Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02887/13.8BEPRT
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI
Sumário:I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.
II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou
Nº Convencional:JSTA000P26608
Nº do Documento:SA22020102802887/13
Data de Entrada:06/26/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2887/13.2BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 Inconformada com a sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2003 com fundamento em caducidade do direito à liquidação, veio a Fazenda Pública interpor recurso para este Supremo Tribunal.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«a) O presente recurso tem por questão central saber se os encargos financeiros suportados pela A……….., no exercício em causa, na sequência de uma operação de fusão inversa poderiam ou não ser considerados fiscalmente na determinação do lucro tributável daqueles exercícios.

b) De facto, entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por posição contrária, que, nesta matéria, a douta sentença enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que efectuou um errado enquadramento da matéria em questão, na parte em que julgou a impugnação procedente.

c) Com efeito, e quanto ao ponto da matéria aqui controvertida, a Mma. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto defendeu, por um lado, na sua douta sentença, que “para se obter o desiderato da neutralidade fiscal das operações de fusão de sociedades comerciais, o legislador optou pelo critério ceteris paribus, isto é, de tudo se passar como se a fusão não tivesse ocorrido (prevenindo desse modo também eventuais abusos na operação” (cfr. p. 37 da referida sentença), e que, por outro lado,

d) “a admissibilidade da despesa ou gasto deve ser aferida no momento em que foi contraída, isto é, independentemente do momento em que a “obrigação” se vence para efeitos de especialização dos exercícios e do correspectivo apuramento do lucro tributável” (cfr. p. 38).

e) Argumentando, ainda, que “[a] fusão por incorporação na A………… não poderá, sob pena de subversão dos princípios de neutralidade fiscal das operações de concentração societária, mudar a admissibilidade da relevância como custos dos referidos encargos.(…) Com efeito, e como se explicitou anteriormente, com a operação de fusão a esfera jurídica das sociedades fundidas altera-se, passando a ter contornos distintos mas as relações jurídicas que estas detêm, enquanto feixe de deveres e direitos, permanece inalterado. (...) Desse modo, a sociedade incorporante deverá poder deduzir aos seus proveitos, os custos em que efectivamente incorre e na estrita medida em que estes eram admissíveis antes da fusão ter ocorrido, tudo se passando como se não houvera a fusão”.

f) E conclui o seu raciocínio, referindo que “[c]onsiderar que, como o objecto da operação se encontra esgotado, os encargos daí decorrentes não são actualmente imprescindíveis para a realização de proveitos sujeitos a imposto, devendo ser desconsiderados, é o mesmo que considerar que, se uma sociedade alterar o seu ramo de actividade, todos os custos anteriormente incorridos deixam de ser fiscalmente relevantes por não se integrarem no último escopo social”.

g) Assim, determinou o Tribunal a quo que a operação de fusão (inversa) em causa não viola o disposto no art. 23.º do Código de IRC (CIRC), julgando, em conformidade, a impugnação aqui em questão procedente, com a consequente anulação da fixação da matéria tributável à Impugnante (relativa ao exercício de 2007).

h) Ora, entende a Fazenda Pública que tal decisão enferma de erro de julgamento, na parte respeitante às correcções à matéria colectável atinentes ao exercício de 2007, por errada consideração ou análise da matéria em questão.

i) Pese embora o acerto da argumentação, em termos abstractos, o facto é que a mesma falha o alvo no que concerne ao presente processo de impugnação.

j) Com efeito, não estamos, nos presentes autos, perante uma fusão comum ou directa, como entende a Mma. Juíza na douta apreciação que fez, mas ante uma fusão inversa, o que acarreta uma alteração dos pressupostos e dos efeitos.

k) Na realidade, no âmbito da presente impugnação, estão em causa os encargos de financiamento contraídos para a aquisição das acções representativas do capital social duma sociedade que incorporou, por fusão, aqueloutra que a detinha e que entretanto se extinguiu, passando os seus accionistas a ser os novos accionistas da sociedade incorporante (beneficiária).

l) Este tipo específico de fusão, denominada de fusão inversa, é uma operação financeira através da qual os accionistas transferem os encargos incorridos e suportados com a aquisição duma sociedade para ela própria, em vez de serem eles, enquanto titulares das acções representativas do capital social dessa sociedade, e portanto, seus proprietários, a assumir tais encargos.

m) No entendimento da Impugnante, após a fusão inversa, estes mencionados encargos devem ser considerados para efeitos do apuramento do lucro tributável na esfera da sociedade incorporante (beneficiária); ao invés, a AT advoga, e bem, que tais encargos não podem figurar como componentes negativas do lucro tributável da sociedade beneficiária da fusão, em virtude de não serem indispensáveis para a obtenção de rendimentos tributáveis na esfera desta, nem tão-pouco para a manutenção da sua fonte produtora, que é condição necessária e essencial para efeitos da sua aceitação em sede fiscal, nos termos do art. 23.º do CIRC.

n) Na verdade, ao abrigo do art. 23.º do CIRC, as despesas e encargos suportados pela sociedade somente são aceites como custos fiscais na medida em que se mostrem necessários e indispensáveis para a obtenção dos rendimentos sujeitos a tributação na sua esfera,

o) E demonstrando-se que, por inerência, apenas os elementos patrimoniais que reúnem as condições para se qualificarem como elementos do Activo na contabilidade e se encontrem afectos à exploração, são aptos de gerarem rendimentos susceptíveis de tributação na sua esfera,

p) Resultará, inevitavelmente, da conjugação das duas condições anteriormente descritas, que as despesas e encargos suportados pela sociedade só poderão aceitar-se para efeitos fiscais quando se comprove a sua ligação a algum desses elementos qualificados como Ativo na contabilidade e afectos à exploração, uma vez que, conforme referido, apenas esses elementos são susceptíveis de gerar proveitos tributados na sua esfera jurídico-tributária.

q) Ora, no caso em presença, verificamos que os encargos financeiros que antes da realização da fusão inversa eram suportados pela sociedade fundida para aquisição de elementos do seu Activo (as acções representativas do capital social da sociedade beneficiária), não apresentam, após a realização dessa operação, agora na esfera da sociedade beneficiária, a ligação a quaisquer elementos afectos à exploração com a natureza de Activo.

