Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:065/21.1BALSB
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IRC
TAXA
FACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:Atento o disposto no nº 9 do artigo 8º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no nº 1 do art. 12º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 28 de Fevereiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei nº 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.
Nº Convencional:JSTA000P28578
Nº do Documento:SAP20211124065/21
Data de Entrada:05/25/2021
Recorrente:A……………….
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

“A……………., Sociedade em Nome Colectivo”, devidamente identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. nº 321/2020-T - que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela mesma relacionado com o despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes que indeferiu o pedido de revisão de acto tributário nº 1562201902000741, tendo por objecto o acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) de 2014, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, por se mostrar em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-04-2021, proferido no âmbito do Proc. nº 057/20.8BALSB, www.dgsi.pt.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

I. A Decisão Arbitral “sub-judice” enferma de manifesto erro na interpretação e aplicação da Lei n.º 82-8/2014, de 31 de dezembro, a qual alterou o artigo 87.º n.º 1 do CIRC.

II. Tanto na Decisão Arbitral em apreço, como no Acórdão fundamento, está em causa saber qual a taxa a aplicar ao período de tributação de 2014 nos casos em que o mesmo não coincide com o ano civil.

III. Quer na Decisão Arbitral, quer no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de abril de 2021, no âmbito do processo n.º 057/20.8BALSB, os Recorrentes invocam que a decisão da Administração Tributária e Aduaneira é infundada, na medida em que o apuramento da base tributável e da taxa aplicável são as definidas no âmbito da legislação em vigor no momento em que ocorre o facto gerador que, no caso do regime geral do IRC se considera verificado no último dia do período de tributação.

IV. Resulta da matéria de facto assente que, em ambos os casos, a Administração Tributária e Aduaneira justifica a denegação da aplicação da taxa de IRC de 21%, com a intenção do legislador que quis que a taxa de imposto constante no artigo 87.º, n.º1 do CIRC e fixada em 23%, se aplicasse aos períodos de tributação que se iniciaram em 2014 e completaram o seu ciclo de tributação anual em 2015, tal como o da Recorrente.

V. Neste âmbito, o Acórdão fundamento vem entender que “Atento o disposto no n.° 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, é aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.”

VI. O Acórdão fundamento, emitido pelo Pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de abril de 2021, no âmbito do processo n.º 057/20.8BALSB - já transitado em julgado - é anterior à Decisão Arbitral recorrida e veio fixar jurisprudência no sentido de ser aplicável a taxa de IRC de 21% sobre a matéria coletável apurada relativamente ao período de tributação de 2014, por sujeitos passivos cujos período de tributação não coincide com o ano civil, sendo ilegal qualquer decisão posterior tomada em sentido contrário.

VII. A não admissão do presente Recurso de Oposição de Acórdãos obstaria a que a Secção do Contencioso desse Venerando Tribunal aferisse, à luz da Lei e do direito aplicável, e aplicasse a Justiça material ao caso em apreço, substituindo a decisão em crise por Acórdão que confirme e aplique a decisão proferida para Uniformização de Justiça, precisamente com base nessa decisão contrária - inclusive - anterior à ora prolatada.

VIII. Atento o valor peticionado e a complexidade da questão em apreciação, pugnamos pela redução do valor das custas processuais, devidas nos autos, nos termos previstos no artigo 6.º n.º 7 do CCJ.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO AO CASO APLICÁVEIS QUE V. EXA., VENERANDO CONSELHEIROS, SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO, POR OPOSIÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL COM ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 25.º E 26º DO RJAMT, DO ARTIGO 152.º DO CPTA E 27.º N.º 1 ALINEA B) DO ETAF, POR SE VERIFICAREM OS RESPETIVOS REQUISITOS, SEGUIR OS DEMAIS TERMOS ATÉ FINAL E JULGAR-SE PROCEDENTE POR PROVADA, DETERMINANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE A CONSIDERE PROCEDENTE ACOLHENDO O ENTENDIMENTO QUE AO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2014 DA RECORRENTE, O QUAL TERMINOU A 28 DE FEVEREIRO DE 2015, SEJA APLICADA A TAXA DE IRC DE 21%, DETERMINADO A RESTITUIÇÃO DO MONTANTE DE 1.191.120,66€, ACRESCIDO DOS RESPETIVOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS, POR A DECISÃO REVIDENDA PADECER DE ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE DIREITO.

Com o que farão V. Exas., COLENDOS Conselheiros a habitual JUSTIÇA!”


O recurso foi admitido por despacho de 25-06-2021.

Foi cumprido o disposto no artigo 25º nº 5 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, anulando-se a decisão arbitral recorrida e reiterando-se a jurisprudência fixada no douto Acórdão fundamento.


Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.




2. FUNDAMENTOS

2.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão arbitral recorrida o seguinte:

“…

a. A Requerente, sociedade de direito português, dedica-se, fundamentalmente, ao comércio de produtos alimentares e de consumo, incluindo a venda de produtos e dispositivos médicos e de produtos, materiais e livros didáticos e de educação, restauração e bebidas, nas lojas “A…………” localizadas em território nacional.

b. Relativamente ao exercício de 2014 a Recorrente adoptou um período especial de tributação que não coincidia com o ano civil e cujo início ocorreu em 1 de Março de 2014 e o respectivo termo em 28 de Fevereiro de 2015.

c. No cumprimento das obrigações declarativas em sede de IRC, por referência ao exercício de 2014 (compreendido entre o dia 1 de março de 2014 e o dia 28 de fevereiro de 2015), a Requerente procedeu à entrega tempestiva da correspondente Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com o código de identificação n.º 1562-C6908-5, em 31 de julho de 2015 (Documento n.º 2).

d. Da apresentação da referida declaração de rendimentos resultou um lucro tributável de € 59.443.056,91 e um montante de IRC a pagar de € 4.861.637,06, o qual foi efetivamente liquidado pela Requerente, conforme consta da tendo da respetiva liquidação de IRC n.º 20152910438465, de 10 de agosto de 2015 (Documento n.º 3).

e. A Requerente entendeu que a autoliquidação enfermava de errónea quantificação no que respeitava ao lucro tributável apurado, nomeadamente, quanto ao montante dos benefícios fiscais face à majoração da criação líquida de emprego e no seguimento deste erro, procedeu à entrega tempestiva da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de Substituição, por referência ao período de tributação de 2014, identificada sob o n.º 1562-C6680-16, em 29 de julho de 2016 (Documento n.º 4). Da regularização supra referida, foi apurado uma matéria coletável de € 59.556.033,54 e um montante de IRC de € 4.897.055,23.

f. Neste sentido, foi emitida a liquidação de IRC n.º 20162910449506, em 2 agosto de 2016 (Documento n.º 5), da qual resultou um montante a pagar de IRC de € 1.415,03.

g. À matéria coletável apurada (no montante de €.59.556.033,54) foi aplicada, por definição da aplicação disponibilizada no Portal das Finanças para preenchimento da declaração Modelo 22, a taxa de IRC de 23%, não sendo possível à Requerente alterar tal taxa.

