Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0928/14.0BEPRT
Data do Acordão:04/23/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:ASSISTENTE
ABONO PARA FALHAS
Sumário:I - Para que se possa concluir que um trabalhador titular da categoria de assistente técnico tem direito a auferir abono para falhas por exercer funções nas áreas de tesouraria ou cobrança há que atender à caracterização de funções do seu posto de trabalho de acordo com o mapa de pessoal.
II - Assim, o representado pelo A. que detém a categoria de assistente técnico e que, entre outras funções, realiza a cobrança de taxas moderadoras, não tem direito a esse suplemento se não ocupa, no mapa de pessoal da ARS do Norte, IP, um posto de trabalho nas áreas de tesouraria ou cobrança que envolvesse a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos.
Nº Convencional:JSTA000P25809
Nº do Documento:SA1202004230928/14
Data de Entrada:04/23/2019
Recorrente:ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.
Recorrido 1:SINDICATO DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS DO NORTE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

1. A Administração Geral de Saúde do Norte, IP, com sede na Rua de Santa Catarina, n.º 1288, no Porto, inconformada com o acórdão do TCA-Norte que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAF do Porto, que julgara procedente a acção administrativa especial contra ela intentada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, em representação do seu associado, A…………, dele recorreu, para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões.

"1ª

O regime do direito ao «abono para falhas», enquanto suplemento remuneratório, concretiza-se em termos de assistir aos trabalhadores titulares da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos;

Implicando tal regime que haja uma determinação procedimental administrativa que concretize essa caracterização, não bastando o simples desempenho espontâneo, desinserido de tarefas de cobrança e de «tesouraria» desligadas dessas áreas dos serviços e de enquadramento de direção;

No caso dos autos, o autor não faz parte daquele grupo alargado de profissionais assistentes técnicos a quem a Administração, por razões de interesse público, ao abrigo do seu poder de direção e também regulamentar, restringiu na atribuição de funções de «cobrança e de tesouraria», cometendo-as a apenas um posto de trabalho por Unidade de Saúde;

Porque hoje em dia não há 'serviços de tesouraria' no sentido tradicional, a que se reportavam os diplomas originários, não podendo por isso aplicar-se o direito sem uma adequada atualista e em ligação das normas às novas dinâmicas de gestão;

Com efeito, estando-se no domínio do regime remuneratório, não há efeitos jurígenas diretamente emergentes dos factos sem uma adequada aplicação do direito, substantivo e procedimental concreto por parte da Administração;

Sendo que não preenche os pressupostos de atribuição do «abono para falhas» aquele trabalhador assistente técnico que não cumpra nem realize o seu posto de trabalho com actividades de cobrança e de tesouraria guarda e conferência diária, a título principal, ainda que possa esporadicamente realizar uma ou outra cobrança, e fora de um posto de trabalho ao qual a função esteja atribuída;

Por não bastar o exercício isolado ou casuístico da função, quando desligada, mesmo materialmente, do contexto do risco da função, do posto de trabalho que constitui a última ratio da atribuição remuneratória; e, por outro lado, quando desligado de um procedimento específico de designação para a realização da função "cobrança";

Isso mesmo decorre da norma do art 159º da LGTFP ao estabelecer que «são suplementos remuneratórios os acréscimos remuneratórios devidos pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria» (nº1). «os suplementos remuneratórios estão referenciados ao exercício de funções nos postos de trabalho referidos na primeira parte do número anterior, sendo apenas devidos a quem os ocupe.» (nº2)

Ao ter decidido como o fez, não obstante o seu mérito intrínseco, afastou-se o douto Acórdão recorrido do melhor direito, por, afinal i) admitir para o exercício pontual e isolado, à margem do enquadramento procedimental da Administração, um efeito jurígena em matéria remuneratória, ii) por afastar a regularidade e legalidade da regulação - de poder regulamentar e de direcção - da Administração, da aqui recorrente, de restringir a atribuição do abono a um número restrito de assistentes técnicos de cada unidade de saúde, impondo-se a sua revogação.

