Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0222/12
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:TAXA MUNICIPAL
TAXA DE PUBLICIDADE
ÂMBITO DO RECURSO JURISDICIONAL
COMPATIBILIDADE COM O DIREITO COMUNITÁRIO
REENVIO PREJUDICIAL
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I – O reenvio prejudicial só se justifica quando a questão da interpretação de uma norma de direito comunitário se deva considerar pertinente, ou seja, quando o caso “sub judice” tenha de ser decidido de acordo com aquela regra, mostrando-se necessária para esse efeito, a opinião do TJUE.
II – Suscitada em processo que corra na jurisdição nacional questão de interpretação de normas da União Europeia, cumpre ao Tribunal nacional decidir da pertinência das questões levantadas e da necessidade de decisão prejudicial do TJUE, a provocar nos termos do processo de reenvio prejudicial.
III – O Tribunal de Justiça só se pronuncia sobre questões relevantes para a decisão do caso concreto, estando afastada qualquer apreciação abstracta de questões teóricas, hipotéticas ou impertinentes.
IV – Não é de considerar pertinente a questão suscitada em termos de justificar o reenvio prejudicial se a apreciação da legalidade das liquidações em causa não convoca sequer a aplicação das normas comunitárias por si apontadas (arts. 49º e 50º, nº 2, do TFUE), apenas pressupondo a interpretação e aplicação de normas de direito interno.
V – Caracterizando-se como verdadeiras taxas as quantias cobradas ao abrigos dos artigos 3º, 16º e 20º do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa pela emissão de licença de colocação, em prédios de propriedade privada, de letreiros e anúncios de natureza comercial, não podem tais normas ter-se por organicamente inconstitucionais.
Nº Convencional:JSTA00067936
Nº do Documento:SA2201211210222
Data de Entrada:02/27/2012
Recorrente:A.... SA
Recorrido 1:CM DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISIDICIONAL - TAXA.
Legislação Nacional:CPC96 ART684 N3 ART685-A N1.
CONST76 ART238 N4 ART254 ART241.
L 97/98 DE 1998/08/17 ART1 N2.
L 53-E/2006 DE 2006/12/29 ART3 ART15 N1.
LFL07 ART10 C.
LGT98 ART4 N1.
DL 92/2010 DE 2010/07/26 ART8.
DL 48/2011 DE 2011/04/01 ART31.
DL 330/90 DE 1990/01/23 ART3.
Legislação Comunitária:TFUE ART49 ART50 N2 C ART267 ART54 ART56 ART62.
DIR CONS CEE 2006/123/CEE ART15 N3 B C ART1 ART44 ART15 N2 ART14 ART2 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0284/11 DE 2011/11/30; AC STA PROC0636/11 DE 2011/11/16; AC STA PROC0193/11 DE 2011/11/02; AC STA PROC0752/10 DE 2011/01/12; AC STA PROC033/10 DE 2011/01/19; AC STA PROC0119/11 DE 2011/04/06; AC STA PROC093/11 DE 2011/01/25; AC STA PROC0306/11 DE 2011/10/12; AC TC PROC537/2002 DE 2004/02/17; AC TC PROC177/2010 DE 2010/05/15
Jurisprudência Internacional:AC TRIJ PROCC-337/95 DE 1997/11/04
AC TRIJ PROCC-99/00 DE 2002/06/04
AC TRIJ PROCC-495/03 DE 2005/09/15
AC TRIJ PROCC-76/90 DE 1991/07/25
AC TRIJ PROCC-43/93 DE 1994/08/09
Referência a Doutrina:EUGÉNIA RIBEIRO TRATADO DE LISBOA 2012 PAG963-965.
JÓNATAS MACHADO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA 2010 PAG 580 PAG577 PAG324.
ALEXANDRE MOTA PINTO ANOTAÇÃO AO TRATADO DE LISBOA PAG318-319.
PAULA PEREIRA PRINCIPIOS DO DIREITO FISCAL INTERNACIONAL 2010 PAG256.
CRUZ VILAÇA CJA N30 2001 PAG10-11.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I - RELATÓRIO

1. A……., S.A., com a identificação constante dos autos, deduziu impugnação judicial, no Tribunal Tributário de Lisboa – 4ª Unidade Orgânica, dos actos de cobrança relativos às facturas nºs 700000020810 e 700000021826, referentes a publicidade, praticados pela Câmara Municipal de Lisboa, que foi julgada improcedente.

2. Não se conformando com tal decisão, A……., S.A., veio interpor recurso, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, tendo nas Alegações, apresentado as seguintes Conclusões:

I— A douta sentença recorrida ao confirmar a legalidade da cobrança de taxas de publicidade pela afixação, em propriedade privada ou espaço contíguo a esta, de mensagens publicitárias com os sinais distintivos do comércio do estabelecimento ou do respectivo titular da exploração, ou relacionadas com bens ou serviços comercializados no estabelecimento, ainda que visíveis do espaço público, viola o BLOCO DE LEGALIDADE do Direito da UE aplicável ao caso sub judice, designadamente os Princípios da Necessidade e da Proporcionalidade e Gratuitidade, descritos no n° 3 alíneas b) e c) do art° 15° da Directiva Serviços n.º 2006/123/CE, ex vi imposição resultante da liberdade de Estabelecimento e do Princípio da Excepcionalidade de regimes de autorização administrativa (art°s 49° e 50 n° 2 al.c) do TFUE) — bloco este directamente invocável e aplicável, ex officio, na ordem jurídica interna, por força da aplicabilidade directa do direito da União, nesta sede - tal como decidido pelo TJUE em diferentes acórdãos, designadamente Acórdão Van Gend & Loos, Acórdão Marleasing SA, Acórdão Konstantinos Adeneler, Acórdão Francovitch, Acórdão Simmenthal e Acórdão Coster - em consequente violação do Princípio do Primado do Direito da EU consagrado no art. 8°, n.° 4, da CRP — vicio de que igualmente enferma o Acórdão do TC n° 177/2010 de 5 de Maio — acórdão fundamento da douta sentença recorrida;

II — Consequentemente, se requerendo o reenvio prejudicial ao TJCE para apreciação da existência, no caso recorrido, de uma violação aos art°s 49º, 50° n°2 alínea c) do TFUE em vigor, bem como violação, quer pela Entidade Recorrida - pela via do Regulamento impugnado nos autos — quer pela sentença recorrida, dos princípios da necessidade e da proporcionalidade descritos no n° 3, alíneas b) e c) do art° 15° da indicada Directiva Serviços n° 2006/123/CE, ex vi imposição e aplicabilidade directa, ao caso dos autos, do princípio da excepcionalidade de regimes de autorização administrativa. (art° 50 n° 2 al.c) do TFUE);

III — Reenvio prejudicial que é da competência obrigatória deste V. STA, ex vi art°s 19° n° 3 al. b) do Tratado CE e art° 267° do TFUE.

IV — Sem conceder, deve ser declarada - ipso jure - a nulidade da douta sentença recorrida, bem como dos actos de cobrança que nela vêm confirmados - por evidente violação do Princípio da Legalidade, pois que tal cobrança não assenta, na realidade, em qualquer contrapartida comprovável, como tal, de serviços que, concretamente, efectivamente sejam prestados pelo ente autárquico ao particular, igualmente não assentando (a mesma cobrança) na utilização de qualquer bem público ou semi-público, assim resultando violado o princípio da equivalência jurídica (art.° 4° da RTL) — neste sentido, cfr. Ac. deste STA n° 033/10 de 2/06/2010;

V - Pelo Dec. Lei n° 92/2010 de 26 de Julho (que transpõe, fora de prazo, para a ordem jurídica interna a Directiva Serviços n° 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro), vem determinar-se que os Princípios da Proporcionalidade, Adequação, Necessidade e Proporcionalidade em sentido restrito, bem como o Princípio da Gratuitidade, devem presidir a todo o leque de permissões administrativas para acesso ou exercício de actividades de serviços (art° 8° do citado DL.),

VI - Por força do imposto pela citada Directiva, vem o Dec. Lei n° 48/2011 de 1 de Abril, designadamente no seu art° 31°, dispor no sentido da isenção de quaisquer permissões ou licenças ou autorizações administrativas para a afixação de publicidade em propriedade privada, mesmo que visível do domínio público, quando esta consista na publicitação de marcas ou sinais distintivos de comércio detidos pelos titulares ou detentores dos edifícios ou estabelecimentos onde a mesma seja colocada - vindo terminar com os regimes de permissão/autorização administrativa aplicáveis ao tipo de acto administrativo de cobrança sub judice — mas cumpre repetir que, por força da eficácia prática e aplicabilidade directa da citada Directiva, o termo de tais regimes permissivos ou autorizatórios, no direito interno, teve o fim logo a 28 de Dezembro de 2006, data da entrada em vigor daquela Directiva, nos respectivos Estados-Membros e independentemente do acto de transposição, por estarem em presença direitos e liberdades análogos a direitos fundamentais com tutela constitucional.

VII - A afixação de publicidade em causa está isenta de qualquer acto de licenciamento, permissão ou autorização administrativa, bem como do pagamento de qualquer taxa, pelo que é livre a respectiva utilização e afixação em bens imóveis de propriedade ou legítima detenção por parte dos Interessados - face à revogação sistemática da legislação anterior e / ou posterior à Directiva, se tal legislação se mostrar desconforme ao Bloco de Legalidade emergente do direito da EU, maxime da Directiva Serviços n°2006/123/CE do Parlamento Europeu e Conselho de 12 de Dezembro.

VIII - Face ao Bloco de Legalidade aplicável ao caso concreto - quer das normas do Ordenamento Comunitário, quer das normas do Ordenamento Interno àquele necessariamente subjacente - deve revogar-se a douta Sentença recorrida, por enfermar a mesma do vício de erro de julgamento em matéria de Direito, decidindo em violação do Princípio da Legalidade.”

