
Assim, ainda que de forma assaz difusa, afigura-se-nos que o atual regime legal delimita de forma mais precisa as competências dos Serviços de Inspeção, circunscritas ao âmbito da averiguação e recolha de elementos com vista à elaboração da declaração oficiosa de remunerações e implementação do seu registo na conta corrente do beneficiário. Assim como as competências do Departamento de Prestações e Contribuições e dos Centros Distritais no âmbito de assegurar o cumprimento das obrigações contributivas, o que passa pela comunicação do valor das contribuições em falta para efeitos de pagamento, como pela extração de certidão para efeitos de cobrança coerciva.
Atento o supra exposto e face à falta de definição clara de um ato final do procedimento conducente á fixação do montante das contribuições e quotizações, afigura-se-nos que só pode ser considerado como ato de liquidação, o ato formalmente comunicado ao sujeito passivo, donde constem a declaração de remunerações objecto de registo e o apuramento das contribuições devidas, assim como o prazo de pagamento e meios de impugnação.
Ora, no caso concreto dos autos, o ato dos Serviços da Segurança Social comunicado em 06/10/2011, deu conta apenas do encerramento do processo de averiguação, bem como do montante das contribuições apuradas – facto 11) do probatório.
E só através do ato de comunicação datado de 21/09/2016 (ponto 19) do probatório) é que os Serviços de Segurança Social formalizaram a comunicação do valor das contribuições devidas com base na declaração de remunerações apuradas no relatório dos Serviços de Inspeção, assim como indicaram o prazo de pagamento e meios de reação graciosos e contenciosos.
Ou seja, só neste ato os Serviços da Segurança Social definiram a situação tributária do sujeito passivo em face da declaração de remunerações registada (mostrando-se para este efeito irrelevante a troca de correspondência via email com o mandatário do sujeito passivo com vista à regularização voluntária da situação).
E tanto é assim que numa anterior comunicação ao mandatário da Recorrente, os Serviços deram conta de que não iriam protelar mais “o envio da notificação da liquidação” – cfr. ponto 18 do probatório.
Entendemos, assim, e respondendo à pergunta formulada pela Recorrente, que a mesma deve-se considerar notificada da liquidação com a receção da comunicação efetuada pelos Serviços da Segurança Social em 30/09/2016.
Tal como se deixou exarado no acórdão recorrido, estando perante um ato de liquidação de tributos, o mesmo está sujeito ao regime de caducidade do direito de liquidação previsto no artigo 45º da LGT, pelo que se impõe que a sua notificação ao sujeito passivo seja efetuada no prazo de 4 anos.
Atento que o ato de liquidação diz respeito a contribuições relativas ao período compreendido entre janeiro de 2005 e dezembro de 2010, é manifesto que em 30/09/2016, data em que foi remetida a comunicação ao sujeito passivo, já tinha decorrido o assinalado prazo de 4 anos, mostrando-se irrelevante neste caso o desconto do prazo de 6 meses que poderia decorrer da duração da ação inspetiva (Que as instâncias não fixaram, apesar de estar em causa a aplicação do regime de caducidade previsto nos artigos 45º e 46º da LGT.), conforme dispõe o artigo 46º da LGT.
A resposta a esta primeira questão prejudica o conhecimento da segunda questão supra enunciada.
Entendemos, assim, que se impõe a revogação do acórdão recorrido e a confirmação da sentença de 1ª instância, no sentido da procedência da oposição, por falta de notificação do ato de liquidação no prazo de caducidade, nos termos da alínea e) do nº1 do artigo 204º do CPPT.

