Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0745/15.0BEVIS
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
IRC
Sumário:I - As regras e os princípios da hermenêutica jurídica permitem concluir que a correcta interpretação jurídica do segmento normativo que resulta da conjugação do disposto nos artigos 3.º e 7.º do regime jurídico do RFAI 2009 com o disposto no artigo 92.º do CIRC (na redacção do preceito em 2012) é a de que o montante (percentagem) apurado segundo o disposto RFAI (2009) só é dedutível até à concorrência do limite global da dedução admissível à colecta de IRC, apurado pelas regras do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC.
II - O elemento histórico da interpretação jurídica mostra que a intencionalidade do legislador em 2011 e 2012 foi de restringir a possibilidade de dedução à colecta de IRC, nesses anos, dos montantes apurados a título de benefício fiscal, uma vez que era seu objectivo aumentar, por esta via, a receita efectiva do IRC.
III - Este resultado jurídico não se mostra, in casu, violador do princípio da protecção da confiança legítima, uma vez que a expectativa jurídica do titular daquele benefício fiscal tem uma densidade jurídica inferior à daqueles que tenham celebrado com o Estado um contrato fiscal (a despesa realizada teve neste caso animus empresarial e não essencialmente fiscal), a norma que impõe a redução do montante do benefício fiscal a deduzir se funda num interesse público prevalecente (a necessidade de aumentar a receita fiscal do IRC face à conjuntura de crise) e as específicas circunstâncias do caso (a não dedução do benefício em exercícios fiscais anteriores, mais próximos do ano em que a despesa foi realizada), associadas à não neutralização total do direito à dedução do mesmo, afastam a desproporcionalidade.
Nº Convencional:JSTA000P27316
Nº do Documento:SA2202103100745/15
Data de Entrada:11/27/2018
Recorrente:A...................., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A………………… SA, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 13 de Junho de 2018, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial, por si deduzida, contra a liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e respectivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2012, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) e posteriormente veio solicitar que as alegações fossem remetidas para o Supremo Tribunal Administrativo por estar em causa, no presente recurso, matéria exclusivamente de direito.
Por despacho de 22 de Novembro de 2018, foi determinado pelo TCA Sul que os autos subissem a este Tribunal.
Nas alegações do recurso jurisdicional a recorrente concluiu do seguinte modo:
1) A recorrente constituiu um benefício fiscal, RFAI, em 2009, quando vigorava um limitador no Art.º 92º do CIRC.
2) A recorrente tinha a expetativa quando fez os investimentos, com os benefícios fiscais, que iria usufruir, dos mesmos, nos termos em que os efetuou.
3) A recorrente tinha direito a reportar o benefício fiscal, para os quatro períodos seguintes, por ter tido insuficiência de coleta.
4) Entretanto, nos períodos subsequentes, em plena crise financeira do estado português, o limitador do Art.º 92º do CIRC foi alterado, no sentido de restringir o acesso aos benefícios fiscais.
5) Mas o Art.º 12º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) determina, que “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data dos respetivos pressupostos, ...salvo quando a lei dispuser de outro modo”.
6) Daqui decorre, que não tendo a lei disposto, quanto ao RFAI de 2009, doutro modo, que o Art.º 92º do CIRC, em 2012, tem de ser aplicado na redação vigente em 2009, no RFAI em causa nos autos.
Pelo que a sentença tem de ser alterada em conformidade.
Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, anulando-se a liquidação de IRC e Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 2012, para que assim se faça JUSTIÇA.