h. Da aplicação da referida taxa de 23% resultou uma coleta de IRC, no valor de € 13.697.887,71, bem como um valor de derrama estadual a pagar no valor de €.3.273.922,34.

i. Após as deduções do valor total das retenções na fonte, dos Pagamentos por Conta e Adicionais por Conta, tal como o acréscimo do valor relativo à derrama municipal e à tributação autónoma e aos respetivos juros compensatórios, foi, assim, apurado o valor a pagar de € 4.897.055,23.

j. Ao não se conformar com a taxa de IRC aplicada ao exercício de 2014, a Requerente deduziu em 19 de Abril de 2019 um pedido de revisão oficiosa (Documento n.º 1) tendo em vista o reembolso do montante de imposto liquidado em excesso no valor de € 1.191.120,66, cujo reembolso solicitou acrescido de juros indemnizatórios.

k. Em 23 de Janeiro de 2020 foi proferido despacho de indeferimento pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) do Pedido de Revisão de Ato Tributário n.º 1562201902000741 tendo sido o mesmo devidamente notificado à Requerente (Documento n.º 1).

III.1.2. Factos não provados

12. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

13. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que importam à decisão e determinar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo a obrigação de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, bem como às provas documentais por estas apresentadas, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Por sua vez, o acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto:
“…
a) A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto social a atividade de representação, produção, exportação, importação e comercialização de confeções e, nesse âmbito, como atividade principal o comércio de pronto a vestir de criança e adulto e acessórios sob a marca “B………………”. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]
b. Relativamente aos exercícios de 2014 e de 2015, a Requerente adotou um período especial de tributação, sendo que o exercício de 2014 teve início em 01.02.2014 e termo em 31.01.2015 e o exercício de 2015 teve início em 01.02.2015 e termo em 31.01.2016. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]
c. Até 2014, o capital social da Requerente foi detido pela sociedade “B…………….- Comércio e Indústria Têxtil, S.A.”, sendo participada, indiretamente, pelo Grupo C…………….[cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]
d. No decurso do exercício de 2014, concretamente a partir de 11.07.2014, em virtude da liquidação da sociedade “B……………, - Comércio e Indústria Têxtil, S A.”, a Requerente passou a ser detida pela “D………….., S.A.” (doravante, “D………………”), mantendo-se a participação indireta no capital por parte do Grupo C……………... [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]
e. Sendo a “D……………..” a empresa dominante de um grupo de sociedades, tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), a Requerente ficou integrada nesse mesmo Grupo. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]
f. A “D……………..” submeteu as declarações Modelo 22 de IRC, do Grupo, para os exercícios de 2014 e de 2015, considerando a Requerente como empresa-filha (dominada), o mesmo tendo acontecido com esta última que submeteu as respetivas declarações Modelo 22 de IRC para os exercícios de 2014 e de 2015 segundo o RETGS, indicando como sociedade-mãe a “D……………..”. [cf. documentos n.ºs 5, 6 e 7 anexos ao PPA e PA]
g) A coberto das Ordens de Serviço n.º OI201702628 e n.º OI20172629, a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, em sede de IRC, relativamente aos exercícios de 2014 e de 2015, no âmbito do qual foi elaborado o respetivo Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual, além do mais, foi aduzido o seguinte [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA e PA]:
«Nos termos da alínea b), do n.º 3, do artigo 69.º do CIRC:
"3 - A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;
c)
d) …” (sublinhado nosso)
No caso da E………….., o requisito da alínea b) não se verifica relativamente ao exercício de 2014, na medida em que a sociedade dominante (D……….) só passou a deter a E……………. em 11/07/2014. Esta é a data considerada para aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo que a lei determina que tenha de passar um ano sobre esta data para que a opção pela aplicação do RETGS possa ser formulada. Assim, só após 11/07/2015, é que a E……… estaria em condições de integrar o Grupo D…………. Por outro lado e uma vez que a E………….. tem período especial de tributação (PET) com início a 1 de fevereiro, só a partir de 01-02-2016 se pode considerar a E…………. como integrando o Grupo D…………….
Acontece que a D………….. submeteu as declarações Modelo 22 de IRC, do Grupo, para os exercícios de 2014 e 2015, considerando a E………….. como empresa-filha (dominada) quando tal ainda não era possível. O mesmo aconteceu com a E………… que submeteu as respetivas declarações Modelo 22 de IRC para os exercícios de 2014 e 2015 segundo o regime geral de tributação dos grupos de sociedades, indicando, como sociedade-mãe, a D…………, quando tal não poderia ter acontecido, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 69.º do CIRC.
Assim, visto que a situação descrita está sujeita a tributação e essa tributação terá de ser efetuada na esfera das duas entidades em referência, da seguinte forma:
• Na E………….., LDA NIF…………, através da liquidação de declarações individuais de rendimentos para os exercícios de 2014 e 2015, em substituição das anteriormente entregues cuja liquidação ocorreu em sede de regime especial de tributação de Grupo de sociedades;
• Na D………………, S.A. – NIF…………., através da submissão de novas declarações de rendimentos do Grupo uma vez que, nesses exercícios de 2014 e 2015, a E………… figurou como uma das empresas integrantes do Grupo quando tal não acontecia.»
h) No decurso do referido procedimento inspetivo, a Requerente apresentou novas declarações Modelo 22 de IRC, atinentes aos exercícios de 2014 e de 2015, a fim de serem alvo de liquidação a título individual, ou seja, de acordo com o regime geral de IRC. [cf. documentos n.ºs 5 e 8 anexos ao PPA e PA]
i) Nessa sequência, em 17.01.2019 foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2019 8510000430, referente ao exercício de 2014, nos termos da qual foi apurada matéria coletável no valor de € 2.008.154,53, coleta total no montante de € 616.767,22 e um valor a reembolsar de € 3.090,61. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
j) Como decorre da mencionada liquidação adicional de IRC, à matéria coletável apurada, no valor de € 2.008.154,53, foi aplicada, por definição do sistema informático da AT, a taxa de IRC de 23% à parte afeta ao Continente e à Região Autónoma da Madeira e a taxa de IRC de 18,40% à parte afeta à Região Autónoma dos Açores. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
k) Em 30.01.2019, a Requerente deduziu pedido de revisão oficiosa relativamente ao ato de liquidação adicional de IRC mencionado no facto provado i), nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, o qual foi autuado sob o n.º 3301201902000202 e correu termos na Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes. [cf. documento n.º 9 anexo ao PPA e PA]
l) No âmbito daquele pedido de revisão oficiosa, foi elaborado o projeto de decisão que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no sentido do respetivo indeferimento, com base na seguinte fundamentação [cf. documento n.º 10 anexo ao PPA e PA]:
«§IV. DA ANÁLISE DO PEDIDO
(…)
§IV.I. Do cálculo de imposto
§IV.I.I. Alteração da taxa de IRC - aplicação da lei no tempo
(…)
§IV.I.I.II. Da apreciação
26. De acordo com o entendimento da DSIRC constante da Informação n.º 1725/2016, sancionada por despacho da Subdiretora Geral de 04/05/2017, em direito fiscal o princípio da anualidade assume especial relevância no que respeita aos impostos sobre o rendimento, na medida em que segmenta em termos anuais o respetivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados (Artigo 8. do CIRC).
27. Assim, em sede de IRC, em conformidade com o princípio da anualidade dos impostos, estabeleceu-se que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil.
28. Com efeito, nos termos do artigo 8.º, n.º 1 do CIRC, o IRC é devido por cada período económico.
29. No caso em apreço, uma vez que a Requerente adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, o período de 2014 iniciou-se a 1 de fevereiro de 2014 e terminou a 31 de Janeiro de 2015.
30. Logo, a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, ou seja in casu em 2015, que para a Requerente iniciou-se em 1 de fevereiro de 2015.
31. Ora, todos os anos, no final do ano civil, com a publicação do Orçamento do Estado, se verificam alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se vão aplicar ao período de tributação do ano seguinte. E, não é por este facto, que o sujeito passivo, em virtude de ter um período de tributação diferente do ano civil, aplica as regras de um ano para a parte do período de tributação que decorre em determinado ano e as regras de outro ano para o período do ano seguinte.
32. De facto, ao período de tributação que se inicia em 1 de fevereiro de 2014 e termina em 31 de janeiro de 2015, aplicam-se as regras do CIRC em vigor no período de tributação de 2014 e, ao período de tributação que se inicia em 1 de fevereiro de 2015 e termina em 31 de janeiro de 2016, aplicam-se as regras do CIRC, em vigor para o período de 2015 e assim sucessivamente.
33. Pelo que, não se verifica qualquer questão de aplicação retroativa em relação ao IRC, uma vez que a obrigação tributária nasce depois da aprovação e publicação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro de 2014 isto é, o disposto no n.º 1 do artigo 87.º do CIRC apenas se aplica aos períodos de tributação com início em ou após 1 de janeiro de 2015.
34. Destarte, a taxa de IRC para o período de 2014 é de 23%, nos termos da redação em vigor para os períodos de tributação que se iniciassem em ou após 1 de Janeiro de 2014, dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que implementou a Reforma do IRC.
35. De facto, em conformidade com o disposto no artigo 14.º daquela lei: "Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de Janeiro de 2014”.
36. Por outro lado, tendo em conta a inexistência de disposição transitória relativa à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal, relativamente à Lei do Orçamento do Estado de 2015 é aplicável o artigo 12.º, n.º 2 da LGT sobre a aplicação da lei tributária no tempo, que dispõe. "Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”.
37. Desta forma, face à hipotética situação de ter havido o agravamento da taxa de IRC, ao contrário do que sucedeu, segundo a tese defendida pela Requerente, dever-se-ia ainda aplicar a nova taxa agravada a todo o período de 2014 que se iniciou em 1 de fevereiro de 2014.
38. Ora, obviamente tal não seria aceitável face ao princípio da não retroatividade dos impostos (artigo 103.º, n.º 3 da CRP).
39. Assim, não assiste razão à Requerente, sendo de aplicar a taxa de IRC de 23% ao exercício económico iniciado em 2014.
40. Cumpre ainda referir que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, designadamente pelo facto de a liquidação ora contestada não enfermar de qualquer erro ou vício imputável aos serviços, pugnamos, também pela improcedência do pedido de juros indemnizatórios.»
m) Por ofício, datado de 14.02.2019, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e para, querendo, exercer o direito de audição, o que a Requerente não fez. [cf. documento n.º 10 anexo ao PPA e PA]
n) Posteriormente, por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 13.03.2019, foi proferida decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, com a fundamentação constante da informação n.º 59-AIR1/2019 e que reproduz integralmente a supra referenciada no facto provado l). [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA]
o) A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa por ofício, datado de 13.03.2019, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA]
p) Em 14.06.2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD].