r) Conclui-se, assim, que tais encargos financeiros não podem ter contribuído – é manifestamente impossível poderem ter contribuído! – para a obtenção de quaisquer proveitos tributáveis na sociedade beneficiária da fusão, não sendo, por isso, elegíveis como componentes negativas do lucro tributável apurado na sua esfera.

s) De facto, enquanto o interesse da sociedade se concentra no desempenho dos elementos patrimoniais do Activo de que esta é titular, geradores de proveitos e custos na sua esfera económica e fiscal, já o interesse dos sócios/accionistas reside na Situação Líquida (Capital Próprio) da própria sociedade, após cada “performance”, que lhes trará, a eles sócios/accionistas, a remuneração (lucros distribuídos) pelo capital investido (Capital Social), sendo esse interesse tanto maior quanto maior for o valor desse capital de que cada um é titular.

t) Em face do exposto, não se nos afigura que o interesse da sociedade se confunda com o interesse dos seus sócios/accionistas, porquanto, se a esfera da sociedade é jurídica, económica e fiscalmente autónoma da esfera dos seus sócios/accionistas, os respectivos interesses subjacentes também se hão-de autonomizar, diferenciando-se claramente dos interesses daqueloutros.

u) Ora, as correcções impugnadas, concretizam-se na esfera da sociedade, pelo que importa aferir, na perspectiva fiscal, quais os elementos susceptíveis de gerarem rendimentos económicos (proveitos/ganhos/réditos) sujeitos a tributação na esfera da sociedade, uma vez que apenas os custos associados a esses rendimentos poderão ser admitidos fiscalmente, nos termos do art. 23.º do CIRC.

v) Assim, sobrevindo uma operação de fusão de duas sociedades, uma delas extingue-se (sociedade fundida) e é incorporada na outra (sociedade beneficiária), pelo que, de acordo com os princípios conformadores da operação em presença, em resultado da mencionada incorporação, o Activo e o Passivo da sociedade fundida passam para o respectivo Activo e Passivo da sociedade beneficiária, porém, isso não acontece quanto às acções representativas do capital social da sociedade beneficiária que sejam detidas pela sociedade fundida/extinta.

w) Nesta situação particular, denominada de fusão inversa, essas acções não são coligidas no Activo da sociedade beneficiária porque representam o Capital Social dela própria, devendo, pois, em conformidade com a sua natureza, figurar como elemento do Capital Próprio e não como elemento do Activo.

x) Efectivamente, tais acções, que antes da fusão pertenciam à sociedade fundida/extinta, são “distribuídas” aos seus anteriores accionistas, os quais, por superveniência da fusão, passam agora a ser os novos accionistas da sociedade beneficiária.

y) Por via da fusão inversa, as acções que antes pertenciam à sociedade fundida (extinta) e que, por isso, integravam o seu Activo, “deslocam-se” para a titularidade dos seus accionistas (porque os accionistas da sociedade fundida/extinta são agora os accionistas da sociedade beneficiária), e não para a titularidade da sociedade beneficiária (o que sucederia se fossem evidenciadas no seu Activo).

z) Por conseguinte, e, desde logo porque não integram o património Activo da sociedade beneficiária, a susceptibilidade das referidas acções gerarem rendimentos económicos sujeitos a tributação na esfera da sociedade é notoriamente inexequível.

aa) Pelo que, sustentado, como tem de ser, nos pressupostos jurídico-tributários subjacentes à determinação do lucro tributável, dúvidas parecem não subsistir de que, as despesas e/ou encargos suportados com a sua aquisição e/ou manutenção não são, também, susceptíveis de aceitação em sede fiscal na esfera dessa sociedade.

bb) Doutro modo, ficariam comprometidos os pressupostos erigidos pelo legislador no procedimento de determinação do lucro tributável, prejudicando designadamente o princípio do balanceamento entre os custos e proveitos, em afronta directa a um dos postulados fundamentais do sistema fiscal português que conforma obrigatoriamente, na mesma esfera tributária, os proveitos obtidos e os custos necessários e indispensáveis para a sua obtenção, conforme vem expressamente determinado no art. 23.º do CIRC.

cc) Aqui chegados, é forçoso concluir que, em virtude das acções em causa não se qualificarem como elementos do Activo de exploração da A……….., não são susceptíveis de originar quaisquer rendimentos passíveis de tributação em sede de IRC na esfera desta sociedade, daí resultando que, ao abrigo do disposto no art. 23.º do CIRC, os encargos financeiros e demais encargos suportados com a aquisição das referidas acções também não possam ser considerados para efeitos do apuramento do seu lucro tributável.

dd) Sem colocar em crise a neutralidade da operação de fusão inversa, que não é, conforme bem se compreende, o cerne da questão decidenda, entendemos que inexiste qualquer fundamento para, após a realização da dita fusão inversa, se encontrar vedada a possibilidade de verificação dos pressupostos da indispensabilidade dos custos, nos termos e com os efeitos previstos no art. 23.º do CIRC.

ee) Com efeito, se a verificação dos pressupostos definidos no art. 23.º se mostra, de facto, inócua e inútil no caso da operação de fusão tradicional, comum ou directa, porque nesse caso, todos os elementos patrimoniais são transferidos para a sociedade beneficiária com todos os efeitos, já o mesmo não sucede na situação da fusão inversa.

ff) E assim é, porquanto, no caso da fusão inversa, ao contrário do que acontece na fusão tradicional, os elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros em apreço não são transferidos para a sociedade beneficiária, mas sim para os seus accionistas.

gg) É, portanto, na esfera destes accionistas, e não na esfera da sociedade beneficiária, que, contrariamente ao que sucede no outro tipo de fusão, os ditos elementos patrimoniais contribuirão para a obtenção de rendimentos.

hh) Pelo que, in casu, torna-se necessário aferir casuisticamente, em cada período económico, a pertinência dos custos relevados fiscalmente na esfera da sociedade beneficiária, de modo a consentir apenas aqueles que cumpram os requisitos da indispensabilidade.

ii) Contudo, contrariando esta natural ilação, a Impugnante pretende que a A…….. deduza fiscalmente as despesas e encargos suportados com um elemento patrimonial que não lhe pertence, não consta do seu Activo e não é susceptível de produzir rendimentos de natureza económica que ela possa oferecer à tributação para efeitos de IRC – as acções representativas do seu próprio capital social.

jj) Com efeito, a neutralidade da operação de reestruturação no modo de fusão inversa não deve implicar, sem mais, a transmissibilidade de todos e quaisquer custos fiscais, mas apenas daqueles que se relacionem com os elementos patrimoniais transmitidos.

kk) Em jeito de conclusão, diremos que na fusão inversa há elementos patrimoniais que não são transmitidos para a sociedade beneficiária, mas sim para os seus accionistas, daí que os correspondentes custos associados não devam ser relevados na esfera fiscal da sociedade, uma vez que os rendimentos a eles associados, porque se tratam de lucros distribuídos/a distribuir aos accionistas, também não vão manifestar-se na sua esfera económica e fiscal, mas sim na esfera económica e fiscal daqueloutros.

ll) Ora, foi justamente esta diferença de enquadramento que, com a devida vénia, a Mma. Juíza, na sua douta sentença, não esquadrinhou, e que se impunha.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, por provado, e em consequência, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que analise cabalmente todas as questões suscitadas pela ora recorrente, com as devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada justiça.

