Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0516/14
Data do Acordão:07/13/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PROCESSO DISCIPLINAR
SECÇÃO DISCIPLINAR DO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
RECLAMAÇÃO NECESSÁRIA
ACTO ADMINISTRATIVO
IMPUGNABILIDADE
ACTO NULO
ACTO ININTELIGÍVEL
PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM
ERRO NOS PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Das deliberações da Secção Disciplinar do «CSMP» cabe reclamação necessária para o Plenário desse Conselho e só da deliberação do Plenário que a decida é que cabe impugnação contenciosa através da competente ação administrativa [cfr. arts. 26.º, 27.º, 29.º, n.ºs 2 e 5, e 33.º, do «EMP», 158.º e 163.º, do CPA/91, 46.º, 50.º e segs., do CPTA-2002/2004].
II - A ininteligibilidade ocorre não quando o ato administrativo é suscetível de mais do que uma interpretação, mas, apenas, quando não é possível saber sequer o que no mesmo se determina ou se quis determinar, ou seja, quando exista uma incerteza quanto ao conteúdo/objeto do mesmo que a interpretação não pode pôr cobro.
III - A impossibilidade geradora de nulidade sucederá apenas quando ao ato administrativo falte substrato lógico-jurídico, pessoal ou material/técnico.
IV - O princípio ne bis in idem assenta, em termos disciplinares, no reconhecimento geral de que ninguém pode ser perseguido e punido mais do que uma vez (ne bis) pelo mesmo delito (idem).
V - Não ocorre violação deste princípio se estamos em face dum novo atraso disciplinarmente censurável corporizado num comportamento/conduta que se mostra recortado e balizado por referência a diferente quadro temporal e sem que se possa vislumbrar ou configurar aí uma qualquer infração de natureza permanente ou duradoura.
VI - O juízo disciplinar punitivo exige uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, reclamando uma objetivação que encontre justificação cabal e idónea nos elementos probatórios e que, de per si, sejam suscetíveis de afastar toda a dúvida razoável.
VII - A decisão disciplinar punitiva mostra-se inquinada de erro sobre os pressupostos de facto, que a invalida, se a imputação de ilícito disciplinar se mostra assente em juízos probatórios estribados em indícios, presunções ou conjeturas subjetivas que não encontrem sustentação cabal e idónea nos elementos de prova que foram carreados para o processo disciplinar.
Nº Convencional:JSTA00069799
Nº do Documento:SA1201607130516
Data de Entrada:01/05/2015
Recorrente:A............
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ACÇÃO ADM ESPECIAL
Objecto:DEL CSMP
Decisão:PROCEDENTE
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACÃO ADM ESPECIAL.
Legislação Nacional:CONST76 ART29 ART268 N3 N4.
CPTA02 ART51 ART87 ART89 N1 C.
CPA91 ART124 N1 N2 ART133 ART136.
EMP98 ART27 F ART29 N2 N5 ART33 ART175 N3 B.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0567/07 DE 2007/08/01.; AC STAPLENO PROC0377/08 DE 2009/06/04.; AC STA PROC0551/09 DE 2010/01/27.; AC STA PROC0042307 DE 2006/11/29.; AC STA PROC038/04 DE 2004/06/01.; AC STA PROC01169/13 DE 2014/10/30.; AC STAPLENO PROC0772/10 DE 2013/01/23.; AC STA PROC0148/03 DE 2004/10/07.; AC STA PROC0426/10 DE 2012/03/15.; AC STA PROC0374/05 DE 2005/06/07.
Referência a Doutrina:MARCELO REBELO DE SOUSA - RDJ VOLVI 1992 PAG45.
ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES E PACHECO DE AMORIM - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 2ED PAG645.
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. A…………, devidamente identificado nos autos, intentou no Supremo Tribunal Administrativo ação administrativa especial contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [doravante «CSMP»], impugnando e pedindo que fossem declaradas nulas, ou apenas anuladas, as deliberações do Secção Disciplinar do «CSMP» de 12.07.2013 e de 24.09.2013 e do Plenário do «CSMP», de 03.12.2013, através das quais foi decidido aplicar-lhe a pena disciplinar de 150 dias de suspensão de exercício e a sua transferência para a comarca de ………. Mais peticiona que, no uso do poder-dever ínsito no art. 71.º do CPTA, se imponha ao R. “… a título de vinculações a observar na emissão do ato devido, que subsuma a conduta do Autor a figura de negligência inconsciente e lhe aplique uma pena de multa, de medida a ponderar de acordo com as circunstâncias atenuantes e agravantes dadas como provadas, suspensa na sua execução”.

1.2. Citado o R. veio o mesmo a apresentar contestação, inserta a fls. 179 a 199 dos autos, no âmbito da qual arguiu a inimpugnabilidade das deliberações da Secção Disciplinar do «CSMP», de 12.07.2013 e de 24.09.2013, devendo, em consequência, ser absolvido da instância e, bem assim, contraditou no mais os fundamentos da presente ação administrativa, concluindo pela sua improcedência.

1.3. Notificado para se pronunciar sobre a questão da inimpugnabilidade invocada pelo R. na sua contestação [cfr. fls. 202/203] veio o A. a sustentar, a final, que a deliberação tomada pelo Plenário do «CSMP» incorpora as deliberações que o R. entende serem inimpugnáveis pelo que os vícios assacados a estas estendem-se e inquinam aquele ato, não sendo pelo facto de o A. não os ter invocado nos meios graciosos de que fez uso, que tais ilegalidades ficam sanadas ou deixam de poder ser apreciadas pelo Tribunal, pelo que conclui como na petição inicial [cfr. fls. 204 a 206].

1.4. Subsequentemente apenas foi proferido despacho a determinar a notificação das partes para produzirem alegações escritas nos termos e para os efeitos do disposto no art. 91.º, n.º 4, do CPTA, sendo que apenas o R. o veio fazer culminando-as com o seguinte quadro conclusivo, que se reproduz [cfr. fls. 208/210 e fls. 211 e segs.]:

1.ª - As deliberações da Secção disciplinar são atos inimpugnáveis, porque delas cabe reclamação necessária para o Plenário do CSMP, nos termos dos artigos 27.º, alínea f) e 29.º n.º 5 do Estatuto do Ministério Público (EMP);
2.ª - E essa reclamação necessária tem efeito suspensivo, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do Código do Código de Procedimento Administrativo (CPA), donde resulta que dos atos reclamados nenhuma lesão imediata de direitos ou interesses legítimos resultou para o autor;
3.ª - Conforme se afirma em síntese no citado acórdão de 01.08.2007 (proc. n.º 567/07), constituindo jurisprudência pacífica: «das deliberações da Secção Disciplinar do CSMP cabe reclamação necessária para o Plenário do mesmo Conselho nos termos do artigo 29.º n.º 5 do EMP, só cabendo recurso das decisões do Plenário nos termos do artigo 33.º daquele Estatuto»;
4.ª - A inimpugnabilidade das deliberações da Secção Disciplinar do CSMP de 12 de julho de 2013 e de 24 de setembro de 2013 constitui uma exceção dilatória insuprível prevista no artigo 89.º n.º 1 alínea c) do CPTA, que obsta ao prosseguimento do processo e conduz à absolvição da instância (nessa parte) nos termos do artigo 576.º n.º 2 do Código de Processo Civil;
5.ª - Não ocorreu qualquer vício de fundamentação do impugnado acórdão do Plenário do CSMP de 3 de dezembro de 2013, pois nele são expostas, de forma objetiva, clara, suficientemente desenvolvida e coerente, as razões por que se considerou adequada e necessária a aplicação ao autor, tanto da pena disciplinar de 150 dias de suspensão de exercício de funções, como da transferência para a Comarca de ………;
6.ª - Por isso, não existe qualquer ininteligibilidade ou impossibilidade lógica do objeto da decisão punitiva, nem esta enferma de qualquer outro vício na sua fundamentação, pelo que nem é nula nos termos do artigo 133.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do CPA, nem tão pouco é anulável nos termos dos artigos 123.º, n.ºs 1, alínea d) e 2, 124.º e 135.º do mesmo Código, sendo de todo improcedente a alegação do autor nesse sentido;
7.ª - Também não assiste razão ao autor na sua alegação de que ocorreu a violação do princípio ne bis in idem, e nem sequer essa questão foi tratada na impugnada deliberação do Plenário do CSMP de 3 de dezembro de 2013, porque o ora autor não a suscitou na reclamação que deduziu do acórdão da Secção Disciplinar;
8.ª - De qualquer modo, salienta-se que no Relatório Final elaborado pelo Senhor Inspetor, depois no acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, e por último no acórdão do Plenário do CSMP, esteve sempre patente uma grande preocupação de não punir o autor por factos que já tivesse sido punido no âmbito do anterior processo disciplinar;
9.ª - Por isso, os factos apurados no processo disciplinar que antecedeu a punição confirmada pelo acórdão do Plenário do CSMP, foram rigorosamente aqueles que o autor praticou posteriormente, pelo que, não ocorreu o pretenso vício de violação do princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29.º n.º 5 da CRP, gerador de nulidade, nem ocorreram os pretensos vícios de erro nos pressupostos e violação de lei, geradores de anulabilidade, por pretensa punição do autor pela prática de factos já anteriormente punidos;
10.ª - O acórdão impugnado também não enferma de erro nos pressupostos e vícios de violação de lei, com consequente erro na qualificação jurídica dos factos, pois o autor não tem razão quando questiona o facto de se ter considerado que praticou 8 infrações dolosas, nem quando questiona o facto de se ter considerado que praticou 24 infrações com negligência grosseira;
11.ª - Os factos relativos ao dolo que fundamentam a decisão punitiva são justamente os mesmos que já constavam do Relatório Final do processo disciplinar e o autor nem sequer os questionou na reclamação do acórdão da Secção Disciplinar que deduziu para o Plenário do CSMP, e que foi apreciada e indeferida pelo impugnado acórdão do Plenário do CSMP de 3 de dezembro de 2013;
12.ª - O autor tinha perfeito conhecimento dos prazos de prescrição procedimento criminal nos inquéritos de que era titular, bem como da obrigatoriedade para os magistrados do Ministério Público de comunicar superiormente todos os casos de prescrição do procedimento criminal que ocorressem;
13.ª - E justamente por isso, refugiou-se na falta de indícios quando era evidente a sua existência, ou deduziu acusação por crimes prescritos, quando o conhecimento da prescrição, enquanto matéria de exceção que obsta ao prosseguimento do procedimento criminal, precede logicamente a apreciação da existência ou não existência de indícios;
14.ª - Assim, da conduta do autor, apreciada à luz das regras da experiência comum, resulta com toda a segurança que agiu com o propósito de ocultar as prescrições do procedimento criminal, portanto, agiu com dolo;
15.ª - Com efeito, conforme se considerou no douto acórdão desse Supremo Tribunal Administrativo de 10.01.2011, processo n.º 1214/09, num caso idêntico de prescrição do procedimento criminal, que «é de considerar dolosa a conduta do magistrado que teve presente a existência de um sério risco de as suas condutas omissivas terem consequências negativas para a imagem do Ministério Público e anteviu a possibilidade de produção de danos patrimoniais e morais irreparáveis para os ofendidos e vítimas dos crimes que pudessem prescrever, para além do eventual prejuízo para o Estado derivado de pedidos de indemnização, e, apesar disso, decidiu reiteradamente abster-se de atuar de forma a cumprir plenamente o dever profissional de despachar atempadamente os processos a seu cargo»;
16.ª - Os factos provados no processo disciplinar traduzem-se em atrasos de meses e anos em elevado número de processos, muitos referentes a situações de crimes graves, reiterados no tempo, pelo que o autor conhecia perfeitamente o significado dos seus atos e previa as respetivas consequências, designadamente a prescrição do procedimento criminal ocorrida nos vários processos;
17.ª - Por isso, não ocorreu o pretenso vício de violação de lei e de erro nos pressupostos, nem no acórdão da Secção Disciplinar, e muito menos no acórdão do Plenário do CSMP, que nem sequer se pronunciou sobre essa matéria, por não lhe ter sido submetida na reclamação do autor que apreciou e decidiu;
18.ª - Relativamente à punição do autor pela prática de 13 infrações a título de negligência grosseira, também não pode merecer acolhimento a pretensão do autor de serem qualificadas essas infrações em concurso aparente, como uma única infração continuada;
19.ª - Pois no caso dos autos nem ocorreu a mesma solicitação exterior, nem a culpa do autor alguma vez pode considerar-se diminuída, antes se devendo considerar agravada pelo acumular das infrações, pelo que estamos perante um caso nítido de pluralidade de infrações, numa relação de concurso real;
20.ª - Portanto, não se verificaram os pretensos vícios de erro nos pressupostos e violações de lei que o autor atribui à decisão punitiva, donde resulta intocável a punição do autor pelas indicadas infrações a título de dolo e de negligência grosseira, que justificam e tornam, absolutamente necessária a pena disciplinar que lhe foi aplicada;
21.ª - E por isso, não ocorreu qualquer violação do princípio da culpa e da proporcionalidade, que o mesmo é dizer que não ocorreu qualquer violação dos artigos 1.º e 266.º CRP e 5.º n.º 2 do CPA;
22.ª - Também não ocorreu qualquer erro de interpretação e aplicação das normas de que resulte violação do princípio da culpa e da proporcionalidade, e a pena disciplinar aplicada ao autor é ajustada, e necessária e proporcional à gravidade e consequências da sua conduta violadora dos deveres funcionais;
23.ª - Pelo que não ocorreu qualquer violação do princípio da culpa e da proporcionalidade, que o mesmo é dizer que não ocorreu qualquer violação dos artigos 1.º e 266.° CRP e 5.º n.º 2 do CPA;
24.ª - A conduta do autor assume foros de extrema gravidade, ele tinha sido recentemente punido disciplinarmente e cumprido a pena, o que não o alertou para a necessidade de não repetir essa conduta, pelo que não é possível formular um juízo de prognose no sentido de que a simples ameaça da pena disciplinar se mostre suficiente para realizar as finalidades da punição;
25.ª - Por isso, seguramente não se verificam os pressupostos que se exigem para a suspensão da execução das penas disciplinares, nos termos dos artigos 25.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aplicável ex vi artigo 216.º do EMP;
26.ª - A transferência do autor para a comarca de ………, justifica-se e torna-se necessária porque as infrações disciplinares que praticou, pela sua gravidade objetiva, tinham uma influência na imagem e no prestígio do autor enquanto no exercício da sua prestação na comarca de ………, de tal modo que a história disciplinar do autor e as necessidades preventivas especiais apontavam vivamente para a necessidade da transferência; (…)
28.ª - Tendo sido aplicada uma pena de suspensão de exercício superior a 120 dias, e inexistindo condições objetivas que permitissem ao autor manter-se no meio em que exerce as funções sem quebra do prestígio que lhe é exigível, a transferência para outra comarca apresentava-se como efeito justificado daquela concreta pena disciplinar, nos termos do artigo 175.º n.ºs 2 e 3, al. b) do EMP;
29.ª - Em suma: a punição do autor foi um ato de elementar justiça, em conformidade com o direito aplicável, e a decisão punitiva não enferma dos vícios que o autor lhe atribui nem de quaisquer outros que a invalidem, pelo que deverá ser mantida na ordem jurídica …”.

