Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0679/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:NOTIFICAÇÃO
REGISTO SIMPLES
SEGUNDA AVALIAÇÃO
REGISTO POSTAL
AVALIAÇÃO
Sumário:I - O acto de avaliação foi notificado por registo simples – em que a carta é deixada na caixa de correio do destinatário sem que aqueles serviços de distribuição postal desenvolvam qualquer iniciativa tendente a garantir que o destinatário, ou quem esteja no seu domicílio, de facto a receberam.
II - Os registos simples, porque são efectuados por mero depósito da carta na caixa de correio do destinatário, não permitem que a carta seja devolvida por não ter sido reclamada, por não se encontrar ninguém na residência, ou por recusa de recebimento. Estes registos nunca são devolvidos, desde que haja caixa de correio.
III - Dado estar em causa avaliação dos prédios aquando da 1ª transmissão ao abrigo do regime do CIMI, o valor patrimonial tributário do prédio resultante da avaliação, bem como a possibilidade de requerer segunda avaliação deve ser notificado ao sujeito passivo por via postal registada, nos termos do disposto no artigo 15º-E do DL. nº 287/2003.
IV - O registo simples de mero depósito na caixa de correio do destinatário não é a via postal registada que a lei impõe – art.º 15º-E do DL. nº 287/2003 - que seja cumprida na situação sob escrutínio, face ao disposto no art.º 38º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
V - As consequências jurídicas a retirar da preterição da formalidade legal de carta registada há-de fazer-se com base nos direitos que a formalidade visa proteger e, por outro, sobre quem recai o ónus de demonstrar que foi assegurada a cognoscibilidade do acto notificando.
VI - Não há nos autos elementos que permitam concluir que o contribuinte efectivamente recebeu a notificação que os Serviços postais dizem ter deixado na sua caixa de correio. Competia à Administração Tributária que incumpriu a formalidade legal prevista para o efeito, demonstrar que, apesar disso, o contribuinte teve conhecimento do acto impugnado em termos de poder contra ele reagir atempadamente, caso o considerasse ilegal, sob pena de o acto de liquidação que lhe sucedeu ser afectado pela legalidade cometida procedimento que o antecedeu.
Nº Convencional:JSTA00070451
Nº do Documento:SA2201712130679
Data de Entrada:06/05/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
DIR FISC - IMI.
Legislação Nacional:CIMI.
DL 287/03 ART15 E.
CPPT ART38.
Jurisprudência Nacional:AC TC 79/2009
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria
. de 31 de Janeiro de 2017


Julgou a impugnação judicial, apresentada por A…………, totalmente improcedente, por não provada, sendo, em consequência, a Fazenda Pública absolvida do pedido.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no processo de impugnação n.º 1246/13.7 BELRA, por si instaurado contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º 3990326, no valor de € 27.289,01, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

A) – A avaliação efetuada ao imóvel, foi a avaliação geral, ou seja, resultou antes da iniciativa da Autoridade Tributária, avaliação que implica uma alteração da situação tributária do contribuinte, na medida em que a mesma serve de base à liquidação de IMI e de IMT.

B) – Neste contexto, à notificação da avaliação (ato fixação do VPT) aplica-se o regime do n.º 1 do artigo 38º do CPPT segundo o qual a notificação deveria ter sido efetuada através de carta registada com aviso de receção.

C) – As notificações devem ser efetuadas por carta registada com aviso de receção sempre que materializem, ou tenham por objeto atos que impliquem uma alteração da situação tributária do contribuinte, ou quando recusem o reconhecimento de benefícios fiscais.

D) – Porém, as notificações de atos que resultem de declarações do contribuinte bem como aquelas que resultem de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação do direto de audição, bastam-se com a carta registada.

E) – Num e noutro caso, a notificação é sempre efetuada através de carta registada, sendo a lei mais exigente, exigindo aviso de receção, sempre que os atos coloquem em causa, isto é, alterem ou agravem, a situação tributária do contribuinte.

F) – Ainda que ao caso concreto não seja de aplicar a notificação com carta registada com aviso de receção, prevista no n.º 1 do CPPT, sempre a notificação em causa, deverá ser efetuada nos termos do n.º 3 do artigo 38º do CPPT.

G) – Por sua vez o artigo 39º, n.º 1 do CPPT, presume que as notificações efetuadas nos termos no n.º 3 do artigo 38º do CPPT no terceiro dia posterior ao registo ou no 1º dia útil seguinte a esse.

H) – Porém, a liquidação em causa foi notificada ao recorrente através de carta registada simples, daí que os “prints” informáticos da Autoridade Tributária conjugados com a informação dos CTT não permitem que opere a presunção da notificação prevista no nº 1 do artigo 39º do CPPT.

I) – Daí não se poder ter como válida a notificação efetuada, incorrendo, assim, a douta sentença em erro de julgamento.