A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art. 6.º do RCP».

1.3 Foram apresentadas contra-alegações, com conclusões do seguinte teor

«A. A fundamentação da correcção ao lucro tributável que é materializada pela emissão da liquidação adicional de IRC e juros impugnada é apenas aquela que consta do relatório de inspecção tributária, ou seja, a pretensa ausência de indispensabilidade dos gastos de financiamento suportados pela Recorrida para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC (cf. artigo 62.º, n.º 1, do CPPT, artigos 62.º, n.º 3, alínea i), e 63.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, bem como o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 01198/05.7BEBRG, de 14 de maio de 2015).

B. Nas alegações de recurso, porém, a Fazenda Pública vem fundamentar aquela correcção e liquidação adicional com base num argumento novo que desenvolve a partir da suposta especificidade da fusão inversa e que se reconduz ao facto de que, neste tipo de operação, “os elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros em apreço não são transferidos para a sociedade beneficiária, mas sim para os seus accionistas”, razão pela qual não poderia a Recorrida deduzir fiscalmente as “despesas e encargos suportados com um elemento patrimonial que não lhe pertence, não consta do seu Activo, e não é susceptível de produzir rendimentos de natureza económica que ela possa oferecer à tributação para efeitos de IRC” (cf. alíneas ff) e ii) das conclusões).

C. Este é um argumento que não consta do relatório de inspecção, a única fundamentação do ato de liquidação impugnado, tratando-se, por isso, de uma fundamentação a posteriori que a lei não consente.

D. O Supremo Tribunal Administrativo já teve a oportunidade de se pronunciar no sentido da inadmissibilidade de a Fazenda Pública suscitar esse mesmíssimo argumento em sede de recurso em casos cuja questão de fundo era idêntica à do presente.

E. Fê-lo no Acórdão n.º 0208/17, de 22 de Março de 2018 (Relator: Conselheiro Aragão Seia), e também no Acórdão n.º 0915/17, de 30 de Janeiro de 2019 (Relatora: Conselheira Dulce Neto), sendo que neste último ficou consignado que “o tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a sua legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, não podendo substituir-se à Administração e ir ponderar se o acto pode ser sancionado com distinta fundamentação e argumentação jurídica” (destaque da Recorrida).

F. Em virtude da similitude fáctica e jurídica entre esses dois casos e o presente, a mesma orientação – improcedência do recurso – deve ser adoptada in casu (cf. artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil).

G. No que concerne à questão de fundo, resulta da jurisprudência constante deste Supremo Tribunal Administrativo que é ao nível da B……….. (sociedade incorporada) que se deve aferir a indispensabilidade dos gastos financeiros incorridos para adquirir o activo financeiro – as participações sociais na A………, ora Recorrida (cf., entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0779/12, de 24 de Setembro de 2014, e n.º 0627/16, de 28 de Junho de 2017 [Relator: Conselheiro Francisco Rothes]).

H. Assim sucede porque “Emitir um juízo ″a posteriori″ sobre a gestão financeira, comercial, etc., da empresa, envolveria o risco deste juízo se apoiar sobre elementos que não existiam, ou não existiam claramente, no momento da tomada da decisão e que não podiam ter sido levados em conta pelo administrador (…) um controlo da Administração Fiscal da gestão da empresa iria contra princípios constitucionais que não podem ser postos em causa pelo ″inexistente″ princípio do combate à evasão fiscal. Os princípios da livre iniciativa, do respeito pela propriedade privada (…) e da liberdade do cidadão no Estado de Direito democrático (…) são constitucionalmente incontestáveis” (DIOGO LEITE DE CAMPOS, JOÃO COSTA ANDRADE, Autonomia Contratual e Direito Tributário (A Norma Geral Anti-Elisão), Almedina, 2008, pp. 59-60).

I. Quando essa avaliação da indispensabilidade é realizada ao nível da B………..(sociedade incorporada), nem mesmo a AT questiona o seu resultado positivo (cf. o excerto do relatório de inspecção tributária transcrito na p. 10 da sentença recorrida, sob o título “Indispensabilidade dos custos para a B…………”).

J. A fusão por incorporação da referida B………. na A………. (Recorrida) não prejudica a dedutibilidade dos gastos em apreço.

K. A aplicação dos capitais alheios na exploração, na expressão da alínea c), do n.º 1, do artigo 23.º do CIRC então em vigor, ocorre e se esgota no momento em que a sociedade veículo (aqui, a B…………) utiliza aqueles capitais alheios para adquirir a participação na sociedade alvo (aqui, a A………… ou Recorrida).

L. A fusão inversa, tal como a fusão da sociedade-filha na sociedade-mãe (fusão upstream), tem como efeito que os direitos e obrigações da sociedade incorporada são transmitidos ex vi lege para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade (cf. artigo 112.º, alínea a), do CSC).

M. Na medida em que essas obrigações são transferidas de uma sociedade para a outra por imperativo legal, o tratamento fiscal que até à fusão era dado a essas obrigações não pode divergir por causa da operação de fusão, como a Fazenda Pública propugna.

