Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:011/16.4BEPRT
Data do Acordão:02/16/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
GRUPO DE EMPRESAS
TAXA
Sumário:À luz do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, na redacção anterior à da republicação do Código operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, número que foi aditado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, o que releva para o agravamento das taxas de tributação autónoma é o prejuízo fiscal do grupo declarado pela sociedade dominante e não o prejuízo fiscal de cada uma das sociedades integrantes do grupo, que realizaram as despesas sujeitas a tributação autónoma.
Nº Convencional:JSTA000P28965
Nº do Documento:SA220220216011/16
Data de Entrada:10/26/2021
Recorrente:A.......... SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. “A……….. SGPS, S.A.”, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, após indeferimento da prévia reclamação graciosa, contra a autoliquidação de Imposto Sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (IRC) e respectivos juros de mora, do exercício fiscal de 2013, na parte respeitante às tributações autónomas e ao agravamento da respectiva taxa em dez pontos percentuais, interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Nas alegações de recurso apresentadas, formulou a Recorrente as seguintes conclusões:

«i. A questão central do diferendo entre a Recorrente e a Recorrida, quanto ao exercício de 2013, resume-se a saber se, relativamente a empresas que se encontrem inseridas num grupo fiscal enquadrado no RETGS, o agravamento das taxas de tributação autónoma tem por referência o resultado agregado do Grupo ou o resultado individual das empresas que o compõem (a quem respeita a tributação autónoma).

ii. Entende o Tribunal a quo que a expressão "sujeito passivo", ínsita no aludido preceito, pode, pelo seu teor literal, ser interpretada como reportando-se à sociedade dominante do grupo.

iii. Salvo o devido respeito, a ponderação peca pela simplicidade da abordagem ao tema, porquanto a adequação de aplicabilidade da norma foi apenas sindicada com exclusivo apego à qualificação formal da incidência subjectiva, descurando em absoluto a determinante incidência objectiva material da norma e o seu confessado propósito - o qual aponta decisivamente no sentido de que a lei pretendeu ter por referência, ab initio, os prejuízos fiscais de cada empresa que suporta encargos sujeitos a tributação autónoma.

iv. Desde logo, cumpre notar que a lei não estabelece, quanto o RETGS, um regime especial de "determinação do IRC" ou da "tributação das empresas", mas apenas de " determinação da matéria colectável" - o que, desde logo, afasta literalmente a tributação autónoma, dado que a tributação autónoma de determinadas e concretas despesas nada tem que ver com a operação de lançamento em que se concretiza, na técnica tributária, a determinação da matéria colectável do grupo - inerente ao RETGS.

v. Em lugares paralelos da lei, mormente no que tange a formas de tributação autónomas do IRC, o legislador não deixou de estabelecer, expressamente, regras específicas aplicáveis às empresas enquadradas no RETGS - como a Derrama ou os Pagamentos Adicionais por Conta - considerando a esfera individual das empresas que integram o grupo.

vi. Face à necessária unidade e coerência do sistema fiscal, não se descortina qualquer fundamento material susceptível de justificar, em sentido oposto, que o agravamento das taxas de tributação autónoma seja efectuado por outro referencial senão, como naquelas realidades, a esfera jurídica tributária de cada uma das empresas que efectuam as despesas sujeitas a tributação autónoma.

vii. Mais do que isso, a correcta e rigorosa sindicância sobre o sentido e extensão da norma de incidência que agrava a tributação autónoma não pode (não deve) ser feita através da mera invocação, simplista, de que a sociedade dominante é um "sujeito passivo" de IRC, porquanto tal qualificação, embora incontroversa, é absolutamente estranha à questão jurídica central.

viii. Está em causa, outrossim, determinar o sujeito passivo da tributação autónoma que a lei veio a agravar - dado que tal qualificação não pode apartar-se ou contrariar o objecto, natureza e mecânica inerente a tal tributação da despesa.