J) – Tanto mais que os atos e procedimentos apenas são válidos e eficazes desde que a forma pela qual é efetuada a respetiva notificação permita concluir, sem margem para dúvidas, que a referida notificação chegou à esfera da cognoscibilidade do seu destinatário.

K) – Não pode a Autoridade Tributária beneficiar da presunção da notificação prevista no artigo 39º n.º 1, do CPPT, por falta de cumprimento do procedimento previsto na Portaria 953/2010.

L) – A douta sentença recorrida incorreu em errado julgamento da matéria de direito, mais concretamente do n º 1 do artigo 39º do CPPT, conjugado com o n º 3 do artigo 38º do CPPT e do nº 1 do artigo 342º do Código Civil.

Requereu que seja concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida, considerando-se que o recorrente não foi regularmente notificado da avaliação do imóvel.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso, indicando que:
«Afigura-se-nos, assim, que na notificação do ato de avaliação realizado após a transmissão do imóvel não foram observadas as formalidades legais que se impunham, pelo que foi preterida formalidade legal que inquinou todo o procedimento de avaliação e consequentemente o procedimento de liquidação adicional que o teve por base.
Em face do exposto a sentença recorrida que assim não o entendeu incorreu em erro de julgamento, tal como lhe vem assacado pelo Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua revogação e substituição por decisão que determine a anulação do ato tributário, tal como requerido, julgando-se o recurso procedente».

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
A) Em 14.12.2012, o Impugnante e B……….. celebraram uma escritura pública de compra e venda, nos termos da qual aquele adquiriu, pelo preço de € 53.000,00, o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 882 da freguesia de São Brás, concelho da Amadora, tendo, além do mais, sido pago IMT no valor de € 3.507,99, o qual foi calculado com base no respetivo VPT, no montante de € 53.969,07 - cf. fls. 20 a 22 do processo de reclamação graciosa que integra o PAT;

B) O prédio referido no ponto A. que antecede está inserido na Unidade Operativa de Planeamento e Gestão, na classe de espaço verde de protecção e enquadramento urbano e na faixa de proteção ao Aqueduto das Águas Livres - cf. fls. 107 a 112 dos autos;

C) Em 15.01.2013, o Impugnante entregou a declaração modelo 1 do IMI, com o n.º 6033377, no Serviço de Finanças da Amadora - 1, para efeitos de atualização matricial do imóvel referido no ponto A. supra - cf. fls. 42 (verso) dos autos;

D) Em 07.02.2013, o Serviço de Finanças da Amadora - 1 remeteu, por correio registado (registo postal n.º RY220372752PT), para a morada do domicílio fiscal do Impugnante (Rua ……….., n.º …., ………, …….), notificação do ato de fixação do VPT do prédio referido no ponto A. supra, no valor de € 473.800,00, e para, querendo, solicitar a segunda avaliação do mesmo no prazo de 30 dias - cf. fls. 42 a 50 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; cf. fls. 24 a 27 e fls. não numeradas que integram o PAT,

E) O Impugnante não requereu a segunda avaliação do prédio referido no ponto A. supra - facto não controvertido;

F) Em 16.03.2013, foi emitida pela AT a liquidação adicional de IMT n.º 3990326, no valor de € 30.797,00, com fundamento no VPT referido no ponto D. supra - cf. fls. 18 a 25 do processo de reclamação graciosa que integra o PAT;

G) Em 04.09.2013, o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação do IMT referida no ponto F. que antecede, a qual foi indeferida por despacho de 29.11.2013, da Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria - cf. fls. 3 a 45 do processo de reclamação graciosa que integra o PAT;

H) Em 31.12.2013, o Impugnante apresentou recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto G. que antecede, a qual foi indeferida por despacho de 07.01.2014 do Diretor de Finanças de Leiria - cf. fls. 1 a 22 do processo de recurso hierárquico que integra o PAT;

I) Em 18.05.2016, foi entregue uma declaração modelo 1 do IMI relativa ao imóvel referido no ponto A. supra, tendo sido fixado pela AT um VPT no valor de € 26.760,00 - cf. fls. 106 e 112 (verso).