1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



2. DAS QUESTÕES A DECIDIR

Considerando os termos da pretensão deduzida pelo A. e a defesa produzida pelo R. constituem objeto de pronúncia nesta sede:

A) o aferir da impugnabilidade contenciosa das deliberações da Secção Disciplinar do «CSMP» de 12.07.2013 e de 24.09.2013 face ao que se disciplina nos arts. 51.º do CPTA, 163.º, n.º 1, do CPA/91, 26.º, 27.º, al. f), 29.º, n.ºs 2 e 5, e 33.º todos do Estatuto do Ministério Público [doravante «EMP»]; e se julgada procedente esta questão,

B) o aferir da procedência da impugnação deduzida pelo A. dirigida à deliberação do Plenário do «CSMP», de 03.12.2013, mormente, conhecendo dos seguintes fundamentos de ilegalidade à mesma assacados:

B.1) Ininteligibilidade ou impossibilidade lógica do objeto do ato impugnado, por o seu conteúdo ser indeterminável ou contraditório, com consequente nulidade do ato [art. 133.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CPA/91] ou, assim não se entendendo, anulabilidade do mesmo ato por falta de clareza e incongruência manifesta da respetiva fundamentação [arts. 123.º, n.º 1, al. d), 124.º e 135.º, todos do CPA/91];

B.2) Nulidade da decisão punitiva, por ofensa do princípio ne bis in idem [art. 29.º, n.º 5, da CRP] ou, se assim se não entender, a sua anulabilidade, por erro nos pressupostos e vício de violação de lei quando condena o A. pela prática de três infrações disciplinares por violação dos deveres de zelo, respeitantes à sua atuação nos inquéritos n.ºs 3682/07.PB……, 606/05.1TA…… e 2227/07.5TA……, bem como pela prática de outras três infrações disciplinares por violação do dever de prossecução do interesse público atinente ao seu desempenho nos inquéritos n.ºs 646/06.1TA......, 1115/98.9JA...... e 2023/05.4TA......;

B.3) Erro nos pressupostos [facto e de direito] e vício de lei do ato impugnado, com o consequente erro manifesto na qualificação jurídica dos factos apurados, quanto: i) às infrações ao dever de lealdade [arts. 163.º do «EMP», 03.º do Estatuto Disciplinar Trabalhador Funções Públicas (Lei n.º 58/2008, de 09.09) doravante «ED/2008»]; ii) à violação do dever de prossecução do interesse público [arts. 163.º do «EMP», e 03.º do «ED/2008»]; iii) às demais infrações cuja prática foi qualificada de “negligência grosseira” quando deveria ter sido como “negligência inconsciente” [art. 15.º do C. Penal];

B.4) Erro manifesto por incorreta interpretação/aplicação das normas aplicáveis e inobservância do princípio da proporcionalidade [arts. 01.º, 266.º, n.º 1, da CRP, 05.º, n.º 2, do CPA/91, 183.º, n.º 1, do «EMP»];

B.5) Ilegalidade das decisões de não suspender a pena aplicada e de transferir o A. para a comarca de ……… [arts. 188.º, n.º 2, 175.º, n.º 2, 216.º do «EMP», 09.º, n.º 3, 25.º, n.º 1, do «ED/2008», 50.º, n.º 1, do C. Penal, 03.º, 04.º e 06.º do CPA/91 (violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da justiça)].



3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. DE FACTO

Presentes o alegado pelas partes e a suficiência dos elementos probatórios que se mostram já produzidos nos autos, julga-se como assente o quadro factual seguinte:

I) O A. ingressou na magistratura do Ministério Público [MP] em 1989, tendo exercido funções nas comarcas de ………, ………, ………, ……… e ……… até à sua colocação na comarca de ………, em junho de 1998, como Procurador-Adjunto [cfr. fls. 19 do processo instrutor apenso, Vol. I - cujo teor aqui se dá por reproduzido].

II) Durante o período em que exerceu funções na magistratura do MP, o A. obteve 04 classificações de serviço de “Bom”, devidamente homologadas [cfr. fls. 20 do processo instrutor apenso, Vol. I - cujo teor aqui se dá por reproduzido].

III) No início do ano de 2000 o A. foi afeto ao departamento especializado de crime então designado por «GAP II» dos serviços do MP de ………, entretanto extinto, destinado à investigação da criminalidade mais complexa e exigente.

IV) O A. manteve-se nesse departamento especializado, com sucessiva distribuição de inquéritos, até 24.04.2008.

V) Em 24.04.2008, por decisão superior [Despacho n.º 19/2008, de 15.04.2008, do Procurador-Geral Distrital do Porto - fls. 39 e 40 do processo instrutor apenso, Vol. I - cujo teor aqui se dá por reproduzido], transitou para o chamado «GAP I» dos serviços do MP de ………, mas continuando com a incumbência de tramitar e dar despacho final a todos os inquéritos que lhe estavam distribuídos e ainda pendentes no extinto «GAP II».

VI) E, em cumprimento dessa determinação superior, continuou a ser titular dos cerca de 130 inquéritos do extinto «GAP II».

VII) No ano de 2008 o A. foi alvo de processo disciplinar, registado sob o n.º …/2008-RMP-PD, precedido de dois inquéritos pré-disciplinares: um destinado a averiguar as causas da tramitação anómala do NUIPC 33/00.7TA......; o outro destinado a averiguar as causas que levaram aos atrasos em inquéritos existentes no chamado «GAP II», dos serviços do MP de ……… [cfr. fls. 20 e fls. 327, ponto 2, do processo instrutor apenso - Vol. I - e fls. 583 do mesmo processo apenso, Vol. II - cujo teor aqui se dá por reproduzido].

VIII) Neste último inquérito pré-disciplinar, foram levados em consideração os atrasos processuais verificados nos processos titulados pelo ora A. até 30.09.2008 [cfr. fls. 327, ponto 3, do processo instrutor apenso - Vol. I - e fls. 583 do mesmo processo apenso - Vol. II - cujo teor aqui se dá por reproduzido].

IX) O supra mencionado processo disciplinar n.º …/2008-RMP-PD culminou com a deliberação do Plenário do «CSMP» de 22.06.2009 [proferida na sequência de reclamação da deliberação da Secção Disciplinar de 12.05.2009 - cfr. fls. 223/224 v. e fls. 226/246 v. dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido] na aplicação ao A. da pena disciplinar graduada em 60 dias de multa, por infração disciplinar continuada com violação dos deveres gerais de zelo e de lealdade dados os atrasos à data de 31.05.2008 em 46 inquéritos, nomeadamente, nos inquéritos n.º 33/00.7TA...... [num conjunto acumulado de 04 anos e 04 meses], n.º 1115/98.9JA...... [sem despacho substantivo desde 23.09.2002” (“está parado há 6 anos e 7 dias”) e “a acrescer a isto, alguns dos crimes dos autos, em parte, poderão sofrer risco da prescrição], n.º 4599/02.9TD...... [está parado há 2 anos, 2 meses e 17 dias], n.º 591/03.4GC...... [está parado há 1 anos, 11 meses e 5 dias], n.º 1239/04.5TA...... [está parado há 1 anos, 10 meses e 3 dias], n.º 320/05.8TA...... [está parado há 8 meses e 8 dias], n.º 533/05.2GA…… [está parado há 1 ano, 8 meses e 25 dias], n.º 606/05.1TA...... [está parado há 1 ano e 25 dias], n.º 933/05.8PB...... [está parado há 8 meses e 23 dias], n.º 6728/05.1TD...... [está parado há 2 anos e 11 dias], n.º 1972/04.1PB...... [está parado há 1 ano e 26 dias], n.º 2910/04.7PB...... [está parado há 1 ano, 9 meses e 10 dias], n.º 2023/05.4TA...... [está parado há 2 anos, e 25 dias], n.º 79/06.1TA...... [está parado há 1 ano, 9 meses e 23 dias], n.º 535/06.1TA...... [está parado há 1 ano, 6 meses e 15 dias], n.º 664/06.1TA...... [está parado há 1 anos e 4 meses], n.º 1098/06.3GC...... [está parado há 1 ano, 6 meses e 23 dias], n.º 1153/06.0PB...... [está parado há 2 anos, 6 meses e 24 dias], n.º 1377/06.0PB...... [está parado há 1 ano, 8 meses e 25 dias], n.º 1551/06.9TA...... [está parado há 1 ano, 7 meses e 7 dias], n.º 1764/06.3TA...... [está parado há 1 ano e 25 dias], n.º 2048/06.2TA...... [está parado há 1 ano e 9 dias], n.º 2385/06.6TA...... [está parado há 1 ano, 6 meses e 23 dias], n.º 370/06.7PB...... [está parado há 1 ano e 24 dias], n.º 602/06.1PC...... [está parado há 1 ano e 25 dias], n.º 1310/06.9GC...... [está parado há 1 ano, 5 meses e 10 dias], n.º 1396/06.6PB...... [está parado há 8 meses e 30 dias], n.º 976/05.1TA…… [está parado há 9 meses e 9 dias], n.º 2556/05.2TA…… [está parado há 7 meses e 9 dias], n.º 833/04.9TA...... [está parado há 1 ano, 3 meses e 30 dias], n.º 42/07.5…… [está parado há 1 ano, 9 meses e 10 dias], n.º 118/07.9…… [está parado há 1 ano e 17 dias], n.º 254/07.1TA...... [está parado há 1 ano 9 dias], n.º 396/07.3…… [está parado há 1 ano, 2 meses e 28 dias], n.º 417/07.0…… [está parado há 1 anos, 2 meses e 25 dias], n.º 792/07.6 [está parado há 1 ano, 6 meses e 7 dias], n.º 868/07.0 [está parado há 1 ano e 19 dias], n.º 10/07.7 [está parado há 9 meses e 9 dias], n.º 57/07.3 [está parado há 6 meses e 2 dias], n.º 146/07.4 [está parado há 9 meses e 16 dias], n.º 151/07.0 [está parado há 7 meses e 4 dias], n.º 204/07.5 [está parado há 8 meses e 23 dias], n.º 536/07.2 [está parado há 9 meses e 26 dias], n.º 1670/07.4 [está parado há 6 meses e 24 dias], n.º 1754/07.9 [está parado há 8 meses e 6 dias], n.º 3682/07.9 [está parado há 6 meses e 19 dias], n.º 2227/07.5 [“está parado há 6 meses e 5 dias”] [cfr. acórdão da Secção Disciplinar do «CSMP» de 12.05.2009 - cfr. fls. 284/324 do processo instrutor apenso - Vol. I - cujo teor aqui se dá por reproduzido], pena essa que, por acórdão do «CSMP» de 01.10.2009, foi autorizado vir a ser paga em 24 prestações mensais e sucessivas, tendo o A. cumprido a referida pena [cfr. fls. 583 do acórdão da Secção Disciplinar do «CSM», de 12.07.2013, constante de fls. 579 a 617 do processo instrutor que aqui se dá por expressamente reproduzido - cfr. fls. 327, ponto 4., do referido processo apenso - Vol. I - cujo teor aqui se dá igualmente por reproduzido].
X) Pelo Provimento n.º 90, de 12.09.2008, o A. passou a assegurar, a partir de 15.09.2008, o serviço no então 01.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ………, continuando, porém, a ser o titular dos cerca de 130 processos pendentes do extinto «GAP II» que lhe estavam distribuídos, tendo a incumbência de os tramitar e dar despacho final [cfr. provimento n.º 90, de 12.09.2008, a fls. 46 a 48 do processo instrutor apenso - Vol. I - cujo teor aqui se dá por reproduzido].
XI) Para além do serviço no referido 01.º Juízo Criminal, da tramitação e despacho final dos inquéritos do antigo «GAP II», pelo Provimento n.º 96, de 23.06.2010, passou a receber, a partir de 01.07.2010, conjuntamente com os demais cinco Procuradores-Adjuntos dos Juízos Criminais e Cíveis do Tribunal Judicial de ………, 20% dos inquéritos pela prática de crimes puníveis com pena de prisão até cinco anos, com exceção dos inquéritos com arguidos detidos, cuja percentagem foi reduzida para 15%, a partir de 01.10.2012, através do Provimento n.º 106, de 28.09.2012 [cfr. Provimento n.º 96, de 23.06.2010, a fls. 51 a 53 do processo instrutor apenso - Vol. I -, e Provimento n.º 106, de 28.09.2012, a fls. 61 a 63 do referido processo apenso - Vol. I, respetivamente].
XII) Pelo Provimento n.º 99, de 12.09.2011, recebeu, conjuntamente com os demais 12 colegas, 88 inquéritos anteriormente dirigidos por outra Procuradora-Adjunta, repartidos equitativamente por todos [cfr. Provimento n.º 99, de 12.09.2011, a fls. 54 e 55 do processo instrutor apenso - Vol. I - cujo teor aqui se dá por reproduzido].
XIII) Em resultado da extinção do então 04.º Juízo Criminal do Tribunal judicial de ………, a partir de setembro de 2011, ocorreu um acréscimo de trabalho para os demais juízos e, designadamente, para o referido 01.º Juízo Criminal.
XIV) Após o que, por despacho da Sr.ª Procuradora-Geral Distrital do Porto, foram redistribuídos aos Magistrados do MP do Tribunal Judicial de ………, cerca de 360 inquéritos antigos e parados nos serviços do MP de ………, tendo cabido ao ora A. cerca de 33 desses inquéritos [cfr. ponto 11.º do Relatório Final, a fls. 544, constante de fls. 540 a 573 do processo instrutor apenso - Vol. II -, que aqui se dá por integralmente reproduzido].
XV) Em maio de 2013, por decisão superior, o A. deixou o referido 01.º Juízo Criminal passando a assegurar o serviço junto do Juiz de Instrução do Tribunal Judicial de ………, mantendo-se, todavia, a contínua distribuição dos inquéritos por ele e pelos restantes nove procuradores adjuntos dos juízos criminais da mesma comarca.
XVI) Na sequência de inspeção ao serviço e ao mérito do A. [Processo n.º …/2012 - RMP], iniciada em 10.10.2012, de acordo com o Plano aprovado pelo «CSMP» para o ano de 2012, e por despacho do Senhor Vice Procurador-Geral, de 14.02.2013, foi instaurado processo disciplinar ao A. [cfr. Relatório de Inspeção a fls. 188 a 240 do processo instrutor apenso - Vol. II - cujo teor aqui se dá por reproduzido].
XVII) O supra referido processo disciplinar, registado sob o n.º …/2013 RMP-PD [processo este composto de 02 volumes e 03 apensos (A, B e C) - cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], culminou com o Relatório Final, de 03.05.2013, nos termos do qual foi imputado ao A. a prática de 33 infrações [04 infrações disciplinares cometidas a título de dolo direto; 04 infrações disciplinares cometidas a título de dolo eventual; 24 infrações disciplinares cometidas a título de negligência grosseira; e 01 infração disciplinar cometida a título de negligência consciente], e proposta a aplicação da pena de 150 dias de suspensão de exercício [cfr. Relatório Final constante de fls. 540 a 573 do processo instrutor apenso - Vol. II -, que aqui se dá por integralmente reproduzido], extraindo-se do mesmo, nomeadamente, o seguinte:

a) Na descrição dos factos só foram levados em consideração os atrasos processuais ocorridos depois de 30/9/08 e até 10/10/12.
b) Não obstante terem sido consignados todos os atrasos processuais verificados de acordo com o disposto na alínea a) para um melhor esclarecimento de toda a atuação do senhor Magistrado, apenas lhe foram imputados, como infração continuada ao dever geral de zelo, todos os que se verificaram em processos que não foram incluídos no processo disciplinar n.º …/2008-PD.
c) Bem como os novos atrasos ocorridos nos processos incluídos nesse processo disciplinar, entendendo-se como novos atrasos apenas aqueles que ocorreram depois da decisão final daquele processo e que não pudessem ser considerados, apenas, a continuação daqueles que já lá tinham sido apreciados.
d) Não obstante, mesmo em relação aos processos que já tinham sido incluídos no processo disciplinar n.º …/2008-PD, foram tidos em consideração factos que ocorreram depois da sua conclusão e que nele não foram apreciados, designadamente, aqueles que são suscetíveis de integrar infrações aos deveres gerais de prossecução do interesse público, de lealdade e de correção.
e) Em relação a estas infrações, mesmo que os respetivos factos tenham sido incluídos na acusação, para uma melhor compreensão de toda a atuação do senhor Magistrado, apenas foram levadas em consideração aquelas que se tinham consumado depois de 14/2/12, dado que todas as que se consumaram até essa data devem (…) ficar afastadas da decisão final, por ter ocorrido, entretanto, a prescrição do respetivo procedimento disciplinar.
f) (…).
g) Em caso da ocorrência de concurso da infração ao dever geral de zelo e da infração ao dever geral de prossecução do interesse público, considerou-se que esse concurso era apenas aparente, sendo que a segunda infração, por ser mais grave, quando consumada, consumia a primeira …”.
XVIII) A pena disciplinar proposta foi homologada pelo «CSMP» - Secção Disciplinar, por acórdão de 12.07.2013, que, aderindo aos fundamentos do Relatório Final referido no precedente ponto XVII), deliberou aplicar ao A. a pena disciplinar de 150 dias de suspensão de exercício e a sua transferência para cargo idêntico, na comarca de ………, extraindo-se da mesma, nomeadamente, o seguinte:

IV - factos provados:
Das provas recolhidas nos autos resultam provados os seguintes factos:
a) antecedentes disciplinares: (…)
b) serviço atribuído: (…)
c) inquéritos com atrasos: (…)
d) execuções por coimas não promovidas: (…)
e) tempo de serviço e classificações: (…)
f) outros factos provados da defesa: (…)
422. O Magistrado ora arguido sempre foi olhado pelos seus pares como excelente colega, muito solidário, assíduo, muito pontual e competente.
423. Conseguindo granjear algum prestígio e consideração junto deles.
424. A presente situação tem-no trazido profundamente triste e deprimido.
425. Foi visto a trabalhar no TJ de ……… em tempo de férias e foi visto a levar trabalho para casa.
426. Atualmente, o seu serviço tem-se processado a um ritmo normal.
427. Não foi causado qualquer alarme social a respeito dos seus atrasos no despacho dos processos.
428. Não tem por hábito procurar contrariar as determinações hierárquicas, nem de reagir contra as redistribuições de serviço mesmo que estas o afetem.
429. A determinação hierárquica que, no ano de 2008, fez com que o Magistrado aqui arguido e pelo menos outros dois colegas que transitaram dos serviços de inquéritos para os Juízos Criminais de ………, com a obrigação de cada um deles finalizar os inquéritos que tinha deixado como pendentes, exigiu um grande esforço pessoal de cada um desses magistrados.
430. Nunca pediu apoio de ninguém e nunca teve os seus próprios processos redistribuídos.
431. Além disso, sentia-se envergonhado perante os seus colegas.
g) circunstâncias agravantes:
432. Agrava a responsabilidade disciplinar do Magistrado aqui arguido a acumulação de infrações.
433. Bem como o facto de, recentemente, ter sido alvo de outro processo disciplinar e a pena que lhe foi aplicada não ter sido suficiente para o fazer cumprir os seus deveres funcionais embora não possa ser considerado reincidente, porque a falta anterior foi verificada há mais de três anos.
V. factos não provados: (…).
a) da acusação: (…).
b) da contestação: (…).
c. circunstâncias atenuantes:
Reconhece-se
- a existência de algum excesso da carga de trabalho sobre o Magistrado aqui arguido mas. O facto de não se ter queixado e de nem sequer ter pedido ajuda a quem quer que fosse a si próprio se deve; (...) Também atenua a sua responsabilidade a ausência de alarme social relativamente aos atrasos processuais de sua responsabilidade e o facto de se tratar de magistrado pontual, assíduo, colaborante e sempre disponível, bem como o facto da situação gerada pela conduta do arguido se encontrar em vias de regularização praticamente total.
VI. motivação da decisão factual: (…).
VII. o direito:
a) as infrações disciplinares:
Procedendo ao enquadramento jurídico-disciplinar dos factos apurados considera o D.mo Instrutor que: (…)
c) - Com os factos descritos nos itens 13 a 15 (atraso injustificado no despacho do NUIPC 2078/10.0…) e 400, o Magistrado aqui arguido infringiu o dever geral de zelo previsto na alínea e), do n.º 2, e definido no n.º 7, do artigo 3.º, do EDTQEFP aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 29/9, a título de negligência grosseira.
d) - Com os factos descritos nos itens 16 a 57 (atraso injustificado em despachar o NUIPC 1301/99.4… e seus apensos, mas somente na parte respeitante ao crime de recetação imputado ao aí arguido …) e 400, o Magistrado aqui arguido cometeu uma infração ao dever geral de zelo, prevista e definida nos termos já enunciados, por negligência grosseira, em concurso efetivo com uma infração ao dever geral de lealdade (ocultação deliberada da prescrição do procedimento criminal dos demais crimes que podiam estar em causa), previsto na alínea g), do n.º 2, e definido no n.º 9, do artigo 3.º, do mesmo EDTQEFP, a título de dolo direto.
e) - Com os factos descritos nos itens 58 a 82 (ocultação deliberada da prescrição do procedimento criminal no NUIPC 1239/04.5…… e apenso), o Magistrado aqui arguido infringiu o dever geral de lealdade, previsto e definido nos termos já enunciados, a título de dolo direto.
f) - Com os factos descritos nos itens 105 a 107 (atraso injustificado - de apenas 35 dias - no NUIPC 3682/07.9…), e 400, o Magistrado aqui arguido infringiu o dever geral de zelo, previsto e definido nos termos já enunciados, a título de negligência.
g) - Com os factos descritos nos itens 108 a 126 (atraso injustificado no NUIPC 664/06.1…, de que resultou a prescrição parcial do procedimento criminal), o Magistrado aqui arguido infringiu o dever geral de prossecução do interesse público, previsto na alínea a), do n.º 2, e definido no n.º 3, do artigo 3.º do citado EDTQEFP, a título de dolo eventual, em concurso efetivo com a infração ao dever geral de lealdade (ocultação deliberada da prescrição do procedimento criminal quanto a um dos crimes ali acusados), previsto e definido nos termos já enunciados, a título de dolo direto.
h) - Com os factos descritos nos itens 127 a 158 (atraso injustificado no NUIPC 1115/98.0…, de que resultou a prescrição do procedimento criminal e apensos e também a impossibilidade de deduzir em processo penal pedido civil de indemnização), o Magistrado aqui arguido infringiu o dever geral de prossecução do interesse público, previsto e definido nos termos já enunciados, a título de dolo eventual, em concurso efetivo com a infração ao dever geral de lealdade (ocultação deliberada da prescrição), previsto e definido nos termos já enunciados, a título de dolo direto.
i) - Com os factos descritos nos itens 159 a 185 (atraso injustificado no NUIPC 649/07.0… de que resultou a prescrição do procedimento criminal neste e em 12 dos seus apensos) e 400, o Magistrado aqui arguido infringiu o dever geral de zelo, previsto e definido, nos termos já enunciados, a título de negligência grosseira, em concurso meramente aparente (e não efetivo, como, por lapso, constava da acusação) com a infração continuada ao dever geral de prossecução do interesse público (17 prescrições, sendo 13 disciplinarmente censuráveis), previsto e definido nos termos já enunciados, a título de dolo eventual.
j) - Com os factos descritos nos itens 186 a 198, o Magistrado aqui arguido infringiu o dever geral de prossecução do interesse público na forma continuada (21 prescrições, sendo 15 disciplinarmente censuráveis), previsto e definido nos termos já enunciados, a título de dolo eventual.
k) - Com os factos descritos nos itens 199 a 220 (atrasos injustificados no NUIPC 2109/07.0…) e 400, o Magistrado aqui arguido infringiu o dever geral de zelo, previsto e definido nos termos já enunciados, na forma continuada e com negligência grosseira, em concurso efetivo com a infração ao dever geral de correção (na informação processual prestada à Juíza do 2.º Juízo criminal de ………), previsto na alínea h), do n.º 2, e definido no n.º 10, do artigo 3.º, do citado EDTQEFP, a título de negligência consciente.
l) - Com os factos descritos nos itens 221 a 224 (atraso injustificado no NUIPC 91/08.6……), e 400, o Magistrado aqui arguido infringiu, por negligência grosseira, o dever geral de zelo, previsto e definido nos termos já enunciados.
m) - Com os factos descritos nos itens 225 a 231 (atraso injustificado no NUIPC 617/07.2……), e 400, o Magistrado aqui arguido infringiu, por negligência grosseira, o dever geral de zelo, previsto e definido nos termos já enunciados.
n) - Com os factos descritos nos itens 256 a 257, (atraso injustificado - de 101 dias - no NUIPC 606/05.1……) e 400, o Magistrado aqui arguido infringiu, por negligência grosseira, o dever geral de zelo, previsto e definido nos termos já enunciados.
o) - Com os factos descritos nos itens 270 a 274 (atraso injustificado no NUIPC 2227/07.S …), e 400, o Magistrado aqui arguido infringiu, por negligência grosseira, o dever geral de zelo, previsto e definido nos termos já enunciados.
p) - Com os factos descritos nos itens 275 a 283 (atraso injustificado no NUIPC 158/02.4 …) e 400, o senhor Magistrado aqui arguido infringiu, por negligência grosseira, o dever geral de zelo, previsto e definido nos termos já enunciados.
q) - Com os factos descritos nos itens 284 a 308 (atraso injustificado no NUIPC 617/07.2…) e 400, o Magistrado aqui arguido infringiu, por negligência grosseira, o dever geral de zelo, previsto e definido nos termos já enunciados.
r) - Com os factos descritos nos itens 309 a 312 (atraso injustificado no NUIPC 1122/08.5…) e 400, o Magistrado aqui arguido infringiu, por negligência grosseira, o dever geral de zelo, previsto e definido nos termos já enunciados.
s) -Com os factos descritos nos itens 313 a 316 (atraso injustificado no NUIPC 2386/09.2…) e 400, o Magistrado aqui arguido infringiu, por negligência grosseira, o dever geral de zelo, previsto e definido nos termos já enunciados.
t) - Com os factos descritos nos itens 317 a 320 (atraso injustificado no NUIPC l44/12.8…) e 400, o senhor magistrado aqui arguido infringiu, por negligência grosseira, o dever geral de zelo, previsto e definido nos termos já enunciados.
u) - Com os factos descritos nos artigos 321 a 329 (não promoção da execução de que resultou a prescrição de coimas), o Magistrado aqui arguido infringiu, por 11 vezes (sendo as duas últimas na forma continuada) o dever geral de prossecução do interesse público, previsto e definido nos termos já enunciados, a título de negligência grosseira.
Resumidamente, são imputadas ao Magistrado aqui arguido:
- 4 infrações disciplinares cometidas a título de dolo direto;
- 4 infrações disciplinares cometidas a título de dolo eventual;
- 24 infrações disciplinares cometidas a título de negligência grosseira; e
- 1 infração disciplinar cometida a título e negligência consciente.
Concordamos inteiramente que assim é.
(…).
VII. escolha da pena:
A escala de penas disciplinares aplicáveis aos Magistrados do MP consta do art. 166.º do EMP.
Pretende o Magistrado aqui arguido que pela prática das infrações disciplinares em causa seja aplicada pena de multa.
(…) Como se disse, o arguido cometeu 8 infrações disciplinares com dolo, sendo 4 com dolo direto e 4 com dolo eventual.
Do que resulta inviável a possibilidade de sancionamento com pena de multa.
Acresce que, como refere o Dt.º Inspetor «as infrações dolosas revelam grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e as que foram cometidas por negligência grosseira integram-se na chamada negligência grave». «Portanto, ... , nunca lhe poderá ser aplicada, ... pena de multa».
A pena imediatamente superior - a pena de transferência - «é aplicável a infrações que impliquem quebra do prestígio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções» - art. 182.º do EMP.
Na escala das penas seguem-se a suspensão do exercício e de inatividade que «são aplicáveis nos casos de negligência grave ou de grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais» - art. 183.º do EMP.
Sendo, por isso, no âmbito destas que há que escolher a pena a aplicar ao Magistrado aqui arguido.
E a pena justa e adequada é, atenta a recuperação dos atrasos e evolução positiva da produtividade do Magistrado arguido, a da suspensão do exercício (das funções de Magistrado do M.P.).
IX. da medida da pena:
(…)
Quanto à gravidade e consequência das infrações, os factos provados e o seu enquadramento disciplinar são por demais ilustrativos.
A culpa do Magistrado arguido é elevada como evidenciam o tipo de culpa que subjaz a cada uma das infrações em concurso.
A sua personalidade, ao menos no trato pessoal, na assiduidade, na relação com a hierarquia e com os colegas é abonatória.
Como refere o Dt.º Inspetor, «o peso destas circunstâncias atenuativas, porém, afigura-se-nos muito inferior ao peso das circunstâncias agravantes já mencionadas, relativas à gravidade das infrações, ao número das que lhe são imputadas, aos danos provocados no interesse público cuja defesa incumbe ao M.P. e aos prejuízos causados à própria imagem da instituição».
Propõe o Dt.º Inspetor que ao Magistrado arguido seja aplicada a pena disciplinar de 150 dias de suspensão do exercício.
Acolhendo a proposta no que tange à pena, entende-se que a sua medida deve levar em conta a objetiva recuperação dos atrasos documentada nos autos e o retomar da normalidade do ritmo de trabalho do Magistrado arguido.
E se não é ainda possível fazer um juízo de prognose no sentido de que a as causas que, influindo no seu desempenho funcional, possam ter motivado os atrasos e as prescrições apuradas e aqui sancionadas, entende-se que a evolução positiva ocorrida - eliminação dos atrasos e retomar de produtividade normal, conjugada com a confissão dos factos e o consequente reconhecimento dos erros cometidos e da vontade e capacidade de arcar com as respetivas consequências disciplinares - apontam no sentido de que a pena será minimamente justa e suficientemente sancionadora se for fixada em 150 dias de suspensão do exercício de funções.
E já se disse e justificou pormenorizadamente as razões pelas quais se decide afastar a aplicação da consequência prevista no art. 175.º n.º 2 do EMP.
Pena disciplinar cuja execução não pode suspender-se, não somente pela sua gravidade e pelos antecedentes disciplinares do magistrado aqui arguido, mas sobretudo ou essencialmente porque ainda não decorreu tempo suficiente que possa avalizar que a causa endógena - única que originou a situação disciplinar aqui sancionada - esteja definitivamente debelada, ou se recidivar que o próprio seja capaz de fazer aquilo que reconhece que deveria ter feito e não fez quando a doença o atingiu, não sendo, por isso minimamente consistente prognosticar que não há perigo de reiteração ou até de reincidência.
Aliás, o próprio, na sua douta contestação, refere que a recuperação é um desígnio que persegue, remetendo a verificação do regresso à normalidade do desempenho «ser escalpelizado pelo crivo de uma inspeção especial, a requerer no futuro».
Neste contexto não pode decidir-se pela suspensão da execução da pena aplicada.
X. decisão:
Do art. 55.º EDTTQEFP resulta que a decisão do órgão disciplinar pode ser de concordância com o proposto pelo inquiridor. Só tendo de ser fundamentada se for discordante. (…) É o que sucede no caso, ainda que se tenha fundamentado na parte que implicou desatender argumentação ou pretensão formulada pelo Magistrado aqui arguido e de modo a que se possa, quer interna, quer externamente, conhecer-se o processo lógico e racional que esteve subjacente à escolha e à determinação da medida da pena que é ligeiramente inferior à proposta e que teve em especial conta a recuperação anímica e de serviço entretanto desenvolvido e normalizado. (…) Assim, nos termos do art. 30.º n.º 7 do EMP, aderindo aos fundamentos do relatório do Dt.º Inspetor inquiridor e à proposta que formula, somente se reduzindo muito ligeiramente a medida da pena, delibera o Conselho Superior do Ministério Público, em Secção Disciplinar, aplicar ao Lic. A…………, Procurador-Adjunto a exercer funções na comarca de ………, a pena disciplinar de 150 dias de suspensão do exercício, em conformidade com o disposto no art. 166.º n.º 1 al. d) e 170.º n.º 1 e 2 e 175.º do EMP. (…) Atenta a medida de pena de suspensão, impõe-se apreciar e decidir se é de decidir a transferência para cargo idêntico em outro tribunal ou serviço diferente daquele em que o Magistrado exerce funções, tal como resulta do estatuído pelo art. 175.º n.º 3 al. b) do EMP. (…) Ponderando a gravidade objetiva das infrações disciplinares que estão em causa, entende-se que não podem deixar de, objetivamente, influir na imagem e no prestígio do Magistrado enquanto na sua prestação na comarca de ………. Sendo que a história disciplinar do Magistrado e as necessidades preventivas especiais apontam vivamente na necessidade da transferência. (…) Sem menosprezar os demais processos, não pode deixar de se salientar pela sua especial acuidade o NUIP n.º 1.115/98.9JA...... no qual estavam em causa crimes de falsificação e peculato e pretensão de dedução de pedido de indemnização. Outro tanto valendo para a prescrição das coimas. (…) Assim, entende-se que o Lic. A………… deve ser transferido para cargo idêntico em comarca diferente. (…) A colocação noutra comarca deve, dentro do possível, ter em conta as necessidades do respetivo serviço. Porque carece da recuperação da pendência entende-se transferir o Lic. A………… para a comarca de ………” [cfr. fls. 579 a 617 do processo instrutor apenso - Vol. II -, que aqui se dá por expressamente reproduzido].
XIX) Notificado o A. do teor do acórdão proferido na Secção Disciplinar do «CSMP», em 12.07.2013, “… para, querendo, se pronunciar no prazo de dez dias nos termos do disposto no art. 101.º do Código do Procedimento Administrativo” [cfr. fls. 618 do processo instrutor apenso], veio o mesmo a pronunciar-se por escrito e requerer uma diligência complementar de recolha de prova [cfr. fls. 620/626 e 627/639 do referido processo apenso - Vol. II -, aqui dado por integralmente reproduzido].
XX) A Secção Disciplinar do «CSMP», por acórdão proferido em 24.09.2013 [cfr. fls. 643 a 647 v. do processo instrutor apenso - Vol. II - cujo teor aqui se dá por reproduzido], refutou a aplicação do disposto no art. 101.º do CPA/91, por existir norma especial que regula a notificação da decisão final em processo disciplinar [cfr. art. 203.º do «EMP»], pelo que não atendeu a pronúncia do A., ali arguido, mantendo o decidido no acórdão prolatado em 12.07.2013, supra referido, extraindo-se da referida decisão, nomeadamente, o seguinte:
… não há margem para nova audiência com vista à formação da decisão (que já foi tomada) …”; bem como ainda que:
c) - a questão da continuação ou da infração permanente:
(…) Reafirmando, mais uma vez, que não há margem para nova decisão final, ainda assim dá-se nota de que esta questão foi expressa e especifica da mente apreciada e decidida no acórdão proferido nos autos.
Como aí se pode ler, entendeu-se que estamos perante infrações disciplinares que estão numa relação de concurso real.
Ali não se diz, mas não se ignorou que o STA, no Ac. de 10-07-2012, proc. 0803/11 (…), tirado por unanimidade e precisamente num processo em que este CSMP era recorrido, decidiu que «os sucessivos atrasos nos processos imputados a uma Magistrada do M.P. e as sucessivas desobediências, quer consubstanciadas na falta de informações sobre o estado dos inquéritos quer consubstanciada na falta de resolução final dos mesmos como lhe era ordenado pela hierarquia, tipificam infrações de natureza permanente ou duradoura».
Supõe-se que o Magistrado aqui arguido possa, justamente, ter em mente esta jurisprudência.
Sucede que nos parece que não é ela de molde a modificar o decidido.
Explicitemos porquê:
Desde logo porque uma pequena parte dos inquéritos com atrasos verificados foram distribuídos ao Procurador Adjunto aqui arguido, depois e bem para lá do termo final do período temporal visado no PD …/2008.
Assim sucedeu com o: - 2078/10.0PB...... (distribuído em 28.06.2010/cls. em 10/12/2010);
- 2386/09.2TA...... ( “ em 16.09.2011/cls. em 20/09/2011); e
- 144/12.6TA...... ( “ em 18.01.2012/cls. em 15/06/2012).
Mas também porque outra parte dos inquéritos em apreço não foram sequer vistos e, consequentemente, incluídos e considerados no PD …/2008.
Assim sucedeu com o: - 1301/99.4JA......;
- 649/07.0TA...... (cls. em 10/12/2010);
- 2109/07.0TA...... (cls. consideradas em 10/10/2011 e 13/07/2012);
- 91/08.6PC......;
- 617/07.2GC...... (cls. considerada, em 30/05/2011)
- 158/02.4JA...... (cls. consideradas, em 13/05/2011 e 17/05/2012);
- 617/07.2TA...... (cls. considerada, em 19/10/2011);
- 1122/08.5TA...... (cls. considerada, em 21/12/2011).
Além de que, em alguns destes ocorreu também a prescrição do procedimento criminal.
E porque alguns dos que já tinham sido considerados naquele PD, depois do seu período temporal e até de estar findo, lhe foi aberta nova Cls., da qual resultou novo atraso.
Como sucedeu no NUIPC: - 3682/07.9PB...... (cls. em 6/07/2012);
- 606/05.1TA...... (cls. em 3/07/2012);
- 2227/07.5TA...... (cls. em 31/01/2011).
E sobretudo e essencialmente porque neles ocorreu, posteriormente, a prescrição do procedimento criminal, ainda que em alguns casos somente quanto a parte dos crimes investigados.
Ademais, de o Magistrado arguido ter ocultado a sua comunicação hierárquica obrigatória.
Assim sucedeu com os NUIPC: - 1301/99.4JA...... (prescrição parcial ocultada);
- 1239/04.5TA...... (prescrição parcial em 31/10/2011 e ocultada);
- 664/06.1TA...... (prescrição parcial em 18/04/2012 e ocultada);
- 1115/98.9JA...... (prescrição parcial em 12/09/2012 e ocultada);
- 2023/05.4TA...... (prescrição parcial)
Como consta expressamente do acórdão - factos provados e qualificação jurídico-disciplinar -, o atraso verificado e a prescrição constada em alguns dos inquéritos incluídos na factualidade julgada provada e que já tinham sido incluídos no PD …/2008, não foram censurados.
Assim sucedeu no NUIPC: - 591/03.4GC...... (o atraso já tinha sido sancionado no PD …/2008 e a prescrição do procedimento criminal ocorreu em 2010, estando, por isso extinto por prescrição, o correspondente procedimento disciplinar);
- 6728/05.1TO...... (atraso continuado e prescrição em 16/02/2011);
- 151/09.0TA...... (o atraso é só um e o mesmo);
- 1754/07.9GP...... (idem);
- 976/05.1TA……(idem).
Quanto à não execução das coimas e, por via disso, a ocorrência da respetiva prescrição, nem sequer o Magistrado arguido tece qualquer comentário.
Do que vimos de explicitar, resulta, a nosso ver, que o acórdão proferido por este Conselho e secção, é claramente inteligível e está suficiente fundamentado.
d) - quanto à escolha e medida da pena:
Aceitando ser sancionado, insiste, porém, o Magistrado arguido em que a medida da pena seja reduzida e em qualquer caso se suspenda a respetiva execução.
Como já dissemos, a decisão final desta Secção Disciplinar foi já proferida e, com isso, se esgotou o respetivo poder jurisdicional disciplinar. Do que decorre que, não pode esta mesma entidade modificar a sua própria decisão final.
A entidade competente que ainda o poderá fazer nesta fase será o Plenário do CSMP. E, obviamente, por outra via (a do recurso) e já noutra sede (jurisdicional), pode o STA modificar ou impor a alteração.
Assim sendo, entende-se que não podem (nem devem) ser aduzidos quaisquer elementos na fundamentação da decisão de direito, dos quais pudesse resultar prejuízo para a defesa do Magistrado arguido (mesmo que se limitassem a aclarar alguns dos pontos apreciados e decididos).
Apenas se pode dizer que as questões agora reafirmadamente suscitadas pelo mesmo foram tratadas e decididas no acórdão em apreço.
A escolha das penas - a suspensão do exercício e a transferência - é de tal modo evidente em função da gravidade dos factos disciplinares cometidos e do registo disciplinar do Magistrado, que não suscita dúvidas e não carece de outra explicitação que aquela que consta do acórdão desta Secção.
e) - quanto à suspensão da execução:
Outro tanto sucede com a pretendida suspensão da execução daquelas penas. Trata-se de questão que está também especificadamente tratada e decidida no acórdão e que, como por certo o Magistrado arguido bem compreende, o seu recente passado disciplinar, completamente inviabiliza.
E quanto à transferência a sua necessidade é até por demais exigida pelo facto que o próprio aduz e que consiste em que na sua longa carreira, pelas demais comarcas onde prestou serviço, não foi objeto de qualquer censura. Do que resulta que afinal, somente na comarca de ……… se enredou em comportamentos disciplinarmente punidos. Pelo que a prevenção tem de passar necessariamente pela transferência desta para outra comarca, como foi decidido …”;
E para concluir, decidindo, que:
… por não ser legalmente admissível a audiência depois de proferida a decisão final no processo disciplinar, não se atende à resposta do Magistrado arguido. E, de qualquer modo, sempre se manteria, (mantém) o decidido no acórdão proferido nos autos …”.
XXI) Deste acórdão veio o A. reclamar para o Plenário do «CSMP» [cfr. documento que integra as fls. 649 v./654 e 657/666 do processo instrutor apenso - Vol. II -, aqui dado por integralmente reproduzido].
XXII) Por acórdão de 03.12.2013, que aqui se dá por reproduzido, o Plenário do «CSMP» desatendeu a reclamação deduzida pelo A. e manteve o acórdão reclamado, entendendo por adequada a sanção disciplinar de 150 dias de suspensão de exercício bem como por necessária a transferência do reclamante, ora A., para a comarca de ……… [cfr. fls. 675 a 677 v. do processo instrutor apenso - Vol. II - cujo teor aqui se dá por reproduzido], donde consta, nomeadamente o seguinte:
... não assistir razão ao Reclamante quanto à reclamada aplicação de uma sanção menos gravosa, eventualmente suspensa na sua execução …”, que “… em absoluta concordância com o teor do Acórdão da Secção Disciplinar aqui reclamado, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e aderindo aos fundamentos nele vertidos, entende-se que a pena aplicada de 150 dias de suspensão do exercício pondera devidamente e de forma adequada os diversos fatores determinantes da medida da pena …”, que “… a decisão de transferência do Magistrado ora reclamante para cargo idêntico na comarca de ……… mostra-se suficientemente fundamentada por referência ao normativo legal aplicável, o art. 175.º, n.º 2 e n.º 3, alínea b) do EMP”, dado “… a gravidade objetiva das infrações disciplinares objeto dos presentes autos disciplinares influi direta e necessariamente, na imagem e no prestígio do Magistrado do MP na comarca de ………, desde logo se destacando como reclamando especiais necessidades de prevenção o facto de a aludida factualidade disciplinar integrar inquéritos nos quais estavam em causa crimes de falsificação, peculato, pretensão de dedução de pedido de indemnização civil, assim como a prescrição de coimas. Aplicando-se uma pena de suspensão de exercício superior a 120 dias, e inexistindo condições objetivas que permitam ao Magistrado ora reclamante manter-se no meio em que exerce as funções sem quebra do prestígio que lhe é exigível, a transferência para outra comarca apresenta-se como efeito justificado daquela concreta pena disciplinar …” e que “… não pode ser suspensa na sua execução, desde logo considerando a gravidade dos factos objeto dos presentes autos, os antecedentes disciplinares do Magistrado reclamante, mas sobretudo o facto de ainda não ter decorrido tempo suficiente para aferir com segurança que se encontre já definitivamente superada a causa endógena que gerou a situação disciplinar aqui sancionada ou sequer se possa afirmar que, perante uma eventual recidiva, consiga adotar o comportamento que reconhece que deveria ter adotado e não adotou quando a doença o atingiu, «não sendo, por isso, minimamente consistente prognosticar que não há perigo de reiteração ou até de reincidência»…”, concluindo, então, que a pena é adequada assim como “… se tem por necessária a transferência do Magistrado reclamante para a comarca de ……… …”.
XXIII) O A. foi notificado desse acórdão em 30.01.2014 [cfr. certidão de notificação constante de fls. 682 do processo instrutor apenso - Vol. II].
XXIV) Por acórdão deste STA proferido em 20.03.2014 [Proc. n.º 0148/14 in: http://www.dgsi.pt/jsta], foi deferida a suspensão de eficácia da deliberação do Plenário do «CSMP», de 03.12.2013 que manteve a deliberação da Secção Disciplinar de 12.07.2013, até decisão final da ação principal, requerida pelo A. e, bem assim, foi declarada indevida a execução do ato, objeto do pedido de suspensão de eficácia [cfr. Prov. Cautelar n.º 0148/14, apensa aos presentes autos].
XXV) O A., no triénio de 2007 a 2009 e por razões da sua vida particular, sofreu de profunda depressão que lhe diminuiu acentuadamente a sua capacidade de trabalho [cfr. fls. 280, fls. 569 (ponto 403.), fls. 608 (ponto 403.), todas do processo instrutor apenso - Vols. I e II -, que aqui se dão por integralmente reproduzidas].
XXVI) Em 30.04.2013, no seguimento da defesa apresentada pelo aqui A. no processo disciplinar n.º …/2013-RMP-PD, objeto dos presentes autos, à qual juntou três certidões [sendo duas respeitantes às acusações por si entretanto proferidas nos inquéritos n.ºs 591/03.4GC...... e 2.023105.4TA......, e outra relativa ao arquivamento do inquérito n.º 6.728l05.1TD......], foi-lhe determinada a instauração de novo processo disciplinar, registado sob o n.º …/2013-RMP-PD, imputando-lhe a prática de três infrações aos deveres de zelo e de lealdade, processo, entretanto, arquivado por acórdão da Secção Disciplinar do R., de 08.04.2014, donde se extrai, nomeadamente, que “… baseando-nos nos argumentos expendidos pelo Senhor Inspetor, cumpre concluir que a conduta do arguido não integra a violação de qualquer dever profissional. (…) Ficou provado que o arguido não declarou a prescrição do procedimento criminal de vários crimes, em três processos de inquérito, porque não detetou tais prescrições. Pelo que, tal prescrição não era, pois, suscetível de por ele ser comunicada superiormente, nos termos da citada circular n.º 26/81 (…). (…) Sendo verdade, que comunicou o arquivamento por prescrição do procedimento criminal de vários crimes verificado num outro inquérito (n.º …), o que fez prova com junção de documento (…). Quanto à prescrição daqueles três inquéritos acima referenciados, objeto do presente processo disciplinar, o arguido já foi sujeito a procedimento disciplinar (cfr. Processo n.º …/2013 - RMP-PD). O arguido não deve ser duplamente censurado pela mesma infração disciplinar, isto e, por ter deixado prescrever crimes nos inquéritos referidos, aplicando-se aqui o princípio «ne bis in idem». (…) Por fim, referira-se ainda que a falta de comunicação superior obrigatória da prescrição não pode ser vista como uma infração disciplinar autónoma. Estamos perante uma única infração: ter deixado ocorrer a prescrição dos crimes e consequente comunicação superior, e sobre esta infração, o arguido já foi disciplinarmente censurado …” [cfr. ofício n.º 9767/2014, de 16.04.2014, acórdão da Seção Disciplinar do «CSMP», de 08.04.2014, e Relatório Final, juntos à petição inicial - doc. n.º 06 - a fls. 158, a fls. 159/162 v., a fls. 163/170, respetivamente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
XXVII) O A., ao longo da sua carreira, sempre foi olhado pelos seus pares como excelente colega, muito solidário, competente, pontual e com escassas faltas ao serviço sempre justificadas, conseguindo granjear algum prestígio e consideração junto dos mesmos.
XXVIII) O A. nos anos de 2006/2008 teve uma média de acusações superior à nacional e não conseguindo findar mais inquéritos do que os entrados subiu as pendências em 2007, subida essa fruto de objetiva quebra de produtividade.
XXIX) O A., no triénio 2007/2009, não conseguiu findar as pendências do «GAP II», tendo acumulado novos atrasos nos inquéritos que lhe foram distribuídos, sendo que dos 110 inquéritos que tinha pendentes em 30.05.2008 deu despacho final em 20 deles até 30.09.2008, tendo concluído 18 inquéritos até 31.10.2008, 12 até 30.11.2008, 19 até 04.02.2009, e sendo que em 26.03.2009 tinha somente 30 inquéritos pendentes e em 15.04.2013 tinha um inquérito daquele «GAP» por finalizar, que integrava o total estatístico de 49 processos pendentes, 02 dos quais provisoriamente suspensos e apenas 8 deles há mais de 08 meses.
XXX) Desde 01.06.2013 e até à data da propositura da ação [08.05.2014] o A. era o magistrado dos serviços do «MP» de ……… que tinha menos inquéritos pendentes há mais de 8 meses, o segundo melhor classificado nas pendências com menos de 8 meses, excluídos os magistrados do «MP» afetos aos Juízos Cíveis [cfr. docs. n.ºs 01 e 02 juntos com a petição inicial cujo teor aqui se dá por reproduzido].