ix. Estando em causa um critério de agravamento da taxa de tributação autónoma, os pressupostos de tal agravamento ter-se-ão por verificados, como se afigura evidente, na esfera jurídica tributária do efectivo sujeito passivo - sobre o qual é efectuado o concreto lançamento e liquidação (autónoma).

x. O legislador criou as taxas de tributação autónoma com o intuito de dissuadir as sociedades a apresentar determinado tipo de despesas com regularidade e de elevado montante, de forma a evitar, igualmente, que os sujeitos passivos de IRC utilizassem determinadas despesas para proceder à distribuição camuflada de lucros, bem como para evitar a fraude e a evasão fiscal.

xi. No caso concreto, consta do Relatório da LOE2011, que introduziu o referido n.° 14 no artigo 88.° do CIRC, o seguinte: «determina-se, com caráter de generalidade, que as taxas de tributação autónoma sofram uma elevação de 10 pontos percentuais sempre que os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais, com o que se pretende dar um sinal claro de moralização na gestão das empresas no tocante a gastos como ajudas de custo ou despesas de representação».

xii. O legislador pretendeu fazer uso de uma forma de tributação que assume autonomia face ao IRC, com vista a controlar, penalizar e dissuadir determinados gastos propícios a gerar a distribuição oculta de lucros na esfera das entidades que incorrem naqueles gastos.

xiii. Este Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre a natureza da Tributação Autónoma³⁵, no sentido de que «nada tem que ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas, que o legislador entendeu, pelas razões atrás apontadas fazê- lo de forma autónoma" e que "cada despesa é havida como constituindo facto tributário autónomo sujeito a taxas diferentes das de IRC", e que "a matéria colectável sujeita à incidência das taxas de tributação autónoma é o mero somatório das diversas parcelas de despesa.".

xiv. A Doutrina³⁶, remetendo para a sindicância constitucional³⁷ sobre a retroactividade do agravamento das taxas de tributação autónoma, refere que a natureza da tributação autónoma é uma questão prévia determinante - atenta a sua qualificação como mecanismo de tributação independente e autónoma em face do IRC.

xv. Da Jurisprudência deste Venerando Tribunal³⁸, resulta também que a tributação autónoma incide sobre despesa e não sobre rendimento; penaliza determinados encargos das empresas; apura-se de forma independente do IRC; sujeita a taxas diferentes do IRC e, não relacionam com a obtenção de um resultado positivo ou negativo³⁹.

³⁵ Ac. 21.03.2012, dado no proc. 0830/11.

³⁶ Cfr. Clotilde Celorico Palma, «As Tributações Autónomas vistas pelo Tribunal Constitucional - Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n° 310/2012, de 20 de Junho de 2012», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal (n.° 2 do Ano V - Dezembro 2012).

³⁷ Cfr. Acórdão n.° 310/2012, de 20 de Junho e, no mesmo sentido, Acórdãos n.° 382/2012, de 12 de Julho, n.° 617/2012, de 19 de Dezembro e, n.° 85/2013, de 5 de Fevereiro.

³⁸ Cfr. Acórdão de 06.07.2011, processo n.° 0281/2011.

³⁹ Cf. Acórdão do STA de 21.03.2012; Sérgio Vasques "Manual de Direito Fiscal", Almedina, Coimbra, 2011, pág. 293, nosso realce e sublinhado.

xvi. Se a tributação autónoma não está relacionada com a obtenção de resultado positivo por parte da empresa que incorre na despesa - apenas visa o facto tributário em que se esgota a realização dessa despesa - cumpre questionar por que motivo se adopta um critério de interpretação do agravamento da taxa de tributação que não tem por mínima referência a esfera da empresa que incorreu na despesa autonomamente tributada?

xvii. No que respeita à tributação autónoma, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa por uma determinada entidade - é esse o facto tributário instantâneo sujeito a tributação, e, necessariamente, na esfera da entidade que incorreu na despesa.

xviii. Logo, o referencial do agravamento da taxa da tributação autónoma, considerando a sua natureza dissuasora, disciplinadora ou "moralizadora", não pode deixar de ser o apuramento de prejuízo fiscal na esfera da empresa que incorreu na despesa que o legislador, em concreto, pretendeu onerar ab initio.

xix. Como resulta da Jurisprudência Constitucional⁴⁰, no que tange à tributação autónoma, "(...) a existência do imposto aqui em análise em nada influi no montante do IRC, atuando de forma perfeitamente autónoma relativamente a este, pelo que o seu funcionamento deve ser encarado somente segundo os elementos que o caracterizam.".

