Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0356/15
Data do Acordão:09/15/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PRESCRIÇÃO
RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR
CIRCUNSTÂNCIA DIRIMENTE
ERRO NOS PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Para o início do decurso do prazo previsto no art. 6º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar de 2008, de prescrição do procedimento disciplinar contra magistrados do Ministério Público, são irrelevantes as datas em que outros superiores hierárquicos conheceram as infracções disciplinares por que o autor foi punido, só relevando o conhecimento das faltas por parte do PGR ou do CSMP.
II - Se num inquérito criminal em investigação a cargo de um magistrado do MºPº, as frases proferidas pelo aí arguido integram quatro crimes de injúrias agravadas, sendo que quanto a esses crimes ocorreu a prescrição do procedimento criminal, tal é susceptível de constituir infracção disciplinar do titular do processo.
III - A infracção disciplinar pressupõe, além de outros requisitos, a culpa do agente, que apenas tem lugar, quando este seja imputável, tenha agido com dolo ou negligência e não existam causas de exclusão da culpa.
IV - A conduta do autor ao não ter obstado à ocorrência das prescrições dos processos criminais identificados nos autos é negligente, e ofendeu os deveres funcionais de zelo e de prossecução do interesse público inerente à realização da justiça criminal, indicados no acórdão impugnado.
V - Embora relevantes na determinação concreta da pena não consubstanciam as circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar, de privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais e de não exigibilidade de conduta diversa (art. 32º, als. b) e d) do ED/84), o grave estado de saúde do magistrado, e o facto de não ter tido qualquer ajuda ou acompanhamento funcional, sabido que era aquele seu estado de saúde.
VI - O acórdão impugnado ao considerar aplicável a pena de multa fez uma correcta aplicação dos preceitos aplicáveis, já que, se está perante uma conduta negligente do autor que ao atrasar a tramitação dos inquéritos determinou que viesse a verificar-se a prescrição dos processos criminais em causa. O que não pode entender-se como falta leve, por frustrar a realização da justiça criminal que ao Ministério Público cabe prosseguir, enquanto responsável pelo exercício da acção penal.
VII - A atenuação especial só se mostra possível se existissem “circunstâncias anteriores ou posteriores à infracção ou contemporâneas dela” que diminuíssem “acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do agente (cfr. art. 186º do EMP), o que, no caso concreto não ocorre, não se estando perante qualquer erro flagrante nem na pena que se considerou aplicável, nem na sua medida.
Nº Convencional:JSTA000P20904
Nº do Documento:SA1201609150356
Data de Entrada:03/26/2015
Recorrente:A........
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo

A.……, magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador da República, identificado nos autos, propôs a presente acção administrativa especial contra o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), impugnando a deliberação do Plenário do CSMP, datada de 31 de Março de 2010, que deferiu parcialmente a reclamação apresentada relativa ao processo disciplinar, e lhe aplicou uma sanção disciplinar de 8 dias de multa, pedindo a sua anulação.
O Recorrente alega que ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar, nos termos do art. 6º, nº 2 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTFP), aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9/9, com alterações introduzidas pelo DL nº 47/2013, de 5/4.
Invoca, ainda, erro na qualificação jurídica dos factos e erro na não consideração das circunstâncias atenuantes especiais.

O CSMP contestou, defendendo que não ocorreu a prescrição, não enfermando o acto impugnado de quaisquer ilegalidades, pelo que a acção improcede.

Ambas as partes alegaram, notificadas nos termos e para os efeitos do art. 91, nº 4 do CPTA.

O Autor formulou as seguintes conclusões:
A. Na presente acção administrativa especial, o Autor impugna a deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, datada de 31 de Maio de 2010 (adiante 'Acórdão'), que indeferiu parcialmente a reclamação apresentada pelo ora Autor da deliberação da respectiva Secção Disciplinar, datada de 24 de Março de 2010, atenuando apenas a medida da sanção, e que aplicou ao Autor uma sanção de 8 dias de multa, pela prática de uma infracção disciplinar correspondente à violação dos deveres funcionais de zelo (dever geral) e prossecução do interesse público inerente à realização da justiça criminal (dever especial).
B. O Autor não se conformou, nem se pode conformar, com a aplicação da pena disciplinar de 8 dias de multa pela prática de uma suposta infracção disciplinar por alegada violação negligente dos deveres funcionais de zelo e prossecução do interesse público, alegando na sua petição inicial a invalidade do Acórdão, o qual não decidiu correctamente em todas as questões sob apreciação.
C. Desde logo, entende o Autor que o Acórdão impugnado é inválido, em virtude de no âmbito do procedimento disciplinar que lhe subjaz, se encontrar duplamente prescrito, relativamente aos factos em causa, o poder de aplicar sanções disciplinares pelo Réu.
D. Nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do EDTFP, aplicável ao presente caso por força do artigo 216.° do EMP, a faculdade de instaurar procedimento disciplinar prescreve quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias.
E. Conforme consta da Deliberação da Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público de 24 de Março de 2010 (ponto 87 da acusação), o Autor declarou a 28 de Dezembro de 2008 as prescrições, dando conhecimento da prescrição no Processo 104/05.3..........
F. Já no processo n.º 17/06.1………. a extinção prescritiva veio a ser declarada pela Procuradora Adjunta Dra. B…….. em 11 de Maio de 2009.
G. Contudo, o processo de inquérito disciplinar só veio a ser iniciado em 4 de Julho de 2009, por despacho da Exma. Conselheira Vice-Procurador-Geral da República, pelo que após terem decorrido mais de 30 dias.