2 - Não foram produzidas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A Impugnante foi objeto de ação inspetiva efetuada a coberto da ordem de serviço OI201400034 com referência a IRC ao ano de 2012
[cfr. emerge do teor do relatório inspetivo de fls. 16 a 22 do processo administrativo apenso aos presentes autos]
B) Daquela ação inspetiva resultou a seguinte correção (entre outras):
"(...)
I.4.2 RESULTADO DA LIQUIDAÇÃO - BENEFÍCIOS FISCAIS
Atento às limitações à dedução à coleta de IRC previstas no artigo 92° do CIRC, propõem-se um acréscimo de IRC liquidado no montante de € 25.031,03, conforme descrito no quadro seguinte:



(...)
III.2 RESULTADO DA LIQUIDAÇÃO - ARTIGO 92° DO CIRC
A coleta de IRC (€162.369,94) o SP deduziu benefícios fiscais no valor de €41.268,02 (campo 355 do quadro 10), tendo apurado um IRC liquidado de €121.101,92, conforme descrito no quadro seguinte:



Após um pedido de esclarecimentos e consulta ao anexo dos benefícios fiscais apresentado pelo SP, verificou-se que o benefício fiscal deduzido à coleta de IRC era na sua totalidade relativo ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento realizado em 2009 (RFAI 2009) nos termos da Lei 10/2009 de 10 de Março, com base num projeto de investimento no montante de € 2.395.477,82.
III.2.1 ENQUADRAMENTO CONTABILÍSTICO E FISCAL
De acordo com o artigo 3.º da Lei 10/2009, aos sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial e industrial e que tenham efetuado em 2009 investimentos considerados relevantes, foi-lhes concedida uma dedução à coleta de IRC de 20% do total investido, com um limite de 25% da coleta calculada.
Esta dedução deve ser feita na liquidação respeitante ao período de tributação em que é feito o investimento.
Quando por insuficiência da coleta a dedução não seja deduzida na sua totalidade no exercício em que o investimento foi realizado, pode ser deduzido nas mesmas condições nas liquidações dos quatros anos seguintes (n.º 2 e 3 do artigo 3.º da Lei 10/2009).
Para além das limitações impostas na Lei 10/2009, o artigo 92.º do CIRC refere que o imposto liquidado após as deduções à coleta relacionadas com a dupla tributação internacional (DDI) e dos benefícios fiscais não pode ser inferior a 90,00% do montante que seria apurado caso o SP não usufruísse de benefícios fiscais.
O n.º 2 deste artigo identifica os benefícios fiscais que estão excluídos para efeitos de determinação daquele limite.
Analisadas as diversas alíneas, verifica-se que o RFAI não está excluído, pelo que a sua dedução está sujeita ao limite imposto pelo artigo 92.º do CIRC.
III.2.2 CORREÇÃO FISCAL
Atento aos factos e legislação indicada nos pontos anteriores, verifica-se que o SP deduziu à coleta de IRC um valor superior de benefícios fiscais ao admitido legalmente. da correção desta irregularidade resulta o seguinte acréscimo de imposto a favor do Estado:



Do exposto no quadro que antecede resulta um acréscimo do IRC liquidado de € 25.031,03.
(...)
IX.1 DIREITO DE AUDIÇÃO
Na sequência da referida notificação, veio o SP exercer esse direito, através de uma exposição enviada a esta Direção de Finanças - entrada n.º 2015E001482874 na qual efetua as considerações que se resumem nos seguintes pontos:
a) Com referência ao benefício fiscal previsto no artigo 3° da Lei 10/2009 referiu que em devida altura apresentou uma reclamação;
b) Faz menção e transcreve os números 2 e 3 do artigo 3° da Lei 10/2009;
c) Que não obstante, a reclamação e o recurso hierárquico terem sido indeferidos, apresentou uma ação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
IX.2 ANÁLISE AO DIREITO DE AUDIÇÃO
No direito de audição o SP faz referência a factos não relacionados com este projeto de relatório relacionados com o benefício fiscal - RFAI 2009 em discussão.
Segundo este, sobre o assunto em discussão, já intentou uma reclamação (graciosa) e um recurso hierárquico que terão sido indeferidos.
Com referência à correção proposta neste projeto de relatório o SP apenas transcreveu o n.º 2 e 3 do artigo 3° da Lei 10/2009. Nestes números é mencionado o seguinte:
"2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efetuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.
3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes."
Sobre a temática em discussão, deve referir-se o seguinte:
Para ultrapassar eventuais limitações relacionadas com a dedução deste benefício fiscal, o legislador permitiu que aquela dedução possa ser feita até aos 4 exercícios posteriores ao do investimento (n.º 3 do artigo 3° da Lei 10/2009).
O artigo 92° do CIRC tem estabelecido desde a sua introdução (Lei 55-B de 2004) um limite à redução da taxa efetiva de tributação de IRC por via da utilização de benefícios fiscais.
No relatório do orçamento do Estado de 2005, que introduziu este artigo, o legislador refere que uma das principais alterações em IRC se prende com o "Limite à redução da taxa efetiva de tributação por utilização de benefícios fiscais.", ficando claro qual o objetivo desta disposição legal: evitar a erosão do IRC entregue nos cofres do Estado por recurso excessivo a benefícios fiscais, ainda que estes se encontrem consagrados na Lei.
Apenas os benefícios fiscais expressamente referidos na redação do artigo 92° do CIRC é que estão excluídos do limite nele previsto, todos os restantes estão sujeitos a este limite.
Uma vez que no corpo daquele artigo não é feita menção ao RFAI 2009 este está sujeito às limitações nele previsto, facto que o SP na sua argumentação não põe em causa.
Por outro lado, caso o valor da coleta de IRC calculada pelo SP fosse superior, não se punha a questão do limite previsto no artigo 92° do CIRC ou na Lei 10/2009.
Sobre as restantes correções propostas no projeto de relatório, relacionadas com o apuramento do lucro tributável e de tributação autónoma relacionado com viaturas ligeiras de passageiros e mistas, o SP não fez qualquer reparo ou observação.
[cfr. relatório inspetivo integrante do PA apenso de fls. 16 a 22]

C) Com fundamento nas correções promovidas por aquele relatório inspetivo foi emitida a liquidação de IRC n.º 2015 8310036455, respeitante ao ano de 2012, e respetivos juros compensatórios n.º 2015 00000781932 e 2015 00000781931, sendo emitida a nota de cobrança n.º 2015 000008759975 no valor de EUR 34.873,29, assim discriminado:



D) Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 2704201501068024 para cobrança da nota referida no facto precedente o qual foi suspenso em 15 de Setembro de 2015 por manifestação de intenção de apresentação de contencioso e prestação de garantia bancária.
[cfr. fls. emerge do print de fls. 27 e informação do SF de fls. 28 do procedimento administrativo apenso]
Não se provaram outros factos com interesse para os presentes autos.


2. Questões a decidir
A questão que vem suscitada no âmbito do presente recurso prende-se com um alegado erro de julgamento por erro na interpretação do quadro legal aplicável, mais precisamente um erro na interpretação da regra da limitação da dedução do benefício fiscal RFAI (2009) ao exercício fiscal de 2012 por aplicação do disposto no artigo 92.º do CIRC.


3 – Do direito
3.1. Do que vem alegado pela Impugnante e aqui Recorrente, quer no recurso, quer na própria impugnação judicial que apresentou no TAF de Viseu, resulta que a mesma não se conforma com a interpretação sufragada pela AT e acolhida na decisão recorrida, segundo a qual, no essencial, as regras respeitantes à dedução à colecta de IRC do benefício fiscal RFAI (2009), previstas no artigo 3.º daquele regime jurídico aprovado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, “não se sobrepõem” à limitação imposta e prevista pelo artigo 92.º do CIRC, na redacção em vigor à data do exercício fiscal aqui em causa, ou seja, em 2012.

Dispunham os preceitos legais em crise o seguinte:

Artigo 3.º Incentivos fiscais

(do RFAI-2009, aprovado pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009)

1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:

i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;

ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;

b) Isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período até cinco anos, relativamente aos prédios da sua propriedade que constituam investimento relevante;

c) Isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante;

d) Isenção de imposto do selo relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante.