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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:
1. Em 21 de Outubro de 2016, foi autuado, na Secção de Processo Executivo de Setúbal do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P, em nome da ora Oponente, o processo de execução fiscal n.º 1501-2016/00375420, para cobrança da quantia exequenda de € 1.192.199,06, instaurado com base na certidão de dívida n.º 41553/2016, de 21 de Outubro de 2016, relativa a cotização dos períodos de 2005/01 a 2010/12 – cfr. fls. 63 a 65 dos autos;
2. Ao processo referido no ponto anterior foram apensas, para cobrança coerciva, as certidões de dívida n.º 41554/2016, relativa a contribuições dos períodos de 2005/01 a 2010/12, no valor de € 2.578.308,37 e n.º 41155/2016, relativa a juros do período de 2008/01, no valor de € 7.413,76 – cfr. fls. 67 a 69 dos autos;
3. A quantia exequenda e acrescidos totalizava o valor de € 4.905.262,72, referente a períodos de tributação de 2005/01 a 2010/12 – cfr. fls. 64 a 69 dos autos;
4. Em 10 de Novembro de 2016, a Oponente foi citada para o processo de execução fiscal n.º 1501-2016/00375420 – cfr. fls. 64 a 70 dos autos;
5. A Oponente foi sujeita a uma acção de fiscalização no âmbito do processo de averiguações (proave) n.º 200701191481, resultante de acção concertada entre os serviços inspectivos da Segurança Social e a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), e relativo aos anos de 2005 a 2010 – cfr. fls. iniciais do processo administrativo junto aos autos, não controvertido;
6. Em 12 de Julho de 2011, foi elaborado, no processo de averiguações n.º 200701191481 referido, projecto de relatório pelos serviços da Segurança Social – cfr. fls. 572 a 605 do processo administrativo junto aos autos, não controvertido;
7. Em 20 de Julho de 2011, a Oponente foi notificada do teor do projecto do relatório referido no ponto anterior, bem como para, querendo, sobre ele se pronunciar – cfr. ofício n.º 068962, de 18 de Julho de 2011, talão de registo postal e aviso de recepção a fls. 606 a 754 do processo administrativo junto aos autos;
8. Por comunicação escrita datada de 16 de Agosto de 2011, a Oponente exerceu o direito de audição – cfr. fls. 764 a 777 do processo administrativo junto aos autos, não controvertido;
9. O direito de audição apresentado foi subscrito por mandatário forense e junta procuração ao processo – cfr. fls. 764 a 777 do processo administrativo junto aos autos;
10. Com data de 30 de Setembro de 2011, foi proferido despacho a tornar definitivo o relatório e dado como concluído o processo de averiguações que tem vindo a ser referido, considerando o mesmo como contribuições apuradas o valor de € 3.798.646,34 – cfr. fls. 778 a 810 do processo administrativo junto aos autos, não controvertido;
11. Por comunicação escrita de 6 de Outubro de 2011, os serviços da Segurança Social notificaram o mandatário constituído da Oponente do teor do relatório final e do encerramento do processo de averiguação, bem como do apuramento do montante de € 3.789.646,34 considerado como contribuições em dívida pela Oponente – cfr. fls. 810-A a 812 do processo administrativo junto aos autos, não controvertido;
12. Com data de 27 de Outubro de 2015, B………… remeteu aos serviços comunicação electrónica atinente ao assunto “Processo de Averiguações n.º 200701191481/Processo de Inquérito n.º 2229/15.8T9STB”, da qual se extrai o seguinte excerto: “na qualidade de mandatária de C…………, NIF ………, vimos solicitar que seja agendada uma reunião tendo em vista a regularização da dívida do nosso constituinte relativa à sociedade A…………, Lda., NIF ………” – cfr. fls. 828 e 829 do processo administrativo junto aos autos;
13. Com data de 4 de Dezembro de 2015, os serviços da Segurança Social remeteram a B............ comunicação electrónica atinente ao assunto “A............, Lda., Nif ……… – Agendamento de reunião tendo em vista a regularização de situação contributiva – Proave n.º 200701191481”, da qual se extrai o seguinte excerto: “[e]m resposta ao e-mail remetido por V.exa., e de acordo com o combinado em conversas telefónicas junto remeto Documento de Pagamento com os valores em dívida registados em conta corrente resultantes do processo infra mencionado” – cfr. fls. 828 do processo administrativo junto aos autos;
14. Com data de 18 de Dezembro de 2015, B............ remeteu aos serviços comunicação electrónica atinente ao assunto “A............, Lda., Nif ......... – Agendamento de reunião tendo em vista a regularização de situação contributiva – Proave n.º 200701191481”, da qual se extrai o seguinte excerto: “[n]a sequência dos contactos anteriores, venho pelo presente informar que o meu cliente está na disposição de assumir pessoalmente e de liquidar os valores de capital referentes ao período no qual tinha a gestão efectiva da sociedade, que se iniciou em Outubro de 2007. O período anterior não é da sua responsabilidade na medida em que apesar de figurar formalmente como gerente, a gestão era assegurada pelo anterior que tinha, desde a constituição da sociedade, a sua gestão efectiva.” – cfr. fls. 827 do processo administrativo junto aos autos;