3. Foram apresentadas Contra-alegações pela CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA, com as seguintes Conclusões:

1.ª Ao contrário do pugnado pela Recorrente, para a correcta interpretação das liquidações objecto dos autos a que respeita o presente, são aplicáveis as disposições constitucionais, legais e regulamentares tidas em conta pela douta Decisão recorrida, não carecendo a questão sub judice da interpretação de quaisquer normas de Direito da União Europeia;
2.ª Mais, consideradas tais normas e o real enquadramento jurídico das liquidações, só pode concluir-se como a douta Sentença recorrida e a generalidade da jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, pela natureza de taxa das liquidações impugnadas, consubstanciadas nos tributos devidos pela concessão de licenciamentos de publicidade, ainda que reportados a renovações automáticas, e a publicidade afixada em imóveis particulares;
3.ª- O legislador constitucional concedeu expressamente, aos municípios, um conjunto de atribuições, de entre as quais avultam, com relevo para a presente questão, o exercício de poderes tributário e regulamentar (cfr. n.° 4, do art. 238.°, § único do art. 254.° e art. 241.°, todos da CRP). Os municípios encontram-se, assim, constitucionalmente habilitados, não só a liquidarem e cobrarem as taxas que se encontrem previstas na lei, como é o caso da taxa devida pelo licenciamento de publicidade, como a definirem, de forma geral e abstracta, os termos em que o pretendem fazer.
4.ª- A afixação de mensagens publicitárias de natureza comercial, na área de cada município, depende de Licenciamento prévio da Câmara Municipal respectiva, nos termos do disposto no art. 1.º, da Lei n.° 97/98, de 17 de Agosto, diploma que regula a afixação de tais mensagens e que, para além de remeter o licenciamento da publicidade para competência municipal, atribui à mesma a definição dos critérios de licenciamento aplicáveis na área do respectivo concelho (n°2, art. 1.°);
5.ª- De acordo com o art. 3.°, da Lei n.° 53-E/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, consubstanciam as mesmas tributos que assentam, para o que aqui importa, ou na utilização de bens do domínio público ou privado das autarquias, ou na remoção de obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, acrescendo, nos termos das alíneas b) e c), do art. 6.°, do mesmo Diploma, que as taxas municipais podem incidir sobre diferentes utilidades, prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, constituindo contrapartida, nomeadamente, da concessão de licenças ou da utilização e aproveitamento do bens municipais, integrantes do domínio público ou privado dos municípios;
6.ª- Por seu turno, a Lei das Finanças Locais aprovada pela Lei n.° 2/2007, de 15 de Janeiro consagra como receita municipal, em continuidade da anterior, o rendimento decorrente da cobrança de taxas proveniente da concessão de licenças, na al. c), do art. 10.º, as quais podem ser criadas nos termos definidos no já mencionado Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (cfr n.° 1 do art. 15.°);
7.ª- A descrita disciplina jurídica, desconsiderada pela Recorrente, faz decair toda a argumentação que apresenta, a propósito da alegada falta de sinalagmaticidade da taxa impugnada e da correspondente arguição de nulidade, esvaziando-a de qualquer conteúdo;
8.ª- Acresce, a definição de publicidade inserta na al. a), do art.º 3.º, do Código da Publicidade, a qual abrange as mensagens cuja exibição a Recorrente sujeitou a licenciamento, de acordo Com as anteditas disposições Legais e com a regulamentação da publicidade em vigor no município;
9.ª- O licenciamento da Publicidade, na cidade de Lisboa, encontra a sua sede no Regulamento de Publicidade - Edital n.° 35/92, de 19 de Março, com a redacção dos Editais n.° 42/95, de 25 de Abril e 53/95, publicados respectivamente nos Boletins Municipais n.º 16331, de 12/03/1992, 61, de 25/04/1995, e 66, de 30/05/1995, sendo as taxas concretamente aplicáveis a cada licenciamento as estabelecidas na Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (TTORM) em vigor aquando do mesmo, nos termos do art. 16.° do referido Regulamento, sendo que, para a situação dos autos, as taxas foram liquidadas tendo por base os valores estabelecidos na TTORM em vigor para o ano de 2008, publicada no Boletim Municipal n.° 726, de 17 de Janeiro de 2008 (Edital n.° 3/2008);
10.ª- Nos termos do n.° 1, do art. 2.°, do antedito Regulamento, para a afixação de mensagens publicitárias, em locais públicos ou privados, é sempre necessário licenciamento prévio, encontrando-se, concretamente, sujeita àquele a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em bens ou espaços afectos ao domínio público, ou dele visíveis, nos termos do n.° 1, do art. 3.°, do mesmo Regulamento;
11.ª- Nos termos do art. 20.° do referido regulamento, a licença de publicidade renova-se automática e sucessivamente, caso não ocorra comunicação de oposição à renovação, efectuada em determinado prazo, por parte da CML ou do titular do licenciamento;
12.ª- Do Regulamento da Publicidade, em estrita obediência aos ditames que motivaram a atribuição do licenciamento da publicidade aos municípios e de acordo com o determinado pela referida Lei n.° 97/98, constam os limites que o município de Lisboa estabeleceu para o exercício de tais actividades, nos arts. 4.º a 6.°, dos quais se destacam, a título de exemplo, os atinentes à protecção da estética ou ambiente dos lugares ou da paisagem (art. 4.º), ou à protecção da segurança de pessoas e bens (art. 6º). Tais limites constituem a principal razão da outorga aos municípios de atribuições em sede de licenciamento de actividades publicitárias, a qual assenta no facto, notório, de a publicidade ter o seu impacto no domínio público, no qual é exibida e de cuja protecção e fiscalização o legislador encarregou os municípios, mediante a verificação das condições e limites da sua utilização, definidos no âmbito do licenciamento;
13.ª- Existe contraprestação, para Recorrente, do licenciamento da publicidade, na medida em que, não só a habilitação daquela para a afixação das mensagens publicitárias decorrer da emissão e subsequentes renovações de licença, concedidas pelo município, como bem constata a douta decisão recorrida, mas igualmente porque a exibição das mensagens publicitárias consubstancia, para a Recorrente, uma utilização individualizada do domínio público municipal, uma vez que as mensagens publicitárias são exibidas e visíveis da via pública/domínio público municipal;
14.ª- Por intermédio do licenciamento da publicidade é facultada ao respectivo titular, pela CML, uma utilização individualizada do domínio público, configurada no veicular da mensagem que pretende transmitir aos particulares que circulam no espaço público de onde aquela é visível, a qual é remunerada pelo pagamento da taxa;
15.ª- Na senda da douta decisão recorrida, ainda que não existisse, para a Recorrente, contrapartida do licenciamento, na situação em concreto considerada existe outro dos pressupostos necessários à verificação de tal figura jurídico tributária, o que se conclui da noção de taxa adoptada pelo legislador ordinário no art. 4° da LGT, o qual identifica três situações, alternativas, que legitimam a cobrança de taxas, nas quais se incluem as já mencionadas (remoção de obstáculo jurídico ao comportamento do particular e utilização de bem do domínio público municipal), que vieram a ser posteriormente incluídas pelo legislador, no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, como já se referiu;
16.ª- Assim, dos princípios disciplinadores do ordenamento jurídico-tributário em vigor decorre, directa e expressamente, a natureza do tributo liquidado e cobrado à Recorrente, uma vez que a emissão de licença corresponde à remoção de obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares;
17.ª- A ser adoptada a posição que a Recorrente pugna, ocorreria inconstitucionalidade, mas por via da clara violação dos poderes tributário e regulamentar, atribuídos pelos arts. 238°, n.° 4 e 241.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) aos municípios, bem como da respectiva autonomia financeira, igualmente consagrada na Lei Fundamental, o que desde já se argui, para todos os legais efeitos;
18.ª- A linha interpretativa que se defende, adoptada, e bem, pela douta Decisão recorrida, foi acolhida pela mais recente jurisprudência dos Tribunais nacionais, encontrando-se, actualmente consolidada. A título de exemplo, referem-se o douto Acórdão do TC n.° 177/2010, publicado no Diário da República n.° 110, 2.ª Série, de 8 de Junho de 2010, reiterado no douto Acórdão n.º 408/11, de 27 de Setembro e na Decisão Sumária n° 417/2010, de 11 de Outubro, tendo o STA, de igual modo, reconhecido a natureza de taxa do tributo impugnado, nomeadamente nos doutos Acórdãos de 12 de Janeiro de 2011 (Rec. n.° 752/10), 19 de Janeiro de 2011 (Rec. n° 33/10), 6 de Abril de 20011 (Rec. n.° 119/11), 25 de Maio de 2011 (Rec. n.° 93/11), 1 de Junho de 2011 (Rec. n° 135/11), 13 de Julho de 2011 (Rec. n.° 462/11), 7 de Setembro de 2011 (Rec. n° 585/11), 28 de Setembro de 2011 (Rec. n°15/11) e 2 de Novembro de 2011 (Rec. n.°116/10);
19.ª- Concretizando, a Recorrente, por intermédio do licenciamento da publicidade, que a Recorrida lhe concedeu e vem renovando, beneficia de um uso comum extraordinário do domínio público, pois o uso que lhe é facultado pelo licenciamento é distinto do uso dito ordinário, de que usufruem todos os utilizadores, na medida em que lhe proporciona especiais vantagens, individuais porque sentidas, apenas, por aquela e, nessa medida, divisíveis;
20.ª- E, se o uso comum ordinário se rege, entre outros, pelos princípios da gratuitidade e da liberdade, o uso comum extraordinário comporta excepções a tais princípios, ocorrendo, perante a utilidade concretamente facultada ao particular, uma cedência daqueles e impondo-se as regras, da onerosidade, porquanto é legitimo que quem retira especiais vantagens da utilização do domínio público pague uma contrapartida, que constitui remuneração de tais vantagens, e da limitação, resultante de lei ou regulamentos que dispõem sobre determinados aspectos, considerados relevantes para garantir o uso adequado do domínio público, quer com o intuito de preservar em bom estado a estrutura material das coisas, quer para não diminuir a sua aptidão para o fim a que estas se destinam, quer ainda para assegurar a protecção do bem jurídico ambiente;
21.ª- Existindo divisibilidade da vantagem decorrente, para o particular, da especial utilização do domínio público, a respectiva contrapartida reveste, naturalmente, natureza jurídica de taxa, atento o nexo sinalagmático que, por via daquela, se constituiu;
22.ª- Improcede, pois, a invocada ilegalidade das liquidações controvertidas, por as mesmas revestirem, indubitavelmente, natureza de taxas, acrescendo que, ainda que padecessem dos invocados vícios, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, nunca os mesmos acarretariam a nulidade das liquidações, como a Recorrente afirma;
23.ª- O vício que inquina a liquidação que eventualmente (o que não é o caso) assente em norma ilegal ou inconstitucional é a anulabilidade, uma vez que nenhuma norma, no nosso ordenamento jurídico, aponta à descrita situação o vício maior da nulidade, considerando o disposto no art. 133.°, do CPA e que o elenco dos vícios cominados com nulidade, atenta a gravidade dos mesmos, sobretudo devido à insegurança jurídica que a disseminação de tal forma de invalidade poderia acarretar, se encontra expressa na lei;
24.ª- No que concerne à invocada violação do art. 49.º e da al. c), do n.° 2, do art. 50.° do Tratado sobre o Funcionamento da União europeia (TFUE), não assiste razão à Recorrente, porquanto tais normas não têm o alcance que esta lhes pretende imprimir, assim se concluindo, à partida, com a leitura atenta de tais normativos de direito da União, da qual mais se constata, a inexistência de qualquer violação;
25.ª- Concretamente, o artigo 49.ª consagra a proibição de restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro. A liberdade de estabelecimento compreende tanto o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício, como a constituição e a gestão de empresas e designadamente de sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 54.°, nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais, sem prejuízo do disposto no capítulo relativo aos capitais;
26.ª- Já nos termos da alínea c), do n.° 2, do art. 50.°, o Parlamento Europeu o Conselho e a Comissão exercerão as funções que lhes são confiadas nos termos das disposições anteriores, designadamente: (...) c) eliminando os procedimentos e práticas administrativas decorrentes, quer da legislação nacional, quer de acordos anteriormente concluídos entre os Estados-Membros, cuja manutenção constitua obstáculo à liberdade de estabelecimento;
27.ª- Não se vislumbra, nem a Recorrente identifica, que restrição à liberdade de estabelecimento, entre nacionais de diferentes Estados-Membros, decorre do licenciamento de afixação de publicidade ou, concretamente, das liquidações impugnadas;
28.ª- Na verdade, nos descritos licenciamentos e consequentes liquidações de taxas, não parecem estar em causa sociedades de diferentes Estados-Membros, cuja diferença de tratamento, face às sociedades nacionais, pudesse, eventualmente, configurar violação do aludido art. 49.º, não só porque inexistem tais dissemelhanças de tratamento, como a Recorrente nem sequer invoca ser nacional de outro Estado-Membro, improcedendo, por natureza, a alegada violação do art. 49.º do TFUE, na medida em que a mesma implicaria, repete-se, a existência de diferentes tratamentos, quanto ao direito de estabelecimento, para as sociedades portuguesas, face às suas congéneres, nacionais de outros Estados-Membros, situação que não se verifica e a Recorrente não identifica ou sequer, directa ou indirectamente, afirma existir;
29.ª- Igualmente acontece, quanto à alegada violação da al. c), do n.° 2, do art. 50.°, do TFUE, o qual estabelece, como se viu, o sentido em que as instituições europeias hão-de legislar - eliminando os procedimentos e práticas administrativas decorrentes, quer da legislação nacional, quer de acordos anteriormente concluídos entre os Estados-Membros, cuja manutenção constitua obstáculo à liberdade de estabelecimento -, por intermédio de directivas, como decorre do n.° 1, do mesmo dispositivo normativo;
30.ª- No Licenciamento de publicidade que originou as liquidações objecto da Impugnação Judicial cuja decisão final é questionada nestes autos, inexiste qualquer limitação à liberdade de estabelecimento, constituindo por natureza matéria distinta do exercício da actividade (de comércio ou serviços) propriamente dito, a que se refere o invocado dispositivo do TFUE;
31.ª- Ademais, é o próprio TFUE a determinar que o objectivo, de eliminação dos procedimentos e práticas administrativas decorrentes, quer da legislação nacional, quer de acordos anteriormente concluídos entre os Estados-Membros, cuja manutenção constitua obstáculo à (liberdade de estabelecimento deverá ser atingido (pelas instituições da União Europeia), por intermédio de Directivas (como, aliás, veio a acontecer), afastando à partida a aplicabilidade directa de tal disposição;
32.ª- Há uma clara opção do legislador da União, quanto à forma de concretização de tal desiderato: a aprovação de Directivas, numa claro desígnio de harmonizar legislações, mas deixando aos Estados-membros liberdade de escolha quanto aos meios a utilizar, para tal fim.
33.ª Está, assim, vedada à partida a interpretação que a Recorrente defende nestes autos, mostrando-se inviável a aplicabilidade directa da referida norma [al. c), do n.° 2, do art. 50.º, do TFUE], a qual não encerra, em si, o conteúdo que a Recorrente lhe pretende associar;
34.ª- Inexiste, nos presentes autos, qualquer questão susceptível de ser colocada perante o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), devendo ser desatendido o pedido de reenvio prejudicial que a Impugnante veio formular, quanto à violação dos arts. 49.º e 50.° do TFUE, simplesmente porque, como se demonstrou, a aplicabilidade de tais normativos não se encontra em causa, não sendo aqui questionável a interpretação dos mesmos;