H. Pelo que, por inobservância do prazo estabelecido no número 2 do artigo 6.º do EDTFP, tem de se considerar o procedimento disciplinar prescrito, devendo, em consequência, o acto impugnado ser julgado nulo.
l. Acontece que o Acórdão impugnado, ao imputar ao Autor a comissão de uma infracção disciplinar que se revela, na prática, inexistente, no que ao Processo n.º 17/06.1………. respeita, procede, igualmente, a uma errada qualificação jurídica dos factos.
J. As frases proferidas pelo arguido C…….., objecto do processo n.º 17/06.1………, sem prejuízo do seu carácter vulgar, não integravam os tipos objectivo e subjectivo do crime de injúrias.
K. Não havendo lugar a qualquer responsabilidade criminal, a mesma não é susceptível de prescrição, uma vez que inexistente.
L O Autor recorda que o mesmo carácter grosseiro presente nas expressões utilizadas pelo arguido C………., relativamente a quem foi declarada a prescrição do procedimento criminal, encontrava-se igualmente nas expressões proferidas pela também arguida D………, sendo que, quanto a esta última, entendeu-se não existir responsabilidade criminal.
M. Consequentemente, tendo os factos respeitantes a ambos os arguidos ocorrido “...nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar e dentro do mesmo enquadramento de facto quanto aos seus destinatários, que eram os mesmos...”, o tratamento jurídico e valoratívo do comportamento de ambos não pode deixar de ser o mesmo, (sublinhado nosso)
N. Pelo que, necessariamente, tal como relativamente à arguida D………, também quanto ao arguido C……… deve entender-se inexistir qualquer responsabilidade criminal.
O. Não acarretando o comportamento em causa qualquer relevância do ponto de vista da responsabilidade criminal, não poderá a alegada prescrição, forçosamente, ser valorada em sede de processo disciplinar.
P. Donde só se pode concluir que o Autor não praticou qualquer ilícito disciplinar no que ao processo n.° 17/06.1……… concerne, não devendo, dessa forma, ser sancionado.
Q. Por este motivo, deve a deliberação impugnada ser anulada, na medida em que padece de vício de erro na qualificação jurídica dos factos, ao imputar ao Autor a prática de uma infracção disciplinar que se revela inexistente.
R. Acresce que, no respeitante à segunda infracção disciplinar cuja prática é imputada ao Autor, referente à prescrição no âmbito do inquérito n.° 104/05.3………, o Acórdão impugnado incorre igualmente em erro, na medida em que não procede a uma efectiva ponderação e valoração das circunstâncias atenuantes especiais que envolveram a ocorrência da prescrição em causa.
S. O Autor não coloca em causa a ocorrência da prescrição.
T. Contudo, contrariamente ao entendimento pugnado no Acórdão que ora se impugna de que o autor “...uma vez não provado que fora do período em que esteve ausente do serviço por doença (...) tivesse estado absolutamente incapacitado de entender que devia actuar de maneira correcta assim como de se determinar em função dessa avaliação, isto é absolutamente incapacitado para trabalhar, ...”.
U. O Autor possuía, efectivamente, a sua capacidade para o trabalho diminuída, por força da doença coronária de que padecia e dos tratamentos a que estava, à data, a ser sujeito.
V. Dos factos considerados provados, consta o facto do Autor ter sido submetido a uma cirurgia coronária determinou a acentuada diminuição da sua capacidade de trabalho, tendo passado a evidenciar fadiga e apatia, quer no período agudo da doença, quer no período posterior.
W. As circunstâncias de diminuição de capacidade de trabalho em que se encontrava afastaram a consciência do Autor de que existia o risco de prescrição no âmbito do processo n.º 104/05.3.............
X. Nenhum outro procedimento prescreveu e os restantes processos com atraso superior a dez dias nunca correram o risco de virem a prescrever.
Y. O Autor sempre pautou a sua conduta profissional pela estrita observância dos deveres que se lhe impõem por força do seu estatuto profissional.
Z. Dos factos considerados provados resulta que:
“Enquanto em ………., o Dr. A………. praticou, em regra, horário excedente ao da secretaria judicial, trabalhando, durante a semana, após o encerramento dela - por vezes mesmo depois do jantar -, bem como na maior parte dos fíns-de-semana e durante as férias judiciais (pontos 25 a 27).
Não obstante a situação de doença e a perda de capacidade de trabalho referenciadas, o Dr. A…………. não recebeu coadjuvação de outros colegas, da comarca ou do círculo judicial, do procurador da República coordenador ou de procuradores adjuntos, (ponto 36).
A coadjuvação prestada pelos funcionários E………, F………. e G……… ao Dr. A………. quedou-se, por vezes, aquém do necessário, mormente em termos de prontidão, por sempre terem dado prioridade à execução as tarefas relativas aos outros magistrados com quem trabalhavam, semanas, inclusivamente, tendo havido em que aquelas técnicas de justiça nenhuma tarefa cumpriram nos processos do arguido, (pontos 135 e 136)
Mesmo após os episódios mais agudos da doença que o acometeu em 2007 e 2008, o Pr. A…….. continuou a praticar o horário de trabalho referenciado nos n.°s 25 a 27.” (ponto 138). (sublinhado nosso)
AA. É manifesto, perante a factualidade dada como provada, que ao Autor não pode ser imputada falta de zelo ou desinteresse.
BB. Mesmo nos momentos mais agudos da doença, o Autor sempre procurou cumprir com as suas funções.
CC. Se, neste único caso, ao Autor foi de todo impossível observar os patamares de prestação de serviço genericamente considerados, tal não lhe pode ser imputado a si directamente, mas à doença que o atormentava.