15. Com data de 21 de Dezembro de 2015, os serviços da Segurança Social remeteram a B............ comunicação electrónica atinente ao assunto “A............, Lda., Nif ......... – Agendamento de reunião tendo em vista a regularização de situação contributiva – Proave n.º 200701191481”, da qual se extrai o seguinte excerto: “[e]m resposta ao solicitado, junto remeto o Documento de Pagamento gerado com os meses após 10/2007, que totalizam € 2.142.056,78, sendo que € 1.641.662,33 são referentes a contribuições e quotizações e € 500.394,45 relativos a juros de mora calculados a 12/2015, nos termos da Lei em vigor, Desta forma estão reunidas as condições para proceder ao pagamento pretendido” – cfr. fls. 826 do processo administrativo junto aos autos;
16. Com data de 27 de Janeiro de 201, os serviços da Segurança Social remeteram a B............ comunicação electrónica atinente ao assunto ¯A............, Lda., Nif ......... – Agendamento de reunião tendo em vista a regularização de situação contributiva – Proave n.º 200701191481”, solicitando informação sobre eventuais pagamentos – cfr. fls. 825 do processo administrativo junto aos autos;
17. Com data de 28 de Janeiro de 2016, B............ remeteu aos serviços comunicação electrónica atinente ao assunto “A............, Lda., Nif ......... – Agendamento de reunião tendo em vista a regularização de situação contributiva – Proave n.º 200701191481”, da qual se extrai o seguinte excerto: “[p]or hora agradeço que não sejam participados os valores em dívida para efeitos de cobrança coerciva pois o meu cliente está a desenvolver todos os esforços no sentido da liquidação voluntária da dívida” – cfr. fls. 824 e 825 do processo administrativo junto aos autos;
18. Com data de 26 de Fevereiro de 2016 consta comunicação electrónica entre os serviços da Segurança Social, da qual se extrai, designadamente o seguinte excerto: “[a]tento o tempo decorrido desde 2015-12-03, constatamos que não se verificou o pagamento imediato de mais de um milhão de euros que um dos sócios gerentes da EE pretendia efectuar. Pelo contrário, temos assistido a permanentes pedidos de adiamento por parte da sua mandatária. Pelo que parece não se justificar continuar a protelar o envio da notificação da liquidação” – cfr. fls. 822 e 823 do processo administrativo junto aos autos;
19. Com data de 21 de Setembro de 2016, os serviços da Segurança Social remeteram à Oponente comunicação escrita atinente ao assunto “Notificação para pagamento/Entidade Empregadora – A…………, LDA. / NISS ………”, da qual se extrai, designadamente, o seguinte excerto: “[f]icam V. exas. por este meio notificados, nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 177.º, n.º 1 do artigo 175.º do Código do Procedimento Administrativo e do n.º 1 do artigo 29.º e artigo 30.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro, na sequência da acção inspectiva realizada ao abrigo do PROAVE n.º 200701191481, da decisão de liquidação das contribuições proferidas nessa sede pela Unidade de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo, Sector de Setúbal, foram registadas oficiosamente as Declarações de Remuneração relativas ao período de 2005/01 a 2010/12. Tais declarações de remunerações correspondem a omissões nas contribuições/quotizações devidas no montante total de € 3.795.148,80 EUR, acrescidas dos respectivos juros calculados à taxa legal. Conforme solicitado pela mandatária de V. exa., foi enviado, em 2015/12/04, o respectivo Documento de Pagamento. (…). Assim, e dada a ausência de pagamento integral do valor em dívida, dispõem V. exas. do prazo de 30 dias para proceder ao pagamento voluntário das contribuições e quotizações apuradas e respectivos juros calculados à taxa legal, a contar da data de assinatura do aviso de recepção, findo o qual, caso seja constatada a ausência de pagamento, será instaurado o competente processo de cobrança coerciva do débito apurado, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de Fevereiro, na sua redacção actual.
Mais se notifica que a decisão de liquidação oficiosa de contribuições e respectivos juros é passível de reclamação, no prazo de 15 dias, e de recurso hierárquico, no prazo de 90 dias, nos termos respectivamente dos artigos 191.º e n.º 1 do 193.º do Código de Procedimento Administrativo, e de impugnação no prazo de 90 dias, nos termos dos artigos 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a contar do termo do prazo para pagamento voluntário a que se reporta a presente notificação” – cfr. fls. 830 e 831 do processo administrativo junto aos autos;
20. A comunicação referida no ponto anterior foi recebida em 30 de Setembro de 2016 – cfr. talão de registo postal e aviso de recepção a fls. 832 e 833 do processo administrativo apenso aos autos.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente e atento o teor do acórdão de admissão da revista, afigura-se-nos que as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida no acórdão do TCAS, que concedeu parcial provimento ao recurso da sentença do TAF de Almada, que julgara procedente a oposição, padece de erro de julgamento, importando saber, em primeiro lugar, qual o acto que consubstancia a liquidação oficiosa das contribuições em dívida para a Segurança Social e em que data o mesmo se deve dar como notificado ao contribuinte, para efeitos de aferir se essa notificação ocorreu ou não no prazo de caducidade e, em segundo lugar, saber se a notificação desse acto de liquidação oficiosa se deve ter como validamente feito na pessoa do mandatário da Recorrente, podendo a solução dada a uma ficar prejudicada pela solução dada à outra.