§2. FACTOS NÃO PROVADOS
20. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
21. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.”

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2.2. DE DIREITO

2.2.1.- Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

O presente recurso para uniformização de jurisprudência respeita à decisão arbitral proferida no processo nº 321/2020-T - que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela mesma relacionado com o despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes que indeferiu o pedido de revisão de acto tributário nº 1562201902000741, tendo por objecto o acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) de 2014, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, por alegada oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-04-2021, proferido no âmbito do Proc. nº 057/20.8BALSB (acórdão fundamento).

Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, na redacção aplicável, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

Como já foi enunciado, o presente recurso tem fundamento na oposição de julgados, impondo-se aferir previamente da verificação dos pressupostos substantivos de que depende o conhecimento do seu mérito. Que são, esquematicamente, os seguintes:

[1.º] que a decisão recorrida tenha apreciado o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);

[2.º] que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].

[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Avançando, diga-se ainda como se refere no Ac. deste Tribunal (Pleno) de 4 de Junho de 2014, Proc. nº 01763/13, www.dgsi.pt, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Tal significa que para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Analisando:
Desde logo, tal como refere a Recorrente, quer na Decisão Arbitral “sub-judice”, quer no acórdão fundamento do presente Recurso, a questão de fundo circunscreve-se à aplicação, ao lucro tributável apurado por referência ao período de tributação de 2014 - terminado já no decurso do ano civil de 2015, em ambos os casos - da taxa de IRC de 21% prevista no artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC, resultante da alteração introduzida pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado de 2015), ao invés da taxa de 23% prevista no artigo 87.º n.º 1, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, atendendo ao facto do período de tributação relativo ao exercício de 2014, da Recorrente, ter terminado em 28 de Fevereiro de 2015, não coincidindo com o ano civil e estando, nessa data, em vigor a nova taxa de IRC (de 21%), introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2015.

Pois bem, sendo patente a identidade factual nas situações versadas em cada um deles, também é manifesta a contradição entre os dois arestos no que tange à mesma questão fundamental de direito consubstanciada na determinação sobre se a taxa de IRC aplicável era a taxa de 21%, por ser a que estava em vigor no momento da verificação do facto tributário em sede de IRC (em 28 de Fevereiro de 2015), dado que a Lei do Orçamento do Estado para 2015, havia revogado a anterior redacção do artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC e, portanto, a anterior taxa de IRC de 23%, não tendo previsto quaisquer disposições transitórias relativas à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal ou, por outro lado, a de 23% anteriormente prevista.