E ao assim decidir, afastou-se da legalidade constituída por aquela norma do art 159º da LGTFP e pelo teor do invocado Despacho nº 15409/2009 de 8 de julho e das diretivas regulamentares constantes da Circular Informativa n.º 11/2013/DRH-URH, de 29 de julho".

O recorrido contra-alegou, tendo concluído pela improcedência do recurso.

Pela formação a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.

O Exmº. Magistrado do MP, notificado nos termos do art.º 146.º, do CPTA, não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. O acórdão recorrido considerou provado o seguinte:

"A) O R.A. é Assistente Técnico ao serviço da Ré, no ACES-Porto Oriental.

B) O R.A., de entre outras funções, pelo menos desde 30 de Janeiro de 2013, procede à cobrança de taxas moderadoras na UCSPA/USF [cfr. fls. 13 e seguintes do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

C) Em 13/1/2014, o R.A. dirigiu um requerimento ao Presidente do Conselho Directivo da Ré no qual requereu a atribuição do suplemento remuneratório designado "abono para falhas" [cfr. fls. 37 e seguintes dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

D) Por despacho da Directora Executiva do ACES-Porto Oriental, de 19/3/2014, foi indeferido o pedido de atribuição de abono para falhas [acto impugnado].

E) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos [inclusive o PA apenso]".

3. Pela sentença do TAF foi julgada procedente a acção administrativa especial intentada pelo ora recorrido e, em consequência, anulado o despacho, de 19/3/2014, da Directora Executiva do ACES - Porto Oriental e condenada a ora recorrente a reconhecer ao representado pelo A. o direito à percepção do abono para falhas, pagando-lhe o montante correspondente, desde Janeiro de 2013, acrescido dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal.

O acórdão recorrido, para negar provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente, considerou o seguinte:

"(...).

Da leitura conjugada do DL n.º 4/89, de 6/01 (alterado pelo DL n.º 276/98, de 11/09, e revisto pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12), e do Despacho n.º 15409/2009, de 30/06, resulta que a atribuição do abono para falhas pressupõe cumulativamente que:

- O trabalhador seja titular da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico e ocupe posto de trabalho que se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança;

- Que esse posto de trabalho envolva a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos; e

- Que tais funções sejam assim descritas no mapa de pessoal.

Naturalmente que as referidas funções de cobrança de taxas moderadoras pressupõem o manuseamento de dinheiro, ao que acresce consequentemente que os referidos valores fiquem "à sua guarda...sendo por eles responsáveis", para utilizar a expressão constante do art.º 2.º n.º 1 do DL n.º 4/89, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-A/2008.

Acresce ao referido, o facto da recorrente se integrar funcionalmente na carreira de assistente técnico.

O que se pretende com a concessão de um suplemento como o abono para falhas é indemnizar (compensar) os trabalhadores da Administração Pública pelo risco que inerentemente está ligado às suas funções de cobrança de valores.

Como se afirmou nos acórdãos deste TCAN, 8/02/2013, Proc. n.º 02018/10.6BEPRT, de 19/10/2012, Proc. n.º 0276/08.5BECBR, e de 17/03/2005, Proc. n.º 00091/04 "(...). O abono para falhas é um suplemento ou acréscimo remuneratório atribuído em função de uma particularidade específica da prestação de trabalho, que se traduz no manuseamento de dinheiro, caracterizando-se e justificando-se como um subsídio destinado a indemnizar funcionários e agentes pelas despesas e riscos inerentes a tal manuseamento que é susceptível de gerar falhas contabilísticas em operações de tesouraria".

Quando no acórdão deste TCAN de 8/02/2013, Proc. n.º 02018/10.6BEPRT se afirma que " ... O direito ao abono para falhas exige que o trabalhador, titular da categoria de assistente técnico, ocupe posto de trabalho que se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança; que esse posto de trabalho envolva a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos; e ainda que tais funções sejam assim descritas no mapa de pessoal", é manifesto que o aqui Representado se insere nesse grupo, pois é evidente que exerce funções enquanto Assistente Técnico", cobrando e mantendo à sua guarda valores em numerário".

