Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01264/13
Data do Acordão:07/09/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:DESPACHO LIMINAR
INDEFERIMENTO LIMINAR
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
OPOSIÇÃO
LEGALIDADE DE LIQUIDAÇÃO
ACTO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O despacho liminar, proferido ao abrigo do disposto no artº 209 do Código de Procedimento e Processo Tributário é o único momento em que a «acção pode ser rejeitada liminarmente». Depois de recebida a oposição e notificada a Fazenda Pública para contestar deixará de poder falar-se em indeferimento liminar.
II - Quando se verifica erro na forma de processo e é inviável a conversão do processo de oposição em processo de impugnação, estamos perante uma excepção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e que conduz à absolvição da exequente da instância.
III - A antecipação da prática de um acto não determina a sua nulidade, excepto se tal efeito lhe for cominado expressamente pela lei.
Nº Convencional:JSTA00068846
Nº do Documento:SA22014070901264
Data de Entrada:07/16/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART209 N1 ART98 N4 ART76 ART66 N5 ART102 N1 D ART204 N1 I.
CPA91 ART175 N3.
CPC13 ART199 N1 ART288 N1 B ART493 N2 ART494 B.
LGT98 ART97 N3.
Referência a Doutrina:ALBERTO XAVIER - MANUAL DE DIREITO FISCAL 1981.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga
. 28 de Fevereiro de 2013

Rejeitou liminarmente a acção.



Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……………………., veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no âmbito do Processo de oposição n.° 996/12.0 BEBRG, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. A executada apresentou oposição à execução com fundamento no art. 204.° n.° 1 alínea i) do CPPT tendo alegado, para tal, que se encontravam preenchidos todos os requisitos simultâneos previstos no referido art. 204º nº 1, isto é, por não estar em causa quaisquer diligencias de prova que não a documental, estar em causa a inexigibilidade da dívida exequenda e não estar em causa qualquer matéria que seja da exclusiva competência da repartição de finanças de V.N. de Famalicão.

2. Para tanto alegou ainda que estava em causa uma situação em que já se encontrava pendente processo de reclamação graciosa, com efeito suspensivo, onde se iria apreciar, entre outros, da inexigibilidade da dívida exequenda, e que,

3. Para a jurisprudência maioritária a inexigibilidade da dívida exequenda tem enquadramento no art. 204.° n.° 1 alínea i).

4. Recebida a oposição, pelo Tribunal a quo, este rejeitou-a liminarmente por entender que a presente situação não se encontra enquadrada em nenhuma das situações previstas no art. 204.° do CPPT.

5. Com tal entendimento não pode a recorrente conformar-se já que entende que quando o fundamento alegado para a oposição à execução tem enquadramento no art. 204.° n.° 1 alínea i) nunca há lugar ao indeferimento liminar, antes se impõe ao julgador que para conhecimento do mérito da oposição, tome partido, expressa ou implicitamente do mérito da oposição, sem prejuízo de que,

6. Segundo entendimento do conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado, 5ª Ed., Vol. II, pág. 368, a alínea i) do n.° 1 do art. 204.° do CPPT constitui “Uma disposição de carácter residual em que são enquadráveis todas as situações não enquadráveis nas outras alíneas do mesmo número, em que há um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade”.

7. E ainda que conforme o Ac. do STA de 30/01/2013, que considerou que “1 - Constituem fundamentos de oposição à execução fiscal subsumíveis na alínea i) do n.° 1 do artigo 204.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário todas as situações não abrangidas pelas outras alíneas do mesmo número, em que existir um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade, designadamente a pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo.”

8. Pelo que a presente oposição deveria ter sido recebida, analisados os seus fundamentos e julgada procedente.


Requereu que dando provimento ao Recurso seja revogada a sentença recorrida que rejeitou liminarmente a petição inicial, e substituída por outra que venha a decidir do mérito da causa.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público considerando dever o recurso ser julgado improcedente.

A decisão recorrida não indicou qualquer matéria de facto assente, em termos expressos, ainda que resulte do seu teor que implicitamente tomou em consideração os seguintes factos provados por documento, com relevo para a decisão de ambos os recursos:

1- Em 29 de Março de 2012 foi instaurada a execução fiscal n.° 35902012010201021281 contra si instaurada, para cobrança coerciva do montante de € 194.845,67, referente a dívidas de Imposto sobre o valor acrescentado dos exercícios de 2007 a 2009.
2- O oponente foi citado para a execução em 4 de Abril de 2012.
3- Os actos de liquidação de Imposto sobre o valor acrescentado que deram causa ao montante exequendo foram notificados ao oponente e o prazo de pagamento voluntário terminava em 28 de Fevereiro de 2012;
4- 28 de Fevereiro de 2012 o oponente apresentou reclamação graciosa contra tais actos de liquidação que foi indeferida em 2 de Julho de 2012;
5- Tal decisão foi notificada ao oponente em 19 de Julho de 2012;
6- Em 14 de Agosto de 2012 o oponente apresentou recurso hierárquico da decisão que indeferiu a reclamação graciosa.
7- O oponente solicitou a suspensão do processo de execução fiscal mediante a prestação de garantia no valor de 35 000,00€ e a dispensa dessa prestação relativamente ao remanescente no valor de 214 688,74€.
8- O processo de execução fiscal encontra-se suspenso.
9- Em 11 de Maio de 2012 o A……………… deduziu a presente oposição à execução fiscal n.° 35902012010201021281 contra si instaurada, para cobrança coerciva do montante de € 194.845,67, referente a dívidas de Imposto sobre o valor acrescentado dos exercícios de 2007 a 2009.
10- Em fundamento da sua pretensão invocou, em síntese:
. não desenvolver qualquer actividade passível de tributação em sede de Imposto sobre o valor acrescentado
. questão que contende com a exigibilidade da dívida exequenda que será apreciada na reclamação graciosa que apresentou e na qual irá requerer a suspensão da execução,
. a sujeição do executado a diligências de penhora poderá significar um prejuízo irremediável,
. Requereu que:
Entende pois o executado que ao abrigo do artº 204, nº 1, i) do Código de Procedimento e Processo Tributário (jurisprudência do STJ, por também se encontrar pendente processo de reclamação graciosa, cujo efeito suspensivo irá ser requerido e crê-se deferido, deve a presente oposição ser recebida e considerada procedente por provada, extinguindo-se assim a presente oposição».

11- Em 19 de Junho de 2012 foi liminarmente admitida a oposição e notificada a Fazenda Pública para contestar.
12- Em 18 de Setembro de 2012 foi apresentada contestação nestes autos.


Questão objecto de recurso:

1- Indeferimento liminar da oposição.
2- Erro na forma de processo.


O presente processo é um processo de oposição à execução fiscal em que o recorrente pretende atacar diversos vícios dos actos de liquidação de Imposto sobre o valor acrescentado, tendo invocado que se verifica inexigibilidade da dívida exequenda.
Muito embora haja uma mistura de fundamento de impugnação judicial de acto de liquidação, com um pedido típico de oposição à execução fiscal, tendente a obter a declaração da extinção desta, em verdade parece que a oposição foi apenas apresentada como medida mais cautelar para assegurar, de outra forma, aquilo que já invocava o recorrente em sede de reclamação graciosa apresentada contra os actos de liquidação.
Nesta oposição pretende o oponente atacar a legalidade em concreto do acto de liquidação pelo que deveria ter lançado mão do processo de impugnação e não do processo de oposição.

O despacho liminar, proferido ao abrigo do disposto no artº 209 do Código de Procedimento e Processo Tributário é o único momento em que a «acção pode ser rejeitada liminarmente». Depois de recebida a oposição e notificada a Fazenda Pública para contestar, deixará de poder falar-se em indeferimento liminar.
A causa de pedir invocada é efectivamente uma causa de pedir própria de um processo de impugnação do acto de liquidação, mas, o pedido formulado – extinção da execução -, em nada se coaduna com o pedido de declaração de nulidade ou anulação do acto de liquidação, ainda que obtidas uma qualquer destas declarações, a consequência inevitável no processo de execução onde se procede à cobrança coerciva do montante liquidado não possa ser outro que a sua irremediável extinção.
Relativamente aos actos de liquidação, ao que consta dos autos, não foi interposta qualquer acção de impugnação do acto de liquidação.
Apresentou contra elas o oponente reclamação graciosa, que foi indeferida e, deste despacho de indeferimento interpôs recurso hierárquico em 14 de Agosto de 2012 que, tanto quanto se recolhe dos autos, se mostra ainda por decidir.
A factualidade que o oponente alega não tem enquadramento na alínea i) do n° 1 do artigo 204° do Código de Procedimento e Processo Tributário, uma vez que ele discute apenas questões relativas à ilegalidade concreta do acto de liquidação que poderia ser analisada em processo de impugnação, caso o tivesse oportunamente instaurado.
Bem certo que o texto da oposição tende, numa primeira análise, a conduzir a uma discussão sobre a legalidade em abstracto do acto de liquidação ao invocar que um condomínio não exerce actividade económica e é um mero repositório de despesas a que afecta as receitas recolhidas junto dos condóminos responsáveis pelo respectivo pagamento.
Mas os elementos dos autos permitem-nos uma análise mais profunda do problema. O que está aqui em causa é a actividade de Administração de Condomínios – cae 068322 – pela qual a empresa que se ocupa, também, ou até exclusivamente da Administração do A…………………… se encontra colectada desde 1995 e que foi alvo de uma acção inspectiva levada a cabo pelos serviços de Inspecção Tributária da Direcção Geral de Finanças de Braga, cujo objectivo foi a recolha e cruzamento de dados, com referência a 2007, 2008, 2009 e 2010, para verificação do enquadramento fiscal do sujeito passivo e de que resultaram, em sede de Imposto sobre o valor acrescentado, correcções aritméticas aos exercícios de 2007, 2008, 2009 e 2010 que originaram as liquidações de Imposto sobre o valor acrescentado e respectivos juros compensatórios a que se reportam, também estes autos.
Não está em causa a tributação ou isenção de tributação em sede de Imposto sobre o valor acrescentado de um qualquer condomínio, mas a tributação, em sede de Imposto sobre o valor acrescentado de uma concreta entidade empresarial que exerce a actividade de administração de condomínios. Por isso, trata-se de discutir, em concreto, cada um dos actos de liquidação e não uma definição abstracta sobre se os condomínios, e, também este especificamente, é passível de tributação em sede de Imposto sobre o valor acrescentado e se, simultaneamente se verifica o facto impeditivo que impossibilita o nascimento da obrigação tributária, dando origem ao nascimento do direito à isenção – seguindo, a este propósito os ensinamentos do Profº Alberto Xavier, quanto quanto à natureza jurídica das normas de isenção tributária, in Manual de Direito Fiscal, 1981 - . Tal pretensão, não é, pois, enquadrável no disposto na alínea i) do nº 1 do artº 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário, como pretende o oponente.