Na verdade, a decisão Arbitral recorrida, considerou que “com o devido respeito pelas doutas decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos 179/2018-T, de 15 de outubro de 2018 e no âmbito do processo n.º 412/2019-T, de 20 de dezembro de 2019, adere-se à argumentação sufragada no âmbito do processo n.º 893/2019-T (a qual como vimos seguiu a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 411/2019-T), porquanto se considera que é esta que concretiza uma correta interpretação das normas aplicáveis e, consequentemente, uma correta interpretação do Direito” e que “o legislador quis que a taxa de imposto, constante do artigo 87.º, n.º 1 do Código do IRC e fixada em 23%, se aplicasse aos períodos de tributação, tais como o da Requerente, que se iniciaram em 2014 e completaram o seu ciclo de tributação anual, tornando-se exigíveis, em 2015.”.

Por seu lado, o Acórdão fundamento considera que “uma vez que o facto constitutivo da obrigação tributária ocorreu em 31/01/2015, termo do período anual de tributação por que optou a Recorrente e que nesse momento já estava em vigor a taxa de 21% prevista no artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redacção que lhe foi outorgada pela Lei n.º 87-B/2014, de 31/12, em vigor a partir de 01-01-2015, é esta a taxa aplicável para determinação do montante de imposto relativo ao exercício de 2014.” e ainda que “pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ser de carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que adoptaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil.”.

Diga-se ainda que, conforme resulta da decisão arbitral recorrida, esta aderiu à argumentação proferida no âmbito do processo n.º 893/2019-T, a qual, por sua vez, seguiu a decisão arbitral proferida no processo n.º 411/2019-T, tendo sido esta última a decisão arbitral cujo recurso para uniformização de jurisprudência deu origem ao Acórdão fundamento aqui invocado.

Assim sendo, afigura-se-nos que a questão fundamental de direito, foi decidida em sentido divergente, o que permite dar como verificada a desarmonia das decisões que justifica a prossecução do recurso por oposição de julgados, assim se devendo passar ao conhecimento do mérito do recurso.

2.2.2. - Do Mérito do Recurso:

Neste domínio, como é evidente, tendo presente que o Acórdão fundamento respeita a Acórdão recente (21-04-2021) do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, Proc. nº 57/20.8BALSB, vamos seguir a linha de análise vertida neste aresto (sem deixar de ter presente que o exercício em causa iniciou-se a 01 de Março de 2014 e terminou em 28 de Fevereiro de 2015), onde se ponderou que:

“…
Ponderemos então em que sentido deve ser solucionado o pedido de uniformização de jurisprudência entre as duas decisões arbitrais e cuja questão de fundo se circunscreve à aplicação da taxa de IRC - ou de 23% prevista no artigo 87.º n.º 1, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ou de 21% prevista no artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC resultado da alteração introduzida pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado de 2015) - atendendo ao facto de o período de tributação de 2014 da recorrente ter terminado em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, estando nessa data já em vigor a nova taxa de IRC de 21%, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015.
Na tese da recorrente, a Decisão Arbitral Fundamento considerou a lei nova e, portanto, a taxa de IRC de 21% imediatamente aplicável aos factos posteriores à sua entrada em vigor, uma vez que só no momento da verificação do facto gerador do imposto é que o facto tributário está total e integralmente completo e verificado, o que pressupõe necessariamente que a tributação seja feita de acordo com a lei que esteja em vigor nesse momento, isto é, no termo no exercício.
É que, aduz a Recorrente, no seu caso, precisamente pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ter carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que, como a Recorrente, adoptaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil.
Mais adita a recorrente que em matéria de aplicação da lei fiscal no tempo, dado que o legislador previu no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC que o facto tributário (de formação sucessiva) se produz no último dia do período de tributação, tal circunstância exclui a aplicação da regra prevista no artigo 12.º n.º 2 da LGT.
Já a recorrida AT assume a posição que é, de resto, a posição do EPGA, de adoptar a solução prescrita no acórdão recorrido.
Fazendo apelo à fundamentação desse aresto, dela brota claramente que foi adoptado o entendimento, contrariando até a fundamentação de outro acórdão arbitral proferido em primeira linha, de que não está em causa determinar se a taxa de IRC genericamente em vigor a 31 de Janeiro de 2015 era ou não 21%, nem aferir se o facto tributário sujeito a imposto pela liquidação impugnada se verificou naquela data, pois isso é inquestionável, mas, sim, aquilatar se, e em que termos, o aludido art.º 14.° estava, ou não, em vigor, no dia 31 de Janeiro de 2015.
Ora, no tangente a essa questão, expõem-se na decisão recorrida as razões porque considerou que «o art.º 14.º da Lei 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação», extraindo a conclusão de que, «aquele art.º 14.º se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, e, como tal, deve aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, que findou nesse ano.», e, ainda, que «não obstará, naturalmente, à conclusão retirada o disposto no art.º 12.° da LGT, na medida em que, como se expôs, o art.º 14.º em questão deverá ser entendido como uma norma especial, e, como tal, prevalecente na matéria que regula, relativamente àquele».
Coerentemente, ampara a decisão recorrida que «à luz da interpretação da norma do art.º 14.° da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao art.º 12.° da LGT, não será possível concluir que o art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele art.º 14.°, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação.
Deste modo, concluindo-se, nos termos expostos, que o art.º 14.° da Lei n.º 2/2014 se encontrava vigente a 31/01/2015, na parte em que impõe a aplicação do disposto naquela Lei à tributação em IRS e IRC que assente no período de tributação de 2014, haverá que concluir pela legalidade da atuação da AT, e pela consequente improcedência do pedido arbitral, incluindo os pedidos acessórios».
Entende-se, pois, na decisão recorrida, que a considerar-se que aquela norma vigorava a 31 de Janeiro de 2015, por força da mesma, ter-se-á de considerar que a taxa de imposto aplicável era, ainda, a instituída na Lei que a consagra pelo que importará, numa primeira plana, começar por definir o sentido e alcance do questionado art.º 14.º.