N. A fusão não se caracteriza por um corte ou rotura completa entre a realidade preexistente e a realidade pós-fusão, como se uma nada tivesse que ver com outra, antes obedece a uma lógica de continuidade. De forma exemplar, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto n.º 9869/05.1YYPRT-C.P1, de 15 de Fevereiro de 2012, de onde consta que “″a essência da fusão de sociedades consiste em juntar os elementos pessoais e patrimoniais de duas ou mais sociedades preexistentes, de tal modo que passe a existir uma só sociedade″ (…) A fusão de sociedades foi tratada no Assento do STJ nº 5/2004, publicado no DR de 21/6/2004, do qual se transcreve o excerto seguinte: ″Diz a lei que com a fusão extinguem-se as sociedades incorporadas, ou todas as sociedades fundidas. Mas também não podem esquecer-se as finalidades dessas extinções; não se extingue tudo isso como um fim em si mesmo; extingue-se para substituir, extingue-se para renovar. Certamente são aproveitados os elementos pessoais, patrimoniais e até imateriais das sociedades participantes que se extinguem, mas a extinção não implica desaproveitamento. Existe sempre, pois, um elemento decisivamente relevante na comparação entre o real e a construção jurídica (…) os interessados, ao procederem à fusão, não têm intenção de morte, mas sim de melhor e longa vida para as sociedades e para a realização das finalidades com que foram constituídas. (…) A fusão significa, pois, ao contrário da morte, perspectiva de melhor e mais sustentada continuidade económica, por redução de riscos, obtenção de economias de escala e de racionalização (…)″” (destaque da Recorrida) (cf. ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0372/09, de 16 de Setembro de 2009 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo n.º 04172/10, de 17 de Abril de 2012).

O. Assim sendo, ressalvada a hipótese de abuso, que nunca foi (e bem) suscitada pela AT, a neutralidade fiscal da fusão implica que se deva reconhecer a dedutibilidade fiscal dos gastos de financiamento ao nível da Recorrida (incorporante) nos mesmos exactos termos em que tal sucedia – como expressamente o admite a AT – ao nível da B………… (incorporada).

P. É que, “No fundo, antes da unificação jurídica, ambas as sociedades já formavam uma unidade económica, donde que na esfera dos sócios e da sociedade fundida esta modalidade [de fusão, a fusão inversa] não oferece quaisquer particularidades” (RUI MARQUES, Código do IRC Anotado e Comentado, Almedina, 2019, p. 619 e notas de rodapé 1699 e 1700).

Q. Uma vez que, por um lado, não existe uma regra específica que condicione a transmissão dos gastos e, por outro lado, uma vez realizada a fusão continua a existir a mesma unidade ou realidade económica em cuja exploração foram aplicados os capitais alheios geradores dos gastos, recusar a dedução destes após a fusão não encontra suporte no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

R. Propugnar uma conclusão diversa somente por se tratar de uma fusão inversa redunda, derradeiramente, no desrespeito ao princípio da liberdade de gestão fiscal, o qual concretiza, no domínio fiscal, os princípios da liberdade de iniciativa económica, da liberdade de organização empresarial e de funcionamento eficiente dos mercados no quadro de uma equilibrada concorrência entre as empresas e demais agentes económicos, os quais dispõem de suporte no artigo 61.º, n.º 1, alínea c), e artigo 81.º, alínea f), ambos da Constituição da República Portuguesa.

S. É a neutralidade fiscal, enquanto corolário da liberdade de gestão fiscal das empresas na perspectiva do Estado com assento no artigo 81.º, alínea f), da Constituição, que sai prejudicada (JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª ed., Almedina, 2013).

T. Algo que o Tribunal a quo sublinha na sentença, de onde consta que a interpretação da AT, que consiste em recusar a dedutibilidade dos encargos financeiros cuja dedução aceitava antes da fusão somente por se tratar de um fusão inversa, “não só violaria o art. 23.º do CIRC, mas também o princípio constitucional da tributação do rendimento real e constituiria um sério entrave à flexibilidade das empresas no domínio da sua actividade económica”.

U. A conclusão do Tribunal a quo, para além de juridicamente acertada, está perfeitamente alinhada com a jurisprudência que se tem produzido sobre a dedutibilidade de gastos de financiamento no contexto de fusões inversas.

V. Conforme sumariza o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão n.º 1550/15.0BELRS, de 5 de Junho de 2019, “i) o momento temporal para aferir da admissibilidade dos custos para efeitos tributários deve ser determinado pelo instante em que estes são gerados e não pelo momento em que são suportados no sentido de que se vencem ou são pagos; ii) tendo a sociedade incorporada o direito a relevar fiscalmente os gastos na sua matéria tributável, em sede de IRC, esse direito persiste, pela fusão, ope legis, na esfera jurídica da incorporante; iii) Entendimento diverso redundaria na violação Direito Europeu, mormente do princípio da neutralidade fiscal das fusões” (destaque da Recorrida).

W. Em idêntico sentido, entre outras, veja-se as decisões dos tribunais arbitrais tributários do CAAD proferidas nos processos n.º 101/2013-T, de 2 de Dezembro de 2013 (tribunal constituído pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Dr. Luís Máximo dos Santos e Prof. Doutor Vasco Valdez), n.º 42/2015-T, de 30 de Junho de 2015 (tribunal constituído pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Prof. Doutor António Martins e Dr.ª Carla Castelo Trindade), n.º 92/2015-T, de 21 de Janeiro de 2016, e n.º 93/2015-T, de 25 de Janeiro de 2016 (tribunal constituído em ambos os casos pelo Dr. José Pedro Carvalho, Doutor Tomás Cantista Tavares e Doutor João Menezes Leitão), n.º 88/2016-T, de 21 de Outubro de 2016, e n.º 491/2016-T, de 5 de Abril de 2017 (tribunal constituído em ambos os casos pelo Conselheiro José Baeta de Queiroz, Doutor Tomás Cantista Tavares e Doutor Américo Brás Carlos), n.º 508/2016-T, de 28 de Junho de 2017 (tribunal constituído pelo Dr. José Pedro Carvalho, Doutora Ana Maria Rodrigues e Doutor Eduardo Paz Ferreira), n.ºs 537/2016-T e 560/2016-T, ambas de 19 de maio de 2017 (tribunal constituído em ambos os casos pelo Doutor Rui Duarte Morais, Doutor Tomás Cantista Tavares e Doutora Ana Maria Rodrigues), n.º 606/2016-T, de 18 de Dezembro de 2017 (tribunal constituído pela Doutora Suzana Fernandes da Costa), n.º 110/2017-T, de 11 de Setembro de 2017 (tribunal colectivo constituído pelo Dr. José Pedro Carvalho, Doutor Tomás Cantista Tavares e Dr. Jorge Carita), n.º 120/2017-T, de 6 e Outubro de 2017 (tribunal constituído pelo Conselheiro José Baeta de Queiroz, Doutor Tomás Cantista Tavares e Dr. Jorge Carita), n.º 607/2017-T, de 3 de maio de 2018 (tribunal constituído pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Doutora Suzana Fernandes da Costa e Dr. António Alberto Franco), n.º 729/2016-T, de 30 de Junho de 2017 (tribunal constituído pelo Conselheiro José Baeta de Queiroz, Doutor Tomás Cantista Tavares e Doutor Américo Brás Carlos), n.º 521/2017-T, de 1 de Outubro de 2019 (tribunal constituído pela Dr.ª Alexandra Coelho Martins, Doutor Tomás Cantista Tavares e Doutor Américo Brás Carlos), n.º 143/2018-T, de 25 de Fevereiro de 2019 (tribunal colectivo constituído pela Conselheira Fernanda Maçãs, Doutor Tomás Cantista Tavares e Dr. Jorge Carita), n.º 144/2017-T, de 4 de Outubro de 2019 (tribunal constituído pela Dr.ª Alexandra Coelho Martins, Doutor Tomás Cantista Tavares e Doutor Américo Brás Carlos), e n.º 610/2018-T, de 25 de Junho de 2019 (tribunal constituído pelo Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, Doutor Tomás Cantista Tavares e Dr. Jorge Carita), todas publicadas em www.caad.org.pt.