35.ª- Defende a Recorrente a aplicabilidade (directa) de tais normas, em prejuízo de normas internas em sentido contrário, ainda que posteriores por, alegadamente, configurarem direitos e liberdades análogos a direitos fundamentais com tutela constitucional, num conceito que vem sendo jurisprudencialmente construído, pelo TJUE;
36.ª- Não se questionando que a jurisprudência do TJUE tem vindo a permitir, em determinadas situações, a aplicabilidade directa de normas dos Tratados, em detrimento de disposições de direito interno (em sentido contrário), a verdade é que tal aplicabilidade directa só é possível na medida em que as próprias normas, e respectivo sentido, o permitam;
37.ª- Mas, não é possível, por intermédio da aplicabilidade directa, pretender estender, por via de interpretação, o sentido literal e efectivo das normas, pretendendo que estas abarquem realidades que não abrangem, como a Recorrente vem fazer, nos presentes autos;
38.ª- Mais, mesmo considerando-se que aqueles artigos do TFUE revestem a aludida qualidade, os mesmos não assumem o alcance pretendido pela Recorrente;
39.ª- Na verdade, nos termos do n.° 4, do art. 8.°, da CRP, as normas dos Tratados e as provindas das Instituições da União Europeia no exercício das suas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático;
40.ª- Tal norma, integrante da nossa Lei Fundamental, autoriza o direito primário da União, tanto a definir os termos da sua aplicação como a estabelecer os respectivos limites (Jorge Miranda e Rui Medeiros, obra citada);
41.ª- As normas de Direito da União têm, forçosamente, de ser interpretadas dentro de determinados limites, pois embora careçam de interpretação e aplicação uniformes, no espaço da União, não deixam de ter por base as competências atribuídas pelos Tratados às Instituições da União, carecendo aqueles Tratados de aprovação e ratificação, pelos Estados membros, nos termos das respectivas constituições e desde que respeitem os princípios internamente em vigor;
42.ª- Citando os referidos autores, o próprio tratado da União Europeia (agora na versão de Lisboa, de 2007), diz expressamente que a União respeita a identidade nacional dos Estados membros, “reflectida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles” (artigo 4.º, n.° 2) e continua a prescrever que a delimitação das competências da União se rege pelo princípio da atribuição (artigo 5.°, n.° 1), o que implica que a União actue unicamente dentro dos limites das competências que os Estados membros lhe tenham atribuído nos tratados para alcanças os objectivos fixados por estes (artigo 5.°, n.° 2);
43.ª- É dentro de tais limites que devem ser interpretadas as normas dos Tratados, que a Recorrente vem invocar, pretendendo estender a sua previsão tão longe quanto permite retirar das mesmas a interpretação que defende, ao ponto de considerar que as citadas normas do TFUE dispensam de licenciamento a exibição de mensagens publicitárias, sem que tal interpretação redunde, per se, de tais normas!
44.ª- O art. 49.° do TFUE, repete-se, tem por claro e único intuito a protecção do direito de estabelecimento, visando a inexistência de discriminação, quanto às condições internamente impostas ao mesmo, entre nacionais de diferentes estados membros;
45.ª- Parafraseando Jónatas Machado (16), o programa normativo do direito de estabelecimento compreende as dimensões de liberdade de estabelecimento e de eliminação de todas as formas de restrição e discriminação por parte do direito dos Estados-membros. (...) O objectivo, como refere o artigo 50. °/2/f) TFUE, é a supressão gradual das restrições à liberdade de estabelecimento em todos os domínios. No entanto, cedo se compreendeu que a realização das liberdades fundamentais em geral e do direito de estabelecimento em particular aponta para a harmonização dos regimes nacionais e, mais ainda, para a criação de regimes europeus nas diversas áreas relevantes para o respectivo exercício.
46.ª- Tais normas não impõem, à partida e por si, a supressão do licenciamento de publicidade, como pretende a Recorrente, apenas ditam a inexistência de discriminação, entre nacionais de diferentes Estados membros, no que respeita à liberdade de estabelecimento, nos mesmos. A título programático, prevê a gradual supressão das formas de restrição e discriminação por parte do direito dos Estados-membros, por intermédio de directiva, como veio a ser feito, no que respeita aos serviços, com a Directiva CE/123/2006;
(16) Obra acima citada.
47.ª- Dificilmente se retira, de tais normas, a aplicabilidade directa de uma proibição de licenciamento de publicidade, como faz a Recorrente, que se afasta, por completo, do teor literal das disposições que invoca e da intenção clara do TFUE, no sentido de virem a ser aprovadas directrizes, num determinado sentido para que posteriormente, cada Estado-membro legisle, dentro da liberdade de meios que a Directiva permite;
48.ª- Na verdade, a apreciação das liquidações impugnadas apenas carece de interpretação e aplicação de normas nacionais, como fez a douta Sentença recorrida, e bem.
49.ª- Na situação dos autos inexiste qualquer questão de direito europeu que cumpra apreciar ou cuja aplicação seja controvertida, não sendo de suscitar qualquer processo de reenvio prejudicial junto do TFUE, porquanto, no licenciamento de publicidade actualmente em vigor não há qualquer limitação à liberdade de estabelecimento, constituindo por natureza matéria distinta do exercício da actividade (de comércio ou serviços) propriamente dito, a que se referem os invocados dispositivos de Direito da União e devendo ser desatendido o pedido de reenvio prejudicial que a Recorrente formula perante V.Exas, quanto à violação dos arts. 49.° e 50.° do TFUE;
50.ª- De acordo com o art. 267.° do TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União, mais ditando tal norma, que o reenvio prejudicial será obrigatório, sempre que seja suscitado perante um Tribunal que decida em última instância;
51.ª Determinante de tal obrigatoriedade é a relevância da questão de direito europeu suscitada, perante o (efectivo) objecto do processo;
52.ª- o reenvio não é um recurso ou uma faculdade processual das partes do processo principal (...). O reenvio integra uma competência exclusiva de natureza jurisdicional. (...) O facto de uma das partes suscitar uma questão de interpretação ou validade de um acto da UE não significa que haja lugar a reenvio prejudicial.
(…)
Um pressuposto importante prende-se com a relevância da questão, (...). Nos termos do artigo 267.º TFUE, compete ao juiz nacional, a quem o litígio haja sido submetido, apreciar a necessidade de uma decisão prejudicial para a prolação de uma decisão final e decidir sobre a pertinência das questões que submete ao TJUE. A questão deve ser suficientemente relevante para o desfecho do caso concreto, para justificar o reenvio (...) A mesma deve ter uma relevância crítica para o processo principal (...) o reenvio prejudicial é admissível e obrigatório, consoante os casos, quando se esteja diante de uma questão controvertida (...). Entre nós, nesta mesma linha, tem-se entendido que o reenvio prejudicial só se justifica quando a questão da interpretação de uma norma de direito comunitário se deva considerar pertinente, ou seja, quando o caso “sub judice” tenha de ser decidido de acordo com aquela regra, mostrando-se necessária, para esse efeito, a opinião do TJUE (Jónatas E. Machado (17), sublinhados nossos).
(17) Obra citada.
53.ª- Parece óbvio à Recorrida que, no caso concreto, inexiste qualquer pertinência da interpretação do art. 49.° e da al. alínea c), do n.° 2, do art. 50.º, do TFUE, para a apreciação da legalidade das Liquidações impugnadas;
54.ª- De igual modo improcedem as pretensões da Recorrente, tanto de ver aplicado às liquidações impugnadas um Diploma que, aquando da verificação do facto tributário subjacente às mesmas, ainda não vigorava, quanto da aplicabilidade (directa) da Directiva 2006/123/CE, a qual veio a ser transposta para o ordenamento jurídico nacional por intermédio do DL n.° 92/2010, de 1 de Abril; sobre a questão da publicidade, igualmente na sequência da referida Directiva, foi aprovado o DL 48/2011, de 26 de Julho;
55.ª- Tais Diplomas, ao contrário do que a Recorrente pretende, sem razão, fazer crer, dependem de regulamentação e, no que concerne aos licenciamentos e consequentes liquidações, estas objecto destes autos, não se encontram em vigor;
56.ª- Não pode deixar de frisar-se que os aludidos Diplomas, que transpõem a Directiva Serviços para o ordenamento jurídico nacional, foram publicados em 2011, anos após a verificação dos factos tributários em causa nos autos, não se vislumbrando a razão de a Recorrente se socorrer, abundantemente, de normas contidas nos mesmos;
57.ª- Ao que acresce, que actualmente os mesmos não se encontram, no que implica com o licenciamento da publicidade, em vigor, considerando o disposto nos arts. 42.° e 44.° do DL n.° 48/2011, sendo que até 2 de Maio de 2012, aplicar-se-ão as disposições revogadas e alteradas pelo presente decreto-lei, ou seja, todas as normas que se elencaram, a propósito do enquadramento jurídico das liquidações impugnadas (renovações de licenciamentos de publicidade reportados a 2008, recorda-se);
58.ª- Improcedem, assim, as alegadas violações, dos preceitos do TFUE e do DL 48/2010, de 1 de Abril;
59.ª- Mais acresce que nada, na denominada Directiva serviços, permite concluir no sentido que a Recorrente conclui, como se verá, uma vez que a mesma nada dispõe, expressamente, em matéria de publicidade ou de liquidação de taxas, nem poderia, aliás, na medida em que não é aplicável em matéria de fiscalidade, nos termos do n.° 3, do seu art. 2.°, que determina o respectivo âmbito de aplicação;
60.ª- A aludida Directiva nem sequer dita, nos termos que a Impugnante pretende, a eliminação do licenciamento da publicidade (mas a supressão dos procedimentos e das formalidades demasiado onerosos que impedem a liberdade de estabelecimento e a criação de novas empresas de serviços - cfr. Considerando 42), não se verificando os requisitos necessários à aplicabilidade directa da mesma à situação sub judice;
61.ª- Do texto da Directiva, literalmente, apenas resulta clara a supressão das permissões administrativas ao exercício de actividades e ao estabelecimento, o que não acontece nos licenciamentos que se descreveram e que motivaram a liquidação das taxas impugnadas. E, a Directiva igualmente não se debruça sobre a ocupação do espaço público de que a Recorrente, inequivocamente, usufrui, como se demonstrou;
62.ª- De acordo com o art. 288.° do TFUE, as Directivas destinam-se aos Estados-Membros, determinando propósitos, mas dependendo de um acto (legislativo) de transposição para o ordenamento jurídico interno, o qual é vinculado, mas apenas quanto aos objectivos a atingir, detendo aqueles margem de liberdade, quanto à escolha dos meios a utilizar para o efeito;
63.ª- Por principio, as Directivas não são directamente aplicáveis e, excepcionalmente, para que possa ser considerada a sua aplicabilidade directa, sendo, consequentemente, invocáveis apesar de não terem sido transpostas pelo Estado-Membro, é absolutamente necessário que as respectivas normas sejam precisas, claras e incondicionais, para além de não carecerem de medidas complementares;
64.ª- No caso concreto, aquando da renovação dos licenciamentos/verificação dos factos tributários, encontrava-se em curso o prazo de transposição da Directiva e não poderá considerar-se, na situação concretamente em causa, que a Directiva CE/123/2006 contém normas suficientemente precisas, determinadas e incondicionais, quanto ao licenciamento de publicidade e, concretamente, quanto à liquidação de taxas, para que possa ser aplicada nos presentes autos, o que acontece, à partida e entre outras razões, por se encontrar expressamente excluída, do seu âmbito de aplicação, a matéria da fiscalidade,
65.ª- sendo certo que, como se viu, a interpretação que a recorrente advoga vem bulir, necessariamente, com os poderes tributários do município, bem como com as competências de licenciamento, em matéria de publicidade;
66.ª- A teoria da Recorrente conduz, inevitavelmente, à aplicação da Directiva a matéria expressamente excluída pela mesma, o que inviabiliza aquela interpretação, quanto à aplicabilidade directa da Directiva à liquidação da taxa de publicidade, ou mesmo ao próprio Licenciamento;
67.ª- Acresce que a Directiva CE/123/2006 também não dispõe de suficiente precisão, ou clareza, quanto à margem de discricionariedade dos Estados-Membros, na respectiva transposição, no que respeita à matéria aqui em causa, não decorrendo da mesma, de forma clara, a sua aplicabilidade em matéria de publicidade;
68.ª- A matéria do licenciamento da publicidade e respectiva delimitação implica com questões sobre as quais a directiva não se debruça e que não podem, por razões de interesse público, ser deixadas à disposição dos particulares, o que resultaria, inevitavelmente, da interpretação da Recorrente, no sentido de não existirem quaisquer limites à afixação de publicidade;
69.ª- E tanto assim é, que a própria Directiva permite justificar a submissão a regime de autorização (entendida como licenciamento, considerando o n.° 6, do seu art. 4.°) com o que denomina razão imperiosa de interesse geral, na al. b), do n.° 1, do art. 9.°, concretizada no n.° 8, do art. 4.°, sendo certo que a matéria da publicidade implica com diversas razões, de entre as expressamente incluídas na citada norma, nomeada e directamente, com a protecção do ambiente urbano;
70.ª- Reitera-se, não decorre directamente da directiva a consequência que a Recorrente advoga, não resultando inequivocamente do seu texto qualquer efeito respeitante à liquidação da taxa de publicidade ou ao próprio licenciamento desta, matéria deixada, pois, para a discricionariedade dos Estados-Membros, aquando da respectiva transposição;
71.ª- O texto da Directiva não é claro quanto à sua aplicação a licenciamentos (de publicidade) como o descrito, mas apenas à eliminação de barreiras ao estabelecimento e à prestação de serviços, prescrevendo a simplificação de procedimentos e a excepcionalidade de regimes de autorização, é certo, mas da mesma não decorrendo, inequivocamente, que procedimentos, o que acontece porque tal matéria é deixada para os Estados-membros, na correspectiva transposição, após o exame as respectivas legislações e ordens jurídicas (internas), de forma a concluírem quais os meios que vão seleccionar, para atingir aqueles fins, aos quais se encontram vinculados, por via da Directiva. Não existe vinculação dos Estados-membros quanto aos procedimentos abrangidos, em si.
72.ª- O texto da Directiva não é preciso quanto a tal matéria, não sendo viável a sua aplicação directa, relativamente à mesma;
73.ª- Mais acresce, que a plena execução da Directiva carece de execução, dependendo de medidas complementares, nomeadamente quanto a tudo o que respeita à criação e funcionamento do balcão único;
74.ª- A conclusão da Recorrida foi já alvo de consagração jurisprudencial, pelo TJUE, no Acórdão Becker, de 19 de Janeiro de 1982, bem como o Acórdão Kaefer e Proccaci, de 12 de Dezembro de 1990 nos quais aquele órgão jurisdicional rejeitou o efeito directo quando os Estados possuam uma margem de manobra em relação à aplicação das normas em causa, por mais reduzida que nossa ser essa margem;
75.ª- Só pode, assim, improceder a pretensão da Recorrente, no sentido de serem directamente aplicáveis, a uma liquidação anterior à entrada em vigor dos Diplomas que efectuam a respectiva transposição (e ao próprio prazo concedido para a mesma), as normas da Directiva Serviços, uma vez que as mesmas não são nem suficientemente claras nem bastantemente precisas, características que constituem pressuposto necessário daquele efeito;
76.ª- Do exposto, só pode concluir-se que a douta Sentença recorrida aplicou e interpretou as normas que delimitam as Liquidações objecto dos autos, inexistindo qualquer questão de Direito da União Europeia que releve para a respectiva apreciação, devendo improceder, tanto o pedido de aplicabilidade directa de normas do TFUE e da Directiva Serviços, quanto o solicitado reenvio prejudicial, para o TJUE e devendo, em consequência manter-se na íntegra a douta Decisão objecto dos presentes autos.”

4. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu douto Parecer, concluindo pela improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II- FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos
“1. Foram emitidas em nome da Impugnante, em 01/03/2008, pelo Departamento de Gestão do Espaço Público da Direcção Municipal de Ambiente Urbano da Impugnada, as facturas n.° 700000020810 e 700000021826, no valor de €970,94 e €15.401,38, referentes a taxas liquidadas pela afixação de anúncios luminosos/iluminados, anúncios autocolantes, anúncios, tabuletas, lonas e totem sitos em diversos locais da cidade de Lisboa;
2. A impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação constante da factura n.° 700000020810 em 08/04/2008, O que deu origem ao processo administrativo n.° 9553/08/ALC/DMAU;
3. A reclamação graciosa referida em 2. foi indeferida por despacho do Director do Departamento de Apoio Jurídico à Actividade Financeira da Impugnada, datado de 05/08/2008 e notificada à Impugnante pe1o ofício n.° 793/DAJAF/DAT/08, em 13/08/2008;
4. A Impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação constante da factura n.° 700000021826 em 16/04/2008, o que deu origem ao processo administrativo n.° 10936/08/ALC/DMAU;
5. A reclamação graciosa referida em 4. foi indeferida por despacho do Director do Departamento de Apoio Jurídico à Actividade Financeira da Impugnada, datado de 07/08/2008 e notificada à Impugnante pelo ofício n.°813/DMF/DAJAF/DAT/08, em 19/08/2008;
6. As liquidações impugnadas reportam-se à renovação de licenciamentos para afixação de publicidade, para o ano de aoo8;
7. A publicidade a que as liquidações ora impugnadas dizem respeito, encontra-se afixada em imóveis particulares;
8. Sendo tal publicidade visível em espaços afectos ao domínio público;
9. A presente impugnação deu entrada neste Tribunal Tributário de Lisboa em 13/10/2008”.


2- DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir: delimitação do objecto do presente recurso.

A……, SA., deduziu impugnação judicial dos actos de cobrança relativos às facturas nºs 700000020810 e 700000021826 referentes a taxas de renovação do licenciamento da afixação de mensagens publicitárias visíveis em espaços afectos ao domínio público, praticados pela Câmara Municipal de Lisboa, invocando os seguintes fundamentos:
I) Nulidade do Regulamento Municipal de publicidade da Câmara Municipal de Lisboa, “por não reunir os fundamentos jurídico-orgânicos, materiais e formais - que devem conformar o acto administrativo como um facto tributário susceptível de cobrança ao particular, a saber:
“a)- as taxas ora em cobrança, por não terem como contrapartida para o articular qualquer serviço prestado pelo ente administrativo, não podem configurar uma verdadeira taxa, mas sim (materialmente) um imposto sob a designação imprópria de “taxa”, conforme se exporá mais adiante;
b)- O regulamento em causa não cumpre com o disposto nos arts. 117º do CPA, norma aqui aplicável por força das regras atinentes ao poder regulamentar/ normativo das autarquias – art. 241º da CRP, apesar de a tal norma se aludir, pois não foi cumprido o dever de Audiência dos Interessados - acto constitutivo da legalidade do próprio regulamento e que obrigatoriamente deveria constar do respectivo preâmbulo - o que não se verifica, assim determinando preterição de formalidade essencial, logo a nulidade prevista no art. 133º do CPA;
c)- Mostra-se em falta a fixação de fórmula de cálculo das taxas a cobrar, as quais se apresentam, assim, aleatórias;
d)- Mostra-se em falta a fundamentação do valor da taxa fixada - o qual aparece assim como aleatório para o contribuinte, designadamente por inexistir referência normativa aos custos directos e indirectos, encargos financeiros, amortizações e futuros investimentos da autarquia, dele decorrentes - logo, subsiste a necessária falta de fundamentação do facto tributário;
e)-Mostra-se em falta a fundamentação para as isenções a taxa de licença de publicidade nele previstas, o modo de pagamento, sendo estes elementos também essenciais à conformação do facto tributário” (art. 12º da Petição de Impugnação Judicial);
II- Inconstitucionalidade orgânica do referido Regulamento por se tratar de um imposto” (art. 19º da Petição).
Por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, foi julgada improcedente a referida Impugnação, com base entre outros, nos seguintes fundamentos:
· Improcede a invocada nulidade do regulamento municipal por preterição de formalidade essencial constante do art. 117º do CPA, por falta de fundamentação do valor da taxa fixada e das isenções previstas e por faltar a fórmula de cálculo das taxas a cobrar;
· Improcede o vício de inconstitucionalidade orgânica, pelo facto de os tributos liquidados assumirem a natureza de verdadeiro imposto, porquanto por Acórdão nº 177/2010, de 15 de Maio, o Tribunal Constitucional inflectindo a sua jurisprudência concluiu que tais tributos configuram uma verdadeira taxa;
· Este novo entendimento do Tribunal Constitucional foi entretanto plenamente acolhido pelo Supremo Tribunal Administrativo, como se pode verificar pela leitura dos acórdãos de 12/01/2011 (proc. n.° 0752/11), 19/01/2011 (proc. n.° 033/10), 06/04/2011 (proc. n.° 0119/11), 25/05/2011 (proc. n.° 093/11), 13/07/2011 (proc. 0462/11) e 07/09/2011 (proc. n.° 0585/11).
Contra esta argumentação vem o presente recurso interposto pela A…….., SA., alegando em síntese, o seguinte:

· A douta sentença recorrida ao confirmar a legalidade da cobrança de taxas de publicidade pela afixação, em propriedade privada ou espaço contíguo a esta, de mensagens publicitárias, “viola o BLOCO DE LEGALIDADE do Direito da UE aplicável ao caso sub judice, designadamente os Princípios da Necessidade e da Proporcionalidade e Gratuitidade, descritos no n° 3 alíneas b) e c) do art° 15° da Directiva Serviços n.º 2006/123/CE, ex vi imposição resultante da liberdade de Estabelecimento e do Princípio da Excepcionalidade de regimes de autorização administrativa (art°s 49° e 50 n° 2 al.c) do TFUE) — bloco este directamente invocável e aplicável, ex officio, na ordem jurídica interna, por força da aplicabilidade directa do direito da União” - em consequente violação do Princípio do Primado do Direito da EU consagrado no art. 8°, n.° 4, da CRP — vicio de que igualmente enferma o Acórdão do TC n° 177/2010 de 5 de Maio — acórdão fundamento da douta sentença recorrida;
· A recorrida requer “o reenvio prejudicial ao TJCE para apreciação da existência, no caso recorrido, de uma violação aos art°s 49º, 50° n°2 alínea c) do TFUE em vigor, bem como violação, quer pela Entidade Recorrida - pela via do Regulamento impugnado nos autos — quer pela sentença recorrida, dos princípios da necessidade e da proporcionalidade descritos no n° 3, alíneas b) e c) do art° 15° da indicada Directiva Serviços n° 2006/123/CE, ex vi imposição e aplicabilidade directa, ao caso dos autos, do princípio da excepcionalidade de regimes de autorização administrativa (art° 50 n° 2 al.c) do TFUE)”;
· “Sem conceder, deve ser declarada - ipso jure - a nulidade da douta sentença recorrida, por evidente violação do princípio da equivalência jurídica (art.° 4° da RTL) — neste sentido, cfr. Ac. deste STA n° 033/10 de 2/06/2010”;
· Alega-se, ainda, violação dos arts. 8º do Decreto-Lei n° 92/2010, de 26 de Julho, e 31º do Decreto-Lei nº 48/2011, de 1 de Abril;
· “Face ao Bloco de Legalidade aplicável ao caso concreto - quer das normas do Ordenamento Comunitário, quer das normas do Ordenamento Interno àquele necessariamente subjacente - deve revogar-se a douta Sentença recorrida, por enfermar a mesma do vício de erro de julgamento em matéria de Direito, decidindo em violação do Princípio da Legalidade.”

Da análise das alegações e respectivas conclusões, verifica-se que, no presente recurso, a recorrente vem pedir, a título principal, o reenvio prejudicial ao TJCE para apreciação da violação aos arts. 49º, 50°, n°2, alínea c), do TFUE em vigor, bem como dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, descritos no n° 3, alíneas b) e c), do art. 15° da Directiva Serviços 2006/123/CE, em conjugação com o princípio da excepcionalidade de regimes de autorização administrativa (art. 50º, n° 2, al.c), do TFUE).
Note-se, porém, que para além da invocação da violação de normas do Tratado e de normas constantes de directivas comunitárias, vem a recorrente suscitar a violação dos arts. 8º do Decreto-Lei n° 92/2010, de 26 de Julho, e 31º do Decreto-Lei nº 48/2011, de 1 de Abril (Realce-se que o início de vigência destes diplomas é muito posterior à data a que respeitam as liquidações em causa.), diplomas que visam transpor para a ordem interna a Directiva 2006/123/CEE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro, também conhecida por Directiva Serviços.
Acontece que não obstante tratar-se de normas que decorrem da transposição de directivas comunitárias, as mesmas não deixam de ter a natureza de direito interno, cuja apreciação extravasa o âmbito das competências do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJ), que se tem declarado precisamente incompetente para interpretar o direito nacional (Neste sentido, cfr. MARIA EUGÉNIA M.N.RIBEIRO, Tratado de Lisboa, Almedina, Coimbra, 2012, anotação e comentário ao art. 267º, p. 963, e JÓNATAS MACHADO, Direito da União Europeia, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 580. Ver jurisprudência do TJ citada nas mencionadas obras.).
Por outro lado, verifica-se que na petição inicial, a recorrente não invocou a eventual ilegalidade da liquidação em causa por violação deste preceitos, ou seja, não suscitou estas eventuais ilegalidades em 1ª instância.
Ora, como é sabido, “o recurso jurisdicional constitui um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça. O recurso jurisdicional visa apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, motivo por que não constitui forma de conhecer de questões novas, isto é, que não tenham sido oportunamente suscitadas perante o tribunal ad quem, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso”(Cfr. o Acórdão do STA de 23/2/2012, proc nº 01153/2012. No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão de 1/6/2005, proc nº 028/05.), o que não é o caso.
Por não terem sido invocadas oportunamente aquelas questões, de modo a permitir que o Tribunal “a quo” se tivesse pronunciado sobre as mesmas, e porque não se trata de questões de conhecimento oficioso, não poderia de qualquer modo agora este Supremo Tribunal Administrativo dela conhecer.
Assim sendo, em face do exposto e considerando que as conclusões, como é sabido, delimitam o âmbito e objecto do recurso, nos termos do estatuído nos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes:
a) Se há lugar ao reenvio prejudicial ao TJ para apreciação da existência de violação aos arts. 49º, 50°, n° 2, alínea c), do TFUE, bem como dos princípios da necessidade e da proporcionalidade descritos no n° 3, alíneas b) e c), do art. 15° da Directiva Serviços, em conjugação com o princípio da excepcionalidade de regimes de autorização administrativa (art. 50º, n° 2, al.c), do TFUE);
b) Se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, por violação do princípio da equivalência jurídica, tendo em conta a jurisprudência vazada no Acórdão do STA de 2/6/2010, proc. nº 33/2010.