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3.2. DE DIREITO

Presente o quadro factual antecedente e atento o disposto no art. 87.º, n.º 2, do CPTA cumpre, desde já, conhecer da exceção de inimpugnabilidade suscitada, para de seguida, na sua improcedência total ou parcial, passarmos à análise da pretensão impugnatória considerando os fundamentos de ilegalidade que se mostram assacados pelo A..


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3.2.1. DA EXCEÇÃO DE INIMPUGNABILIDADE [DELIBERAÇÕES DA SECÇÃO DISCIPLINAR DO «CSMP» de 12.07.2013 e de 24.09.2013]

I. Argumentou o R. na contestação por si produzida que as deliberações da sua Secção Disciplinar constituem atos inimpugnáveis contenciosamente porquanto a primeira apenas decidiu facultar ao aqui A. o direito de audição nos termos dos arts. 100.º/101.º do CPA/91 não sendo como tal lesiva dos seus direitos e interesses, ao passo que a segunda, por força do disposto conjugadamente nos arts. 27.º, al. f), 29.º, n.ºs 2 e 5, 33.º, do «EMP», e 163.º, n.º 1, do CPA/91 e pese embora de conter decisão aplicador da sanção disciplinar, carecia de ser alvo de reclamação necessária para o Plenário daquele mesmo Conselho «CSMP» sendo apenas esta última deliberação a contenciosamente impugnável - art. 51.º do CPTA/2002 [redação aplicável aos autos e é a essa que se reportarão todas as demais citações de normativos do referido Código sem expressa referência em contrário].

Vejamos.

II. A Lei Fundamental garante aos administrados o direito a impugnarem junto dos tribunais administrativos quaisquer atos ou condutas desenvolvidos pela Administração Pública que os lesem na sua esfera jurídica e independentemente da sua forma [cfr. art. 268.º, n.º 4, da CRP], sendo que para a definição do que constitui ou deve ser concetualizado como “ato administrativo impugnável” importa atentar, desde logo, ao comando constitucional enunciado.

III. Constitui o mesmo uma garantia impositiva, mas não limitativa, porquanto impõe ao legislador ordinário que respeite a impugnabilidade contenciosa dos atos lesivos, mas dela não decorre que apenas e só tais atos sejam suscetíveis de impugnação junto dos tribunais.

IV. O CPTA, no seu art. 51.º, veio definir, como princípio geral, aquilo que deve ser tido como ato contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na “eficácia externa”, disciplinando, para o efeito, no seu n.º 1 que “[a]inda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”.

V. Entendem-se atos administrativos com “eficácia externa” aqueles atos administrativos que produzam ou constituam, ou que visem ou sejam suscetíveis de constituir, efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, na esfera jurídica dos seus destinatários e isso independentemente da respetiva eficácia concreta.

VI. Ao fazer-se apelo à “eficácia externa”, como elemento definidor do ato administrativo impugnável, remeteu-se a lesividade [subjetiva] para mero critério de aferição da impugnabilidade, pelo que devem considerar-se como compreendidos ou inseridos no conceito legal de “ato impugnável” todos os atos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos.

VII. Dessa forma respeita-se a referida garantia constitucional, garantia essa que acabou, todavia, por ser estendida pelo legislador ordinário a todos aqueles atos que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjetivos e de interesses legalmente protegidos, ainda assim se mostrem como dotados de “eficácia externa”, questão é que os atos tenham conteúdo decisório.

VIII. Ficam, assim, excluídos dos atos contenciosamente impugnáveis todos os que tenham natureza meramente interna por apenas possuírem um alcance que se esgota no estrito âmbito da entidade que os emitiu, bem como todos aqueles atos que não possuam qualquer conteúdo decisório.

IX. O citado art. 51.º do CPTA abriu caminho à possibilidade de impugnação contenciosa de atos procedimentais [desde que dotados de eficácia externa] e não apenas àqueles que ponham fim ou termo ao procedimento ou incidente, abandonando, assim, enquanto requisito de impugnabilidade contenciosa, o conceito da “definitividade horizontal”, dado a pedra de toque ter passado a centrar-se no conceito de “eficácia externa”, não se exigindo, por regra, que os atos administrativos tenham sido objeto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objeto de impugnação contenciosa.

X. Aqui chegados, presentes a realidade supra enunciada e os considerandos gerais de enquadramento acabados de desenvolver, temos que, em termos contenciosos, as deliberações da Secção Disciplinar do «CSMP» de 12.07.2013 e de 24.09.2013 não constituem, na situação em presença, atos administrativos impugnáveis contenciosamente.

XI. Com efeito, constitui jurisprudência neste momento firmada por este Supremo Tribunal, quer no quadro da LPTA [cfr., entre outros, Acs. de 19.10.2004 - Proc. n.º 0680/03, de 19.04.2005 - Proc. n.º 0910/04 in: «www.dgsi.pt/jsta»] como já também no âmbito do CPTA [cfr., nomeadamente, Acs. de 01.08.2007 - Proc. n.º 0567/07, de 04.06.2009 (Pleno) - Proc. n.º 377/08, e de 27.01.2010 - Proc. n.º 0551/09 consultáveis no mesmo sítio], de que das deliberações da Secção Disciplinar do «CSMP» cabe reclamação necessária para o Plenário desse Conselho e só da deliberação do Plenário que a decida é que cabe impugnação contenciosa através da competente ação administrativa especial [cfr. arts. 26.º, 27.º, 29.º, n.ºs 2 e 5, e 33.º, do «EMP», 158.º e 163.º, do CPA/91, 46.º, 50.º e segs., do CPTA].

XII. Estriba-se esta jurisprudência na consideração de que o legislador com a publicação do CPTA não terá querido revogar as múltiplas disposições legais avulsas existentes que obrigavam a que, previamente, à impugnação judicial do ato dele se reclamasse administrativamente e que a prova disto colher-se-ia do facto de, nem no seu preâmbulo nem no seu texto, aquele diploma ter tomado posição expressa sobre essas disposições legais avulsas o que só poderia significar que ele pretendeu que as mesmas continuassem em vigor.