X. A fundamentação dessas decisões arbitrais reconduz-se, no essencial, como referem, de forma unânime, os árbitros Doutor Rui Duarte Morais, Doutor Tomás Cantista Tavares e Doutora Ana Maria Rodrigues nas decisões dos processos n.ºs 537/2016-T e 560/2016-T ao seguinte: “a dedução dos encargos financeiros exige que os ″juros de capitais alheios sejam aplicados na exploração″. E todos concordam que, no momento inicial, o crédito obtido (dos bancos e dos sócios) foi aplicado na exploração, com a aquisição da participação (…) se os juros eram fiscalmente aceites previamente à fusão (porque os capitais alheios estavam aplicados na exploração), então também o serão após a fusão (invertida ou não), que se limitou a seguir as regras do direito comercial, de transmissão de todos os direitos e obrigações da incorporada, porque após a fusão, continuam a ser considerados juros de capitais alheios aplicados na exploração” (destaque da Recorrida).

Y. Acrescentam os árbitros nos dois processos em referência que “aqueles encargos manter-se-ão dedutíveis, não obstante o desaparecimento – por via de uma decisão empresarial – do objecto em que os capitais alheios que remuneram foram aplicados. O capital alheio foi aplicado na exploração no momento inicial – dando origem ao investimento produtivo. E isso é suficiente e bastante para legitimar a dedução fiscal dos juros daí decorrentes, independentemente das vicissitudes empresariais futuras desse investimento” (destaque da Recorrida).

Z. Nos casos subjacentes aos processos arbitrais n.ºs 537/2016-T e 560/2016-T, tal como no presente, a AT não alegou (e bem) a “existência de um encadeamento de operações para propositadamente proporcionar um resultado fiscal indesejado, de abusiva poupança de impostos”, tendo sido omitida qualquer referência à cláusula geral antiabuso contida no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, à regra antiabuso específica do artigo 73.º, n.º 10, do CIRC ou às regras de preços de transferência.

AA. Facto que leva o tribunal arbitral nos dois processos em causa a recordar que “o julgador, no contencioso fiscal, tem de se debruçar sobre o objecto do processo, tal como recortado pela fundamentação, sob pena de ilegal fundamentação a posteriori e intromissão no poder dever do poder executivo”, rematando que “caso se pretendesse invocar que todas as operações se reconduziriam a um abusivo esquema de encadeamento de operações, ainda que lícitas sob o ponto de vista civil, para obter-se um ganho fiscal – o que nalguns passos da inspecção é isso o que fica subentendido – então a fundamentação não se teria de socorrer do instituto do art. 23.º do CIRC mas, como se explicou já, de outros institutos à mercê da lei fiscal para tentar alcançar tal resultado correctivo” (destaque da Recorrida).

BB. As correcções e a liquidação ora impugnada estribam-se num conjunto de factos e argumentos jurídicos substancialmente idênticos aos que deram origem às decisões supra identificadas, pelo que a orientação aí vertida deve ser, sem mais, seguida na decisão da presente lide (cf. artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil).

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Após enunciar a questão a dirimir como sendo a de «saber se os encargos financeiros suportados pela Impugnante, ora Recorrida no exercício de 2007, na sequência de uma operação de fusão inversa poderiam ou não ser considerados fiscalmente na determinação do lucro tributável daquele exercício», expendeu a seguinte fundamentação: «[…]