2.2. Da obrigatoriedade do reenvio

Vem a recorrente, no presente recurso, pedir o reenvio prejudicial alegando que o mesmo é obrigatório, mas sem razão, como passamos a demonstrar.
O art. 267º do TFUE refere:
o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgãos jurisdicional de um dos Estados-membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
(…)”.
Considerando o conteúdo deste preceito, para saber quando é que um órgão jurisdicional pode ou é obrigado a submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça importa ter presente que, por um lado, o seu segundo parágrafo prevê que quando seja suscitada perante um órgão jurisdicional de um dos EM uma questão de interpretação de uma disposição do direito da União que esse órgão “pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie”.
Isto é, o preceito confere ao órgão jurisdicional lata margem de apreciação sobre se a questão prejudicial é ou não necessária ao julgamento da causa.
Por outro lado, resulta do terceiro parágrafo que “a questão suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal”.
Ora, neste último caso, cujo objectivo é nomeadamente o de evitar que se estabeleça em qualquer Estado-membro uma jurisprudência nacional discordante das regras do direito da União, os Supremos Tribunais, bem como qualquer órgão jurisdicional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso jurisdicional, estão sujeitos à obrigação de reenvio obrigatório, sob reserva dos limites admitidos pelo Tribunal de Justiça.
A compatibilização do teor literal das partes mencionadas do preceito tem sido objecto da jurisprudência do próprio TJ (Cfr., entre outros, os Acórdãos de: 4 de Novembro de 1997, Parfums Christian Dior, C-337/95; de 4 de Junho de 2002, Lyckeskog, C-99/00; de 15 de Setembro de 2005, Intermodal Transports, C-495/03.) que tem decidido que “os órgãos jurisdicionais nacionais referidos são obrigados a cumprir o seu dever de reenvio a menos que concluam que a questão não é pertinente ou que a disposição do direito da União em causa foi objecto de uma interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correcta aplicação do direito da União se impõe com tal evidência que não dá lugar a qualquer dúvida razoável, devendo a verificação desta hipótese ser avaliada em função das características do direito da União, das dificuldades particulares de que a sua interpretação se reveste e do risco de surgirem divergências jurisprudenciais no interior da União” (Cfr. MARIA EUGÉNIA M.N.RIBEIRO, ob cit., p. 964 e Acórdão do TJ de 6 de Outubro de 1982, Cilfit e outros, C-283/81.).
Por conseguinte, à luz da citada jurisprudência, o reenvio só será obrigatório, designadamente se a questão for pertinente ou relevante para a decisão da causa, competindo ao juiz nacional, “a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça”.(Cfr. MARIA EUGÉNIA M.N.RIBEIRO, ob cit., p. 965.)
Neste sentido, também segundo JÓNATAS MACHADO (Cfr. Direito da União Europeia, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 577.) “o reenvio não é um recurso ou uma faculdade processual das partes do processo principal (...). O reenvio integra uma competência exclusiva de natureza jurisdicional. (...) O facto de uma das partes suscitar uma questão de interpretação ou validade de um acto da UE não significa que haja lugar a reenvio prejudicial.
(…)”.
E, mais adiante, o mesmo Autor pondera que “O reenvio prejudicial para o TJUE é, em princípio, facultativo, dependendo exclusivamente de decisão discricionária do tribunal nacional. No entanto, casos há de reenvio obrigatório”, sendo que pressuposto importante que vale independentemente de se tratar de reenvio facultativo ou obrigatório “prende-se com a relevância da questão. Nos termos do art. 267º do TFUE, compete ao juiz nacional, a quem o litígio haja sido submetido, apreciar a necessidade de uma decisão prejudicial para a prolação de uma decisão final e decidir sobre a pertinência das questões que submete ao TJUE. A questão deve ser suficientemente relevante para o desfecho do caso concreto para justificar o reenvio (...).
(…).
“Entre nós, tem-se entendido que o reenvio prejudicial só se justifica quando a questão da interpretação de uma norma de direito comunitário se deva considerar pertinente, ou seja, quando o caso “sub judice” tenha de ser decidido de acordo com aquela regra, mostrando-se necessária para esse efeito, a opinião do TJUE (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, constitui jurisprudência do STA que “Suscitada em processo que corra na jurisdição nacional questão de interpretação de normas da União europeia, cumpre ao tribunal nacional decidir da pertinência das questões levantadas e da necessidade de decisão prejudicial do Tribunal de Justiça da União, a provocar nos termos do processo de reenvio prejudicial” (Cfr., entre outros, os Acórdãos de: 30/11/2011, proc. nº 284/11; de 16/11/2011, proc. nº 636/11; de 2/11/2011, proc. nº 193/11.).
Aplicando esta jurisprudência ao caso em análise, desde já se adianta que a questão suscitada pela recorrente não é pertinente em termos de justificar o reenvio prejudicial, porque a apreciação da legalidade das liquidações em causa não convoca a aplicação das normas comunitárias apontadas pela Recorrente, apenas pressupondo a interpretação e aplicação de normas de direito interno.
Como vimos, a fundamentar o pedido alega a recorrente que a douta sentença recorrida ao confirmar a legalidade das taxas de publicidade viola os arts. 49º e 50, nº 2, do TFUE e, bem assim, o art. 15º, nº 3, alíneas b) e c) da Directiva Serviços (pontos I e II das Conclusões). Análise atenta das normas cuja violação é questionada permitirá concluir, como realça a recorrida, que não assiste razão à recorrente, porquanto tais normas não são aplicáveis ao caso em análise nem têm o sentido e alcance que a recorrente lhes pretende imputar.
Vejamos.

2.3. Análise dos pressupostos do reenvio prejudicial

2.3.1. Quanto à alegada violação do art. 49º do TFUE

O art. 49º do TFUE, preceito inserido no Capítulo 2, sob a epígrafe O Direito de Estabelecimento, dispõe que “(…) são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro.
A liberdade de estabelecimento compreende tanto o acesso às actividades não assalariados e o seu exercício, como a constituição e a gestão de empresas e designadamente de sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 54º, nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais, sem prejuízo do disposto no capítulo relativo aos capitais”.
Decorre deste preceito que a liberdade de estabelecimento compreende “o direito de as pessoas singulares nacionais de um EM emigrarem para outro EM e aí exercerem actividades de forma autónoma, bem como o direito de aí constituírem e gerirem empresas, nomeadamente através da constituição de sociedades, nas condições definidas por este Estado para os seus próprios nacionais (art. 49º, §2 - o art. 54º estende estas faculdades às pessoas colectivas e, de forma expressa, às sociedades, que também gozam do direito de se estabelecerem noutro EM)”.
(…)”(Cfr. ALEXANDRE MOTA PINTO, Anotação ao Tratado de Lisboa, cit., anotação ao art. 49º do TFUE, pp. 318/19.).
A liberdade de estabelecimento compreende a liberdade primária, consagrada no art. 49º, §1, 1ª parte, que “abrange as seguintes hipóteses (de constituição de um estabelecimento primário): a constituição de um estabelecimento num EM, por um cidadão nacional de outro EM que aí exerce, pela primeira vez, uma actividade autónoma ou empresarial; a constituição (ou a aquisição de uma participação dominante) de uma sociedade por um (ou mais) naciona(is) de um EM, no território de outro EM; a transferência da actividade de um trabalhador autónomo ou do centro principal de actividade de uma empresa, para outro EM, tendo como consequência a extinção da actividade profissional ou empresarial no Estado de origem ou a manutenção, neste Estado, de uma actividade dependente do novo estabelecimento”.
Por sua vez, a liberdade de estabelecimento secundária encontra-se prevista no art. 49º, $1, 2ª parte, e “abrange as hipóteses (de constituição de um estabelecimento secundário) em que um trabalhador autónomo ou uma empresa, mantendo o seu estabelecimento original, constitui um estabelecimento noutro EM (agência, sucursal ou filial), que depende em termos organizativos ou económicos daquele estabelecimento principal (o centro principal da actividade do trabalhador autónomo ou empresa não se transfere)”(Cfr. ALEXANDRE MOTA PINTO, ob. cit., p. 319.)
Referindo-se ao âmbito normativo e âmbito de protecção desta liberdade fundamental, JÓNATAS E.M. MACHADO (Cfr. ob. cit., p. 324.) pondera que para essa determinação é fundamental o significado do conceito de “estabelecimento”(Tendo em conta a jurisprudência do TJ estabelecimento é a instalação de um centro permanente de actividade comercial ou profissional por nacionais (pessoas singulares ou colectivas) de um EM, no território de outro EM, quer através de transferência integral de actividade, quer através de constituição de agências, sucursais ou filiais, com o objectivo de aceder ao exercício ou de exercer actividades, de forma autónoma e com fim lucrativo” (cfr. ALEXANDRE MOTA PINTO, ob. cit., p. 318.)), já que “o direito de estabelecimento pretende tutelar a prossecução efectiva de uma actividade económica, através de uma instalação estável noutro Estado-membro”.
Sendo este o conteúdo da liberdade de estabelecimento não se vislumbra como é que, no caso em apreço, a liquidação de taxas por afixação de publicidade possa interferir com este direito, sendo que a recorrente se limita a alegar em abstracto a violação do art. 49º do TFUE sem identificar que dimensões do direito à liberdade de estabelecimento são postas em causa no caso sub judice.
No que respeita o conteúdo útil do direito com aplicabilidade directa, o que se verifica é que “o direito de estabelecimento prescreve a adopção de condições não discriminatórias entre cidadãos de vários Estados-membros (Cfr. JÓNATAS E.M.MACHADO, ob cit., p.324.)”.
Com efeito, o art. 49º do TFUE começa por conter uma proibição de discriminação em razão da nacionalidade “proibindo assim as discriminações directas, ou seja, as regras nacionais restritivas da liberdade de estabelecimento, cuja aplicação depende, formalmente, da nacionalidade dos destinatários” e as “discriminações indirectas, ou seja, as regras restritivas que, embora se apliquem independentemente da nacionalidade, produzem efeitos exclusiva ou predominantemente em relação a estrangeiros, nacionais de EM, prejudicando-os” (ALEXANDRE MOTA PINTO, ob. cit., anotação ao art. 49º do TFUE, pp. 319-320.).
Mais uma vez, não se vislumbra nem a recorrente indica que restrições à liberdade de estabelecimento entre nacionais de diferentes Estados-Membros possam resultar da liquidação, no caso, das taxas de publicidade.
Com efeito, não se afigura que a exigência do pagamento de uma taxa de afixação de publicidade, que as empresas só fazem se assim o quiserem, possa constituir um obstáculo a que os nacionais de outro Estado-membro criem Portugal um estabelecimento, transfiram para cá um estabelecimento ou criem uma filial, agência ou sucursal (Sobre as diferentes densificações do direito ao estabelecimento, cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 256.).
Em suma, em face do exposto, não podemos deixar de concluir que inexiste qualquer limitação à liberdade de estabelecimento, que constitui, por natureza, matéria distinta do exercício da actividade (de comércio ou serviços) propriamente dita (Em hipóteses de difícil distinção, são três os critérios adiantados pela doutrina para permitir a identificação da liberdade de estabelecimento em face da liberdade de prestação de serviços: a instalação permanente e estável; a duração indeterminada do exercício da actividade; o centro da actividade desenvolvida (cfr. ALEXANDRE MOTA PINTO, ob. cit., p. 318).).
A livre prestação de serviços encontra-se consagrada nos arts. 56º a 62º do TFUE, dispondo o art. 56º que “as restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-membros estabelecidos num Estado-membro que não seja o do destinatário da prestação”.
Embora tanto o direito ao estabelecimento como a livre prestação de serviços digam respeito ao exercício de uma actividade económica, o direito ao estabelecimento caracteriza-se por compreender a existência de uma instalação estável e duradoura noutro Estado-membro, enquanto a livre prestação de serviços diz respeito ao exercício temporário da actividade económica propriamente dita (Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, ob. cit., p. 256.).
A situação em apreço poderia configurar, quanto muito, uma restrição à livre prestação de serviços. Para tanto, tornar-se-ia, em primeiro lugar, necessário que o seu conteúdo compreendesse, como pretende a recorrente, o direito à afixação, de forma gratuita, de mensagens publicitárias com os sinais distintivos do comércio do estabelecimento ou do respectivo titular da exploração, ou relacionadas com os bens e serviços comercializados no estabelecimento, em bens ou espaços afectos ao domínio público ou dele visíveis. Por outro lado, teria ainda de estar em causa uma empresa cuja actividade tivesse como objecto esta prestação de serviços e não pudesse lançar mão de outro tipo de publicidade, o que de todo em todo não se verifica e configura até uma hipótese absurda.