Aqui chegados, é altura de procurar classificar a norma para a sua correcta interpretação.
Ora, tradicionalmente, para além de outras delimitações irrelevantes para o caso em apreço, as normas jurídicas classificam-se em gerais, excepcionais e especiais.
As normas gerais são as “que correspondem a princípios fundamentais do sistema jurídico e por isso constituem o regime-regra do tipo de relações que disciplinam” – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, Coimbra Editora, 1973, 6.ª edição revista e ampliada, volume I, página 76.
“Excepcionais são, pelo contrário, as normas que, regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundadas em razões especiais, privativas daquele sector de relações.” Ibidem.
Finalmente, as normas especiais são as que “representam, dentro dessa classificação tripartida, os preceitos que, regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral”. Ibidem, página 79.
Assim, a doutrina considera disposições, normas ou mesmo leis excepcionais, aquelas que regulam, por modo contrário ao estabelecido na lei geral, certos factos ou relações jurídicas que, por sua natureza, estariam compreendidos nela; aquelas que precisamente se desviam dos princípios gerais, contrariando as últimas consequências que de tais princípios deveriam logicamente derivar, referindo-se a certas relações sociais que, por sua vez, também se desviam do tipo comum, assumindo uma índole especial ou seja, o direito comum é o direito de um género de relações jurídicas e o excepcional ou anómalo o de uma espécie dentro do género (CABRAL DE MONCADA); aquelas que consagram para certos casos, soluções contrárias às dos princípios gerais de direito admitidos em determinado sistema, revelando-se o carácter excepcional da norma algumas vezes do seu próprio contexto, outras resultando do comando que a contém (RODRIGUES BASTOS); ou aquelas que regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundada em razões especiais, privativas daquele sector de relações (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA).
“Há um certo parentesco entre as normas (ou leis) excepcionais e as normas (ou leis) especiais, mas também existem diferenças profundas. “O que distingue a norma geral da especial é que esta regula matérias ou assuntos diversos das reguladas por aquela, podendo deixar de ser opostas e incompatíveis as respectivas disposições. Pelo contrário, o objecto da lei excepcional é o mesmo da lei geral; simplesmente esta deixa de ser aplicada em certos e determinados casos que, sem a lei excepcional, seriam regulados pela lei geral; de modo que o preceito da lei excepcional é o oposto ou contrário ao da lei geral” (JOSÉ TAVARES).
“Adentro de todos os grupos mais ou menos vastos de relações jurídicas, há outros institutos ou grupos dessas relações cujas normas especiais se afastam das normas do tipo comum em que entram sem constituírem por isso um direito excepcional. Para achar o conceito de direito excepcional, devemos sempre atender, não às particularidades técnicas da regulamentação de cada instituto, ou figura jurídica, dentro de um grupo mais vasto de relações jurídicas, mas à índole especial dos grandes grupos de relações sociais que por razões de utilidade pública exigem uma regulamentação e um direito também excepcionais (CABRAL DE MONCADA)
“Enfim, as normas especiais representam, dentro da classificação tripartida (gerais, excepcionais, especiais) “os preceitos, que regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA)”.
As concepções antes ditas encontram-se nas seguintes obras e pela ordem indicada: Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs.; Lições de Direito Civil (Parte Geral), vol. I, Coimbra, 1959, págs. 42 e segs.; Das Leis, sua interpretação e aplicação (segundo o Código Civil de 1966), 1967, pág. 45; e Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1965, págs. 76 e segs.
Adita-se ainda que, evocando o ensinamento de DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321. “(...) o conceito de lei é um conceito relacional, ou seja, não há normas em si mesmas gerais ou especiais, mas antes relações de espécie e género, ou de especialidade e generalidade, entre determinadas normas ou, determinadas matérias normativamente reguladas” .
O conceito de que se parte para a distinção das normas em gerais e especiais refere-se, pois, ao seu domínio de aplicação, devendo assim considerar-se especiais aquelas cujo domínio de aplicação se traduz por um conceito que é espécie em relação ao conceito mais extenso que define o campo de aplicação da norma geral e que figura como seu género.
Nisto consiste a relação lógico-jurídica de especialidade, aditando o mesmo doutrinador que:
“As normas especiais podem configurar-se como desenvolvimentos destinados quer a concretizar princípios gerais ou como complementos deles, quer a integrar os aspectos específicos não contemplados naqueles mesmos princípios, mas também podem apresentar-se, em um ou outro ponto, como desvio ou derrogação aos princípios gerais.
Estas observações respeitantes à diversidade das funções das normas especiais (complemento, integração, derrogação) mostram como podem ser distintas, segundo tais funções, relações lógico-jurídicas intercorrentes entre as normas gerais e as especiais. Tais relações serão de cumulação quando se trate de normas especiais complementares ou integrativas, mas já serão de conflito quando se trata das normas especiais derrogatórias”.
Na sua forma pura, o relacionamento entre lex specialis e lex generalis pressupõe uma antinomia ou contradição normativa, isto é, a imputação, por duas normas, de soluções diferentes (embora referíveis a um mesmo princípio geral) para um mesmo caso (vide SÉRVULO CORREIA, A arbitragem voluntária no Domínio dos Contratos Administrativos, Estudos em Memória do professor Doutor JOÃO CASTRO MENDES, sem data (1995), pp. 240-241, citando BYDLNSKI, Juristische Methodenlehe und Rhtsbegriff, Viena-Nova Iorque, 1982, p. 465, OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 1987, p. 486, e SANTIAGO NINO, Introduccion al Análisis del Derecho, Barcelona, pp. 272-278.”
Volvendo ao caso controvertido e tendo em conta tais princípios e a sua doutrinação, seguindo a tese da recorrida, temos que da mera literalidade do normativo decorreria que, no caso de entidades como a Requerente, que tivessem um período de tributação em IRC não coincidente com o ano civil, se aplicariam as normas da Lei 2/2014, relativamente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014, mesmo que relativos ao exercício de 2013. E ainda se extrairia que as normas da Lei 2/2014, por força do seu art.º 14.º, se aplicariam aos exercícios e factos tributários, ocorridos nos exercícios e anos de 2014 e seguintes, e portanto, abrangendo o facto tributário em causa no presente processo arbitral, a menos que se concluísse que aquele artigo 14.º havia sido revogado.

Nesse conspecto, o tribunal arbitral recorrido exteriorizou a necessidade de, em vista da correcta exegese do art.º 14.º da Lei 2/2014, de o intérprete recorrer a outros elementos que não a letra da lei, mormente à logicidade e teleologia normativa do preceito no segmento que apresenta o seguinte teor, “aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram”.

Nesse sentido, revela-se para nós coerente – o que não significa assertivo - o juízo formulado pelo decisor de que deverá atender-se a que a Lei 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, impostos estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas), o que inculca que a referência a “períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram” se não deva ter por alternativa, mas como tendo uma relação de subsidiariedade entre si.

Dito de outro modo: para a decisão sob escrutínio, o que o art.º 14.º da Lei 2/2014 pretenderá dizer é que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando esta assente naqueles, e aos factos tributários, quando a tributação não tenha por base aqueles.

Cabe também destacar o raciocínio da decisão recorrida no tocante à compulsação do elemento sistemático da hermenêutica do inciso legal, no sentido de que deve ser qualificado como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, que, o que ao caso releva, textua:

“1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.

2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”

Daí que para a decisão recorrida e para a recorrida AT e a EPGA, o discutido art.º 14.º veio dispor sobre o âmbito da vigência temporal das disposições da Lei que integra, e apenas se pode explicar como tendo subjacente o propósito de dispor na matéria de modo distinto do que resultaria da aplicação da referida norma da LGT.

A ser assim, conclui a decisão recorrida apoiada pela AT e pelo Ministério Público, que o art.º 14.º da Lei 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se aplicam ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação.

Tal entendimento seria potenciado pelo facto de que inexiste qualquer norma que tenha revogado expressamente aquele art.º 14.º, mormente a Lei n.º 82-B/2014, força a conclusão de que o art.º 14.º da Lei 2/2014 se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, pelo que é aplicável ao período de tributação de 2014 da Requerente, apesar deste somente ter findado na citada data de 31/01/2015.