2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.

3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.

4 - Para efeitos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1, as isenções aí previstas são condicionadas ao reconhecimento, pela competente assembleia municipal, do interesse do investimento para a região.

5 - O montante global dos incentivos fiscais concedidos nos termos dos números anteriores não pode exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período de 2007-2013, em vigor na região na qual o investimento seja efectuado, constantes do artigo 7.º.

Artigo 92.º Resultado da liquidação

(CIRC na redacção em vigor em 2012)

1 — Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º

2 — Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II);

c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d) Os previstos nos artigos 19.º, 32.º, 32.º-A e 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. (Redacção dada pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

3.1.1. Na interpretação sufragada pela Recorrente, embora o benefício fiscal RFAI não figure entre os elencados no n.º 2 do artigo 92.º do CIRC, ou seja, entre aqueles que são “excepcionados” da limitação imposta pelo n.º 1 do mesmo artigo, ele deve entender-se igualmente excepcionado daquela limitação, porquanto, para que este benefício fiscal seja operativo – leia-se, efectivo – só podem aplicar-se, em termos de dedução à colecta de IRC, as limitações prevista nos n.ºs 1 e 5 do artigo 3.º do regime RFAI 2009.

Ainda em abono da sua tese, alega a Recorrente que à data em que realizou o investimento (em 2009), a limitação prevista no então artigo 86.º do CIRC era distinta, prevendo o texto desse artigo o seguinte: “[P]ara as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não abrangidas pelo regime simplificado, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 60% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais, dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º” (destacado nosso).

3.1.2. Já a Fazenda Pública, estribando-se no princípio da legalidade, limita-se a afirmar que o disposto no artigo 92.º do CIRC, à data do exercício fiscal em questão, impunha uma limitação da dedução dos benefícios fiscais da qual não excepcionava o RFAI2009 e, como tal, nenhuma censura merecia o acto de liquidação adicional por si praticado.

3.2. Para determinar o sentido correcto do segmento normativo que resulta da conjugação do artigo 3.º do regime RFAI2009 aprovado pela Lei n.º 10/2009 com o artigo 92.º do CIRC, na redacção em vigor em 2012, data em que foi praticado o acto tributário impugnado, importa ter em atenção, além do elemento literal, também os elementos histórico e teleológico.

Assim, como bem lembra a sentença recorrida, a limitação da dedução à colecta de IRC dos valores respeitantes a benefícios fiscais – os referidos artigos 86.º do CIRC, a que sucedeu o artigo 92.º do CIRC – foi sucessivamente modificada (i) pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (LOE/2010), que passou a prever que: “(…) o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 75 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais, dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e do artigo 75.º”; e (ii) pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (LOE/2011), que novamente alterou aquele limite para: “(…) o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º.”.

E a intenção desta limitação (e do seu sucessivo agravamento) encontra explicação expressa no Sumário Executivo que acompanha a Proposta de Lei n.º 42/XI (2.ª) — Orçamento do Estado para 2011, que viria a dar lugar à Lei n.º 55-A/2010, quando aí se afirma:

«[…]

III.2.2.2.6. Limitação Global dos Benefícios Fiscais de IRC

Ainda com a preocupação de alargar a base de incidência do IRC e de garantir maior equidade no tratamento fiscal das empresas, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 procede a uma revisão do limite global ao aproveitamento de benefícios fiscais que figura no artigo 92.º do Código do IRC. Trata-se de uma disposição que foi já objecto de revisão na Lei do Orçamento do Estado para 2010, momento em que se elevou a percentagem de referência de 60% para os actuais 75%, apontando para uma taxa de tributação efectiva de 18,75%. Com a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 introduzem-se duas alterações tendentes a reforçar esta limitação: primeiro, elevando para 90% a percentagem de referência abaixo da qual se desconsideram os benefícios fiscais; e segundo, invertendo a estrutura desta regra de limitação, dado que em vez de enunciar positivamente os benefícios a que se aplica, passa a aplicar-se genericamente a qualquer benefício fiscal, enunciando-se apenas as excepções. Com isto, aponta-se para uma taxa de tributação efectiva de 22,5% e reproduz-se no âmbito do IRC uma regra de moralização semelhante à que se introduz em sede de IRS.