DD. Mesmo tratando-se de uma conduta do Autor objectivamente negligente, tal negligência assenta em fundamentos que não podem deixar de ser atendidos.
EE. Estes fundamentos determinam o afastamento da relevância da negligência por não ser possível ao Autor, nas circunstâncias concretas, ter adoptado as acções que evitariam o resultado, em consequência da sua momentânea insuficiência física e psíquica, e pelo facto de não ter tido qualquer ajuda ou acompanhamento funcional, sabido qual era o seu estado de saúde.
FF. Decorre da alínea b) do artigo 21.° do EDTFP [e já resultava da alínea b) do artigo 32.° do anterior estatuto disciplinar], que constitui circunstância dirimente a privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais da prática da infracção.
GG. Como resulta liminarmente do exposto, a doença e estado de saúde geral do aqui Autor impediram-no de avaliar correctamente a bondade da sua conduta, sendo que, logo que se apercebeu do sucedido, e precisamente por se tratar de algo inusitado para o Autor, sem qualquer correspondência com o normal desempenho das suas funções, foi o próprio que comunicou a ocorrência à hierarquia.
HH. Donde também daqui se pode concluir que o Autor não praticou qualquer ilícito merecedor de relevância do ponto de vista disciplinar, não devendo, por conseguinte, ser sancionado.
II. Também outras circunstâncias atenuantes especiais, como são o facto de ter participado a prescrição e ter um comportamento profissional absolutamente impoluto ao longo de toda a sua carreira de magistrado no Ministério Público, deveriam ter sido ponderadas e valoradas no Acórdão impugnado, e não foram.
JJ. Pelo que, também por esta razão, deve o acto impugnado ser anulado.
KK. Se assim não se tiver por procedente, e sem conceder quanto à relevância do Autor não ter praticado qualquer ilícito disciplinar, considera-se, em todo o caso, que a sanção aplicada no douto Acórdão impugnado é excessiva e potencialmente violadora do princípio da proporcionalidade.
LL. A desadequação da medida concreta da pena disciplinar revela-se, desde logo, no não merecimento da unanimidade do coletivo deste plenário, com cinco declarações de voto.
MM. Entende o Autor não se justificar a sua punição disciplinar, já que, atenta a
factualidade em causa, tal punição não corresponde a qualquer omissão que pudesse evitar e não prossegue nenhum fim preventivo ou punitivo relevante que se imponha prosseguir.
NN. Pelo que, a pena disciplinar de 8 dias de multa aplicada ao Autor é manifestamente desajustada à alegada culpa atribuída a este, porque não atendeu ao disposto no artigo 20.° do EDTFP, aprovado pela Lei n.° 58/2008, de 9 de Setembro, e aplicável ao caso vertente por força do disposto no artigo 108.° do EMP.
OO. Acresce que a pena aplicada ao Autor deveria ser declarada suspensa na sua execução, nos termos do artigo 25.° n.° 1 do citado EDTFP, uma vez que a sua conduta profissional anterior e posterior às infracções e as circunstâncias em que as mesmas ocorreram, conduzem à conclusão que a mera advertência do comportamento violador dos deveres funcionais e a ameaça da sanção realizariam de forma adequada e suficiente a finalidade da punição.
PP. Como, aliás, é defendido em, pelo menos, dois votos de vencido, entre as quais se salienta: “Acompanho a declaração de voto, mas entendo que a pena deve ser de advertência.” e “Acompanho a declaração de voto, considerando que em causa está apenas a violação de dever de zelo, e considerando ainda que a pena aplicada deveria em face dos factos, ser especialmente atenuado - pena de advertência.”
QQ. Por todo o exposto, o Acórdão impugnado é inválido e deverá, consequentemente, ser anulado.


O Réu, por sua vez, formulou as seguintes conclusões:
A. O impugnado acórdão do Plenário do CSMP de 31 de maio de 2010, que aplicou ao autor a pena disciplinar de 8 dias de multa, não enferma de nenhum dos vícios que o autor lhe atribui;
B. Desde logo, o autor incorre em manifesto erro ao alegar que ocorreu a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar pelo decurso do prazo de 30 dias previsto no artigo 6.° n.° 2 do EDTFP;
C. Esse prazo de prescrição de não começou a correr com a comunicação hierárquica feita pelo Autor dos despachos de arquivamento dos inquéritos por prescrição do crime que proferiu em 28 de Dezembro de 2008 e em 11 de Maio de 2009;
D. Pois, nos termos dos artigos 12.° n.° 2, al. f) e 27.°, alíneas a) e g) do EMP, só o Procurador-Geral da República e o Conselho Superior do Ministério Público têm competência disciplinar sobre os magistrados do Ministério Público, pelo que o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar só começa a correr com o conhecimento da infração por um desses órgãos;
E. E a comunicação dos factos, feita pela via hierárquica, só foi recebida na Procuradoria-Geral da República em 8 de julho de 2009, proveniente da Procuradoria-Geral Distrital de ………, tendo o Excelentíssimo Senhor Vice-Procurador-Geral da República proferido o despacho de 9 de julho de 2009 a ordenar a instauração de inquérito para apuramento da existência de infração;
F. Sucede que nem mesmo esse conhecimento dos factos releva para efeitos do dies a quo do prazo de 30 dias para instaurar o procedimento disciplinar previsto no artigo 6.° n.° 2 do EDTFP, e nem o despacho do Excelentíssimo Senhor Vice-Procurador-Geral da República marca o início do procedimento disciplinar;
G. Com efeito, não basta para efeitos do dies a quo do prazo prescricional o mero conhecimento dos factos, na sua materialidade, antes se tornando necessário o conhecimento da infração, ou seja, dos factos e do circunstancialismo que os rodeia, suscetível de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integram infração disciplinar;
H. Por isso, o despacho do Excelentíssimo Senhor Vice-Procurador-Geral da República de 9 de julho de 2009 mandou instaurar o inquérito, que efetivamente se mostrava necessário, pois na verdade só no final do inquérito, se obteve conhecimento da infração, com todos os seus contornos;
I. E esse conhecimento relevante da infração apenas ocorreu quando o inquérito foi apreciado pela Secção Disciplinar do CSMP, em 20 de outubro de 2009, que nessa mesma data ordenou a conversão do inquérito em processo disciplinar;
J. Logo, não ocorreu a prescrição do direito de instaurar o procedimento, pelo que nenhuma razão assiste ao Autor quando alega que sim.