XIII. Acresceria ainda a isto o entendimento de que a necessidade destas impugnações administrativas nem sequer podia ser havida como uma restrição ao direito de ação na medida em que este podia ser exercido, posteriormente, contra o ato reclamado no caso de não ter havido pronúncia autónoma do órgão recorrido sobre ele ou, mediatamente, no caso em que ele fosse incorporado no ato que decidisse a impugnação administrativa.

XIV. Por outras palavras, a regra geral contida no art. 51.º do CPTA era inaplicável sempre que houvesse determinação legal expressa, anterior ou posterior à sua entrada em vigor, que previsse a necessidade de impugnação administrativa como pressuposto da impugnação contenciosa.

XV. Extrai-se da linha argumentativa na qual se fundou o entendimento maioritário do Pleno deste STA que “apenas são admissíveis impugnações administrativas necessárias, após a vigência do CPTA, quando a lei o disser expressamente. Quanto às anteriores, só devem considerar-se necessárias aquelas cuja existência estivesse prevista na lei e fossem tidas (pela jurisprudência), por isso, como necessárias”, visto que entendimento ou solução diversa “constituiria uma verdadeira fraude para o legislador que foi emitindo normas com base no pressuposto, aceite pela generalidade, de que a mera previsão legal de uma impugnação administrativa, sem outra qualquer menção, tornava-a necessária” na certeza de que “a segurança, um dos valores fundamentais que o direito deve proporcionar, e que se traduz, na situação em apreço, em dar à generalidade dos cidadãos ou instituições que são os destinatários da norma aquilo de que razoavelmente estão à espera, não deve ser postergada, não sendo aceitável permitir a criação de mais uma situação de dúvida e incerteza (…) justamente num domínio onde se quer ver clareza e segurança. (…), a jurisprudência consolidada como valor fundamental da prática judiciária e como fonte de direito deve constituir uma base de estabilidade e de orientação à comunidade que o pratica, de modo que só por razões excecionais deve ver-se infletida” [sublinhados nossos].

XVI. Assim, reiterando-se aqui o entendimento firmado pelo Pleno deste Supremo, atento o disposto no n.º 3 do art. 08.º do CC, importa concluir, sem necessidade de outros considerandos, de que tais deliberações não constituem atos administrativos contenciosamente impugnáveis já que apenas a deliberação tomada em 03.12.2013 é suscetível de impugnação em juízo [cfr. arts. 268.º, n.º 4, da CRP, 51.º do CPTA].

XVII. De referir ainda que, no contexto do procedimento disciplinar em análise, a primeira das deliberações tomada pela Secção Disciplinar do «CSMP» foi considerada pelos serviços daquele Conselho, aqui R., como se tratando duma mera proposta da decisão disciplinar para a qual o A. foi, aliás, notificado para se pronunciar nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 100.º e 101.º do CPA/91 [cfr. n.ºs XVIII) e XIX) da factualidade apurada], e, nessa medida, foi “qualificada” como constituindo um simples ato procedimental que não envolveria, como tal, qualquer conteúdo decisório suscetível de lesar qualquer direito ou interesse, qualificação essa cuja análise quanto à sua bondade ou acerto, por desnecessidade, não cuidaremos, na certeza de que assim considerada a mesma sempre também não seria impugnável contenciosamente.

XVIII. De harmonia com o exposto importa julgar procedente a exceção dilatória de inimpugnabilidade, com todas as legais consequências [cfr. arts. 87.º, 89.º, n.º 1, al. c), do CPTA, 576.º do CPC/2013], prosseguindo os autos seus ulteriores termos tendo apenas por seu objeto, mediato, a impugnação da deliberação do Plenário do «CSMP» de 03.12.2013.

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3.2.2. DA PRETENSÃO IMPUGNATÓRIA


XIX. Sustenta o A., em suma e como primeiro fundamento de ilegalidade [ponto 2/B.1.) supra], que o conteúdo da deliberação impugnada do Plenário do «CSMP» de 03.12.2013, ao louvar-se naquilo que foi sustentado e considerado nas deliberações da Secção Disciplinar do «CSMP» de 12.07.2013 e de 24.09.2013 e ao haver afirmado que a transferência “mostra-se suficientemente fundamentada por referência ao normativo legal aplicável, o art. 175.º, n.º 2 e n.º 3, alínea b) do EMP”, apresenta-se como de conteúdo indeterminável ou contraditório, porquanto, tendo o Sr. Instrutor do processo disciplinar proposto no relatório final a aplicação tão-só da pena de 150 dias de suspensão de exercício de funções sem que haja feito qualquer referência à eventual transferência para outro tribunal, foi consignado, por um lado, na primeira daquelas deliberações afirmações que apontam no sentido de que a vontade real do aqui R. seria no sentido de aplicar ao A. uma pena de suspensão de exercício de funções em medida inferior [igual ou inferior a 120 dias] relativamente àquela que consta como imposta [150 dias], e, por outro lado, na segunda deliberação afirmou-se que “a escolha das penas - suspensão do exercício e a transferência - é de tal modo evidente em função da gravidade dos factos disciplinares cometidos e do registo disciplinar do Magistrado que não suscita dúvidas e não carece de outra explicação”, tudo apontando, assim, que, para além de “dúvidas insanáveis sobre qual seria a vontade real do R.” [aplicar uma outra pena ou decidir por um efeito possível da pena de suspensão] “é pelo menos pacífico que, a ter efetivamente pretendido decidir pela transferência do aqui Autor para a comarca de ………, fê-lo enquanto efeito de uma pena de suspensão de exercício de medida nunca superior a 120 dias” e não os 150 dias que figuram no ato disciplinar punitivo, pois, se fossem estes o R., então, não carecia de explicitar e justificar a transferência dado tal ser um dos efeitos admissíveis da pena aplicada [cfr. art. 175.º do «EMP»].

Conclui que, na procedência da ilegalidade invocada, o ato deve ser declarado nulo [cfr. art. 133.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CPA/91] ou se, assim não se entender, deve anular-se o mesmo ato por falta de clareza e incongruência manifesta da respetiva fundamentação [cfr. arts. 123.º, n.º 1, al. d), 124.º e 135.º, todos do CPA/91].

Analisemos.


XX. A apreciação da validade de um determinado ato afere-se por referência ao sujeito que o pratica [conformidade com as normas referentes às suas atribuições e com as suas competências legais (quer quanto aos poderes em razão da matéria e do lugar, quer se em concreto está legitimado para os exercer)], ao objeto mediato [este tem de ser possível física e juridicamente, determinado ou identificável, bem como terá de ser idóneo em termos de adequação do objeto ao conteúdo e deve estar legitimado para suportar os efeitos do ato], ao procedimento, à forma, ao fim, ao conteúdo e à decisão [visando o ato a produção de efeitos jurídicos numa situação concreta aqueles efeitos têm de ser determinados ou compreensíveis, possíveis e lícitos] e, bem assim, à vontade.


XXI. Temos, por outro lado, que as ilegalidades suscetíveis de afetarem o ato administrativo não geram todas os mesmos desvalores, isto é, não conduzem todas às mesmas consequências, sendo que a regulamentação legal relativa à matéria das formas de invalidade constava, à data da prolação do ato impugnado, dos arts. 133.º a 136.º do CPA/91.

XXII. Impõe-se, no caso, aferir se o ato impugnado enferma de ilegalidade geradora da nulidade, em especial, da prevista na al. c), do n.º 2, do art. 133.º do CPA/91.

XXIII. Dispunha o referido preceito que “[s]ão nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade” [n.º 1], sendo “designadamente, atos nulos: (…) c) Os atos cujo objeto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime” [n.º 2].

XXIV. Na situação que se mostra exemplificada naquela alínea mostram-se abrangidas todas as noções possíveis de objeto do ato administrativo, ou seja, casos da situação concreta a que o ato se reporta, do seu objeto imediato ou, ainda, do seu objeto mediato [cfr. Marcelo Rebelo de Sousa in: RDJ, vol. VI, 1992, pág. 45; M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim in: “Código de Procedimento Administrativo”, 2.ª edição, atualizada, revista e aumentada, pág. 645].


XXV. Tal como o Pleno deste Supremo Tribunal já afirmou [cfr. Ac. de 29.11.2006 - Proc. n.º 042307 consultável no mesmo endereço] a ininteligibilidade “sucede quando se não consegue descortinar o que é que através do ato foi decidido”, ou seja, quando exista uma incerteza quanto ao conteúdo/objeto do mesmo que a “interpretação não pode pôr cobro”.


XXVI. Por outras palavras, a mesma ocorre não quando o ato administrativo é suscetível de mais do que uma interpretação mas apenas quando não é possível saber sequer o que no mesmo se determina ou se quis determinar.


XXVII. Já a impossibilidade geradora de nulidade do ato poderá sê-lo em termos jurídicos ou físicos [cfr., nomeadamente, o Ac. do STA de 01.06.2004 - Proc. n.º 038/04 consultável no mesmo sítio], mormente, por falta de substrato lógico-jurídico, pessoal ou material/técnico.


XXVIII. Na situação vertente mostra-se assacada, por um lado e pela motivação que supra se enunciou, a ininteligibilidade ou impossibilidade lógica da deliberação impugnada.


XXIX. Do ato impugnado consta estar o mesmo “em absoluta concordância com o teor … acórdão da Secção Disciplinar” [de 24.09.2013], acolhendo-o inteiramente e cujo teor deu, aliás, “por integralmente reproduzido” [cfr. n.º XXII) dos factos provados], sendo que, por sua vez, do referido acórdão da Secção Disciplinar concluiu-se que “sempre se manteria (mantém) o decidido no acórdão proferido nos autos” [cfr. n.º XX) dos mesmos factos].


XXX. E reportando-se aí ao acórdão da mesma Secção que havia sido lavrado em 12.07.2013 deste se extrai, nomeadamente e no que aqui releva, que “propõe o Dt.º Inspetor que ao Magistrado arguido seja aplicada a pena disciplinar de 150 dias de suspensão do exercício”, que “[a]colhendo a proposta no que tange à pena, entende-se que a sua medida deve levar em conta a objetiva recuperação dos atrasos documentada nos autos e o retomar da normalidade do ritmo de trabalho do Magistrado arguido”, que a “eliminação dos atrasos e retomar de produtividade normal, conjugada com a confissão dos factos e o consequente reconhecimento dos erros cometidos e da vontade e capacidade de arcar com as respetivas consequências disciplinares (…) apontam no sentido de que a pena será minimamente justa e suficientemente sancionadora se for fixada em 150 dias de suspensão do exercício de funções”, que “nos termos do art. 30.º n.º 7 do EMP, aderindo aos fundamentos do relatório do Dt.º Inspetor inquiridor e à proposta que formula, somente se reduzindo muito ligeiramente a medida da pena, delibera o Conselho Superior do Ministério Público, em Secção Disciplinar, aplicar ao Lic. A…………, … a exercer funções na comarca de ………, a pena disciplinar de 150 dias de suspensão do exercício” e que “[a]tenta a medida de pena de suspensão, impõe-se apreciar e decidir se é de decidir a transferência para cargo idêntico em outro tribunal ou serviço diferente daquele em que o Magistrado exerce funções, tal como resulta do estatuído pelo art. 175.º n.º 3 al. b) do EMP”, termos em que “[p]onderando a gravidade objetiva das infrações disciplinares que estão em causa, entende-se que não podem deixar de, objetivamente, influir na imagem e no prestígio do Magistrado enquanto na sua prestação na comarca de ………. (…) Assim, entende-se que o Lic. A………… deve ser transferido para cargo idêntico em comarca diferente. (…) Porque carece da recuperação da pendência entende-se transferir o Lic. A………… para a comarca de ………” [cfr. n.º XVIII) dos referidos factos].


XXXI. Da leitura da linha fundamentadora da decisão disciplinar punitiva, mormente dos excertos acabados de reproduzir, depreende-se a existência, é certo, de alguma incoerência, inconsistência, mesmo contraditoriedade, já que, se por um lado, adere aos fundamentos e à proposta que havia sido formulada pelo instrutor [ou seja, da aplicação tão-só ao A. da pena disciplinar de 150 dias de suspensão sem qualquer transferência de comarca], acaba, por outro lado, no seu discurso por aludir à necessidade e opção pela aplicação duma pena disciplinar que, sendo de suspensão de funções, seria, todavia, na sua medida concreta “ligeiramente inferior à proposta” quando a final acaba por sancionar o arguido com os mesmos 150 dias de suspensão de funções que tinham sido propostos, transferindo-o ainda para a comarca de ……… nos termos do art. 175.º, n.º 3, al. b), do «EMP» mas sentindo, contudo, não obstante a concreta pena imposta a necessidade de justificação/fundamentação da transferência de comarca nos termos que se mostrariam exigidos pelo no n.º 2 do mesmo preceito aferindo do possível impacto/quebra para o prestígio que é exigível ao magistrado arguido no exercício de funções na comarca.


XXXII. Mas uma tal incoerência, inconsistência, mesmo contraditoriedade, não conduzem à ininteligibilidade ou à impossibilidade lógica do ato impugnado e consequente nulidade do mesmo, porquanto, por um lado, o ato em crise permite saber o que nele se determinou ou o que se quis determinar inexistindo, como tal, qualquer incerteza quanto ao seu conteúdo/objeto, e, por outro lado, mostra-se ainda assim também dotado de substrato lógico-jurídico que permite captar o seu sentido decisor, na certeza de que no âmbito das ilegalidades em questão não se acobertam situações de falta de fundamentação [por deficiente ou contraditória], nem situações de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

XXXIII. Não enferma o ato impugnado, pois, de qualquer ininteligibilidade e/ou impossibilidade lógica.


XXXIV. Argumenta ainda o A. no pressuposto de que a situação não se venha a integrar em qualquer dos fundamentos antecedentes que, então, a mesma seria geradora de anulabilidade do ato impugnado por falta de clareza e incongruência manifesta da fundamentação.