2.3.2 Quanto à alegada violação da alínea c) do n.° 2 do art. 50.° do TFUE.

O nº 1 deste preceito prescreve que “Para a realização da liberdade de estabelecimento numa determinada actividade”, “o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, e após consulta do Comité Económico e social, adoptarão directivas”.
Por sua vez, segundo o nº 2, “o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão exercerão as funções que lhes são confiadas nos termos das disposições anteriores, designadamente:
(...) c) eliminando os procedimentos e práticas administrativas decorrentes, quer da legislação nacional, quer de acordos anteriormente concluídos entre os Estados-Membros, cuja manutenção constitua obstáculo à liberdade de estabelecimento;
Da simples leitura dos preceitos mencionados resulta claramente que não estamos perante normas de aplicação directa. Pois, como se viu, a concretização da alínea c) do art. 50º do TFUE é remetida expressamente para actos legislativos das instituições europeias, sendo elas que hão-de legislar, com vista a eliminar os procedimentos e práticas administrativas decorrentes, quer da legislação nacional, quer de acordos anteriormente concluídos entre os Estados-Membros, cuja manutenção constitua obstáculo à liberdade de estabelecimento -, por intermédio de directivas, como decorre do n.° 1, do mesmo dispositivo normativo.
Como salienta a recorrida, há aqui uma clara opção do Legislador da União, quanto à forma de concretização do preceito em análise, através da aprovação de Directivas, numa manifesta intenção de harmonizar legislações, mas deixando aos Estados-membros liberdade de escolha quanto aos meios a utilizar, para tal fim. E foi o que aconteceu entre nós através da emissão dos decretos-leis nºs 92/2010, de 26 de Julho e 48/2011, de 1 de Abril.
Improcede, desta forma a interpretação que a recorrente defende nestes autos, mostrando-se inviável a aplicabilidade directa da referida norma [al. c), do n.° 2, do art. 50.°, do TFUE].

2.3.3. Quanto à alegada violação dos princípios da necessidade e da proporcionalidade descritos nas alínea b) e c) do no nº 3 do art. 15º da Directiva Serviços.

Como vimos, o que o art. 50º, nº 2, alínea c), do TFUE consagra, a título programático, é a gradual supressão das formas de restrição e discriminação por parte do direito dos Estados-Membros, isto é, através da emissão de directivas, o que veio a acontecer, em relação aos Serviços através da Directiva 2006/123/CE.
Acontece que o objecto desta Directiva, consignado no seu art. 1º é o de estabelecer “disposições gerais ( Sublinhado nosso.) que facilitam o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços e a livre circulação dos serviços, mantendo simultaneamente um elevado nível de qualidade dos serviços”.
Esta ideia de que o seu objecto é o de estabelecer um quadro jurídico geral necessário a “eliminar os entraves à liberdade de estabelecimento dos prestadores nos Estados-Membros e à livre circulação de serviços entre Estados-Membros” (Considerando nº 5), está claramente assumido no Considerado nº 7, onde se pode ler que “A presente Directiva estabelece um quadro jurídico geral aplicável a uma ampla variedade de serviços, tendo simultaneamente em conta as particularidades de cada tipo de actividade ou de profissão e o respectivo sistema de regulação”, quadro este que se baseia “numa abordagem dinâmica e selectiva…”.
No mesmo sentido, da não aplicabilidade directa da directiva, vai o art. 44º que, sob a epígrafe “Transposição”, dispõe que os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao disposto na presente directiva antes de 28 de Dezembro de 2009”.
Ora, também logo por aqui se vê que a resolução da questão sub judice nada tem que ver com a aplicação da presente directiva uma vez que as liquidações em causa dizem respeito ao ano de 2008.
Por outro lado, ainda que as directivas não sejam directamente aplicáveis, pode haver normas que o sejam, mas para que tal aconteça exige-se que tais normas sejam precisas, claras, e incondicionais (Neste sentido, cfr. JOSÉ LUIS DA CRUZ VILAÇA, “A propósito dos efeitos das directivas na ordem jurídica dos Estados-membros”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 30, 2001, pp. 10/11, onde o Autor comenta a jurisprudência pertinente do TJ sobre os requisitos exigidos para as directivas produzirem efeito directo, em especial o que decorre da existência de uma obrigação incondicional e suficientemente precisa em benefício dos particulares.), para além de não carecerem de medidas complementares.
No caso concreto, os princípios da necessidade e da proporcionalidade, consagrados no art. 15º, nº 3, alíneas b) e c), da Directiva Serviços, além de não serem por natureza directamente aplicáveis por si, não podemos deixar de notar que, no contexto do referido preceito, a sua aplicação está directamente condicionada à aferição da legalidade dos requisitos elencados no nº 2 do art. 15º, que tem o seguinte conteúdo:
“Os Estados-Membros devem verificar se os respectivos sistemas jurídicos condicionam o acesso a uma actividade de serviços ou o seu exercício ao cumprimento de algum dos seguintes requisitos não discriminatórios:
a) Restrições quantitativas ou territoriais, nomeadamente sob a forma de limites fixados em função da população ou de uma distância geográfica mínima entre prestadores;
b) Obrigação de o prestador se constituir de acordo com uma forma jurídica específica;
c) Requisitos relativos à detenção do capital de uma sociedade;
d) Requisitos, excluindo os referentes a questões abrangidas pela Directiva 2005/36/CE ou os previstos noutros instrumentos comunitários, que restringem a determinados prestadores o acesso à actividade de serviço em causa em razão da natureza específica da actividade.
e) Proibição de dispor de mais do que um estabelecimento no território do mesmo Estado;
f) Requisitos que impõem um número mínimo de empregados;
g) Tarifas obrigatórias mínimas e/ou máximas que o prestador tem de respeitar;
h) Obrigação de o prestador fornecer, juntamente com o seu serviço, outros serviços específicos”.

Considerando o exposto, mesmo admitindo que tais proibições são de aplicação directa, não vemos que conexão se possa estabelecer entre elas e o regime que presidiu à liquidação das taxas de publicidade.
Em primeiro lugar, nunca estaria em causa qualquer limitação ou restrição ao acesso a uma actividade ou prestação de serviço, mas, quando muito, eventuais restrições ao seu exercício. Mas, para tal, como ficou dito, implicava que se alegasse tratar-se de uma empresa cujo objecto único e exclusivo fosse a prestação deste tipo de publicidade sem possibilidade de lançar mão de qualquer outro. Isto é, fosse um requisito essencial e necessário do conteúdo da prestação de serviços, o que não vem alegado.
Em segundo lugar, do regime da liquidação das taxas de publicidade não consta, nem tão pouco vem alegado, a subordinação do licenciamento da publicidade ao cumprimento de qualquer dos requisitos discriminatórios mencionados.
De igual modo, também os que são proibidos no art. 14º da Directiva, e que se prendem designadamente com requisitos discriminatórios baseados, designadamente, na nacionalidade, residência do prestador, proibição de ter mais de um estabelecimento, etc., não têm qualquer aplicação ao caso em apreço.
Argumento decisivo reside, no entanto, no facto de a própria Directiva Serviços dizer expressamente que não se aplica em matéria de fiscalidade (art. 2º, 3), sendo que a questão central subjacente ao presente recurso gira precisamente em torno da natureza da taxa de publicidade, quanto a saber se facto é uma taxa ou deve antes ser qualificada como um imposto, o que significa que estamos no domínio de matérias directamente excluídas do âmbito da Directiva em causa.
Por outro lado, no Considerando nº 60 da Directiva Serviços pode ler-se que “A presente directiva, e em particular as disposições relativas aos regimes de autorização e ao âmbito territorial de uma autorização, não deverá interferir na repartição das competências regionais ou locais dos Estados-Membros, incluindo os governos regionais ou locais, …”
Ora, também por aqui é de excluir a aplicação ao caso em apreço da Directiva em causa.
Como resulta do ponto 9º das Conclusões da recorrida, “O licenciamento da Publicidade, na cidade de Lisboa, encontra a sua sede no Regulamento de Publicidade - Edital n.° 35/92, de 19 de Março, com a redacção dos Editais n.° 42/95, de 25 de Abril e 53/95, publicados respectivamente nos Boletins Municipais n.º 16331, de 12/03/1992, 61, de 25/04/1995, e 66, de 30/05/1995, sendo as taxas concretamente aplicáveis a cada licenciamento as estabelecidas na Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (TTORM) em vigor aquando do mesmo, nos termos do art. 16.° do referido Regulamento, sendo que, para a situação dos autos, as taxas foram liquidadas tendo por base os valores estabelecidos na TTORM em vigor para o ano de 2008, publicada no Boletim Municipal n.° 726, de 17 de Janeiro de 2008 (Edital n.° 3/2008)”.
Acontece que é a própria Constituição da República Portuguesa (CRP) a consagrar a possibilidade de as autarquias locais disporem de poderes tributários próprios, nos casos e nos termos previstos na lei (cfr. n° 4 do art. 238°), conferindo, ainda, aos municípios, receitas tributárias próprias, igualmente nos termos em que a lei o previr (cfr. § único do art. 254°). De tais normas resulta que os municípios dispõem, por um lado, de poder tributário próprio, na medida e nos termos em que for previsto por Lei, e por outro lado, de património e finanças próprios. Os Municípios dispõem ainda de poder regulamentar (art. 241º da CRP), que os habilita, designadamente, a definirem os termos do exercício do mencionado poder tributário.
Dando concretização ao comando constitucional, o legislador concedeu de forma expressa, aos municípios, um conjunto de atribuições, de entre as quais se destacam, com relevo para a presente questão, o exercício de poderes tributário e regulamentar.
Os municípios encontram-se, assim, constitucionalmente habilitados, não só a liquidar e cobrar as taxas que se encontrem previstas na Lei, como é o caso da taxa devida pelo licenciamento de publicidade, podendo igualmente definirem, de forma geral e abstracta, os termos em que o pretendem fazer.
A afixação de mensagens publicitárias de natureza comercial depende, na área de cada município, de licenciamento prévio da Câmara Municipal respectiva, nos termos do disposto no art. 1.º, da Lei n.° 97/98, de 17 de Agosto, diploma que regula a afixação de mensagens publicitárias de natureza comercial, o qual, para além de remeter o licenciamento da publicidade para competência municipal, atribui à mesma a definição dos critérios de licenciamento aplicáveis na área do respectivo concelho (cfr. n.° 2 do art. 1.º).
Acresce que, de acordo com o art. 3.° da Lei n.° 53-E/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, e para o que ora importa, “as taxas das autarquias locais são tributos que assentam (...) na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”.
Por seu turno, a Lei das Finanças Locais em vigor desde 2007 consagra, entre outras, como receita municipal, à semelhança do que havia feito anteriormente, o produto da cobrança de taxas (...) resultante da concessão de licenças (..) (cfr. alínea c), do art. 10.º), as quais podem ser criadas nos termos definidos no já mencionado Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (cfr. n.° 1 do art. 15.°).
Temos, desta forma, que constitui atribuição própria dos municípios o licenciamento da afixação de mensagens de cariz publicitário, bem como para liquidar e cobrar taxas inerentes a tais licenciamentos, nos termos que forem fixados em regulamentos da sua autoria, pelo que não há dúvida que aplicação da mencionada Directiva iria interferir com a repartição de competências entre o governo central e as autarquias locais, ao arrepio do pretendido pela mesma.