A douta sentença recorrida analisou a questão da dedutibilidade dos referidos custos à luz da fundamentação que alicerçava as impugnadas correcções,
Na verdade, considerou a Mm.ª Juíza [do Tribunal] a quo que “para se obter o desiderato da neutralidade fiscal das operações de fusão de sociedades comerciais, o legislador optou pelo critério ceteris paribus, isto é, de tudo se passar como se a fusão não tivesse ocorrido (prevenindo desse modo também eventuais abusos na operação)” (cf. fls. 37 e 38, da sentença).
E que, por outro lado, “a admissibilidade da despesa ou gasto deve ser aferida no momento em que foi contraída, isto é, independentemente do momento em que a “obrigação” se vence para efeitos de especialização dos exercícios e do correspectivo apuramento do lucro tributável” (cf. fls. 38, da sentença).
Argumentando, ainda, que “[a] fusão por incorporação na A……….. não poderá, sob pena de subversão dos princípios de neutralidade fiscal das operações de concentração societária, mudar a admissibilidade da relevância como custos dos referidos encargos.(…)
Com efeito, e como se explicitou anteriormente, com a operação de fusão a esfera jurídica das sociedades fundidas altera-se, passando a ter contornos distintos mas as relações jurídicas que estas detêm, enquanto feixe de deveres e direitos, permanece inalterado. (...)
Desse modo, a sociedade incorporante deverá poder deduzir aos seus proveitos, os custos em que efectivamente incorre e na estrita medida em que estes eram admissíveis antes da fusão ter ocorrido, tudo se passando como se não houvera a fusão”(cf. fls. 39, da sentença).
E concluí o seu raciocínio, referindo que “[c]onsiderar que, como o objecto da operação se encontra esgotado, os encargos daí decorrentes não são actualmente imprescindíveis para a realização de proveitos sujeitos a imposto, devendo ser desconsiderados, é o mesmo que considerar que, se uma sociedade alterar o seu ramo de actividade, todos os custos anteriormente incorridos deixam de ser fiscalmente relevantes por não se integrarem no último escopo social” (cf. fls. 40, da sentença).
Ora a Recorrente não contesta esta conclusão, antes apresenta uma diferente fundamentação em defesa da tese da falta de verificação do requisito da indispensabilidade contido no artigo 23.º do CIRC,
Vindo advogar que esses encargos financeiros não devem considerar-se indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora na medida em que na fusão inversa os elementos patrimoniais que os originaram não são transferidos para a sociedade incorporante, mas sim para os accionistas (conclusão ff) das alegações de recurso),
Sendo, por conseguinte, na esfera destes que esses elementos patrimoniais contribuirão para a obtenção de rendimentos (cf. conclusão gg) das alegações de recurso)
O que significa que advoga razões que a AT não levou ao relatório que constitui a declaração formal fundamentadora das correcções e das subsequentes liquidações,
Estamos, pois, perante uma fundamentação a posteriori, claramente inadmissível tendo em conta que o tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu,
Apreciando a sua legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, não podendo substituir-se à Administração e ir ponderar se o acto pode ser sancionado com distinta fundamentação e argumentação jurídica.
Neste sentido o Acórdão do STA, de 22/03/2018, proferido no processo n.º 0208/17, disponível em www.dgsi.pt, do qual consta:
Ou seja, o acervo dos fundamentos e argumentos agora esgrimidos em sede de recurso não constam expressamente do relatório da inspecção, indo mais além do que ali ficou dito.
Sabendo nós que a fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13, sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser "aditados", podemos concluir sem margem para dúvida que, ainda que fosse reconhecida razão à recorrente com base nos fundamentos agora esgrimidos tal não poderia ser determinante para a manutenção do acto anulado pelo tribunal a quo e, logicamente, também não poderia conduzir à revogação da sentença recorrida.
Efectivamente, no relatório da inspecção apenas se colocou a questão da indispensabilidade dos custos de forma singela, por não terem relação com a actividade operacional da impugnante (o que impressionou mais fortemente a recorrente foi o facto de a impugnante assumir os custos de aquisição do seu próprio capital social), nunca se colocou a questão tal como agora vem colocada e, nessa medida, conhecer-se agora de tais fundamentos constituiria uma verdadeira decisão inovatória que se afasta do próprio acto tributário em apreciação.
Pelo exposto, não restam dúvidas que a questão trazida agora para apreciação deste Supremo Tribunal não pode determinar a manutenção ou anulação do acto tributário impugnado.”.
Pelo que se nos afigura que o recurso não merece provimento».
Mais considerou ser de deferir a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Em resumo, porque a tal não obsta o comportamento processual das partes e porque a tramitação processual se revelou simples.

1.5 Cumpre apreciar e decidir.

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) A Impugnante foi objecto de acção inspectiva relativa a IRC do exercício de 2007, cf. Relatório da Inspecção Tributária de fls. 487 a 500 do Processo Administrativo (PA).

B) Foi seguidamente elaborado o respectivo Relatório, que se encontra junto a fls. 487 a 500 do PA, e aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como os seus anexos, do qual consta o seguinte:

[omissis]

C) A Impugnante foi notificada das liquidações de IRC de 2007 (número 20118310005757) e respectivos juros compensatórios (números 201100001942191 e 2011000019442192), no valor de, respectivamente, € 1.050.340,76 e € 132.841,24, cfr. teor de fls. a 243 e 244 dos autos (p.f.).

D) A Impugnante reclamou graciosamente daquelas liquidações e posteriormente recorreu hierarquicamente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida, tendo as referidas decisões o seguinte teor, que consta de fls. 90 a 101 e 169 a 176 dos autos (p.f.):

[omissis]

E) A Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico por carta registada de 03-09-2013, cfr. teor de fls. 288 do PA.

F) A presente Impugnação Judicial foi apresentada neste Tribunal, via SITAF, em 05-12-2013, cfr. teor de fls. não numeradas dos autos (p.f.).

G) A Impugnante prestou garantia no processo de execução fiscal n.º 1872201110178054, a que respeitam as liquidações impugnadas, cfr. teor de fls. 585 a 597 dos autos (p.f.).

H) Em 15 de Dezembro de 2005, o Conselho de Administração da “C……….., SGPS, SA”, deliberou a aquisição de uma participação entre 85% e 100% do capital da A……….., nos seguintes termos: (cfr. acta constante de fls. 323 do p.f.):

I) “(…) O Conselho reuniu para deliberar sobre (…) aquisição de uma participação de 85% a 100% do capital da “A………………., SA.” e da forma de financiamento desta aquisição. (…) (sendo apresentados) os principais contornos da proposta a apresentar em conjunto com o “Banco D……………., S.A.” para a aquisição de uma participação de 85% a 100% do capital da “A………………, S.A.”, nomeadamente a caracterização do que é hoje a A………….., os principais pressupostos da avaliação realizada, as perspectivas futuras da sociedade, as potenciais sinergias com as restantes unidades da C……….., bem como a proposta de contrato de compra e venda e respectivo acordo parassocial a celebrar com o principal accionista vendedor. Foi aprovada por unanimidade a apresentação de uma proposta vinculativa de aquisição até 100% do capital social da “A……….., S.A.” pelo valor máximo de cento e vinte e sete milhões euros. Em relação ao financiamento desta aquisição, foi igualmente aprovada por unanimidade, em caso de concretização desta aquisição, a chamada de prestações acessórias aos accionistas até ao montante máximo de quarenta milhões de euros e a proposta apresentada pelo banco que se propôs financiar o restante montante da aquisição, incluindo a prestação por parte da “C………….. - SGPS, S.A.” das garantias solicitadas nesse contrato”.