⁴⁰ Acórdão TC n.° 617/2012.

xx. Daí que, de acordo com específico funcionamento da mecânica inerente à tributação autónoma, a liquidação traduz-se na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa⁴¹.

xxi. E daí que, como resulta da mesma jurisprudência, o facto tributário que dá origem à tributação autónoma esgota-se no acto de realização da despesa que está sujeita a tributação ⁴² - pelo que o critério de agravamento da tributação autónoma não pode fundar-se, por maioria de razão, em pressupostos externos à esfera da entidade que incorreu na despesa autonomamente tributada.

⁴¹ Acórdão TC n.° 617/2012.

⁴² Idem, nosso sublinhado e realce.

xxii. Do ponto de vista literal, o artigo 69.° do CIRC prevê que “existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pelo regime especial de DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL em relação a todas as sociedades do Grupo" - ou seja, a operação de lançamento, segundo a qual se apura a base de incidência do IRC, o qual em nada é alterado com a liquidação de tributações autónomas⁴³.

xxiii. Aliás, os lucros tributáveis positivos ou negativos e a matéria colectável positiva ou negativa, para efeito da aplicação do RETGS, em nada afectam, qualitativa ou quantitativamente, a tributação autónoma, e, por conseguinte, a agregação das tributações autónomas das empresas que compõem o Grupo em nada difere da simples soma das tributações autónomas individuais.

xxiv. Logo, quando a lei estabeleceu o agravamento da taxa de tributação autónoma em relação aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal, tal agravamento não pode deixar de ter por base as despesas concretas sobre as quais incide tal tributação, nem pode deixar de ter em conta, como pressuposto do agravamento, o perfil lucrativo ou deficitário da própria empresa que incorre nas despesas que a lei pretendeu dissuadir e onerar fiscalmente.

xxv. Apenas desse modo se cumpre o desiderato legal subjacente ao agravamento em causa: reprimir eventuais estratégias de canalização de remunerações em espécie para certos colaboradores ou acionistas das empresas sujeitas a IRC, quando as empresas que realizam as despesas, para mais, se encontram em situação de prejuízo fiscal, como declaradamente o legislador exteriorizou⁴⁴.

⁴³ Acórdão TC n.º 617/2012.

⁴⁴ Cfr. Relatório do Orçamento do Estado para 2011.

xxvi. Na falta de qualquer fundamento material - que, salvo o devido respeito, não se descortina minimamente ponderado na sentença recorrida - a ratio legis aponta claramente no sentido de onerar as empresas que, em concreto, incorrem naquelas despesas em circunstâncias que, elas próprias, são justificadoras dessa oneração: vg. o apuramento de um resultado negativo.

xxvii. A ponderação que subjaz à tributação autónoma das despesas é exactamente a mesma que justifica o seu agravamento, sendo que uma e outra têm por necessário referencial a esfera jurídico-tributária do seu efectivo sujeito passivo: a empresa que concretamente realizou a tipologia de despesas fiscalmente oneradas, reforçada com a "agravante" de, para mais, aquela empresa apurar prejuízo.

xxviii. Sendo inegável a vertente dissuasora, penalizadora e extra-fiscal da norma, a solução a dar à questio decidendi passa pela necessária consideração de um critério de incidência minimamente consonante com os aludidos objectivos: a esfera jurídica de cada entidade que realiza a despesa.