K. Também não assiste a razão ao Autor quando diz que não cometeu infração disciplinar por ter deixado prescrever o crime sob investigação no inquérito n.° 17/06.1………., a pretexto de que os respetivos factos não constituíam crime;
L. Em primeiro lugar, o dever de concluir o inquérito antes de decorrido o prazo de prescrição do crime sob investigação não cessa pelo facto de se poder concluir que não existem indícios do crime, e nem tal apreciação deve ser feita se o crime estiver prescrito, uma vez que se encontra extinto o procedimento criminal;
M. Em segundo lugar os factos em relação aos quais foi declarada a prescrição do procedimento criminal integravam, efetivamente, o crime de injúrias, que o Autor deixou prescrever;
N. Mais uma vez não assiste a razão ao Autor quando diz que no estado de saúde em que se encontrava não lhe teria sido possível evitar a ocorrência da prescrição do crime sob investigação no inquérito n.° 104/05.3............, e que não foram consideradas essas circunstâncias de diminuição da sua capacidade de trabalho;
O. O CSMP teve em conta e ponderou sobre o estado de saúde do Autor, mas não teve dúvidas de que fora do período em que esteve ausente do serviço por doença o Autor não esteve incapacitado, e o que sucedeu foi que não organizou o seu desempenho, como o podia e devia ter feito, de modo a evitar que ocorressem as prescrições;
P. Por isso, contrariamente ao que o Autor sustenta, as circunstâncias relativas ao seu estado de saúde, não podem de modo algum ser consideradas dirimentes da sua responsabilidade disciplinar, pois nem de perto nem de longe o colocaram numa situação de privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais no momento da prática do ato ilícito;
Q. Por outro lado, as alegadas circunstâncias atenuantes especiais, como são o facto de ter participado as prescrições e de ter um comportamento funcional impoluto ao longo de toda a sua carreira, foram tidas em consideração e devidamente ponderadas, a elas se devendo a aplicação de uma pena disciplinar apenas de 8 dias de multa, tangencial ao limite mínimo da moldura abstrata, que é de 5 a 90 dias;
R. Finalmente, também não assiste a razão ao Autor quando alega que no ato impugnado se incorreu em erro na escolha da sanção disciplinar, por não lhe ter aplicado apenas a pena de advertência prevista no artigo 167.° do EMP;
S. Na verdade, nos termos dos artigos 167.° e 180.° do EMP, a advertência aplica-se a situações em que está em causa uma falta leve que não deva passar sem reparo, consubstanciada numa conduta causadora de mera "perturbação no exercício das funções", ou de uma repercussão no exercício de funções "incompatível com a dignidade lhe é exigível";
T. E a conduta do Autor, consistindo em atrasos na tramitação de inquéritos de que resultou a prescrição do procedimento criminal, manifestamente não pode ser qualificada como tal falta leve, pois trata-se da violação de deveres funcionais, com consequências graves e irreversíveis, porque frustram a realização da justiça e dos interesses dos cidadãos;
U. Pelo que a tal conduta é aplicável a pena de multa, sendo, neste caso, manifestamente inadequada e insuficiente a pena de advertência, porquanto, sendo a pena de menor gravidade e de menor repercussão no trabalho, em geral é aplicável a condutas associadas a valores básicos para o funcionamento dos serviços;
V. A pena disciplinar de 8 dias de multa aplicada ao Autor é uma pena muito leve, tangencial ao limite mínimo da moldura abstrata, que justamente reflete a devida ponderação das circunstâncias atenuantes de que beneficia o Autor, designadamente em razão dos seus problemas de saúde;
W. Pelo que ficou exposto, o ato punitivo impugnado está alicerçado em factos provados com base em prova sólida, dos quais fez a devida qualificação jurídico-disciplinar, e nele se fez uma correta apreciação da culpa do Autor, em face de todas as circunstâncias que rodearam a sua conduta, culminando com a aplicação da pena disciplinar que se mostra justa e adequada;
X. Logo, o ato punitivo impugnado não enferma de nenhum dos vícios que o Autor lhe atribui, antes se mostrando em conformidade com as normas legais aplicáveis, pelo que deverá ser mantido na ordem jurídica, na total improcedência da alegação e do pedido do Autor.

2. Os Factos
Consideram-se provados os seguintes factos pertinentes à decisão:
1 – O autor é magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador da República, encontrando-se, actualmente, colocado na comarca do ………. - ……….
2 – Por despacho de 28.12.2008 o autor, no âmbito do inquérito nº 104/05.3........... da Comarca de ………., julgou verificada a ocorrência de prescrição do procedimento criminal quanto aos crimes de injúria, p. e p. no art. 181º, nº 1 do Código Penal, aí denunciados, determinando o arquivamento dos autos e comunicando superiormente, com cópia da totalidade do despacho – cfr. fls. 10 e seguintes do processo disciplinar (doravante processo instrutor – p.i.).