Isso fundamentalmente porque, in casu, não regeria o disposto no art.º 12.º da LGT, dada a natureza de norma especial que o dito art.º 14.º assume perante os subsídios doutrinários supra citados, sendo, por isso, prevalecente na matéria que regula, não cedendo perante qualquer conclusão que se possa retirar do art. 12º da LGT.

Com efeito à guisa de sinopse breve, como veio de demonstrar-se, são amplamente conhecidos dois dos principais princípios da hierarquização das normas: o princípio de que a lei especial derroga a lei geral e de que a lei posterior derroga a lei anterior.
Estabelecem estes princípios, respectivamente, que:
(i) em tudo quanto uma lei geral se encontre em contradição com uma lei especial, valerá a lei especial;
(ii) em tudo quanto uma lei anterior se encontre em contradição com uma lei posterior, valerá a lei posterior.
Mas será que o polemizado artigo 14.º terá de ser classificado como norma especial, a qual, seguindo a lição de DIAS MARQUES DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321, mais não configura do que um desvio aos princípios gerais, complementando-os nos casos especiais que abarca, já que não se mostra oposto nem incompatível no confronto com esses mesmos princípios gerais? (Vide JOSÉ TAVARES, Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs).
Noutra vertente, há ainda que atentar no expendido na decisão recorrida no sentido de que a Lei do Orçamento para 2015 não inclui nenhuma norma que revogue, expressamente, o disposto no referido art.º 14.º, sendo que, a ausência de norma transitória, invocada pela Requerente, e notada na decisão arbitral supracitada, não deverá, de per si, ter-se como patenteando uma intenção revogatória.

É que, a existência de intenção inequívoca do legislador deve assentar em referência expressa na própria lei ou, pelo menos, em um conjunto de vectores tão incisivos que a ela equivalham (cfr. Menezes Cordeiro, Da Aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias in Cadernos de Ciência e Legislação nº 7, 1993, págs. 17 e ss).
Acresce ainda segundo a decisão recorrida sufragada pela AT e pela EPGA, que o art.º 14.º em questão, não se reportará exclusivamente, à alteração da taxa de IRC operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, abrangendo todas as alterações em matéria tributária, consagradas pela mesma Lei, a maioria das quais continua em vigor, pelo que qualquer revogação que se possa equacionar daquela norma seria, meramente parcial.

Assentando em tal ângulo, sustenta-se no discurso da decisão sob escrutínio que “…, o único entendimento possível que se concebe neste domínio, seria o de que art.º 14.º em causa foi parcialmente revogado, na parte em que impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, e que tal revogação não se poderá retirar senão da entrada em vigor do art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, que alterou, novamente, aquele mesmo art.º 87.º/1 do CIRC.

Estaríamos, portanto, perante um caso de revogação tácita parcial da supra referida norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, na parte em impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º daquela mesma Lei.

Assim, como ensinava o insigne Mestre João Baptista Machado, “A revogação pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). É (...) tácita quando resulta de incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas”.

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2007, proferido no processo 4117/2007-7:

“A revogação, que ora nos ocupa, pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei, e pode ser expressa ou tácita, total ou parcial.

Da revogação que ora tratamos, a tácita, é resultante da incompatibilidade entre as disposições novas e as anteriores, ou ainda, quando a nova lei regula toda a matéria (substituição global).

Todavia, este juízo de incompatibilização decorrente da abrogação tácita entre a lei antiga e a nova lei não surge sempre em segurança para o intérprete. Se a nova lei geral sucede a uma especial, a regra é da coexistência, mas o inverso é duvidoso.

No nosso sistema jurídico vigora a presunção da subsistência do regime especial perante alteração de norma geral-artº 7, nº 3 do CCivil – só cederá perante uma interpretação segura, inequívoca da intenção revogatória do legislador.

Como proceder então perante esta aparente coexistência de normas reguladoras da mesma situação? A solução dependerá caso por caso de identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.”.

Efectivamente, julga-se ser este o critério a seguir na delimitação do âmbito de uma revogação tácita, ou seja, dever-se-á identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.

Ora, vistas as coisas assim, e à luz da interpretação da norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, não será possível concluir que o art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele art.º 14.º, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação.”

Na decisão recorrida também é afirmado e é perfilhado pela AT e pela EPGA – diga-se que, em abstracto, assertivamente – que em direito fiscal vigora o princípio da anualidade que se reveste de extrema importância no tangente aos impostos sobre o rendimento, porquanto segmenta em termos anuais o respectivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados (Artigo 8.º do CIRC).

Vejamos, então, de que lado está a razão nas vertentes assinaladas.
A regra geral em IRC, por força do referido princípio da anualidade dos impostos, é a de que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil, sendo o IRC devido por cada período económico (cfr. artigo 8.º, n.º 1 do CIRC).
Como sobejamente visto a Recorrente adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil, tendo-se iniciado o período de 2014 a 1 de Fevereiro de 2014 e terminado a 31 de Janeiro de 2015.
Significa que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, no caso concreto, em 2015, que para a Recorrente teve início em 1 de Fevereiro de 2015?
Como é sabido, no final de cada ano civil, com a publicação do Orçamento do Estado, são introduzidas alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se vão aplicar ao período de tributação do ano seguinte.
No caso sub judice o litígio acaba por circunscrever-se à determinação da taxa de tributação aplicável, em sede de IRC à ora Recorrente que adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil estando em vigor, no momento em que esse período de iniciou, uma taxa de 23% e, no momento do seu termo, uma taxa de 21%. Dito de modo mais singelo: cumpre aferir se a taxa aplicável é a que vigora no momento em que se inicia o período de tributação ou aquela que está em vigor no seu termo.

Na estrutura do IRC, estatui o artigo 1.º do respectivo Código que este i imposto incide sobre os rendimentos obtidos no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, explicitando o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), que o rendimento tributável, no caso de sociedades comerciais, é constituído pelo lucro que o n.º 2 do mesmo preceito legal define como a “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código.”

E o lucro tributável das pessoas colectivas, determinado a partir do resultado líquido do exercício, “ é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.” (cfr. artº 17.º, n.º 1, do CIRC).

O período de tributação segue a regra da anualidade, sendo, em princípio, coincidente com o ano civil, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 8º do mesmo Código, salvo nos casos expressamente elencados no artigo 8º, n.ºs 4 e 8 – anos do início e cessação de atividade, mudança de período de tributação, sujeição e cessação das condições de sujeição a imposto num mesmo ano, liquidação de pessoa colectiva.

Não obstante, consoante o disposto no n.º 2 do mesmo inciso legal, é facultado às pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as pessoas colectivas ou outras entidades sujeitas a IRC que não tenham sede nem direcção efectiva neste território e nele disponham de estabelecimento estável, a possibilidade de adoptarem um período anual de imposto não coincidente com o ano civil, na condição de o mesmo coincidir com o período social de prestação de contas e de dever ser mantido durante, pelo menos, os cinco períodos de tributação imediatos.