xxix. Tal como as tributações autónomas, os pagamentos especiais por conta foram criados, pelo D.L. n.° 44/98, de 03.03, com idêntica justificação - mas é calculado e pago por cada uma das empresas que compõem o Grupo e por referência aos seus resultados individuais⁴⁵.

xxx. Por igualdade de razão, não se afigura correcto concluir que o cálculo de uma tributação autónoma - que incide sobre certas e determinadas despesas de cada empresa - se faça por indexação ao resultado do Grupo, com o qual não tem qualquer afinidade, relação causal ou material no plano fiscal.

xxxi. Recorde-se que, como refere o TC⁴⁶, "as taxas de tributação autónoma aqui em análise não se referem a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita a taxa, sem prejuízo de o apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida "taxa" ser efectuado periodicamente, num determinado momento, conjuntamente com outras operações similares, sem que a liquidação conjunta influa no seu resultado.".

xxxii. Deste modo, e salvo o devido respeito, afigura-se evidente que não faz qualquer sentido advogar a aplicação das regras de incidência do IRC quanto ao resultado/prejuízo agregado do grupo fiscal, sobretudo quando a única justificação para a aplicação de tais regras consiste na mera invocação de que a empresa dominante do grupo pode, face ao teor literal do preceito, ser considerado como "sujeito passivo".

xxxiii. Sendo incontroverso que a sociedade dominante de um grupo fiscal pode ser qualificada como "sujeito passivo" de IRC, salvo o devido respeito, é absolutamente controverso qualificar tal sociedade dominante como sujeito passivo da tributação autónoma, para efeito do agravamento da taxa incidente sobre despesas efectuadas fora da sua esfera jurídico-tributária.

xxxiv. Note-se que, num grupo de sociedades integrado no RETGS, o domínio pode ser indirecto⁴⁷, sem que a sociedade dominante possa, sequer, influir na gestão da participada.

⁴⁵ Cfr. artigo 106.° n.° 13 do CIRC.

⁴⁶ Sic, Ac. de 19.12.2012, dado no proc. n.° 150/12, destaque nosso.

⁴⁷ Cfr. Art. 69.º n.° 2 do CIRC.

xxxv. Mesmo quando exista uma sociedade dominante possuidora de um nível de participações qualificado, cada sociedade integrante do grupo não perde a sua personalidade jurídica e individualidade jurídico- organizativa e patrimonial e tampouco deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias pelo simples facto de integrar o grupo de sociedades ⁴⁸.

xxxvi. O destinatário da norma que prevê a tributação autónoma não é, declaradamente, a sociedade dominante - pelo que, por conseguinte, não é ela o "sujeito passivo" considerado na norma de incidência subjectiva que prevê o agravamento da taxa de tal tributação.

xxxvii. A este respeito, veja-se também o que se dispõe no artigo 88.° n.° 9 do CIRC - no sentido de que as ajudas de custo e encargos com deslocação considerados não dedutíveis são tributados autonomamente quando tenham sido "suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal".

xxxviii. Ora, sendo certo que, em relação a estas específicas despesas existe norma especial que afasta o agravamento previsto no n.° 14 da norma, resulta evidente e clarificado, para além do mais, que o agravamento das taxas de tributação autónoma tem sempre por necessária referência os sujeitos passivos que tenham SUPORTADO as despesas que se pretendeu desincentivar por via fiscal.

xxxix. Caso o propósito do legislador - ao proceder ao agravamento da taxa de tributação autónoma - fosse considerar os prejuízos fiscais do grupo (em detrimento dos prejuízos fiscais de cada uma das empresas onde são realizadas as despesas que se pretende tributar autonomamente), então constata-se que falharia por completo o desígnio subjacente a esta técnica tributária.

xl. Neste aspecto, como regra elementar de hermenêutica jurídica, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados⁴⁹.

⁴⁸ Cfr. Ac. TCAS, de 03.04.2014, proc. n.° 05376/12.