3 – O Procurador da República de ………. comunicou esta prescrição do procedimento criminal ao Procurador-Geral Distrital de ………., por ofício datado de 29.06.2009 – cfr. fls. 5 a 7 do p. i..
4 - Por despacho do Senhor Vice-Procurador-Geral da República, de 9 de Julho de 2009, foi mandado instaurar inquérito com base em comunicação do Senhor Procurador-Geral Distrital de ………, referente à prescrição do procedimento criminal, por dois crimes de injúria, em dois inquéritos que correram termos nos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da comarca de ……… - cfr. fls. 3 do p.i..
5 - No decurso de tal inquérito, veio a apurar-se uma situação conexa com aquela outra, nomeadamente a da extinção do procedimento relativo a quatro crimes de injúria agravada num outro processo - 17/06.1……… – sendo declarada extinta a responsabilidade criminal do aí arguido, por prescrição do procedimento criminal, nos termos do art. 277º, nº 1 do CPP, por despacho de 11.05.2009, proferido pela Procuradora-Adjunta então titular do processo - cfr fls. 673 a 682 do p.i..
6 - Concluído o inquérito, foi elaborado Relatório pelo Senhor Inspector, em 06.10.2009, no qual propôs a conversão do inquérito em processo disciplinar, o que foi acolhido por deliberação do CSMP de 20.10.2009, ficando o inquérito a constituir a fase de instrução do processo disciplinar - cfr. Relatório de fls. 736 a 771 e acórdão da Secção Disciplinar do CSMP de fls. 780 a 782 do processo disciplinar.
7 - Em 28 de Novembro de 2009, foi proferida acusação imputando-se ao autor a comissão, em autoria material e título negligente de dez infracções disciplinares, cinco por violação do dever especial de prossecução dos interesses públicos inerentes à realização da justiça criminal e outras cinco por violação do dever, geral, de zelo e propondo a aplicação de uma sanção única de 10 dias de multa – cfr. fls. 872 a 889 do p.i.
8 - O então arguido apresentou a sua defesa nos termos que constam do processo instrutor, pugnando pelo arquivamento do procedimento disciplinar - cfr. fls. 892 a 909 do p.i..
9 – O Senhor Instrutor do processo disciplinar, no seu relatório final, manteve a proposta de aplicação de sanção de multa – cfr. fls. 1012 a 1024 do p.i..
10 - A deliberação da Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, de 24 de Março de 2010, apreciou o relatório final apresentado pelo Senhor Instrutor, incluindo os respectivos elementos probatórios, tendo determinado a aplicação de uma sanção única de 10 dias de multa - cfr. doc. nº 1, fls. 16 a 25.
11 - Notificado da deliberação sancionatória, o agora autor interpôs reclamação para o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, invocando: i) sendo verdade que não obstou à prescrição do procedimento criminal no inquérito n.º 104/05.3…….. por não ter deduzido em tempo a respectiva acusação, tal omissão não releva disciplinarmente por ter agido “sem culpa”; ii) que os factos relevados do inquérito n.º 17/06.1…………. são inócuos do ponto de vista da tipificação do crime de injúria, pelo que inexistindo crime inexiste extinção prescritiva e, consequentemente, responsabilidade disciplinar; iii) o número de extinções prescritivas operantes para efeitos disciplinares a considerar no inquérito 17/06.1………… apenas poderá ser o de uma e não de quatro, pelo que uma, e não quatro, haverá de ser o número de infracções disciplinares, nessa parte cometidas - cfr. fls. 1111 a 1120 do p.i..
12 - A reclamação do Autor foi deferida parcialmente pela deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, de 31 de Maio de 2010, que alterou a sanção aplicada, de 10 dias de multa para 8 dias – cfr. fls.1143 a 1169 do p.i..


3. O Direito
Na presente acção o Autor visa eliminar da ordem jurídica o acórdão do Plenário do CSMP que, indeferindo em parte a sua reclamação, lhe aplicou a pena disciplinar de 8 dias de multa.
Alega que, (1) o procedimento disciplinar encontra-se prescrito; (2) quanto à questão da prescrição no Processo nº 17/06.1…………, os factos relevados no inquérito são inócuos do ponto de vista da tipificação do crime de injúria, não existindo crime, pelo que não ocorre extinção prescritiva; (3) a deliberação impugnada não ponderou devidamente as circunstâncias atenuantes da sua eventual responsabilidade disciplinar, e, (4) existe “erro na quantificação da sanção disciplinar”.

3.1 – Da prescrição do procedimento disciplinar
O Autor defende que ocorreu a prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, nos termos do art. 6º, nº 2 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTFP), aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9/9.
De acordo com o referido preceito o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve quando conhecida a falta por qualquer superior hierárquico, o mesmo não for instaurado no prazo de trinta dias.
No entender do autor tendo, no processo nº 104/05.3…………, ele próprio declarado, em despacho de 28.12.2008 as prescrições, dando disso conhecimento, e, no processo 17/06.1........... tendo sido declarada a extinção prescritiva por despacho de 11.05.2009, apenas tendo por despacho do Senhor Vice-Procurador-Geral da República, de 9 de Julho de 2009, sido mandado instaurar inquérito com base em comunicação do Senhor Procurador-Geral Distrital de ………, ocorreu a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar.
Não lhe assiste razão.
Com efeito, este STA já várias vezes decidiu que o “superior hierárquico” previsto no referido art. 6º, nº 2, corresponde na orgância do Ministério Público, ao Procurador-Geral da República ou ao Conselho Superior do Ministério Público (cfr., entre outros, os acórdãos de 21.06.2012, proc. nº 772/10, de 10.07.2012, proc. nº 803/11 e de 05.11.2013, proc. 0642/13).