Assim, não há qualquer fundamento para indeferimento liminar da petição inicial mas verifica-se a excepção dilatória de erro na forma de processo.
O erro na forma de processo, constitui excepção dilatória que determinará a anulação de todo o processo, e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, como aqui ocorre, em conformidade com o disposto nos artºs. 199º, nº 1; 288º, nº 1, al. b); 493º, nº 2, e 494º, al. b), todos do Código de Processo Civil, ex vi do artº 2º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Resta analisar se, em concreto, ao abrigo do disposto no artº 97º, nº 3 da Lei Geral Tributária, e 98º, nº 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário é possível a conversão deste processo de oposição em processo de impugnação.
O oponente reclamou dos actos tributários de liquidação adicional de juros compensatórios, recorrendo depois hierarquicamente do seu indeferimento, nos termos do artigo 76.º do Código de Procedimento e Processo Tributário. O objecto da impugnação contenciosa do indeferimento da reclamação e do subsequente recurso hierárquico são as liquidações aqui em causa, a que acrescem vícios próprios do indeferimento da reclamação graciosa.
Não há qualquer dúvida que, após a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada se mantêm os actos tributários de liquidação que, também foram atacados com fundamento na respectiva ilegalidade, no recurso hierárquico. Como tem vindo a ser entendimento reafirmado por este Supremo Tribunal Administrativo, deduzida reclamação graciosa da liquidação e interposto subsequente recurso hierárquico, cabe ainda impugnação judicial da decisão deste, tendo por objecto, os mesmos actos tributários de liquidação.
Tendo há muito ocorrido o indeferimento tácito do recurso hierárquico, dois meses sobre a apresentação de recurso sem decisão expressa - por aplicação expressa dos artºs. 66º, nº 5 do Código de Procedimento e Processo Tributário e 175º, nº 3 do Código de Procedimento Administrativo -, começou a partir do dia seguinte a contar-se o prazo de 90 dias para dedução da impugnação judicial – art. 102º, nº 1, d) do Código de Procedimento e Processo Tributário.
O processo de oposição, aqui em causa deu entrada em juízo muito antes de se completar o referido prazo de indeferimento tácito.
Não contém o processo elementos que permitam concluir se, entretanto, a oponente interpôs impugnação dos actos de liquidação, seja na sequência de indeferimento tácito do recurso hierárquico, seja independentemente dele.
Admitindo-se, como possível a conversão destes autos em processo de impugnação do acto de liquidação dado que a antecipação da prática de um acto não determina a sua nulidade, excepto se tal efeito lhe for cominado expressamente pela lei – situação a que seriamos reconduzidos perante a conversão deste processo em processo de impugnação do acto de liquidação, possível em face do indeferimento tácito do recurso hierárquico, mas sempre apresentada em juízo com grande antecipação à data em que tal indeferimento tácito se havia constituído – importa averiguar se essa impugnação dos actos de liquidação foi ou não apresentada pelo contribuinte.
A contestação foi apresentada em momento anterior àquele em que se completaria o prazo de indeferimento tácito do recurso hierárquico.
Se tal impugnação dos actos de liquidação foi apresentada, será nesse processo, com os fundamentos e pretensões expressamente formuladas pelo contribuinte que as questões aqui em causa devem ser analisadas e dirimidas.
Se tal impugnação dos actos de liquidação não foi apresentada, então terá utilidade a conversão deste processo em processo de impugnação, para permitir a análise da legalidade dos actos de liquidação.

Tal implica a remessa dos autos ao Tribunal recorrido para que, de posse dos elementos agora em falta, possa decidir da possibilidade ou impossibilidade em converter o presente processo em processo de impugnação do acto de liquidação.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos à 1ª instância para os efeitos referidos no parágrafo anterior.

Sem custas.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art. 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).
Lisboa, 9 de Julho de 2014. – Ana Paula Lobo (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.