XXXV. Resulta do n.º 1 do art. 124.º do CPA que “[d]evem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente: a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; b) Decidam reclamação ou recurso; c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial; d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais; e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior”, sendo que do artigo seguinte decorre, ainda, que a “fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato ...” [n.º 1], equivalendo “à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato” [n.º 2].


XXXVI. Os normativos em parte reproduzidos correspondem ao cumprimento de diretiva constitucional inserta no atual art. 268.º, n.º 3, da CRP, preceito no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjetivo do administrado à fundamentação.

XXXVII. Com a enunciação de tal dever visa-se harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a sua esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à Administração de atuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade.

XXXVIII. Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos, as premissas fácticas e jurídicas, que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato e, assim, contribuir para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem responsabilidade de decidir, para além de permitir ao administrado captar o processo intelectual de decisão.

XXXIX. Constitui entendimento uniforme o de que a fundamentação assume-se como um conceito relativo já que varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias em que o mesmo é praticado, cabendo ao julgador, em face de cada caso, ajuizar da sua suficiência mediante a adoção de um critério prático e que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num determinado sentido.

XL. A mesma importa que se mostre clara, concreta, congruente e contextual.

XLI. Revertendo ao caso em presença temos que, uma vez analisado o procedimento e o que se extrai daquilo que são os termos da impugnação feita pelo A. [quer em sede procedimental como em sede contenciosa], importa concluir, também aqui, no sentido da improcedência da invocada ilegalidade, porquanto não obstante as apontadas incongruência, inconsistência, mesmo contraditoriedade, daquilo que são os termos atrás enunciados da linha discursiva do ato impugnado este acaba, ainda assim, por mostrar-se fundamentado com suficiência já que permitiu captar o seu itinerário cognoscitivo e valorativo pelo seu destinatário.

XLII. Na verdade, enquanto destinatário do ato, por sinal qualificado, o A. apesar de alguma “perplexidade” e “incerteza” revelou, em concreto e no contexto do procedimento, haver apreendido de forma clara e inequívoca o itinerário cognoscitivo e valorativo do segmento decisor e dos fundamentos em que se estribou o ato punitivo impugnado, captando a motivação nele veiculada, constatação essa que resulta espelhada nos e pelos termos e fundamentos com que impugnou e tutelou os seus direitos mediante dedução de reclamação administrativa e da presente ação administrativa, impugnações essas, aliás, reveladores de que a sua defesa não saiu minimamente beliscada ou cerceada.

XLIII. Improcedem, por conseguinte, in totum os fundamentos de ilegalidade constantes do ponto 2/B.1) supra.

XLIV. Sustenta o A. [ponto 2/B.2.) supra] que a deliberação disciplinar punitiva enferma de ilegalidade já que tomada com ofensa do princípio ne bis in idem [cfr. art. 29.º, n.º 5, da CRP], alegando, para o efeito, que o mesmo voltou a ser sancionado por atrasos na tramitação e conclusão dos inquéritos que já tinham sido objeto de censura no processo disciplinar n.º …/2008, visto ter sido considerado infringido, de novo, o dever de zelo, com negligência grosseira, agora pelos atrasos ocorridos entre 01.10.2008 e 10.10.2012 na tramitação e conclusão dos inquéritos n.º 3682/07.9PB...... [factos vertidos sob os pontos 105/107 da acusação e do relatório final], n.º 606/05.1TA...... [factos vertidos sob os pontos 256/257 dos mesmos atos procedimentais] e n.º 2227/07.5TA...... [factos vertidos sob os pontos 270/274 dos referidos atos], quando naquele outro processo disciplinar já haviam sido tidos em consideração os atrasos nos mesmos inquéritos em período com término em 30.09.2008 e sem que existisse um novo atraso disciplinarmente censurável dado estar-se perante infração de natureza permanente e duradoura.


XLV. Mais sustenta que a conduta do A. nos inquéritos n.ºs 646/06.1TA......, 1115/98.9JA...... e 2023/05.4TA...... [pontos 109, 136 e 187 da deliberação da Secção Disciplinar de 12.07.2013, acolhidos na deliberação do Plenário impugnada] enquanto traduzido nos atrasos na sua tramitação e conclusão já havia sido objeto de sanção disciplinar [por ofensa do dever de zelo e lealdade] no âmbito do processo disciplinar n.º …/2008-RMP-PD pelo que uma valoração e sancionamento no novo processo disciplinar de tal realidade agora para efeitos de verificação ulterior de prescrição do procedimento criminal naqueles inquéritos em infração ao dever de prossecução do interesse público traduzir-se-ia numa violação do mesmo princípio já que tais factos perdem autonomia ou seriam no caso consumidos pela infração mais grave.


XLVI. O princípio tido por violado assenta, em termos disciplinares, no reconhecimento geral de que ninguém pode ser perseguido e punido mais do que uma vez (ne bis) pelo mesmo delito (idem).


XLVII. Decorre, aliás, do citado art. 29.º, n.º 5, da CRP, indiscutivelmente extensível aos processos disciplinares, a proibição de que, na atividade sancionatória, se proceda a uma dupla valoração do mesmo substrato material, proibição essa que encontra suas justificações fundamentais, por um lado, nos princípios da culpa [impeditivo de que, por um duplo sancionamento do mesmo substrato, se exceda o limite proporcional da culpa do arguido] e da paz e segurança jurídicas [que devem ser garantidos ao arguido finda a perseguição de que o mesmo foi alvo sob pena de a admitir-se uma permanente ameaça da imposição de diferentes sanções em simultâneo ou sucessivas no tempo e pelos mesmos factos estaria a submeter-se o mesmo a um tratamento desumano] e, por outro lado, no interesse em evitar pronúncias díspares sobre factos unitários.


XLVIII. Tal como sustentado, nomeadamente pelo acórdão deste STA de 30.10.2014 [Proc. n.º 01169/13 consultável no mesmo endereço] reafirmando o entendimento que havia sido firmado pelo Pleno no seu acórdão de 23.01.2013 [Proc. n.º 0772/10], “quem averigua da responsabilidade disciplinar de um arguido por via de certos factos deve esgotar todas as consequências sancionatórias que desses factos derivem; porque, se o não fizer, não poderá a perspetiva omitida ser recuperada num outro processo - seja «a se», seja em conjunto com a parte já antes tida em conta - por isso traduzir um segundo juízo punitivo sobre os mesmos factos”.


XLIX. Reportando-nos à primeira situação sob apreciação [antecedente parágrafo XLIV.] não se descortina que, no caso, ocorra a alegada infração do princípio convocado pelo A..


L. Com efeito, postas em confronto as decisões disciplinares em referência e respetivo teor [cfr. n.ºs VII, VIII), IX), XVI), XVII), XVIII), XIX), XX), XXI) e XXII) dos factos provados] não se descortina que se possa concluir que a deliberação disciplinar punitiva do A. tomada em 03.12.2013, alvo de impugnação na presente ação administrativa, haja, pelas mesmas razões e prosseguindo os mesmos objetivos estatutários, assentado nos mesmos factos que foram apreciados e punidos pela decisão disciplinar punitiva do processo n.º …/2008-RMP-PD, infringindo, assim, o princípio ne bis in idem.


LI. Na verdade, a punição disciplinar de que o aqui A. foi sujeito na deliberação do «CSMP», proferida no quadro do processo de inquérito n.º …/2008-RMP-PD, assentou na infração, por parte daquele, dos deveres gerais que sobre o mesmo impediam de zelo e de lealdade mercê dos atrasos registados, até à data de 30.09.2008, na condução de 46 inquéritos de que era titular [cfr. n.ºs VII), VIII) e IX) da referida factualidade apurada].


LII. Por sua vez, a deliberação disciplinar punitiva do A., impugnada na ação administrativa sub specie e no que diz respeito aos inquéritos n.º 3682/07.9PB...... [factos vertidos sob os pontos 105/107 da acusação e do relatório final], n.º 606/05.1TA...... [factos vertidos sob os pontos 256/257 dos mesmos atos procedimentais] e n.º 2227/07.5TA...... [factos vertidos sob os pontos 270/274 dos referidos atos], reporta-se ou assenta é certo na infração dos mesmos deveres gerais, mas respeita tão-só aos atrasos registados na tramitação/condução e conclusão dos referidos inquéritos após 30.09.2008, em concreto, entre 01.10.2008 e 10.10.2012 [cfr. n.ºs XVI), XVII), XVIII), XIX), XX) e XXII) da referida factualidade apurada].


LIII. Nessa medida, não está em causa o mesmo substrato factual, dado inexistir uma identidade de factos materiais imputados ao A., ali arguido, não podendo afirmar-se que este veio a ser de novo perseguido e punido naquele âmbito pelo mesmo pelo mesmo delito.


LIV. No substrato factual da deliberação disciplinar punitiva ora impugnada tem-se em conta, em termos temporais e de conduta do A., uma realidade diversa daquela que havia sido objeto de apreciação e de punição pela anterior decisão disciplinar do «CSMP» [deliberação do Plenário de 22.06.2009 proferida em reclamação da deliberação da Secção Disciplinar de 12.05.2009 - cfr. fls. 223/224 v. e fls. 226/246 v. dos autos], tal como claramente se extrai do aludido nos antecedentes parágrafos, porquanto cada uma das deliberações disciplinares funda-se na infração por parte do A. dos seus deveres gerais de zelo e de lealdade na condução e conclusão dos processos de que seja titular decorrentes de atrasos censuráveis em períodos inequivocamente distintos entre si.


LV. Não podemos, pois, afirmar e concluir quanto aos atrasos na condução e conclusão dos referidos inquéritos que na situação em presença, independentemente da qualificação jurídica ou do bem jurídico protegido, estejamos em presença dum mesmo substrato factual corporizado num mesmo conjunto de factos indissociavelmente ligados entre si.


LVI. A tese sustentada pelo A. conduziria ao entendimento, que não pode minimamente acolher-se, de que uma vez censurado disciplinarmente um magistrado pelo atraso num determinado espaço de tempo na tramitação e conclusão/decisão de determinado processo tal impediria que o mesmo pudesse ou viesse a ser de novo perseguido e punido disciplinarmente se se mantivesse a situação de omissão censurável ou de persistência de atraso na promoção/decisão visto tal pressupor a ideia de que deixaria de impender sobre o magistrado do dever de tramitação e decisão do processo em questão, pois que a punição daquele atraso, tendo sido necessariamente definida num espaço de tempo tido por censurável, albergaria no seu seio também já a sanção pelo tempo de atraso que, após a punição, viesse a ocorrer até à conclusão/decisão.


LVII. O dever de tramitação e de decisão do processo nos prazos legalmente previstos para esse efeito não deixa de existir ou de persistir não é “eliminado” para o futuro em decorrência duma anterior decisão disciplinar punitiva e, como tal, a inobservância do mesmo constitui não só fonte de responsabilidade disciplinar, mas, também, fundamento de responsabilidade civil do próprio Estado, razão pela qual o A. poderia ser legitima e legalmente perseguido e punido pela infração dos deveres que sobre o mesmo impendem enquanto reportado a período temporalmente diverso tal como ocorre na situação vertente.


LVIII. Estamos, com efeito, em face dum novo atraso disciplinarmente censurável corporizado num comportamento/conduta que se mostra recortado e balizado por referência a diferente quadro temporal e sem que se possa vislumbrar ou configurar aí uma qualquer infração de natureza permanente ou duradoura como sustenta o A., improcedendo, como tal, a pretensão infração do princípio ne bis in idem.


LIX. E o mesmo importa concluir quanto ao segundo segmento explanado pelo A. como alegadamente integrador da violação do invocado princípio [antecedente parágrafo XLV.].


LX. Com efeito, importa desde logo ter presente que a prescrição dos crimes denunciados e consequente extinção do procedimento criminal teve lugar ou ocorreu alegadamente em momento posterior àquele que foi o período temporal e os factos sobre que versou o processo disciplinar n.º …/2008-RMP-PD e, como tal, com um tal fundamento inexistia materialidade factual que permitisse valorar, configurar ou sequer sustentar a imputação ao A. duma infração do dever de prossecução do interesse público, termos em que, por consequência, nunca poderia colocar-se também um qualquer problema de concurso ou de consunção com os efeitos e decorrências alegados pelo A..


LXI. Depois não é correta a afirmação de que nos autos disciplinares n.º …/2013-RMP-PD não haja sido alegado e apurado factos novos além do atraso nos inquéritos n.ºs 646/06.1TA......, 1115/98.9JA...... e 2023/05.4TA...... e que apenas se tenha constatado a simples “continuidade da paralisia” que conduziu àquela prescrição sendo esta uma simples e “mera consequência” ou “risco associado à morosidade processual”.


LXII. Note-se que, desde logo, apenas foram tidos em consideração aquilo que constituíram os lapsos ou períodos temporais de atraso verificados na condução e conclusão dos referidos inquéritos após 01.10.2008 [cfr. nomeadamente, n.ºs 109 e 110, 136 a 138, 186/187 e 196 do relatório final e do acórdão de 12.07.2013 da Secção Disciplinar do «CSMP»] e, depois, mostra-se alegada factualidade com a qual se pretende integrar a ocorrência da prescrição do procedimento criminal quanto aos crimes aí denunciados ou indiciados e/ou o “encobrimento” da mesma de molde o A. não tivesse de a comunicar à hierarquia e, assim, subtraindo àquilo que eram as suas obrigações e deveres [cfr. nomeadamente, n.ºs 111 a 126, 127 a 135, 139 a 158, 188 a 198 do relatório final e do acórdão de 12.07.2013 da Secção Disciplinar do «CSMP»], factualidade esta clara e inequivocamente diversa e que não foi carreada e/ou valorada pela deliberação disciplinar punitiva do «CSMP» tomada no processo disciplinar n.º …/2008-RMP-PD.


LXIII. Assim, considerando tudo o acabado de expor não se descortina que a responsabilidade disciplinar do A. apreciada no âmbito processo disciplinar n.º …/2013-RMP-PD possa sequer comparar-se ou aproximar-se com aquilo que era a situação do magistrado do MP que foi julgada no acórdão de 23.01.2013 do Pleno deste Supremo [Proc. n.º 0772/10 consultável no mesmo endereço] tal como pretende o A., porquanto, por manifesta impossibilidade lógica e física, no período temporal a que se reportou o processo disciplinar n.º …/2008-RMP-PD ainda não existia uma tal realidade factual.