Neste último acórdão transcreveu-se o seguinte extracto do acórdão de 21.06.2012:
«O autor tem alguma razão ao preconizar a aplicabilidade do art. 6º, nº 2 do Estatuto Disciplinar de 2008 ao seu caso.
Não porque, nesse domínio, o EMP apresente uma «lacuna» - como ele diz – a preencher por aquela norma, mas porque o art. 216º do EMP manda aplicar supletivamente («em tudo o que não for contrário à presente lei») aos processos disciplinares contra magistrados do MºPº o estatuto disciplinar geral. Ora, e em matéria de prescrição do procedimento disciplinar, não há dúvida de que o regime aprovado pela Lei n.º 58/2008 é, em concreto, mais favorável ao autor do que o previsto no Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16/1 («vide» o seu art. 4º, n.º 2); ao que se segue, «ex vi» do art. 4º, n.º 1, da Lei n.º 58/2008, a aplicabilidade «in casu» do novo regime.
Mas o autor já não tem razão quando supõe que o sobredito art. 6º, n.º 2, é aplicável «in toto» aos magistrados do MºPº - por forma a que o conhecimento da infracção «por qualquer superior hierárquico» logo active o prazo prescricional previsto na noma. É que todos os prazos de prescrição têm por base a inércia no exercício de um direito por parte do seu titular; pelo que não faz sentido que um prazo do género se inicie se a inércia for de outrem, que não do titular do direito.
Atentemos seguidamente neste ponto.
O Estatuto Disciplinar de 1984 [por lapso refere-se 2004], embora reconhecesse competência a qualquer superior hierárquico para instaurar processo disciplinares (art. 39º), só conferia relevância, para efeitos de prescrição à passividade do «dirigente máximo do serviço» (art. 4º, n.º 2). Esta restrição manifestava desconfiança quanto à disponibilidade dos dirigentes intermédios para reagirem sem delongas às faltas disciplinares e, portanto, cuidava de diminuir as prescrições, ligando-as ao conhecimento das infracções pelos dirigentes de topo. Todavia, o legislador do Estatuto Disciplinar de 2008 mostrou-se mais despreocupado: agora, no art. 6º, n.º 2, do diploma, o «dies a quo» do prazo prescricional reporta-se ao conhecimento da infracção por um «qualquer superior hierárquico»; e não há dúvida de que assim se restabeleceu uma simetria lógica – ainda que potenciadora de prescrições – dado que «qualquer superior» é, em regra competente para instaurar o procedimento (art. 29º do mesmo diploma).
Mas, e segundo a própria «ratio» do art. 6º, n.º 2, se um «qualquer superior hierárquico» não fosse competente para aquele fim, já não se poderia dizer que ele detinha a titularidade do «direito» (como se diz no art. 6º, n.º 1, do diploma) susceptível de prescrever caso o não exercitasse em trinta dias.
Ora, o EMP é claro no sentido de que o direito de ordenar a instauração de processos disciplinares aos magistrados do MºPº cabe exclusivamente ao Procurador-Geral da República (art. 12º, n.º 2, al. f) ou ao CSMP (arts. 27º, al. a) e 214º). Mas se só esses órgãos são titulares do direito, só a inércia deles relativamente ao seu exercício pode explicar e causar a prescrição respectiva; e essa inércia, por sua vez, há-de partir do conhecimento da falta por algum dos dois referidos órgãos – e não por qualquer outro superior hierárquico do magistrado infractor.
Temos, assim, que a aplicabilidade do art. 6º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar de 2008 à responsabilidade dos magistrados do MºPº não é completa; pois se o fosse – em termos de abranger o conhecimento da infracção «por qualquer superior hierárquico» - tal norma estaria a ser subsidiariamente recebida pelo EMP de modo «contrário» ao que nele se prevê e, nessa medida, ao arrepio do que se estabelece no seu art. 216º.
Portanto, e para os efeitos do disposto no art. 6º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar de 2008, são irrelevantes as datas em que a Directora do DIAP do Porto ou o procurador-Geral Distrital conheceram as infracções disciplinares por que o autor foi punido no PD n.º 2/2010. Pelo que a prescrição invocada pelo autor não pode fundar-se nesse conhecimento.»

É esta igualmente a situação que se verifica no presente caso, sendo irrelevante para a contagem do prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar a comunicação hierárquica dos despachos de arquivamento dos inquéritos por prescrição do crime, proferidos em 28.12.2008 e 11.05.2009, ao Procurador da República de ……… que os transmitiu ao Procurador-Geral Distrital de ………. e este à Procuradoria-Geral da República.
Aliás, o despacho do Senhor Vice-Procurador-Geral da República, de 9 de Julho de 2009, apenas manda instaurar inquérito com base naquela comunicação do Procurador-Geral Distrital de ……….., referente à prescrição do procedimento criminal, por dois crimes de injúria, em dois inquéritos que correram termos nos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da comarca de ……….., no decurso do qual se apuraria se havia ou não responsabilidade disciplinar. Ou seja, aquando da instauração do inquérito não havia ainda a certeza de que se estava perante uma falta disciplinar que justificasse a instauração de procedimento disciplinar (cfr. arts. 211º, nº 1 e 214º, nº 1 do EMP).
Só com a proposta constante do Relatório Final do inquérito, no sentido de conversão deste em processo disciplinar, o que foi acolhido por deliberação do CSMP de 20.10.2009, ficando o inquérito a constituir a fase de instrução do processo disciplinar, o órgão competente (neste caso o CSMP) teve conhecimento da infracção, contando-se o início do procedimento disciplinar da notificação ao arguido daquela deliberação (cfr. art. 214º, nº 2 do EMP).