Enfrentemos tais questões balizados pelo acórdão que admitiu o recurso que assevera que as questões colocadas pela recorrente neste recurso, são recorrentes suscitando sempre alguma dificuldade na sua apreciação face aos contornos específicos da determinação, liquidação e cobrança das quantias respeitantes às contribuições para a segurança social, em que assume um especial relevo a interpretação das normas próprias que regulam esta matéria.
Assim, no acórdão recorrido foi julgada não verificada a falta de notificação no prazo de caducidade das contribuições relativas ao período de 2005/01 a 2010/12 e a recorrente começa por questionar se a recorrida se deve considerar notificada das liquidações em 06/10/2011, pela comunicação escrita através da qual os serviços da segurança social notificaram o mandatário da aqui Recorrente do teor do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ou, em 30/09/2016, pela notificação para pagamento feita ao mandatário da aqui Recorrente.
A resposta a esta questão importa um quid que é o de determinar se o instituto da caducidade do direito de liquidação é aplicável à concreta situação em que estão em causa contribuições para a segurança social.
Abreviando razões, faz-se apelo à doutrina que dimana do acórdão do Pleno do Contencioso Tributário deste STA de 26/02/2014, pronunciado no processo nº 01481/13, consultável em www.dgsi.pt e que está plasmada no respectivo sumário, que se extracta na parte relevante:
«II -…Casos há, como o previsto no artº 33º do Decreto-lei nº 8-B/2002, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Segurança Social em suprimento das obrigações dos contribuintes.
III - Nestas situações a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo.
IV- Sendo assim, ao direito de liquidar tais contribuições é aplicável, por força do disposto nos artigos 1.º, 2.º 3º da Lei Geral Tributária, o regime de caducidade do direito à liquidação previsto no artº 45.º do mesmo diploma legal, uma vez que o regime específico das quotizações e contribuições à Segurança Social não fixa um prazo especial de caducidade do direito de liquidação».
Como se explicita nesse aresto, tal doutrina tem pressuposta a natureza das contribuições para a Segurança Social “…como impostos, ou pelo menos como equiparadas a impostos (Neste sentido, e sobre a natureza das contribuições para a Segurança Social vide, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pags. 662 e segs., Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social - Natureza de Regime e de Técnicas e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº 12, ed. Almedina, J.J.Teixeira Ribeiro, anotações ao Acórdão de 24 de Janeiro de 1996, revista de Legislação e Jurisprudência, 1 de Junho de 1996, Ano 129º, nº 3863, e Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, vol. I, ed. Rei dos Livros, pag. 322.).
Como refere Casalta Nabais (ob. citada, pag. 663) trata-se de uma acepção que vem sendo admitida um pouco por toda a parte e que, no nosso regime jurídico, tem manifestações importantes traduzidas no seguinte: «1) na integração das contribuições para a segurança social no nível de fiscalidade ou carga fiscal, nomeadamente para efeitos da sua comparação internacional; 2) na equiparação das contribuições para a segurança social aos impostos, ao menos para efeitos jurídico-constitucionais, que o mesmo é dizer em sede da constituição fiscal; 3) na aplicação às contribuições para a segurança social das normas do procedimento e processo tributários e do regime das infracções tributárias (v. o art. 1.º do CPPT e os arts. 1.º, n.º 1, al. d) e 106.º e 107.º do RGIT)”
Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado as contribuições para a Segurança Social como impostos, desde a Constituição de 1976, e como tal sujeitas ao princípio da legalidade tributária (cfr., entre outros, os Acórdãos nºs 183/96 e 621/99, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 23/05/1996 e 23/02/2000).
E no mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência desta secção, de que destacamos, para além dos arestos citados no acórdão fundamento, os Acórdãos de 16.06.1999, recurso 23889 e de 23.05.2007, recurso 63/07, ambos in www.dgsi.pt.
Temos pois por seguro que, em temos doutrinais e jurisprudenciais, as contribuições para a Segurança Social são consideradas, à luz do actual quadro legislativo, como impostos (pese embora com algumas peculiaridades).”
Esta linha jurisprudencial foi seguida em outros arestos deste STA, de que se destacam os acórdãos de 09/04/2014, proc. 01876/13, de 21/05/2014, proc. 0766/13, de 28/05/2014, proc. 0220/14, e de 30/11/2016, proc. 01622/13, também disponíveis no sítio indicado.
E entendemos ser a mesma de conservar dado o vislumbre, como bem denota o EPGA no seu douto Parecer, de que a mesma responde da melhor forma às garantias do contribuinte que nestas situações se impõem, em razão de uma adequada tutela jurisdicional efectiva, a qual aliás foi reiterada em diversos acórdãos deste tribunal.