[…]».
[in Diário da Assembleia da República, II Série A, n.º 17, de 16 de Outubro de 2010, pp. 82.]

Assim, dúvidas não restam de que, ao contrário do que alega a Recorrente, a interpretação das referidas disposições legais conjugadas é no sentido de que o benefício fiscal RFAI (2009), não figurando entre as excepções elencadas no n.º 2 do artigo 92.º, é abrangido pela regra do n.º 1 daquele artigo, querendo isto dizer que sofre a “dupla limitação” dedutiva, de acordo com a qual só pode ser deduzido o montante (percentagem) apurado segundo o disposto no artigo 3.º e 7.º do RFAI (2009) e que esse montante só é dedutível até à concorrência do limite global da dedução admissível à colecta de IRC, apurado pelas regras do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC.

Não se ignora, porém, que o Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, aditou, na alínea e) do n.º 2 do artigo 92.º do CIRC, o RFAI previsto no Código Fiscal do Investimento entre as excepções à limitação do n.º 1 daquela norma do CIRC. Em outras palavras, a partir de 2013, por força da aprovação deste novo regime legal, que tinha como finalidade “estimular fortemente o investimento direto em Portugal, seja nacional, seja estrangeiro, quer o investimento português no estrangeiro“ (preambulo do Decreto-Lei n.º 82/2013), passou a ser possível deduzir à colecta de IRC o montante total dos investimentos dedutíveis a título de benefício fiscal RFAI, calculados à luz daquele regime legal e sem a limitação imposta pelo n.º 1 do mesmo artigo 92.º do CIRC.

Todavia, este “alargamento” da possibilidade de dedução à colecta de IRC do benefício fiscal RFAI não é aplicável aos exercícios anteriores. É isso que resulta expressamente do princípio da legalidade e da correcta interpretação das disposições legais em confronto e ainda das sucessivas redacções do artigo 92.º do CIRC. Com efeito, convocados os elementos da interpretação jurídica, percebemos que a intencionalidade do legislador em 2011 e 2012 foi de restringir a possibilidade de dedução à colecta de IRC, nesses anos, dos montantes apurados a título de benefício fiscal, uma vez que era seu objectivo aumentar, por esta via, a receita efectiva do IRC. Ao passo que com a alteração legislativa de 2013 a sua finalidade foi a de aumentar o investimento por via da despesa fiscal com os benefícios fiscais previstos no Código Fiscal do Investimento, entre os quais se incluía o aí consagrado RFAI.

Em suma, não tem razão a Recorrente quando alega erro da sentença recorrida na interpretação dos preceitos legais aplicáveis.

3.3. A Recorrente alega ainda que no caso não poderia aplicar-se a limitação do artigo 92.º do CIRC, na redacção em vigor em 2012, não obstante ser esse o ano do exercício fiscal aqui em apreço, porquanto o benefício fiscal se reporta a 2009, data do investimento e da constituição do benefício fiscal. De acordo com a tese que expende nas suas alegações de recurso, nessa data não estava em vigor a limitação à dedutibilidade da colecta de IRC que viria a ser aprovada pela LOE/2011. Conclui, por isso, que a aplicação daquela limitação quanto à dedução do benefício fiscal se tem de afastar por força do princípio da protecção da confiança legítima.