⁴⁹ Art.° 9 n.° 3 do Código Civil.

xli. Por conseguinte, deve ser liminarmente afastada a interpretação declarativa que, pretendendo fundar-se apenas numa qualificação formal de "sujeito passivo", acarreta a inutilidade material da própria norma face ao seu declarado desígnio - agravar a taxa de tributação autónoma que incidiu sobre despesas concretas.

xlii. Assim, caso se considerasse apenas o resultado do grupo, teríamos que, apesar de o consolidado fiscal apresentar resultado positivo, as sociedades que o integram continuariam a incorrer em despesas sem qualquer agravamento de taxa (!), ainda que com o deliberado intuito de elisão ou evasão fiscal, e mesmo que tais sociedades apresentassem prejuízos fiscais...

xliii. Mais: Uma vez que o resultado do grupo depende da soma aritmética de resultados positivos e negativos, não existiria qualquer indicador fiável para o destinatário da norma aferir do pretendido agravamento da taxa de tributação autónoma das despesas taxativamente previstas na lei, gorando-se também, deste modo, o efeito dissuasor, moralizador e extrafiscal da norma.

xliv. Logo, quando a lei fala em "sujeito passivo" para efeito do agravamento da taxa de tributação autónoma, afigura-se evidente que se pretendia referir, na redacção aplicável ao exercício de 2013, à entidade, individualmente considerada, que realiza a despesa autonomamente tributada.

xlv. De outro modo, verificar-se-ia uma clara e insanável incongruência entre a previsão e a estatuição do artigo 88.° n.° 14 do CIRC no que tange ao agravamento da taxa (na redacção aplicável ao exercício de 2013) na medida em que, para o agravamento da taxa, a lei se refere aos sujeitos passivos destinatários dessa tributação, efectuada de forma autónoma e relativa a despesas concretas.

xlvi. É que, salvo o devido respeito, afigura-se evidente que uma norma de agravamento de taxa não subsiste por si própria e, por conseguinte, tem sempre como pressuposto a oneração de despesas na esfera do seu concreto "sujeito passivo", destinatário da norma de incidência subjectiva: a empresa que concretamente incorre na despesa autonomamente tributada.

xlvii. Efectivamente, como refere a Doutrina, «[a] tributação autónoma atinge a despesa do sujeito passivo-contribuinte e não o seu rendimento»⁵⁰.

⁵⁰ Cfr. Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Almedina, 2017, p. 229.

xlviii. No caso das tributações autónomas, fica cabalmente demonstrada a total inexistência de uma qualquer relação entre a tributação autónoma, na sua estrita configuração pelo legislador, e o pressuposto selecionado pelo Tribunal como critério de incidência do agravamento da sua taxa.

xlix. Mais: o RETGS não prescinde da entrega individualizada das declarações de rendimentos de cada uma das sociedades que compõem o grupo - com vista ao cálculo da matéria coletável do IRC no RETGS, ao qual, como vimos, é absolutamente estranha a liquidação de tributação autónoma na esfera individual de cada empresa que incorre em despesas autonomamente tributadas.

l. No RETGS, só depois de determinada a matéria tributável e a colecta são então somadas as tributações autónomas apuradas e liquidadas na esfera individual de cada empresa, na declaração de rendimentos, considerando o eventual agravamento de taxa por apuramento de resultado negativo - como sucedeu no caso em apreço.

li. Logo, o específico funcionamento da tributação autónoma, quer no seu lançamento, quer na sua liquidação, abstrai-se e distancia-se claramente do regime de apuramento da base tributável para efeito de IRC, porque nem sequer influi ou depende dele e, por conseguinte, atenta a sua finalidade, afasta-se da lógica de tributação do grupo.

lii. É indubitável, portanto, que o "sujeito passivo" da tributação autónoma (e do inerente agravamento) - na medida em que "nada tem que ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas" ⁵¹ - é a entidade que incorre nas despesas sujeitas a tributação.

liii. Como refere a Doutrina⁵², a tributação autónoma incide sobre «Factos formados por um único acontecimento (despesa ou encargo), nesse momento dando origem ao imposto, o que não se confunde com o momento em que o imposto é devido» - mormente na liquidação de IRC, quer exista, ou não, um grupo fiscal.