LXIV. É que o quadro situacional e as condutas do A. que foram alvo de apreciação e punição no primeiro processo disciplinar não permitiam à data configurar, corporizar ou sequer exigir uma investigação com um tal alcance já que naquela data e momento os factos ora considerados ainda não se haviam produzido, não sendo legítimo concluir-se que viriam a produzir-se.


LXV. Não estávamos e não estamos perante situação em que a averiguação feita no âmbito do processo disciplinar n.º …/2008-RMP-PD da responsabilidade disciplinar do arguido por via de certos factos não tivesse sido esgotada quanto a todas as consequências sancionatórias que à data desses factos derivassem a ponto de, não o tendo feito, não poder a perspetiva omitida ser recuperada num outro processo e, por isso, traduzir um segundo juízo punitivo sobre os mesmos factos.


LXVI. À data o Sr. Instrutor do processo disciplinar n.º …/2008-RMP-PD não podia ter averiguado e sabido o que veio a ser carreado para o processo disciplinar n.º …/2013-RMP-PD já que os factos considerados e condutas neste valoradas ocorreram ou dizem respeito a lapso temporal posterior àquele que foi considerado no primeiro processo disciplinar, razão pela qual neste, por manifesta impossibilidade física e lógica, não poderia exigir-se a investigação, o encaramento e apuramento de factos ou de condutas que ainda não haviam sequer ocorrido ou tido lugar.


LXVII. Improcede, por conseguinte, este fundamento de ilegalidade, não ocorrendo qualquer violação do princípio em questão.


LXVIII. Como outro fundamento de ilegalidade assaca o A. à deliberação impugnada o erro sobre os pressupostos de facto e de direito no segmento em que lhe imputa e o pune pela prática: i) a título de dolo direto, de 04 infrações ao dever de lealdade; ii) a título de dolo eventual, de 04 infrações ao dever de prossecução do interesse público; iii) a título de negligência grosseira, de 24 infrações ao dever de zelo.


LXIX. Motiva a sua alegação, por um lado, na ausência de prova nos autos disciplinares que sustente tal imputação e punição [infrações ao dever de lealdade - factualidade vertida nos pontos 55/57 (NUIPC n.º 1301/99.4JA......), 78/80 (NUIPC n.º 1239/04.5TA......), 124/126 (NUIPC n.º 664/06.1TA......) e 156/158 (NUIPC n.º 1115/98.0JA......) do relatório final e do acórdão de 12.07.2013 da Secção Disciplinar do «CSMP»); infrações ao dever de prossecução do interesse público (factualidade e juízos valor e conclusivos vertidos nos pontos 100 (NUIPC n.º 118/04.0GA……), 113 e 121/123 (NUIPC n.º 664/06.1TA......), 153/156 (NUIPC n.º 1115/98.0JA......), 165/181 e 183/185 (NUIPC n.º 649/07.0TA...... e seus apensos), 188/191 e 195/198 (NUIPC n.º 2023/05.4TA......) do relatório final e do acórdão de 12.07.2013 da Secção Disciplinar do «CSMP»)] e, por outro lado, numa errada qualificação feita da realidade subjacente ao juízo disciplinar punitivo [infrações ao dever de lealdade (por «ocultação deliberada da prescrição») cometidas a título de dolo direto o acervo factual ser «manifestamente insuficiente»; impossibilidade do A. poder ser sancionado duplamente pelos atrasos na condução e conclusão mormente dos inquéritos n.º 1301/99.4JA......, 664/06.1TA......, 1115/98.JA...... em violação do dever geral de zelo a título de negligência grosseira e por ter deixado prescrever alguns crimes denunciados ou indiciados nos mesmos inquéritos não comunicando à hierarquia ou ocultando a esta a ocorrência das prescrições em violação dos deveres de prossecução do interesse público e de lealdade (arts. 163.º do «EMP» e 03.º do «ED/2008»); errada imputação a título de dolo eventual das violações do dever de prossecução do interesse público quanto aos NIUPC n.ºs 664/06.1TA......, 649/07.0TA......, 1115/98.JA...... e 2023/05.TA...... (arts. 163.º do «EMP» e 03.º do «ED/2008»); errada qualificação e punição do A. pela prática de 24 infrações a título de negligência grosseira quando dos factos apenas resultam «quanto muito, o total de 23 infrações» e, bem assim, na qualificação dos factos como sendo com «negligência consciente» quando seria situação de «negligência inconsciente» (infração ao disposto no art. 15.º CP)].


LXX. Uma infração disciplinar tem como seus elementos essenciais o facto [ação ou omissão], a ilicitude da conduta e a culpa do agente, sendo que a mesma parte da existência ou da verificação do incumprimento pelo magistrado dum dever funcional geral ou dum dever específico associado às concretas tarefas e funções desempenhadas.

LXXI. Constitui, pois, pressuposto essencial de qualquer infração disciplinar a demonstração da existência de violação de um qualquer dever geral ou especial decorrente da função exercida pelo arguido, a ponto de que só serão disciplinarmente relevantes os factos que possam ser objeto dum juízo de ilicitude por referência à norma ou princípio jurídico que imponha àquele um dever funcional geral ou especial [cfr., nomeadamente, os arts. 163.º do «EMP» e 03.º do «ED/2008»].

LXXII. O aqui A. mostra-se punido disciplinarmente com a pena de suspensão por 150 dias e sua transferência para cargo idêntico na Comarca de ……… por haver infringido os deveres de: i) zelo, a título de negligência grosseira [24 infrações]; ii) correção, a título de negligência consciente [01 infração]; iii) lealdade, a título de dolo direto [04 infrações]; iv) prossecução do interesse público, a título de dolo eventual [04 infrações].

LXXIII. Centrando nosso juízo quanto invocado erro sobre os pressupostos de facto temos que presente, por um lado, aquilo que constitui o acervo factual tido por apurado e que serviu de fundamento à deliberação punitiva e, por outro lado, aquilo que são os elementos de prova carreados para o processo disciplinar com base nos quais o R. considerou estar provado tal acervo, importa julgar procedente este fundamento de ilegalidade assacado ao ato disciplinar punitivo.


LXXIV. No processo disciplinar, à semelhança do que sucede no processo penal, o ónus da prova dos factos constitutivos da infração cabe ao titular do poder disciplinar, sendo que nele o arguido assume uma posição de sujeito processual e não dum seu mero objeto.

LXXV. É que o arguido não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada dado o ónus da prova dos factos constitutivos da infração impender sobre o titular do poder disciplinar, sendo que um non liquet em matéria de prova terá de ser resolvido em favor do arguido por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do in dubio pro reo.

LXXVI. Além disso a condenação deve assentar ou estribar-se em provas que permitam um juízo de certeza, uma convicção segura que esteja para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados [cfr., entre outros, Acs. do STA de 07.10.2004 - Proc. n.º 0148/03, de 15.03.2012 - Proc. n.º 0426/10 acessíveis na referida base].

LXXVII. É que no processo sancionador a prova da prática da infração que é exigida deve ser conclusiva e inequívoca no sentido de que o sancionado é o autor responsável, não podendo impor-se uma sanção com base em simples indícios, presunções ou conjeturas subjetivas.

LXXVIII. Por outro lado, na fixação dos factos que funcionam como pressupostos de aplicação das penas disciplinares a Administração não detém um poder insindicável em sede contenciosa, porquanto nada obsta a que o julgador administrativo sobreponha o seu juízo de avaliação àquele que foi adotado pela Administração, mormente por reputar existir uma situação de insuficiência probatória [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 24.01.2002 - Proc. n.º 048147, de 07.10.2004 - Proc. n.º 0148/03, de 07.06.2005 - Proc. n.º 0374/05, de 14.04.2010 - Proc. n.º 0803/09, de 28.06.2011 - Proc. n.º 0900/10 todos consultáveis no mesmo sítio].

LXXIX. Na verdade, e citando acórdão deste STA de 07.06.2005 [Proc. n.º 0374/05] a “… «prova dos factos integrantes da infração disciplinar cujo ónus impende sobre a entidade administrativa que exerce o poder disciplinar, através do instrutor do processo, tem de atingir um grau de certeza que permita desferir um juízo de censura baseado em provas convincentes para um apreciador arguto e experiente, de modo a ficar garantida a segurança na aplicação do direito sancionatório», segurança essa que, …, não se encontra garantida, dado a prova coligida no processo disciplinar não legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, pelo que, assim não sucedendo … a deliberação impugnada deve ser anulada …”.

LXXX. Cientes dos considerandos acabados de desenvolver e presente o lastro factual que se mostra apurado nos autos constitui nosso juízo o de que a deliberação punitiva impugnada de 03.12.2013 do Plenário do «CSMP» padece de erro sobre os pressupostos de facto visto os elementos probatórios recolhidos nos autos disciplinares não permitirem sustentar ou julgar como provados os factos descritos sob os pontos n.ºs 55/57, 78/80, 121/126, 152/158, 165/185 e 195/198 do relatório final e do acórdão de 12.07.2013 da Secção Disciplinar do «CSMP» acolhidos naquela deliberação punitiva [mormente, ocultação deliberada da ocorrência da prescrição (parcial ou total) dos procedimentos criminais em questão, ocultação essa feita ou com perfeito conhecimento ou admitindo-a como possível conformando-se com esse resultado, mediante a emissão de decisões finais (de arquivamento com fundamento em falta de indícios ou dedução de acusações nos inquéritos utilizando qualificações ou incriminações erradas), para assim se subtrair ou desrespeitar a obrigação, que conhecia, de comunicar superiormente a ocorrência daquelas prescrições].

LXXXI. Como se afirmou supra a prova coligida no processo disciplinar deve legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, para além de toda a dúvida razoável, convicção essa que não, no caso vertente, não é possível ser firmada presentes os elementos de prova insertos no processo.

LXXXII. Na verdade, a prova que foi produzida e se mostra coligida no processo disciplinar n.º …/2013-RMP-PD não nos permite fundar ou formular uma convicção segura da prova daquela materialidade factual aludida porquanto, desde logo, ao invés do afirmado pelo R. [cfr. ponto VI. «motivação da decisão factual» do acórdão de 12.07.2013 da Secção Disciplinar do «CSMP»] o A. quando foi ouvido em declarações em momento algum confessou ou aceitou tal factualidade [cfr. auto de interrogatório de fls. 280/282 do referido processo - vol. I], nem tal resulta duma leitura integrada e devidamente articulada de toda a defesa por si apresentada [cfr. fls. 365/375 do referido processo - vol. II], na certeza que a demais prova testemunhal produzida também em momento algum a permite minimamente sustentar [cfr. autos de inquirição de testemunhas de fls. 529/530, 531/532, 533/534, 535/536 e 537/538 do mesmo processo - vol. II], sendo que a instrução probatória feita através da prova documental carreada para os autos [cfr. nomeadamente, não apenas os documentos de fls. 17/265, 284/326 (vol. I) e 376/522 (vol. II) do processo disciplinar mas também os seus vários apensos A), B) e C)] de igual modo não nos permite firmar ou fundar um tal juízo.

LXXXIII. De facto, o A. limitou-se a aceitar e assumir tão-só aquilo que eram e são os atrasos havidos na condução, tramitação e conclusão dos inquéritos de que era titular e da responsabilidade que daí poderia advir a ser mitigada ou devidamente ponderada, no seu entendimento, em face da situação pessoal e profissional que vivenciou naquele período e naquele que havia sido alvo no quadro do anterior processo disciplinar n.º …/2008-RMP-PD e, bem assim, todo o esforço e trabalho que empreendeu desde 2008 em diante no sentido de recuperar aqueles atrasos.

LXXXIV. Para além disso, em termos de análise da prova documental produzida, resulta que da leitura das decisões proferidas pelo A. nos inquéritos em questão [arquivamento ou acusação] e daquilo que foi a ulterior tramitação havida nos mesmos não se extrai, mormente, ou que haja sido suscitada a apreciação duma eventual prescrição do procedimento criminal, ou que os juízos de indícios probatórios feitos conducentes ou ao arquivamento ou à dedução de acusação [segundo determinadas imputações e qualificações] tenham sido postos em causa, ou que tendo-o sido a decisão judicial que sobre os mesmos recaiu se mostre transitada em julgado, a ponto de ser seguro ou legítimo concluir, para além duma dúvida razoável, que os referidos factos e condutas imputados ao A. resultam provados.

LXXXV. O juízo/convicção formulado pelo instrutor e pela Secção Disciplinar do «CSMP» e no qual se louvou a deliberação disciplinar punitiva do R. «CSMP» enferma, efetivamente, da ilegalidade que lhe é assacada, porquanto a prova tida por relevante para considerar apurados/provados os factos da acusação em questão não se mostra dotada do grau de certeza e de segurança que se deve exigir nesta matéria na e para a sustentação da imputação/efetivação de responsabilidade disciplinar ao A., ali arguido, e, num tal enquadramento e contexto, não poderia deixar de operar o princípio da presunção da inocência.

LXXXVI. Com efeito, o juízo que é imposto e se exige nesta sede reclama uma objetivação que encontre justificação cabal e idónea em elementos probatórios que, “de per si”, sejam suscetíveis de afastar toda a dúvida razoável, não podendo para sustentar determinada imputação de ilícito disciplinar aceitar-se, sem mais, juízos probatórios como os produzidos no procedimento disciplinar em presença, pelo que deve concluir-se que, no caso vertente, a decisão disciplinar punitiva se mostra inquinada de erro sobre os pressupostos de facto que a invalida.

LXXXVII. Nessa medida e considerando tudo o atrás exposto, na procedência deste fundamento de ilegalidade e revelando-se prejudicados/precludidos o conhecimento dos demais fundamentos aduzidos, importa julgar procedente a pretensão deduzida pelo A. na presente ação e, em consequência, anular o ato disciplinar punitivo impugnado.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em julgar a ação administrativa sub specie procedente e com fundamento na ilegalidade supra verificada anular o ato administrativo impugnado, com todas as legais consequências.

Custas a cargo do R.. D.N..




Lisboa, 13 de julho de 2016. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires UrbanoVítor Manuel Gonçalves Gomes.