Salvo tratando-se de rendimentos obtidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, catalogados no artigo 8.º, n.º 10, estabelece o n.º 9 do mesmo preceito que “O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação.”

E, por injunção normativa do artigo 36.º, n.º 1, da LGT, é o facto gerador, normalmente designado por facto tributário, quer seja instantâneo, quer seja referido a um determinado período temporal, que determina a constituição da relação tributária.

No que para o caso releva, por força do prescrito no n.º 9 do artigo 8.º do CIRC, a relação jurídica tributária, constitui-se no último dia do período de tributação, o que corresponde a dizer que o facto tributário só se completa no último dia do período de tributação.

Por assim ser, adversamente ao sustentado pela recorrente o apuramento da base tributável e da taxa aplicável são as definidas no âmbito da legislação em vigor no momento em que ocorre o facto gerador que, no caso do regime geral do IRC se considera verificado no último dia do período de tributação.

Na verdade, ao prescrever-se no já referido artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC, que "O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação" procurou o legislador impedir a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LGT que, como já visto, firmava uma regra para a aplicação da lei no tempo em caso de impostos periódicos (como são, por natureza, os impostos sobre o rendimento): "Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.".

Sincronicamente, a fixação do facto de tributário no último dia do período de tributação, vai colocar o problema da sucessão da lei mais favorável no tempo no âmbito do n.º 1 daquele artigo da LGT, o qual, salvo na existência de norma que o afaste, fixa que: "As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos."

Ora, o que tal significa é que, para um período de tributação (como sucede com o da Recorrente) iniciado em 1 de Fevereiro de 2014 e que termina a 31 de Janeiro de 2015, o facto tributário só se pode considerar verificado nesta última data.

A frase latina pro rata temporis, em particular em direito e economia, refere-se à distribuição de um valor monetário em segmentos de tempo correspondentes à duração desses segmentos de tempo. Pro rata também significa por proporção pelo que é uma divisão de um valor de acordo com a proporção determinada, é o rateamento do valor, usando como referência a proporcionalidade.

E, pelo acima exposto, nem sequer uma repartição do lucro tributável pro rata temporis (tal como enunciada pelo artigo 12.º, n.º 2 da LGT) é aqui aplicável.

Por esse prisma, é forçoso concluir que a lei aplicável é precisamente aquela que se encontrava plenamente em vigor à data da verificação do facto tributário, propendendo nós a considerar que era a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que estabelecia como taxa de IRC aplicável a taxa de 21%, soçobrando a tese da decisão recorrida quanto à especialidade normativa acima escalpelizada.

Na verdade, a Lei n.º 2/2014, de 16/01, modificou a redacção do artigo 87.º, n.º 1 do CIRC, aí passando a constar que “A taxa do IRC é de 23 %, excepto nos casos previstos nos números seguintes.”

E no tangente à sua aplicação no tempo, concilia o artigo 14.º da aludida Lei que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.”

Resulta cristalino que a norma em exame, na sequência, aliás, de legislação anterior sobre a aplicação temporal de taxas de IRC em caso de alteração destas, se aplica aos períodos de tributação iniciados em 1/01/2014.

Aliás, mais diremos que, ao invés da posição sufragada na decisão recorrida, é nosso entendimento que a referência aí feita aos efeitos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 (que procedeu à Reforma do IRC) não abona em favor da aplicação da taxa de 23% que passou a vigorar por força de tal Lei.

É que tal disposição especial de aplicação da lei fiscal no tempo tem óbvias semelhanças com dispositivos similares que, ao longo do tempo, foram sendo introduzidos no ordenamento fiscal para regular as alterações de taxas de IRC.

Foi o que sucedeu com (i) - o artigo 41.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, alterou o artigo 69.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa do IRC é de 36,5%, sendo que o n.º 3 do mesmo artigo 41.º determinava: “O disposto no n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC, com a redação dada pela presente lei, é aplicável aos rendimentos obtidos em períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de janeiro de 2000.”; (ii) - o artigo 32.º, n.º 1, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, alterou o então artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, tendo este passado a estatuir que a taxa de IRC é de 30%, sendo que o n.º 7 do mesmo artigo 32.º estipulava o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2002.”; (iii) - o artigo 30.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, alterou o artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 25%, estipulando o n.º 2 do mesmo artigo 30.º o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2004.”; (iv) - o artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, alterou o então artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 23%, determinando o artigo 14.º do mesmo diploma legislativo, na parte que aqui importa considerar, que “a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.”.

Ora, é precisamente pelo facto de a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, não dispor de semelhante disposição que se levanta toda a presente questão: com a entrada em vigor da nova lei, a sua aplicação vale para os novos factos tributários (como aqueles que ocorrem em 31 de Janeiro de 2015).

Enfatiza-se que a norma em causa contém um segmento que não pode descurar-se e que é decisivo: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º.” o qual, no atinente à evolução das taxas de IRC, no sentido da sua progressiva redução, prescreve:

“ 1 - Tendo em conta os resultados alcançados pela reforma da tributação do rendimento das pessoas colectivas operada pela presente lei e em função da avaliação da evolução da situação económica e financeira do país, a taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC deve ser reduzida nos próximos anos, ponderando, simultaneamente, a reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução das taxas destes impostos.

2 - A redução da taxa de IRC prevista no número anterior para 21 % em 2015, bem como a sua fixação num intervalo entre 17 % e 19 % em 2016, será objeto de análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma a constituir para o efeito.”

Assim, nesse preceito a dita Lei previa já uma redução geral da taxa normal de IRC ao longo dos próximos anos e, ainda que dependente de determinadas condições, uma possível redução de taxa de IRC para 21% já em 2015.

Ou seja, e em reforço do que já antes se disse, a norma ínsita no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, que rege sobre a sua aplicação no tempo, ao antecipar expressamente que a alteração de taxa aplicável aos exercícios iniciados em 2014 se faz “sem prejuízo” do disposto no artigo 8.º albergará a possibilidade de concretização da prevista redução de taxa para os próximos anos e, particularmente, da redução para 21% em 2015.

Nesse sentido, pontifica o facto de a prevista redução da taxa de IRC para 21% ter sido concretizada pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, que alterou a redacção do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC.

Sendo embora certo que a lei é omissa quanto à sua aplicação temporal, haverá que concluir que a nova taxa é aplicável nos termos gerais, isto é, a todos os factos tributários que ocorram em ou após o seu início de vigência, conforme decorre do regime geral da aplicação no tempo da lei tributária, consagrado no artigo 12.º da LGT.

Assim, em consonância com o artigo 103.º, n.º 3, da CRP que estabelece o princípio da proibição da retroactividade em matéria tributária e com o princípio consagrada no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, prevê no seu n.º 1: “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.”

Tal interpretação é consentânea com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, com o da aplicação imediata mas com respeito pela validade dos actos já praticados, com a letra da lei e com os princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no artº 12º do Ccivil.