⁵¹ Ac. 21.03.2012, dado no proc. 0830/11.

⁵² Cfr. Paulo Marques, Joaquim Miranda Sarmento e Rui Marques, IRC, problemas actuais, AAFDL Editora , 2018, p. 108.

liv. A "especialidade" do RETGS refere-se, nos termos da lei, à determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, pelo que não se refere ou influi na base de incidência da tributação autónoma.

lv. Não sendo a base de incidência das tributações autónomas composta pelo lucro tributável (do grupo fiscal), não faz qualquer sentido que o agravamento da taxa da tributação autónoma eleja o lucro tributável ou prejuízo fiscal do grupo, precisamente, como critério espoletador da sua incidência.

lvi. Deste modo, a interpretação do artigo 88.° n.° 14 do CIRC propugnada pelo Tribunal a quo, para além de carecer de justificação material em sede de agravamento da taxa de tributação autónoma, carece também de apoio técnico na mecânica de funcionamento do RETGS.

lvii. Sobretudo quando a lei em vigor a data dos factos em causa, de 2013, não estabelecia expressamente o critério de incidência da taxa agravada - o qual não pode ser encontrado pela mera referência ao "sujeito passivo", da a autonomia e diferente finalidade tributação em causa face ao IRC.

lviii. O artigo 88.° n.° 14 do CIRC é, simultaneamente, uma norma de incidência tributária, na medida em estabelece um critério que agrava a tributação autónoma, e define também o pressuposto de aumento da taxa de tributação.

lix. No caso em apreço, através da interpretação que faz da norma, o Tribunal pretende introduzir critérios que não constam expressamente da lei à data do facto tributário - os quais são, como se disse, frontalmente contrários ao sentido, ao propósito e à natureza do mecanismo de tributação autónoma.

lx. Demonstrativo disso mesmo é a circunstância de, volvidos três anos dos factos em causa, na Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2016, o artigo 135° da Lei n° 7-A/2016, de 30 março, ter vindo a estabelecer o critério de incidência da taxa agravada por referência ao prejuízo fiscal apurado no Grupo - a que atribuiu natureza interpretativa no sentido de confortar a posição que a AT adoptou para fundamentar a liquidação em causa nos autos.

lxi. Por acórdão do Tribunal Constitucional n° 395/2017, 12 julho 2017, tal normativo foi julgado materialmente inconstitucional, por violação do princípio da retroactividade dos impostos - o que pressupõe, naturalmente, o carácter inovador de tal norma de incidência.

Ixii. Se a aludida norma não pode qualificada como lei interpretativa, por encerrar normas modificativas do regime jurídico instituído, a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo ao artigo 88.° n.° 14 vigente em 2013, para defender uma liquidação de imposto relacionado exclusivamente com a tributação autónoma é manifestamente inconstitucional, por força do duplo princípio da legalidade e tipicidade tributária, consagrado no n.° 2 do artigo 103.° da CRP.

lxiii. Mesmo na interpretação declarativa em sede jurisdicional se pode surpreender, pois, uma hermenêutica contrária à Constituição, porquanto não deixa de verificar-se uma violação da vinculação constitucional quanto ao modo de produção do Direito no caso concreto.

lxiv. O aplicador da lei não deixa de estar vinculado aos ditames e restrições interpretativas em matéria tributária - mormente o princípio da legalidade e seu corolário de tipicidade, a proibição de analogia e interpretação extensiva e, bem assim, as regras que estabelecem os parâmetros de constitucionalidade orgânica.