E, tendo vista a finalidade da presente revista que acima ficou patenteada, acolhe-se o teor do douto Parecer, dada a sua pertinência e utilidade para uma melhor compreensão no tocante às demarcações da aplicação desse instituto jurídico e à conformação do exercício dos direitos pelo contribuinte uma vez que aparentemente o legislador se alheou dessas preocupações. Isso porque, como bem realça o Ministério Público, a disciplina dos diversos diplomas legais aplicáveis anteriormente à vigência do Código Contributivo (Lei nº 110/2009) radicava fundamentalmente nos termos e instrumentos do cumprimento da obrigação contributiva por parte dos respectivos sujeitos passivos, para além de ser bastante genérica a atribuição de competências aos diversos órgãos e entidades dos Serviços da Segurança Social.
A esse respeito releva a referência aos ensinamentos do Prof. Casalta Nabais, (Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, 2010, pag. 664) quando, referindo-se à liquidação e cobrança da “taxa social única”, a classifica como «uma autoliquidação relativamente às contribuições das entidades patronais, e uma liquidação por terceiro (liquidação em substituição) no concernente às contribuições dos trabalhadores, já que estas são objecto de retenção na fonte a título definitivo pelas entidades patronais».
É também de realçar no sentido particularizado a estatuição do artigo 13º do Decreto-Lei nº 8-B/2002, de 15 de Janeiro, segundo a qual «constituem elementos essenciais da declaração de remunerações, para efeitos de apuramento do montante de contribuições a pagar, o valor da remuneração, os tempos de trabalho que lhe correspondam, a taxa contributiva aplicável e o montante da totalidade das contribuições correspondentes às remunerações declaradas».
Pontifica a tal respeito o nº 1 do artigo 17º do mesmo diploma que prescrevia que «Compete ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com observância do âmbito de aplicação fixado no artigo 2.º, assegurar a gestão do processo de arrecadação e cobrança das contribuições, quotizações e correspondentes juros de mora, constituindo os referidos valores receitas correntes do referido Instituto» (nº 1), atribuições que estão desconcentradas nas delegações distritais do IGFSS pois, para tais efeitos, “…o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pode acordar na prestação dos serviços que considere convenientes com outras instituições do sistema de solidariedade e segurança social ou, mediante despacho do ministro da tutela, com outras entidades públicas ou privadas devidamente habilitadas para esse efeito.”
Sendo essa a natureza e estrutura da obrigação contributiva, importa também atentar nas consequências do seu incumprimento, as quais estavam tipificadas no artigo 33º do Decreto-Lei nº 8-B/2002, de 15 de Janeiro, estabelecendo-se o suprimento oficioso dessa obrigação ao estipular-se no seu nº 2 que «A inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efectuados oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção».
Por força dos Estatutos do Instituto da Segurança Social, em vigor à data dos factos, aprovado pela Portaria nº 638/2007, de 30 de Maio, especialmente do seu artigo 10º nº2, alínea c), compete ao “Departamento de Fiscalização” «Elaborar e registar oficiosamente as declarações de remunerações na sequência do resultado apurado na acção inspectiva», estando atribuída ao “Departamento de Identificação, Qualificação e Contribuições” (DIQC), competência para «Zelar pelo cumprimento das obrigações contributivas dos contribuintes e beneficiários da segurança social» e «Assegurar e controlar a cobrança das contribuições da segurança social».
E, na acepção conferida pelo artigo 28º dos Estatutos os “Centros Distritais” «são os serviços responsáveis, ao nível de cada um dos distritos, pela execução das medidas necessárias ao desenvolvimento e gestão das prestações, das contribuições e da acção social» - os quais estão organizados em “unidades” e “núcleos” dirigidos pelos respectivos directores conforme o disposto no artigo 29º do mesmo compêndio legal.
Sempre na esteira do douto Parecer, é patente que da concatenação dos referenciados normativos extrai-se simplesmente que o apuramento e registo das remunerações em falta e das respectivas contribuições compete aos Serviços de Fiscalização e que não está estatuída a prática de qualquer outro acto por parte de outro órgão que defina os termos da relação contributiva com o contribuinte ou beneficiário, para além das competências de âmbito geral (como as cometidas ao “Departamento de Identificação, Qualificação e Contribuições”).
Essa realidade apresenta-se claramente evidenciada nos probatórios das várias decisões das instâncias que foram objecto de apreciação nos acórdãos proferidos por este tribunal em sede dos recursos versando a questão da caducidade do direito de liquidação, o que aponta para que o acto impugnado pelo contribuinte radica na decisão do órgão dos Serviços de Fiscalização (director do núcleo de fiscalização), após o exercício do direito de audição do contribuinte, que sanciona as conclusões do relatório e determina o registo oficioso das remunerações na conta corrente do beneficiário.