Ora, o referido Relatório Final é de 06.10.2009 e a deliberação do CSMP de 20 do mesmo mês, pelo que não ocorreu a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, improcedendo, consequentemente, este primeiro vício imputado ao acto.

3.2 Do erro na qualificação jurídica dos factos
Alega o Autor que não existe prescrição do crime sob investigação no inquérito nº 17/06.1......... porquanto as frases proferidas pelo aí arguido C……….., sem prejuízo do seu carácter vulgar, não integravam o crime de injúria, pelo que não havendo lugar a responsabilidade criminal, não pode haver prescrição. E que o mesmo carácter grosseiro estava presente nas expressões utilizadas pela arguida D………..
Em causa no inquérito nº 17/06.1………… estavam factos ocorridos no dia 10 de Julho de 2006, cerca das 23h00, durante uma deslocação de militares da Guarda Nacional Republicana, a prestar serviço na equipa de intervenção do Destacamento Territorial de ………….., no exercício das suas funções e devidamente uniformizados, à Quinta ……….., freguesia da ………., área da comarca de ……….., por haver sido solicitada a intervenção da GNR devido à notícia de ocorrência de agressões.
No local, quando os militares procediam às necessárias identificações dos envolvidos na situação, o arguido C………… dirigiu-se aos quatro militares da GNR ali presentes com as seguintes expressões: “Vão mas é trabalhar chulos” e “Estes gajos nem guardas são”.
Já a ali arguida D……….. dirigiu-se aos mesmos militares, nas mesmas circunstâncias de tempo e local, proferindo a seguinte frase: “Vêm para aqui com pistolas e cacetetes, nós não temos medo, metam-nos no cu”.
É notória a grosseria e obscenidade da frase proferida pela D……….., mas a mesma não constitui qualquer imputação de factos, ou ofensa da honra e consideração dos militares da GNR, mas extrema falta de educação.
Já não é esse o caso das expressões usadas pelo C………... Dirigir o qualificativo de “chulos” aos militares da GNR é o mesmo que dizer que se trata de indivíduos que exploram meretrizes (cfr. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa), como, igualmente, dizer que “nem guardas são” é ofensivo da honra e consideração devida àqueles militares, que se encontravam em funções e devidamente uniformizados, constituindo o crime de injúria agravada (cfr. arts. 181º, nº 1 e 184º, por remissão para o art. 132º, nº 2, al. j), todos do Código Penal, na redacção então vigente).
Assim, a qualificação dos factos que seriam imputados ao arguido C………. como quatro crimes de injúrias agravadas é correcta, sendo que quanto a esses crimes ocorreu a prescrição do procedimento criminal conforme foi declarado pelo despacho de arquivamento, fundado no art. 277º, nº 1 do CPP, proferido em 11.05.2009, improcedendo o vício invocado.

3.3 Do erro na não consideração das circunstâncias atenuantes especiais
Quanto à infracção disciplinar cuja prática lhe é imputada referente à prescrição no âmbito do inquérito nº 104/05.3…………, defende o Autor que o acórdão impugnado incorreu em erro, por não ter procedido a uma efectiva ponderação e valoração das circunstâncias atenuantes que envolveram a ocorrência da prescrição, a qual não põe em causa. E que mesmo tratando-se de uma conduta objectivamente negligente, tal negligência assenta em fundamentos que têm que ser atendidos que são a sua momentânea insuficiência física e psíquica e o facto de não ter tido qualquer ajuda ou acompanhamento funcional, sabido que era o seu estado de saúde.
O primeiro dos fundamentos invocados consubstancia a circunstância dirimente prevista no art. 32º, al. b) do ED/84 (e igualmente prevista no art. 21º, al. b) do EDTFP), aplicável aos magistrados do MºPº por força do art. 216º do EMP.
Nos termos daquele primeiro preceito considera-se circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar, “A privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais no momento da prática do acto ilícito”.
Esta privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais pressupõe que o agente está mentalmente incapaz de avaliar a sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, o que exclui a culpa.
Ora, no caso não se verifica a apontada circunstância dirimente, já que não há qualquer prova no processo disciplinar de que em algum momento, apesar do seu grave estado de saúde, que foi tido em conta pelo CSMP, o autor tenha estado privado do exercício das suas faculdades intelectuais, sempre que esteve ao serviço.
Tanto assim é que na deliberação impugnada foi dado como provado que “as debilidades de saúde e a menor atenção e cuidado do Dr. A………. apenas se reflectiram negativamente no serviço de inquérito criminal e nos moldes referenciados” [as prescrições aqui em causa] e “sendo que, em tudo o mais, assegurou as suas funções sem margem para qualquer reparo” (factos 113. e 114. do acórdão impugnado).
E, também não é possível considerar que o facto de não ter tido qualquer ajuda ou acompanhamento funcional, sabido que era o seu estado de saúde, possa consubstanciar a circunstância dirimente prevista na alínea d) do referido art. 32º, da “não exigibilidade de conduta diversa”.
Com efeito, dado o seu estado de saúde, seria impossível ao Autor despachar atempadamente todos os processos que tinha a seu cargo. Mas ser-lhe-ia exigível que tivesse diligenciado para que não ocorressem prescrições de curto prazo de processos criminais. Nomeadamente, alertando a sua hierarquia para essa eventual hipótese, levando a que esta determinasse que outros magistrados tivessem assumido a direcção desses processos, de modo a que tais prescrições não ocorressem, como veio a suceder.