Ixv. A interpretação do artigo 88.° n.° 14 do CIRC deveria necessariamente ser efectuada, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica, considerando a natureza, propósito e lançamento da tributação autónoma, e impondo-se também a determinação de um sentido normativo que seja minimamente compatível com o regime legal de tributação autónoma em vigor no momento em que nasceu a obrigação tributária - no período tributário de 2013.

lxvi. O resultado interpretativo alcançado pelo Tribunal a quo, ainda que possa ser qualificado como integração da norma por recurso a interpretação extensiva - na medida em que se refere ao conceito literal de "sujeito passivo alargado" - contraria expressamente um limite imposto em concreto pelos elementos histórico, racional, teleológico e sistemático.

lxvii. Daí que o artigo 88.° n.° 14.° do CIRC, se interpretado no sentido que lhe veio a ser conferido pelo Tribunal a quo, está, assim, inquinado de vício de inconstitucionalidade por violação do disposto nos artigos 103.°, n.° 2, e 165.°, n.° 1, i) da CRP.

lxviii. O artigo 88.° n.° 14.° do CIRC, se interpretado no sentido que lhe veio a ser conferido pelo Tribunal a quo, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade.

lxix. A dimensão da inadequação mostra-se verificada face à constatação de que a tributação autónoma de determinadas e concretas despesas nada tem que ver com a operação de lançamento em que se concretiza, na técnica tributária, a determinação da matéria colectável do grupo - inerente ao RETGS.

lxx. A dimensão da desnecessidade mostra-se verificada porquanto se afigura evidente a existência de meio adequado alternativo para alcançar o fim visado - dado que, estando em causa um critério de agravamento da taxa de tributação autónoma, os pressupostos de tal agravamento deverão ser verificados na esfera jurídica tributária do sujeito passivo sobre o qual é efectuado o concreto lançamento da tributação autónoma.

lxxi. De igual modo, mostra-se claramente preenchida a dimensão de desproporcionalidade, no sentido de inadequação entre o fim visado e a imposição tributária - face à total inexistência de uma qualquer relação entre o imposto, na sua estrita configuração pelo legislador, e o pressuposto selecionado como critério de incidência do agravamento tributário em causa.

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira não contra-alegou.

1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.

1.5. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à conferência para julgamento.

2 - OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, a questão a decidir é apenas uma: saber se, relativamente ao exercício de 2013 e a empresas que se encontrem inseridas num grupo fiscal enquadrado no RETGS, o agravamento das taxas de tributação autónoma tem por referência o resultado agregado do grupo ou o resultado individual das empresas que o compõem (a quem respeita a tributação autónoma).

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Em 1ª instância resultou apurada a seguinte factualidade:

1) Em 27.05.2014 foi apresentada pela A………. SGPS, S.A., declaração Mod. 22 de IRC do exercício de 2013, tendo sido declarado no campo 382 do quadro 9 o valor de -2.840.437,04€ – cfr. fls. 58 a 61 do processo de reclamação graciosa (RG) junto aos autos.

2) Em 20.06.2014 foi emitida em nome de A………. SGPS, S.A. a liquidação n.º 2014 2310380976 do exercício de 2013 no montante de €143.651,49, tendo sido corrigido o montante da dupla tributação jurídica internacional, os pagamentos especiais por conta declarados – cfr. fls. 62 do processo de RG junto aos autos.

3) Na liquidação descrita em 2) decorrem juros de mora, resultando da demonstração de liquidação de juros o seguinte:

[IMAGEM]

cfr. fls. 64 do processo de RG junto aos autos.

4) Da liquidação a que se alude em 2), A……….. SGPS, S.A. deduziu reclamação graciosa – cfr. fls. 3 a 27 do processo de RG junto aos autos.

5) Em 11.05.2015 foi proferido parecer pela Divisão de justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto, no sentido do indeferimento da reclamação graciosa a que se alude em 4) – cfr. fls. 70 a 76 do processo de RG junto aos autos.

6) No âmbito da reclamação graciosa a que se alude em 4), a Direcção de Finanças do Porto remeteu em 17.08.2015 ao mandatário da A………… SGPS, S.A., notificação para exercício do direito de audição – cfr. fls. 77 e 78 do processo de RG junto aos autos.