Como bem denota o EPGA, embora o já referido acórdão do Pleno deste STA de 26/02/2014 haja contribuído sobremaneira para o enquadramento e aplicação do instituto da caducidade do direito de liquidação, do mesmo não resulta a explicitação de qual seja o acto relevante para efeitos da determinação da situação tributável do contribuinte nos casos da chamada “liquidação oficiosa”, ou seja, nos casos em que as contribuições da segurança social são apuradas pelos Serviços da Segurança Social, sendo de enfatizar que tal questão também não foi exposta nem analisada em nenhum dos acórdãos que seguiram a jurisprudência no mesmo firmada e que acima se identificaram.
Ora, é também veraz que nem na LGT, nem tão pouco no CPPT, estabelecem uma noção de “acto tributário”, tendo-se antes perfilhado, como salienta o Prof. Saldanha Sanches, no seu “Manual de Direito Fiscal”, 1998, pág.105 e seguintes, o conceito de “relação jurídica tributária” como conceito ordenador do direito fiscal. Sem embargo de ao “acto tributário” se fazer apelo em bastantes normas, empregando o nomen “liquidação”, mas, como bem refere o Ministério Público, nem sempre com o mesmo sentido e alcance, pois ora tem subjacente um sentido amplo, abrangendo os atos do procedimento de liquidação, ora um sentido mais restrito e conexo com o ato final de aplicação da taxa à matéria tributável (artigo 95º, nº 1,alínea a), da LGT, e artigo 60º do CPPT).
Contextualmente, é assaz paradigmática a citação feita do ensinamento consagrado pelo Prof. Casalta Nabais na obra Direito Fiscal, pág. 304, 2ª edição segundo o qual a “….A liquidação, lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) o lançamento subjetivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação fiscal. 2) o lançamento objetivo através do qual se determina a matéria coletável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) a liquidação stricto sensu traduzida na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável ou tributável e 4) as (eventuais) deduções à coleta.(…)”, tendo-se outrossim ponderado que «a liquidação se considerada como um procedimento administrativo é um conjunto e sequência de actos e actuações desenvolvidas quer pela AT quer pelos particulares com vista à determinação administrativa do montante tributável em cada caso concreto. Mas se considerada como acto administrativo deve entender-se como a manifestação unilateral da AT sobre o «an» e o «quantum» de uma obrigação tributária mediante a qual a AT exerce o seu direito de cobrança fixando dessa forma o montante exacto da prestação bem como o poder de exigi-la do obrigado tributário» - cfr. artigos 36º, 44ºe 60º do CPPT.
Visualizando agora o regime instituído pelo Código Contributivo, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, no seu artigo 13º estabelece-se que «O montante das contribuições e das quotizações é determinado pela aplicação da taxa contributiva às remunerações que constituem base de incidência contributiva,…».
Nessa sequência, importa evocar aqui a elocução fundamentadora vertida no acórdão do Pleno de 26/02/2014, no fragmento em que expressa que «…enquanto que nas situações de autoliquidação se verifica, por via de regra uma homologação implícita pela Administração decorrente da aceitação do pagamento do imposto, já na liquidação estamos perante uma verificação constitutiva da existência da obrigação de imposto,…», e que «… atento o regime previsto no referido artº 33º do Decreto-lei 8-B/2002, que esta inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, e assumem, por isso, a natureza de uma verdadeira liquidação».
Tendo presente tudo quanto ficou dito e incidindo sobre o caso concreto, vejamos qual foi o acto em que se baseou a Segurança Social para fixar o montante exacto das contribuições em dívida, em vista da matéria tributável apurada na ação de fiscalização, correspondente às remunerações, reais ou convencionais, que constituem a base de incidência contributiva e que não lhe foram comunicadas.
Nesse âmbito, permitimo-nos e com a devida vénia, seguir a dissecção empreendida pelo Ministério Público e que se transcreve ipsis verbis:
“Na jurisprudência dos TCA’s formaram-se, aparentemente, duas correntes antagónicas: (i) Uma no sentido propugnado no acórdão recorrido (No mesmo sentido propugnado no acórdão recorrido foram proferidos os acórdãos do TCA sul de 29/04/2021, proc. 0207/10.2BEPDL, e do TCA Norte de 06/06/2019, proc. 0470/10.), no sentido de que a decisão final do procedimento de averiguações, proferida pelo diretor do núcleo de fiscalização, que sanciona a proposta dos serviços de fiscalização, donde constam todos os elementos para efeitos de registo das remunerações e respetivas contribuições, configura uma verdadeira liquidação; (ii) E uma segunda a considerar que a decisão proferida no procedimento de averiguações não tem esse desiderato e serem distintas as entidades que superintendem à ação de fiscalização e à comunicação do valor das contribuições.