***
A questão objecto de recurso resume-se a definir se o Recorrente foi ou não regularmente notificado do ato de avaliação, e se subsiste qualquer ilegalidade decorrente da preterição de formalidade legal no procedimento que conduziu à emissão do ato tributário impugnado.
Relevantes para a decisão do recurso são os seguintes factos provados:
1- Em 15/01/2013, na sequência da sua aquisição, o impugnante e aqui Recorrente entregou nos Serviços de Finanças da Amadora 1 a declaração "modelo 1" referente a imóvel inscrito na matriz sob o artigo 882 da freguesia de S. Brás, concelho da Amadora.
2- Em 07/02/2013 foi remetida para o seu domicílio correspondência registada com a notificação do ato de avaliação do mesmo imóvel, ao qual tinha sido atribuído o valor de € 473.800,00 euros, com a advertência de que podia requerer uma 2ª avaliação no prazo de 30 dias.
3- Decorrido tal prazo e nada tendo sido requerido, a AT emitiu liquidação de IMT no valor de € 30.797,00.
Pese embora a sentença no probatório não haja mencionado que tipo de registo esteve em causa na notificação do acto de avaliação aqui em causa, a simples análise do documento de fls. 44, mencionado na matéria de facto, permite concluir que se tratou do que os CTT denominam – registo simples – em que a carta é deixada na caixa de correio do destinatário sem que aqueles serviços de distribuição postal desenvolvam qualquer iniciativa tendente a garantir que o destinatário, ou quem esteja no seu domicílio de facto a receberam.
Dado estar em causa avaliação dos prédios aquando da 1ª transmissão ao abrigo do regime do CIMI, o valor patrimonial tributário do prédio resultante da avaliação, bem como a possibilidade de requerer segunda avaliação deve ser notificado ao sujeito passivo por via postal registada, nos termos do disposto no artigo 15º-E do DL. nº 287/2003.
Assim, forçoso é concluir que aquele registo simples de mero depósito na caixa de correio do destinatário não é a via postal registada que a lei impõe – art.º 15º-E do DL. nº 287/2003 - que seja cumprida na situação sob escrutínio, face ao disposto no art.º 38º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
As consequências jurídicas a retirar da preterição da formalidade legal de carta registada há-de fazer-se à luz do que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a reforçar nesta matéria que se mostra suficientemente analisada no parecer do Magistrado do Ministério Público assente por um lado nos direitos que a formalidade visa proteger e, por outro, sobre quem recai o ónus de demonstrar que foi assegurada a cognoscibilidade do acto notificando.
As formalidades legais em matéria tributária assumem uma relevância fundamental por terem sido os modos que o legislador elegeu para, neste caso levar ao conhecimento dos contribuintes os actos de natureza tributária que afectam, ou podem afectar os seus direitos. Não são apenas o veículo que dá a conhecer ao contribuinte o acto tributário, mas são também o modo como a Administração Tributária se apresenta a cumprir o seu dever de actuação em conformidade estrita com a lei, sem margem para qualquer critério de oportunidade ou de gestão de meios.
Assim, como expresso, por exemplo, no acórdão n.º72/2009 do Tribunal Constitucional citado pelo Magistrado do Ministério Público as formalidades relativas a notificações de actos tributários ou de actos em matéria tributária que afectem ou possam afectar os direitos e interesses dos contribuintes com protecção legal existem para garantia de que se mostra respeitado o princípio constitucional da segurança inerente ao Estado de Direito, de que aos destinatários dos atos da Administração, será dado conhecimento de todos os elementos que integrem o acto tributário, ou o acto em matéria tributária e o princípio da tutela jurisdicional efetiva que sairia esvaziado se o contribuinte não conhecesse todos os elementos que lhe permitam a defesa judicial dos seus direitos.
Não há nos autos elementos que permitam concluir que o contribuinte efectivamente recebeu a notificação que os Serviços postais dizem ter deixado na sua caixa de correio. Competia à Administração Tributária que incumpriu a formalidade legal prevista para o efeito, demonstrar que, apesar disso, o contribuinte teve conhecimento do acto impugnado em termos de poder contra ele reagir atempadamente, caso o considerasse ilegal.
Se a formalidade legal tivesse sido cumprida e a notificação tivesse sido efectuada por carta registada, nesse caso é que ao contribuinte cumpriria, caso não tivesse dela tido conhecimento, por qualquer razão, demonstrar que assim fora.
Só o cumprimento das formalidades legais previstas na lei desobriga a Administração Tributária de além de efectuar a notificação demonstrar que o contribuinte dela teve conhecimento, o que se não verifica nesta situação. Sabemos apenas que a carta foi enviada, o que não permite assegurar que o contribuinte a recebeu. Tal preterição da formalidade legal essencial afecta a validade do acto de liquidação que lhe sucedeu, por privação do contribuinte da possibilidade de requerer segunda avaliação, impossibilitando a formação de acto tributário consequente até que lhe seja concedido tal direito.
A sentença recorrida não atentou na circunstância de que os registos simples, porque são efectuados por mero depósito da carta na caixa de correio do destinatário, não permitem que a carta seja devolvida por não ter sido reclamada, por não se encontrar ninguém na residência, ou por recusa de recebimento. Estes registos nunca são devolvidos, desde que haja caixa de correio.
A sentença recorrida que assim não entendeu, enferma de erro de julgamento que determina inelutavelmente a sua revogação.


Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, em substituição, anular o acto tributário impugnado e julgar procedente a impugnação.
Custas pela recorrida que não suporta nesta instância a taxa de justiça, face à ausência de contra-alegações.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa,13 de Dezembro de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Ascensão Lopes.