7) Por despacho de 21.09.2015, a reclamação descrita em 4) foi indeferida – cfr. fls. 79 do processo de RG junta aos autos.

8) No âmbito do processo de execução fiscal instaurado para cobrança da liquidação a que se alude em 2), a A’……..Investimentos, SGPS apresentou fiança junto do Serviço de Finanças – cfr. fls. 67 do processo físico.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Como já deixámos exposto, a Recorrente - que é uma sociedade de gestão de participações sociais e sociedade dominante de um grupo de sociedades enquadrado, em termos de IRC, no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) -, na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa que deduziu contra a autoliquidação de IRC do ano de 2013, no que respeita à tributação autónoma, deduziu Impugnação Judicial, mantendo que o agravamento daquela taxa, previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, não se afere pelos resultados do grupo, como entende a Administração Tributária, mas relativamente a cada uma das empresas que compõem o grupo.

3.2.2. Não foi esse, porém, o entendimento acolhido pelo Tribunal a quo que julgou a Impugnação improcedente, nuclearmente, por ter entendido que o que releva para o agravamento das taxas de tributação autónoma é o prejuízo fiscal do grupo declarado pela sociedade dominante e não o prejuízo fiscal de cada uma das sociedades que integram o grupo e que realizaram as despesas sujeitas a tributação autónoma, mais julgando integralmente improcedentes as inconstitucionalidades orgânica e material que haviam sido suscitadas.

3.2.3. É, pois, deste julgamento que vem interposto recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, a quem compete decidir, como deixámos delimitado no ponto 2 do presente acórdão, se o Tribunal a quo errou ao decidir que estando as empresas inseridas num grupo fiscal enquadrado para efeitos de IRC no RETGS, o agravamento das taxas de tributação autónoma dever ser realizado por referência ao resultado agregado do grupo e não, como defende a Recorrente, que em tais circunstancias, o referido agravamento deve ser feito por referência ao resultado individual das empresas que o compõem.

3.2.4. A presente questão tem vindo, desde há pelo menos um ano, a ser reiteradamente apreciada por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em vários processos que opõem as mesmas partes e tendo, no essencial, por referência os mesmos fundamentos e idêntica ou praticamente idêntica formulação conclusiva das motivações de recursos apresentadas [vide, designadamente, os acórdãos de 19-2-2020 (proc. n.º 1065/17.1BEPRT), de 9-12-2021 (proc. n.º 372/17.8BEPRT), 16-12-2021 (proc. n.º 1896/15.7BEPRT, de 12-1-2022 (proc. n.º 2883/16.3BEPRT) e de 26-1-2022 (proc. n.º 39/14.9BEPRT), todos integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt].

3.2.5. Considerando, por um lado, que em todos esses processos e recursos o julgamento foi sempre no sentido de que entre 1 de Janeiro de 2011 e 30 de Março de 2016 o artigo 88.º n.º 14 do CIRC pressupunha e determinava que, nos casos de aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), o relevante prejuízo fiscal, apresentado em cada período de tributação, fosse o encontrado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo de sociedades envolvidas e, por outro, a uniformidade na aplicação do direito imposta pelo artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil (que determina que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito), julgam-se, pelos fundamentos constantes do acórdão proferido em 9 de Dezembro de 2021, no processo n.º 372/17.8BEPRT (para que se remete nos termos dos artigos 663.º, n.º 5, e 679.º do CPC), totalmente improcedentes as alegações e, em conformidade, a final, será negado provimento ao presente recurso.

3.2.6. Uma vez que as partes dos presentes autos foram oportunamente notificadas do acórdão cuja fundamentação se acolheu, o qual se encontra publicado no site oficial do Ministério da Justiça e disponível para consulta, dispensamos a sua junção aos presentes autos.

3.2.7. As custas serão suportadas pela Recorrente, integralmente vencida (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 280.º do CPPT).

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2022 - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - José Gomes Correia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.