E consideramos que, não obstante o carácter lacónico das suas conclusões, é apenas essa a dimensão que vem alegada, ou seja, que a pretensão do Recorrente é a de que a limitação prevista no n.º 1 do artigo 92.º do CIRC lhe seja “desaplicada” por violar o princípio da protecção da confiança legítima e não porque do artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais resulte uma expressa “desaplicação” daquele regime jurídico.

Esta segunda pretensão seria totalmente infundada no plano jurídico, seja porque o princípio da legalidade e da igualdade tributária impõem que a tributação dos rendimentos se faça de acordo com as regras em vigor no momento do facto tributário (ou seja, no ano a que os rendimentos tributados dizem respeito, leia-se, para os rendimentos de 2012, as normas em vigor nesse ano) e nenhuma disposição expressa aqui indicaria o contrário; seja porque um benefício fiscal como o RFAI, caracterizado pela automaticidade e pelo carácter de “incentivo fiscal”, visa, tal como o nome indica, incentivar uma despesa de investimento, ou seja, dar um estímulo adicional à realização de uma despesa que é uma despesa efectuada com animus empresarial e não meramente fiscal (o benefício fiscal é apenas um plus relativamente ao impulso do investimento e não o mobil do mesmo), o que, por contraposição, confere aos titulares destes benefícios fiscais uma tutela jurídica menos intensa do que aquela que decorre de um benefício fiscal contratualizado com o Estado, nos quais está presente, também, a prossecução de um interesse público mais directo ou imediato.

E esta diferença é importante, não só para compreender a razão pela qual o RFAI (2009) não constava da lista de excepção do n.º 2 do artigo 92.º do CIRC, ou seja, dos casos excepcionados dos limites mais intensos à dedutibilidade de despesa fiscal decorrente de benefícios fiscais à colecta de IRC, como ainda para explicar a tutela menos intensa que o direito confere aos respectivos titulares face a outros titulares de benefícios fiscais, como os que são constituídos por contratos fiscais.

Assim, não se ignora que no momento em que efectuou o investimento – em 2009 – o regime jurídico respeitante à dedução de parte dessas despesas de investimento a título de benefício fiscal em sede de IRC era mais favorável e que aquela dedução constituía uma expectativa jurídica legítima para o Recorrente. Porém, igualmente não se ignora que a protecção jurídica dessa expectativa legítima foi expressa e intencionalmente afastada pelo legislador ao condicionar de forma mais intensa a limitação da dedução à colecta de IRC dos benefícios fiscais, nos exercícios fiscais seguintes e que essa limitação se fundou num bem ou interesse público prevalecente, expressamente enunciado no relatório da proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2011 que introduziu aquelas limitações – a saber: a necessidade de consolidação orçamental, o que levou à adopção, pelo mesmo quadro normativo, de outras medidas penalizadoras de expectativas jurídicas como o “condicionamento da dedução de prejuízos fiscais” ou a “limitação do planeamento fiscal na distribuição dos lucros”.

Compulsadas as razões de interesse público em que se funda a adopção da medida penalizadora, conjuntamente com a protecção jurídica devida a expectativas jurídicas com a densidade daquela que aqui está presente, somadas ao facto de o novo quadro normativo (mais penalizador) não estatuir uma impossibilidade total de dedução daqueles benefícios fiscais, mas apenas (quando fosse o caso) de uma parte dele (até à concorrência com os 10% da colecta de IRC) e num exercício fiscal (o de 2012, lembre-se) que não era o imediatamente subsequente ao da realização da despesa (o que indicia, também, que a dedução daqueles montantes não se pôde fazer em exercícios anteriores, em que a limitação da dedução era menos penalizadora, por ausência de colecta que o permitisse – artigo 3.º, n.º 3 do RFAI2009), permitem-nos concluir que inexiste in casu violação do princípio da protecção da confiança legítima.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.


*

Custas pela Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
*

Lisboa, 10 de Março de 2021. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Francisco António Pedrosa de Areal - Rothes.