Na parte final do nº 1 deste preceito consigna-se que «ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular».

Preocupado com a tutela da confiança, segurança e estabilidade dos efeitos jurídicos já produzidos pelos factos, apenas os considera dignos de protecção à luz da lei sob a qual foram produzidos quando deliberadamente seja outra a vontade do legislador expressa na lei nova e conquanto ela não ofenda qualquer princípio constitucional (cfr. artºs. 277º e 207º da Constituição da República).

Seguindo essa linha de raciocínio a Lei Nova só seria aplicável aos actos constituídos antes da sua entrada em vigor se fosse essa a vontade expressa do legislador.

Essa vontade está inequivocamente afirmada como se viu, devendo resolver-se a dúvida, se a houvesse - e não há - com a ressalva de retroactividade constante do nº 1 do artº 12º do Ccivil.

Coloca-se aqui a questão de saber quando é que se entendem produzidos pelos factos que a lei visa regular os efeitos jurídicos, a que o Prof. J. Baptista Machado dá resposta na sua obra «Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil», pág. 125:

«Um efeito de direito produziu-se sob o domínio da LA quando na vigência desta lei se verificaram o facto ou os factos que, de acordo com a respectiva hipótese legal da LA, o desencadeiam».

Assim e ainda de acordo com Baptista Machado, in ob. cit., págs. 99, 100 e Introdução. pág. 234, a lei nova respeita integralmente as situações jurídicas constituídas «ex lege », por força da verificação de certos factos. Por tal razão, além de acobertada dentro da ressalva da parte final do nº 1, também se acha englobada na previsão do nº 2, primeira parte, do referido artº 12º do C. Civil.

Deve por isso concluir-se que a Lei Nova ao dispor sobre os efeitos dos factos, apenas visa os factos novos e que, assim, é inaplicável às situações por ele previstas cujos pressupostos, segundo a lei antiga, ocorreram sob o domínio desta lei, só se aplicando aquele às situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respectiva previsão legal a partir do início da sua vigência.

Estamos, no entanto, perante um imposto periódico, em que o facto tributário é de formação sucessiva e o n.º 2 do artigo 12º da LGT consagra um critério de “pro rata temporis” prevendo:

Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”

O critério do pro rata temporis já foi por nós afastado mas, em reforço argumentativo, diga-se ainda que no campo da tributação do rendimento das pessoas colectivas, que é aquele em que nos encontramos, deparamo-nos com um imposto tributo de periodicidade anual em não se tributa cada rendimento isoladamente mas o englobamento de todos os rendimentos auferidos no período de tributação, deduzidos dos gastos inerentes, obtendo-se um resultado líquido apurado em conformidade com as normas contabilísticas e sujeito a correcções expressamente previstas no respectivo Código.

Todavia e como já se demonstrou, a regra geral compreendida na norma do n.º 2 do artigo 12.º da LGT soçobra face à determinação consagrada no artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC.

É que, no que concerne à aplicação da lei no tempo e em acatamento do princípio constitucional da proibição de retroactividade da lei fiscal, deve entender-se que a aludida norma do CIRC consagra, uma solução específica prevendo que o facto gerador da obrigação de imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação o que vale por dizer que a lei nova, dada a inexistência de disposição legal em sentido diverso, será aplicável aos factos geradores que ocorram a partir do momento em que a mesma entra em vigor.

Destarte e em vista do caso concreto, uma vez que o facto constitutivo da obrigação tributária ocorreu em 31/03/2015, termo do período anual de tributação por que optou a Recorrente e que nesse momento já estava em vigor a taxa de 21% prevista no artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redacção que lhe foi outorgada pela Lei n.º 87-B/2014, de 31/12, em vigor a partir de 01-01-2015, é esta a taxa aplicável para determinação do montante de imposto relativo ao exercício de 2014.

Daí que seja de seguir a doutrina do acórdão fundamento e validar a tese recorrente apoiada nas seguintes asserções:

- pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ser carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que adoptaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil;

- em matéria de aplicação da lei fiscal no tempo, dado que o legislador previu no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC que o facto tributário (de formação sucessiva) se produz no último dia do período de tributação, tal circunstância exclui a aplicação da regra prevista no artigo 12.º n.º 2 da LGT;

- assim, atento o disposto no n.° 9 do artigo 8.º do Código do IRC, a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, é de excluir a aplicação da regra pro rata temporis constante do n.º 2 do artigo 12.° da LGT o que traz implicado que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período de tributação em que entra em vigor, uma vez que só no seu termo é que esses factos e situações adquirem a sua configuração integral, pelo que a sua tributação deve ser efetuada em consonância com a lei em vigor no termo do período de tributação;

- no domínio da tributação do rendimento das pessoas colectivas, por força do conceito, da configuração e do âmbito do facto gerador do imposto, o legislador consagrou uma regra especial quanto à aplicação da lei fiscal no tempo e à retroactividade. E esta regra especial resolve directamente os problemas de sucessão de normas fiscais no tempo em matéria de tributação (como o do presente caso e afasta a regra geral constante do artigo 12.º n.º 2 da LGT;

-destarte, como o período de tributação de 2014 da recorrente terminou em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, e nessa data já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015, era essa a taxa aplicável;

-nesse sentido pontificam as considerações doutrinais do Professor Doutor Rui Duarte Morais no sentido de que “ (…) O que resulta coerente com a anualidade dos impostos (desde logo, com a alterações que são introduzidas na lei fiscal por força da Lei do Orçamento, também ele referido a um ano civil). Significa isto que aos sujeitos passivos cujo exercício não coincida com o ano civil serão aplicáveis, no cálculo do lucro tributável e do imposto a pagar relativamente a cada período de doze meses, regras diferentes daquelas a que está sujeita a generalidade dos sujeitos passivos. (...).”. (cfr. Apontamentos ao IRC, Reimpressão da edição de Novembro 2007, Almedina, 2009, págs. 47 e 48);

Por isso, e em conclusão, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015. …”

Perante o carácter assertivo do que ficou exposto e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, sem olvidar o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, resta apenas secundar o que ficou ali consignado, até porque subscrito pela esmagadora maioria dos Srs. Conselheiros que prestam serviço na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o que significa que o recurso será provido, reiterando a jurisprudência fixada no sentido de que: “Atento o disposto no nº 9 do artigo 8º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no nº 1 do art. 12º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 28 de Fevereiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei nº 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.”


3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso e anular a decisão arbitral recorrida.
Custas pela Recorrida, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelo montante superior a € 275.000, em virtude de o presente Acórdão ser meramente remissivo, o que configura a menor complexidade da causa para este efeito bem como, por não se descortinar na tramitação dos autos seja merecedor de censura o comportamento processual assumido pelos directos intervenientes [cf. art. 527º nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 281º do CPP, e art. 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais].

Notifique-se. D.N..

Comunique ao CAAD.

Lisboa, 24 de Novembro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.