J) Em 28 de Dezembro de 2005 foi celebrada a escritura de constituição da sociedade B…………., SA, com o capital social de € 50.000,00, representado por outras tantas acções, com o valor nominal de 1 euro, subscrito pelo BANCO D…………. SA (39.997 acções), C………….. - SGPS, SA (10.000 acções), e E………., F…………. e G………….. (com uma acção cada um), cfr. teor de fls. 361 a 377 dos autos (p.f.).

K) Em 28 de Dezembro de 2005, foi celebrado um contrato de mútuo, entre “BANCO H…………. SA”, “B…………… SA” e “C…………. - SGPS SA”, mediante o qual, o primeiro concede à segunda um financiamento de € 74.250.000,00, pelo prazo de 12 anos, com vista à aquisição por esta de 90% das acções representativas da “A………… SA”, e do qual a segunda e a terceira se confessam devedoras solidárias, cfr. teor de fls. 324 a 360 dos autos (p.f.).

L) Na mesma data, foi celebrado um contrato, designado pelas partes de “promessa de compra e venda de acções”, através do qual o D……….. promete alienar à C…………. 40.000 acções representativas do capital social da B…………., conjuntamente com as prestações acessórias de capital por si efectuadas, pelo preço de € 32.020.000,00, (correspondendo a € 340.000,00 de acções e 31.680.000,00 de prestações), que a segunda promete comprar, cfr. teor de fls. 385 a 390 dos autos (p.f.).

M) Ainda na mesma data foi celebrado contrato de cessão de posição contratual no qual o Banco D………….. e a C…………. cederam à B…………. a sua posição contratual no contrato de compra e venda de acções celebrado em 21-12-2005, cfr. teor de fls. 382 dos autos (p.f.).

N) Em 20 de Fevereiro de 2006, o Conselho da Autoridade da Concorrência, decidiu não se opor à operação de concentração “C……... / A………….”, cfr. teor de fls. 245 dos autos (p.f.)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.2.1 A sociedade ora Recorrida apresentou impugnação judicial contra a liquidação oficiosa de IRC que a AT lhe efectuou na sequência das correcções que efectuou à matéria tributável declarada após uma inspecção em que concluiu que aquela sociedade não podia ter relevado como componente negativa na determinação do lucro tributável, como relevou, os montantes que respeitam a encargos financeiros que, enquanto sociedade incorporante, suportou na sequência de uma operação de fusão inversa (operação através da qual uma sociedade subsidiária incorpora a sociedade que detém o seu controlo em 100%, i.e., em que a sociedade “filha” incorpora a sociedade “mãe”), por os mesmos não serem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, como o exige o art. 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC). Isto, porque esses encargos, se podiam ser deduzidos pela “B…………..”, já não são fiscalmente dedutíveis na esfera jurídica da “A………….” (após a fusão), porquanto o empréstimo que os originou não se destinou à actividade por esta exercida (prestação de serviços de saúde) mas sim à sua aquisição.

2.2.2.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a impugnação judicial procedente e anulou a liquidação impugnada. Em resumo, após tecer pertinentes considerandos em torno do tratamento fiscal das fusões de sociedades, designadamente à luz do princípio da neutralidade fiscal, e sobre o regime de dedutibilidade dos custos à luz do art. 23.º do CIRC, julgou que esses encargos não podiam deixar de ser relevados como custos para efeitos fiscais; isto, com a seguinte fundamentação:
«Emerge da factualidade assente, e não é controvertido nos autos, que a C…………., pretendendo adquirir a A……….. e necessitando de autorização prévia da entidade reguladora, criou uma “sociedade-veículo”, a B………., destinada a adquirir aquela, enquanto tal autorização não era obtida.
Emerge, também, cristalino da posição das partes no presente litígio, sendo incontroverso, que o empréstimo obtido pela B………… para aquisição da A………….,, aqui Impugnante, era admissível como custo, à luz do art. 23.º do CIRC, na sua esfera jurídica, e até à ocorrência da fusão, na medida em que é por todos aceite que este empréstimo foi obtido com vista ao seu escopo social.
Contudo, entende a Autoridade Tributária que os encargos decorrentes da sua contracção já não são fiscalmente dedutíveis na esfera jurídica da A…………. (após a fusão), porquanto tal empréstimo não se destinou à actividade por esta exercida (prestação de serviços de saúde) mas sim à sua aquisição.
Como se expendeu supra, a admissibilidade da despesa ou gasto deve ser aferida no momento em que foi contraída, isto é, independentemente no momento em que a “obrigação” se vence para efeitos de especialização dos exercícios e do correspectivo apuramento do lucro tributável.
Isto é, os custos ou gastos registados contabilisticamente, efectivamente suportados pelas empresas e que sejam indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora relevam para determinação do lucro fiscal sujeito a imposto.
Ou seja, impera apurar se, quando o empréstimo foi contraído pela B………, este reunia os requisitos constantes do art. 23.º do CIRC, o que, incontrovertidamente, ocorre.
Efectivamente, sendo o objecto da sociedade a aquisição da A……….., o financiamento obtido para esse efeito, indubitavelmente, foi contraído para um fim social, sendo indispensável na medida em que a sociedade não detinha fundos próprios bastantes e destinava-se à obtenção de ganhos sujeitos a IRC.
De todo o modo, como é assumido por todas as partes, tal empréstimo não foi efectuado com vista à satisfação de interesses alheios à referida sociedade, o que impõe a relevância fiscal dos encargos daí decorrentes, e por esta assumidos.
A fusão por incorporação na A………… não poderá, sob pena de subversão dos princípios de neutralidade fiscal das operações de concentração societária, mudar a admissibilidade da relevância como custos dos referidos encargos.
Com efeito, e como se explicitou anteriormente, com a operação de fusão a esfera jurídica das sociedades fundidas altera-se, passando a ter contornos distintos mas as relações jurídicas que estas detêm, enquanto feixe de deveres e direitos, permanece inalterado.
Desse modo, a sociedade incorporante deverá poder deduzir aos seus proveitos, os custos em que efectivamente incorre e na estrita medida em que estes eram admissíveis antes da fusão ter ocorrido, tudo se passando como se não houvera a fusão.
Acresce que, como resulta do espírito constante dos n.ºs 3 e 4 do art. 68.º do CIRC, o princípio geral subjacente é que tudo se passe como se a operação de fusão não tivesse ocorrido, isto é, “tudo o mais constante”.
Não tendo a Autoridade Tributária alegado a existência de abuso na utilização da forma de concentração societária, nem configurado a possibilidade da utilização da sociedade veículo ter tido um qualquer propósito estritamente (ou pelo menos primacialmente) fiscal, nem que não tivesse subjacentes razões económicas válidas, não pode desconsiderar a relevância daqueles custos com o “argumento” de que se a operação de fusão fosse efectuada de forma diversa seria fiscalmente mais onerosa.
Admitir essa possibilidade era considerar que os contribuintes não tinham o direito ao planeamento fiscal, enquanto opção pela forma fiscalmente menos tributada, dentro dos limites que a Lei impõe, no âmbito dos mecanismos possíveis para obter um mesmo resultado. Como refere Casalta Nabais, “o princípio da livre disponibilidade económica exige que se permita, com maior amplitude possível, a livre decisão do indivíduo em todos os domínios da sua vida” (Dever fundamental de pagar impostos, p. 204).
Considerar que, como o objecto da operação se encontra esgotado, os encargos daí decorrentes não são actualmente imprescindíveis para a realização de proveitos sujeitos a imposto, devendo ser desconsiderados, é o mesmo que considerar que, se uma sociedade alterar o seu ramo de actividade, todos os custos anteriormente incorridos deixam de ser fiscalmente relevantes por não se integrarem no último escopo social.
Tal entendimento, não só violaria o art. 23.º do CIRC, mas também o princípio constitucional da tributação do rendimento real e constituiria um sério entrave à flexibilidade das empresas no domínio da sua actividade económica.
Conclui-se, assim, pelo exposto, que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de Lei, nomeadamente do art. 23.º do CIRC, na redacção à data de 2007 vigente, o que importa a sua anulação, o que se declarará».
Ou seja, a sentença considerou a questão, tal como colocada pela Impugnante no relatório que serviu de suporte à correcção, no âmbito da relação entre os referidos encargos financeiros e a actividade da Impugnante.