Contra este entendimento, a recorrente, na presente revista, alega fundamentalmente que o representado pelo A., apesar de deter a categoria de assistente técnico e proceder ocasionalmente à cobrança de taxas moderadoras, não preenchia os pressupostos de atribuição do abono para falhas, por não ocupar, no mapa de pessoal da ARS do Norte, um posto de trabalho nas áreas de tesouraria ou cobrança que envolvesse a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos.

Vejamos se lhe assiste razão.

O art.º 2.º, do DL n.º 4/89, de 16/1, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 24.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12 que aprovou o Orçamento de Estado para 2009 - dispõe o seguinte:

"1- Têm direito a um suplemento remuneratório designado "abono para falhas" os trabalhadores que manuseiem ou obtenham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerários, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis.

2- As carreiras e ou categorias, bem como os trabalhadores que, em cada departamento ministerial, têm direito ao "abono para falhas", são determinadas por despacho conjunto do respectivo membro do Governo e dos responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.

3- O direito a "abono para falhas" pode ser reconhecido a mais de um trabalhador por cada órgão ou serviço, quando a actividade de manuseamento ou guarda referida no n.º 1 abranja diferentes postos de trabalho".

Porque o reconhecimento do direito ao abono para falhas ficara dependente da identificação das carreiras e ou categorias, bem como dos trabalhadores que manuseavam ou tinham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis, foi emitido, ao abrigo daquele art.º 2.º, n.º 2, o Despacho n.º 15409/2009, de 30/6, do Ministro do Estado e das Finanças (publicado no DR, II série, n.º 130, de 8/7/2009), onde se estabeleceu que "têm direito ao suplemento designado "abono para falhas" (...) os trabalhadores titulares da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos".

Esta solução foi justificada, no preâmbulo desse Despacho, por, no actual elenco das carreiras, não existir qualquer carreira ou categoria inequivocamente associada à área de tesouraria ou cobrança, como anteriormente acontecia com a carreira de tesoureiro e em virtude de os trabalhadores que nesta estavam integrados haverem transitado para a carreira e categoria de assistente técnico.

Assim, porque, ao contrário do que sucedia com a antiga carreira de tesoureiro, a de assistente técnico não implicava necessariamente o exercício de funções na área de tesouraria ou cobrança, estatuiu-se que estes só tinham direito ao abono desde que ocupassem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização das funções constante do mapa de pessoal, se reportassem a essas áreas, podendo, nos termos do n.º 3 do citado art.º 2.º, esse direito ser reconhecido a mais que um trabalhador por órgão ou serviço quando a aludida actividade de manuseamento ou guarda nas áreas de tesouraria ou cobrança abrangesse diferentes postos de trabalho.

Portanto, para que se possa concluir que um trabalhador titular da categoria de assistente técnico tem direito a auferir abono para falhas, por exercer funções nas áreas de tesouraria ou cobrança, tem de se atender à caracterização de funções do seu posto de trabalho de acordo com o mapa de pessoal.

Não entendeu assim o acórdão recorrido, pois considerou suficiente para a procedência da acção que o representado pelo A. fosse titular da categoria de assistente técnico e que, entre outras funções, realizasse a cobrança de taxas moderadoras.

Porém, sem a demonstração que ele ocupava, no mapa de pessoal da ARS do Norte, IP, um posto de trabalho nas áreas de tesouraria ou cobrança que envolvesse a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda dos valores resultantes da cobrança das aludidas taxas, não se poderiam considerar preenchidos os pressupostos de atribuição do abono para falhas.

Nestes termos, merece provimento a presente revista.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e julgando a acção totalmente improcedente.

Sem custas, atento à isenção de que goza o ora recorrido, sem prejuízo, porém, do disposto nos nºs. 6 e 7 do art.º 4.º do RCP.

Lisboa, 23 de Abril de 2020. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Jorge Artur Madeira dos Santos.