No sentido da segunda corrente, foi proferido o acórdão do TCA Sul, de 14/11/19, processo nº 201/16.0BELRS (No mesmo sentido foi proferido o Acórdão do TCA Norte de 25/01/2018, proc. 00298/11.9BEAVR.), no qual se argumentou:
«o Relatório Final de Averiguações não é, nem nunca poderia ser considerado uma liquidação, mas apenas o apuramento das responsabilidades da Recorrente de acordo com os dados obtidos no âmbito do procedimento. Note-se, por último, que são diferentes as entidades a quem compete a acção de averiguações e aquela que promove a execução do registo oficioso das Declarações de Remunerações e a notificação para pagamento voluntário da quantia apurada em sede do procedimento de averiguações, estando esta última a cargo do Centro Distrital de Lisboa.
Tanto que assim é que, posteriormente, foi a Recorrente notificada por ofício enviado pelo Centro Distrital de Lisboa (28.03.2012) de «(…) que foram registadas oficiosamente Declarações de Remunerações no valor de € 5.198.49.69, e em consequência passa essa Entidade a ser devedora à Segurança Social da importância de € 924.58 conforme taxa contributiva de 23% e de € 1.805.085.97, à taxa de 34,75% aplicada de acordo com o art. 53º da Lei 110/2009 de 16 de Setembro , alterada pela Lei 119/2009 de 30/12.» [cfr. al.M) do probatório].
Esta comunicação é, em nosso entendimento, a correspondente à notificação da liquidação [a liquidação (em sentido estrito) de um imposto (como, aliás, o apuramento de qualquer parte de um todo) se faz pela aplicação (multiplicação) de uma taxa (valor expresso em percentagem) à matéria colectável- Acórdão do TCA Norte de 08.01.2009, proferido no processo n.º 430/07.3BEPNF, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)] que claramente indica a quantia a pagar resultante da «taxa contributiva de 23% e de € 1.805.085.97, à taxa de 34,75% aplicada de acordo com o art. 53º da Lei 110/2009.»
Ora, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que a resposta à questão não contende só com a disciplina legal, que neste aspeto é vaga e genérica, sendo certo que não está previsto qualquer procedimento de liquidação das contribuições, mas também com a atuação dos órgãos da Segurança Social na elaboração do ato de comunicação do montante das contribuições apurado, ou seja, com a forma dessa comunicação. Até porque o regime legal está essencialmente concebido para a recolha das declarações de remunerações (ou mapas de remunerações), quer servem de suporte não só ao apuramento das contribuições e quotizações devidas, como à carreira contributiva dos beneficiários.
No regime legal que deixamos supra mencionado, os Serviços de Inspeção não só apuravam os elementos relativos ao incumprimento da obrigação contributiva, como aparentemente procediam ao registo das remunerações, o que de certa forma estava em consonância com as atribuições definidas na Portaria nº 638/2007, de 30 de Maio, designadamente do seu artigo 10º nº2, alínea c), no qual se previa que compete ao Departamento de Fiscalização «Elaborar e registar oficiosamente as declarações de remunerações na sequência do resultado apurado na acção inspectiva» (sublinhados nossos).
Daí que nos casos que foram objecto da jurisprudência deste tribunal e no caso do acórdão do TCA recorrido, no ofício dirigido ao sujeito passivo da obrigação contributiva se tenha feito constar que com a decisão final do procedimento de averiguações ficava definitivamente assente a declaração de remunerações em falta e respetivas contribuições em dívida, sendo o mesmo informado que se tratava de uma decisão suscetível de impugnação contenciosa.
Todavia, com a aprovação do Código Contributivo, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de setembro, e Decreto Regulamentar nº 1-A/2011, de 3 de janeiro, ambos os diplomas com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2011, e com os Estatutos do Instituto da Segurança Social, aprovados pelo Dec.-Lei nº 83/2012, de 30 de março, e respetivo regulamento, aprovado pela Portaria nº 135/2012, de 8 de maio, é mais nítida a diferenciação das atribuições do Departamento de Fiscalização e dos demais Serviços do IGFSSS, designadamente dos serviços desconcentrados deste Instituto.
Assim, nos termos das alíneas b) e c) do nº2 do artigo 8º da Portaria nº 135/2012, compete ao Departamento de Fiscalização:
b) Fiscalizar o cumprimento das obrigações dos beneficiários e contribuintes, nomeadamente as relacionadas com o enquadramento, a inscrição, o registo e a declaração de remunerações;
c) Elaborar e determinar o registo oficioso das declarações de remunerações, na sequência do resultado da ação inspetiva;
Ou seja, já não compete aos serviços de fiscalização proceder ao registo das declarações, mas apenas “determinar” esse registo.
Por outro lado, nos termos do artigo 16º do Código Contributivo (Artigo 16.º
Registo de remunerações
1 - A instituição de segurança social competente procede ao registo das remunerações sobre as quais incidiram as contribuições e as quotizações, bem como dos respetivos períodos contributivos.