Quantos às circunstâncias atenuantes especiais, como são o facto de ter participado a prescrição e de nada constar no seu registo disciplinar foram tidas em conta no acto impugnado, conforme nele ficou expresso (cfr. fls. 54 dos autos), e determinaram (ponderado igualmente o seu estado de saúde) que a pena de multa aplicada tenha sido graduada pouco acima do seu limite mínimo que é de 5 dias (cfr. arts. 166º, nº 1, al. b) e 168º do EMP).

3.4 Do erro na escolha da sanção disciplinar
Alega ainda o Autor que a sanção aplicada no acórdão impugnado é excessiva e potencialmente violadora do princípio da proporcionalidade.
E que, a pena disciplinar de 8 dias de multa aplicada é manifestamente desajustada à alegada culpa atribuída ao Autor, porque não atendeu ao disposto no artigo 20º do EDTFP, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro.
Alega, igualmente, que a pena aplicada ao Autor deveria ser declarada suspensa na sua execução, nos termos do artigo 25º, nº 1 do citado EDTFP, uma vez que a sua conduta profissional anterior e posterior às infracções e as circunstâncias em que as mesmas ocorreram, conduzem à conclusão que a mera advertência do comportamento violador dos deveres funcionais e a ameaça da sanção realizariam de forma adequada e suficiente a finalidade da punição.
A infracção disciplinar pressupõe, além de outros requisitos, a culpa do agente, que apenas tem lugar, quando este seja imputável, tenha agido com dolo ou negligência e não existam causas de exclusão da culpa (cfr. neste sentido o acórdão deste STA de 21.03.2006, P. 0708/03).
Conforme resulta do que atrás se disse a conduta do autor ao não ter obstado à ocorrência das prescrições dos processos criminais identificados nos autos é, efectivamente, negligente, e ofendeu os deveres funcionais indicados no ponto IX do acórdão impugnado. O autor questiona, sem razão, como vimos, que tivesse violado o dever de zelo, mas não imputa qualquer erro à decisão quanto à “violação do dever de prossecução do interesse público inerente à realização da justiça criminal, ao abrigo das disposições conjugadas nos artºs 1º, 3º, nº 1, alínea c), 64º, nºs 1 e 2, 162º e 163º todos do EMP” (cfr. ponto IX do acórdão).
Assim, o autor incorreu na responsabilidade disciplinar por que foi punido. Haverá, assim, que averiguar se a pena que lhe foi aplicada, é ilegal, por desproporcionada, sendo certo que já vimos que não se verificam circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar e que na medida da pena foram tidas em conta as circunstâncias atenuantes especiais.
Defende o Autor que, tendo praticado os factos quando se encontrava diminuído na sua capacidade de trabalho, evidenciando fadiga e apatia que permaneceram após um período de doença cardiovascular, a aplicar-se-lhe alguma sanção disciplinar, esta deverá ser a de “Advertência”.
Nos termos do disposto no art. 167º do EMP:
A pena de advertência consiste em mero reparo pela irregularidade praticada ou em repreensão destinada a prevenir o magistrado de que a acção ou omissão é de molde a causar perturbação no exercício das funções ou de nele se repercutir de forma incompatível com a dignidade que lhe é exigível.”.
E, o art. 180º do EMP, prevê o seguinte:
A pena de advertência é aplicável a faltas leves que não devam passar sem reparo.”.
Por sua vez, o art. 181º prescreve que:
A pena de multa é aplicável a casos de negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo.”.
Ora, o acórdão impugnado ao considerar aplicável a pena de multa fez uma correcta aplicação dos preceitos citados, já que, se está perante uma conduta negligente do autor que ao atrasar a tramitação dos inquéritos determinou que viesse a verificar-se a prescrição dos processos criminais em causa. O que não pode entender-se como falta leve, por frustrar a realização da justiça criminal que ao Ministério Público cabe prosseguir, enquanto responsável pelo exercício da acção penal.
Assim, só uma atenuação especial da pena levaria à substituição da pena de multa, adaptada ao caso, pela pena de advertência, que a antecede, sendo a mais leve das penas disciplinares.
Esta atenuação especial só se mostra possível se existissem “circunstâncias anteriores ou posteriores à infracção ou contemporâneas dela” que diminuíssem “acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do agente (cfr. art. 186º do EMP).
Ora, o acto impugnado afastou claramente que tal circunstancialismo existisse, juízo este que não se mostra inaceitável e violador do art. 20º do EDTFP (como do art. 28º do ED/84), já que as prescrições verificadas se deveram à forma como o autor organizou o seu trabalho, não cuidando de acautelar que não ocorressem, portanto, com culpa sua, que não se mostra acentuadamente diminuída. E, trata-se de matéria em que as prerrogativas de avaliação do órgão que decide só estão sujeitas à sindicância judicial em caso de erro flagrante.
No caso concreto, não se nos afigura estarmos perante qualquer erro flagrante nem na pena que se considerou aplicável, nem na sua medida, que ficou, como já dito, perto do mínimo previsto de cinco dias, tendo sido relevadas as atenuantes.
Como igualmente entendemos não existir qualquer erro grosseiro ao não se ter optado pela suspensão da pena, nos termos do art. 25º, nº 1 do EDTFP (cfr. igualmente o art. 33º, nº 1 do ED/84), cabendo igualmente essa opção nas referidas prerrogativas do órgão decidente.

Nestes termos, acordam em julgar improcedente a acção administrativa especial e em absolver o Réu do pedido.
Custas pelo Autor,

Lisboa, 15 de Setembro de 2016. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.