2.3.4. Quanto à alegada violação de anterior jurisprudência do TJ sobre questão similar.

Finalmente, nas alegações, a recorrente invoca ainda a violação de anterior jurisprudência do TJ, em situação similar, vazada no Acórdão de 29 de Novembro de 2001, proc C-17/00, que pela sua importância se impõe analisar.
Desde já se adianta, porém, que a situação sobre que versou o Acórdão mencionado pela recorrente não tem paralelo com a situação dos autos.
Se não vejamos.
Não se nega que o Tribunal de Justiça concluiu, por Acórdão de 29 de Novembro de 2001, no âmbito do proc C-17/200, que a aplicação de um imposto local (Bélgica) sobre antenas parabólicas era contrário ao art. 59º do Tratado (actual art. 49º do TFUE).
Note-se, porém, que da fundamentação do Acórdão resulta, entre o mais, que, no caso, a criação do imposto sobre antenas parabólicas tinha como efeito “impor à recepção de emissões televisivas difundidas por satélite um encargo que não existe quanto às emissões por cabo, não estando este último meio de recepção sujeito a um imposto semelhante a cargo do destinatário”, sendo que a maior parte das emissões televisivas difundidas a partir dos Estados-Membros só pode ser captada por antenas parabólicas.
Assim sendo, ponderou o TJ que “um imposto como o instituído pelo regulamento dissuade os destinatários de serviços de radiodifusão televisiva estabelecidos no território do município de Watermael-Boitsfort de procurarem um acesso às emissões de radiodifusão televisiva provenientes de outros Estados-Membros, uma vez que a recepção de tais emissões está sujeita a um encargo que não existe quanto às emissões que emanam de organismos de radiodifusão estabelecidos na Bélgica.”
“Além disso”, pode ler-se no mencionado Acórdão, “a instituição de um tal imposto é susceptível de entravar o exercício das actividades dos operadores activos no âmbito da transmissão por satélite, ao impor à recepção de emissões de tais operadores um encargo que não existe quanto às emissões difundidas pelos distribuidores de cabo nacionais.”
Assim, concluiu o Acórdão que vimos seguindo “que o imposto sobre as antenas parabólicas instituído pelo regulamento dificulta mais as actividades dos operadores activos no âmbito da radiodifusão ou da transmissão televisiva estabelecidos noutros Estados-Membros que não a Bélgica, ao passo que assegura uma vantagem especial no mercado interno belga e às actividades de radiodifusão e de teledistribuição internas deste Estado”.
Resulta do exposto, que o referido imposto foi considerado contrário ao art. 49º do TFUE por acabar por estabelecer uma discriminação entre o exercício da actividade dos operadores activos no âmbito da transmissão por satélite e os operadores de cabo nacionais, assegurando uma vantagem especial ao mercado interno belga e às actividades de radiodifusão e de teledistribuição internas, em detrimento dos operadores estabelecidos nos outros Estados-Membros.
E de acordo com a jurisprudência do TJ, o art. 49º do TFUE “exige não só a eliminação de toda e qualquer discriminação contra o prestador de serviços estabelecido num outro Estado-Membro em razão da nacionalidade, mas também a supressão de toda e qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada a prestadores nacionais e de outros Estados-Membros, quando seja susceptível de impedir ou entravar mais as actividades do prestador estabelecido noutro Estado-Membro, onde preste legalmente serviços análogos” (cfr. Acórdãos: de 25 de Julho de 1991, Sager, C-76/90; e de 9 de Agosto de 1994, Vander Elst, C-43/93).
Ora, no caso dos autos, a recorrida não alega a existência de semelhante discriminação veiculada pela liquidação das taxas de publicidade, nem se vislumbra que a mesma possa existir desde logo porque a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em bens ou espaços públicos, ou dele visíveis, não constitui, como ficou dito, dimensão necessária ao exercício da actividade da recorrida ou de qualquer outra prestação de serviço.
Mas ainda que assim se entendesse, a verdade é que qualquer prestador de serviços tem plena liberdade para aceder a todas as formas de comunicação, consagradas no Código da Publicidade, para de forma directa ou indirecta, promover, com vista à sua comercialização, quaisquer bens ou serviços (art. 3º do Código da Publicidade).
Estamos, por conseguinte, a falar apenas de uma forma de publicidade, que não tem nenhum vínculo de necessidade ou de obrigatoriedade com o exercício de uma dada actividade, podendo qualquer prestador de serviços que ache as taxas de publicidade onerosas facilmente abdicar deste meio por existirem nos tempos que correm outros até eventualmente mais eficazes.
Em face do exposto, não podemos deixar de concluir que inexiste qualquer questão susceptível de ser colocada perante o TJ, porque, como se demonstrou, a aplicabilidade dos normativos indicados pela recorrente (arts. 49º e 50º, nº 2, do TFUE) não se encontra sequer em causa, não se verificando, assim, os pressupostos da existência de questão relevante que seja necessário submeter ao TJ para decisão do presente recurso.
Nas palavras de JÓNATAS MACHADO (Cfr. ob. cit., p. 581.), “em princípio o TJUE só se pronuncia sobre questões relevantes para a decisão do caso concreto, estando afastada qualquer apreciação abstracta de questões teóricas, hipotéticas ou impertinentes….”.
Deve, desta forma, ser rejeitado o pedido de reenvio prejudicial por falta da verificação dos respectivos pressupostos.

2.4. Quanto à alegada violação do princípio da equivalência jurídica

Apesar da sentença recorrida ter aplicado ao caso sub judice a jurisprudência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 177/2010 que concluiu, invertendo jurisprudência anterior, que a taxa de publicidade em causa configura uma verdadeira taxa e não um imposto, vem a recorrente reiterar que a cobrança da taxa de publicidade é ilegal por não assentar na utilização de qualquer bem público ou semi-público, assim resultando violado o princípio da equivalência jurídica, com base no decidido no Acórdão do STA, de 2/6/2010, proc 33/2010.
Ora, acontece que, tal como se pronunciou a Mmª Juíza “a quo”, embora a jurisprudência deste Supremo Tribunal se tenha dividido quanto à questão, a verdade é que veio predominantemente a afirmar-se no sentido do mencionado Acórdão do Tribunal, acolhendo o entendimento sobre a qualificação como taxa da receita liquidada ao abrigo das normas em causa, nomeadamente e entre outros, nos Acórdãos de 12/1/2011, de 19/1/2011, 6/4/2011, de 25/1/2011 e de 12/10/2011, nos processos nºs 752/10, 33/10, 119/11, 93/11 e 306/11, respectivamente.
Retoma-se, assim, a jurisprudência vazada no voto de vencido do Conselheiro Benjamim Rodrigues no Acórdão do Tribunal Constitucional de 17/2/2004, proc nº 537/2002, “de que a simples remoção de um limite jurídico para a colocação de publicidade em edifício particular é motivo suficiente para a cobrança de uma taxa dada que pode consubstanciar uma prestação pública sinalagmática do pagamento da mesma, sem ser necessário que essa remoção vise possibilitar uma utilização individualizada e efectiva de um bem público”.
No mesmo sentido, pode ler-se, no Acórdão do Tribunal Constitucional, que tendo “o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária vindo explicitar que «as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (De igual modo, a Lei n.° 53-E/2006, de 29 de Dezembro (alterada pela Lei n.° 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.° 117/2009, de 29 de Dezembro), que aprova o regime geral das taxas das autarquias locais, consagra, no artigo 3.º, idêntica categorização.).
“(…).
“A emissão da licença, o mesmo é dizer, o levantamento do obstáculo jurídico (que já vimos não ser arbitrário) dá origem a uma relação com o obrigado tributário distinta da que intercede com a generalidade dos administrados, no quadro da qual a entidade emitente assume uma particular obrigação — a duradoura obrigação de suportar (pati) uma actividade que, embora respeitando aqueles deveres, interfere permanentemente com a conformação de um bem público. Com o licenciamento, alteram-se as posições jurídicas recíprocas de administração e administrado, ficando aquela onerada, enquanto a situação persistir, com uma obrigação até aí inexistente. Inversamente, o anunciante ganha título para uma activa e particular fruição, em termos comunicacionais, do espaço ambiental necessária à realização da utilidade individual procurada, a qual não se confunde com o gozo passivo desse espaço, ao alcance da generalidade dos cidadãos (cfr., todavia, o Acórdão n.° 437/2003). Em exclusivo proveito próprio, um sujeito privado — o anunciante — introduz, através da actividade publicitária, mudanças qualitativas na percepção e no gozo do espaço público por parte de todos os que nele se movem, “moldando-o”, em função do seu interesse. A constituição da obrigação passiva de se conformar com essa influência modeladora é justamente a contrapartida específica que dá causa ao pagamento da taxa, estruturando, em termos bilaterais, a relação estabelecida com o obrigado tributário”.
Não havendo motivos para nos afastarmos quer da jurisprudência do Tribunal Constitucional mencionada quer da orientação maioritária deste Supremo Tribunal, concluímos que é de improceder a argumentação da recorrente confirmando-se a sentença recorrida.
Em face do exposto, deve, assim, negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida.


III- DECISÃO

Termos em que os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 21 de Novembro de 2012. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Lino Ribeiro.