2.2.2.3 A Fazenda Pública insurge-se contra a sentença.
Entende, em síntese, que na fusão inversa as acções representativas do capital social da sociedade beneficiária, detidas pela sociedade fundida/extinta, não irão integrar o activo de exploração mas sim o capital social da sociedade subsistente, representado pela rubrica de capitais próprios e não do activo da sociedade, e, por isso, que «os elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros em apreço não são transferidos para a sociedade beneficiária, mas sim para os seus accionistas», motivo por que é «na esfera destes accionistas, e não na esfera da sociedade beneficiária, que, contrariamente ao que sucede no outro tipo de fusão, os ditos elementos patrimoniais contribuirão para a obtenção de rendimentos» e, assim, não pode ter-se como verificado o requisito da indispensabilidade previsto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC.

2.2.2.4 A questão que cumpre apreciar e decidir é, pois, a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que a ora Recorrida, na determinação do seu lucro tributável, atento o disposto no art. 23.º, n.º 1, do CIRC, podia deduzir como custos fiscais os gastos incorridos com encargos financeiros – inicialmente assumidos pela sociedade incorporada e transmitidos para a sociedade incorporante na sequência de operação de fusão inversa – suportados na aquisição de participações sociais. Dito de modo mais simples, está em causa a dedutibilidade dos juros ao abrigo do art. 23.º do CIRC, devendo, antes do mais, averiguar-se se o motivo agora invocado, em sede de recurso jurisdicional, para sustentar a não verificação do requisito da indispensabilidade contido naquele artigo, é o que foi apresentado com a declaração fundamentadora oportunamente externada no relatório que deu origem à correcção e subsequente liquidação adicional ora impugnada e, se não o for, qual a repercussão processual dessa divergência.

2.2.2 DA RELEVÂNCIA DOS REFERIDOS ENCARGOS FINANCEIROS COMO COMPONENTE NEGATIVA DO LUCRO TRIBUTÁVEL

Não é a primeira vez que este Supremo Tribunal é confrontado com esta questão, que foi já apreciada e decidida nos acórdãos de 22 de Março de 2018, proferido no processo com o n.º 208/17 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e4e9b828c0e68e98802582750037e3f3.), e de 30 de Janeiro de 2019, proferido no processo com o n.º 2176/15.3BEPRT (915/17) (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2498898422f5c047802583ac005448c3.), em que as alegações de recurso são idênticas às do presente recurso (Com excepção da questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, que neste processo não é objecto do recurso, uma vez que a mesma foi concedida pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.).
Assim, porque concordamos integralmente com o que aí foi decidido e também porque o disposto no art. 8.º, n.º 3, do Código Civil, nos impõe o respeito pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, recente e uniforme, cumpre negar provimento ao recurso, remetendo, no essencial e também de acordo com o parecer do Procurador-Geral-Adjunto acima transcrito (em 1.4), para a fundamentação expendida no mais recente dos referidos acórdãos que, por sua vez, incorporou a fundamentação do mais antigo, o que fazemos ao abrigo da faculdade que nos é concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

2.2.3 DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

A Recorrente pediu também a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Ou seja, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso sub judice, o recurso foi decidido por remissão para anterior jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Essa decisão, não obstante a complexidade das questões nela tratadas, porque foi efectuada por remissão para anterior jurisprudência, pode considera-se, para os efeitos pretendidos, que não exigiu deste Supremo Tribunal esforço superior ao comum.
Por outro lado, o valor a pagar a título de remanescente afigura-se-nos elevado em face do serviço prestado, susceptível mesmo de ofender os princípios constitucionais do direito de acesso aos tribunais e da proporcionalidade decorrentes do estatuído nos arts. 20.º, n.º 2.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Não podemos perder de vista que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cfr. arts. 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo.
Tudo visto, atento o que deixámos dito quanto à menor complexidade da causa e à desproporção entre o serviço efectivamente prestado e o valor da taxa de justiça, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça pedida pela Requerente, sendo também que a conduta processual das partes no recurso não merece censura que obste a essa dispensa.

2.2.4 CONCLUSÕES

Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões, de facto e de direito, que não constem dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.

II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou.


* * *

3. DECISÃO

Pelo exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, que ficou vencida no recurso [cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT], com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (cfr. 2.2.3).

Dispensamos a junção de cópia do acórdão de 30 de Janeiro de 2019, proferido no processo com o n.º 2176/15.3BEPRT (915/17), porque indicamos onde está publicado.

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Lisboa, 28 de Outubro de 2020. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paulo José Rodrigues Antunes.