2 - O registo referido no número anterior constitui a carreira contributiva dos beneficiários relevante para efeitos de atribuição das prestações.), compete à instituição de segurança social competente proceder ao registo das remunerações sobre as quais incidiram as contribuições e as quotizações.
E nos temos das alíneas f) e g) do nº2 do artigo 5º, compete ao “Departamento de Prestações e Contribuições”:
(…)
f) Zelar pelo cumprimento das obrigações contributivas dos contribuintes e beneficiários da segurança social;
g) Assegurar e controlar a cobrança das contribuições da segurança social;
E nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo 17º, compete aos Centros Distritais, como serviços territorialmente desconcentrados:
f) Assegurar o cumprimento das obrigações contributivas das entidades empregadoras e trabalhadores independentes;
Assim, ainda que de forma assaz difusa, afigura-se-nos que o atual regime legal delimita de forma mais precisa as competências dos Serviços de Inspeção, circunscritas ao âmbito da averiguação e recolha de elementos com vista à elaboração da declaração oficiosa de remunerações e implementação do seu registo na conta corrente do beneficiário. Assim como as competências do Departamento de Prestações e Contribuições e dos Centros Distritais no âmbito de assegurar o cumprimento das obrigações contributivas, o que passa pela comunicação do valor das contribuições em falta para efeitos de pagamento, como pela extração de certidão para efeitos de cobrança coerciva.
Atento o supra exposto e face à falta de definição clara de um ato final do procedimento conducente à fixação do montante das contribuições e quotizações, afigura-se-nos que só pode ser considerado como ato de liquidação, o ato formalmente comunicado ao sujeito passivo, donde constem a declaração de remunerações objecto de registo e o apuramento das contribuições devidas, assim como o prazo de pagamento e meios de impugnação.”
Por esse prisma, volvendo ao caso dos autos, evidencia-se no ponto 11 do probatório que o ato dos Serviços da Segurança Social comunicado em 06/10/2011, deu conta apenas do encerramento do processo de averiguação, bem como do montante das contribuições apuradas.
E patenteia o ponto 19 do mesmo probatório que só através do ato de comunicação datado de 21/09/2016 é que os Serviços de Segurança Social formalizaram a comunicação do valor das contribuições devidas com base na declaração de remunerações apuradas no relatório dos Serviços de Inspecção, assim como indicaram o prazo de pagamento e meios de reacção graciosos e contenciosos.
Significa que, à luz dos enunciados pressupostos, que só através deste acto os Serviços da Segurança Social definiram a situação tributária do sujeito passivo em face da declaração de remunerações registada, nenhuma relevância assumindo a troca de correspondência via email com o mandatário do sujeito passivo com vista à regularização voluntária da situação até porque, como decorre do ponto 18 do probatório, numa anterior comunicação ao mandatário da Recorrente, os Serviços deram conta de que não iriam protelar mais “o envio da notificação da liquidação”.
Por isso, é forçoso concluir que se deve considerar que a recorrente foi notificada da liquidação com a recepção da comunicação realizada pelos Serviços da Segurança Social em 30/09/2016.
E que, tratando-se de um acto de liquidação de tributos, o mesmo obtempera o regime de caducidade do direito de liquidação estabelecido no artigo 45º da LGT, impondo-se que a sua notificação ao sujeito passivo seja efectivada no prazo de 4 anos.
Isso também por acatamento da jurisprudência uniformizada no Acórdão do Pleno da Secção do CT prolatado em 26-02-2014, no Processo nº 01481/13 e por respeito ao disposto no artº 8º, nº 3, do Código Civil.
Assim, porque o acto de liquidação advém de contribuições referentes ao período compreendido entre Janeiro de 2005 e Dezembro de 2010, é notório que em 30/09/2016, data em que foi remetida a comunicação ao sujeito passivo, já tinha decorrido o indicado prazo de 4 anos, com isso não contendendo o desconto do prazo de 6 meses que poderia decorrer da duração da acção inspectiva, conforme dispõe o artigo 46º da LGT e que as instâncias não fixaram.
E perante a resposta dada a essa questão, resulta insofismavelmente a prejudicialidade do conhecimento da outra que fora exposta, qual fosse, a de saber se a notificação desse acto de liquidação oficiosa se devia ter como validamente feito na pessoa do mandatário da Recorrente, devendo o recurso ser provido com a consequente revogação do acórdão recorrido e a confirmação da sentença que julgou procedente a oposição por falta de notificação do ato de liquidação no prazo de caducidade, nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 204º do CPPT.

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3. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e confirmar a sentença da 1ª instância com a inerente procedência da oposição.

Custas pela Recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário], com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a €275.000, atento o grau de complexidade do processado, a conduta dos litigantes e a utilidade económica das pretensões das partes.

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Lisboa, 4 de Maio de 2022. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.