Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0566/12.2BEPRT
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA
ÂMBITO DO RECURSO
CONFISSÃO
INDISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO
Sumário:I - Mostra-se passível de fundamento do recurso de revista, já que abrangido pela 2.ª parte do n.º 4 do art. 150.º do CPTA, o erro acometido ao julgamento feito pelo TCA assente na alegada ofensa de preceitos substantivos respeitantes a meio de prova e/ou da lei processual.
II - Salvo se a confissão se apresente in casu como inadmissível [cfr., nomeadamente, o art. 354.º do CC] temos que, face ao disposto nos arts. 352.º, 355.º, n.ºs 1 a 3, 356.º, n.º 1, 357.º, n.º 1, e 358.º, n.º 1, todos do CC, 83.º do CPTA, 110.º do CPPT, 571.º e 574.º do CPC, o julgamento de facto não poderá deixar de atender à declaração confessória feita e à sua força probatória.
III - A confissão judicial de um facto ou de determinado acervo factual, situando-se no plano e prévio momento do que constitui o julgamento de facto, não envolve uma qualquer exigência, modificação ou extinção quanto aos termos e âmbito da substância da obrigação/relação jurídica tributária, não representando, assim, uma qualquer «disposição» ou «transação» quanto ao mérito da pretensão deduzida, nem atenta ou contende minimamente com o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ou com o quadro normativo inserto nos arts. 352.º e 354.º do CC, 08.º, n.º 1, 30.º, n.ºs 2 e 3, e 37.º, n.º 2, da LGT, 05.º, 06.º, 08.º e 15.º do EBF, 13.º, 103.º, 104.º e 266.º da CRP.
IV - O art. 679.º do CPC/2013 veio excluir da aplicação remissiva todo o preceituado no art. 665.º, incluindo o n.º 2 que versa sobre as situações que no regime anterior constavam do n.º 2 do art. 715.º, pelo que foi retirada ao tribunal de revista o poder de conhecimento em substituição quanto a questões cuja apreciação pelas instâncias ficou prejudicada pela solução dada ao litígio.
Nº Convencional:JSTA000P26181
Nº do Documento:SA1202007020566/12
Data de Entrada:07/03/2019
Recorrente:......... ...... EXPLORAÇÃO DE PARQUES EÓLICOS, S.A.
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. …….. ….. - EXPLORAÇÃO DE PARQUES EÓLICOS, SA [doravante A.], devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/P], ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido que, após dedução de incidente de intervenção e ulteriores trâmites e decisões, prossegue apenas contra ESTADO PORTUGUÊS [doravante R.], pedindo, pelas razões insertas na petição inicial [cfr. fls. 02/30 paginação «SITAF» - tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], a condenação deste «por si ou através da Comissão Certificadora do SIFIDE, na emissão, em prazo a fixar pelo Tribunal, da declaração a que se refere o art. 6.º/1 da Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, considerando a contribuição efetuada pela ……… ………. para o FAI como elegível para efeitos da dedução a que se refere o art. 4.º do mesmo diploma».

2. O TAF/P por decisão de 30.01.2018 [cfr. fls. 516/542] veio julgar a presente ação administrativa totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu o R. do pedido que contra o mesmo havia sido deduzido.

3. A A., inconformada recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N], o qual, por acórdão de 07.12.2018 [cfr. fls. 739/765], negou provimento ao recurso, confirmando a sentença proferida.

4. Invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA] [na redação anterior à alteração introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02.10 (cfr. art. 15.º, n.ºs 1 e 2, do referido DL e art. 13.º, n.º 2, da Lei n.º 118/2019, de 17.09) - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências àquele Código sem expressa indicação em contrário] a A., de novo inconformada agora com o acórdão proferido pelo TCA/N, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 778/815 e fls. 849/857 (na sequência de convite formulado nos termos do despacho a fls. 843/844)], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
A. Da verificação dos requisitos previstos no art. 150.º, n.º 1, do CPTA, que determinam a admissão do presente recurso de revista excecional
(…)
B. Do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa: a ofensa de disposição expressa da lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto e que fixa a força de determinado meio de prova (art. 150.º, n.º 4, do CPTA)
3. O douto Acórdão recorrido enferma de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, no que respeita ao ponto único da matéria de facto julgada como não provada, nos termos da qual se julgou como não provado “que a Autora ‘……….. ……. - Exploração de Parques Eólicos, SA’ tenha transferido 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) para a conta bancária da Direção Geral do Tesouro para dotação do Fundo de Apoio ao Investimento” violando o disposto no art. 150.º, n.º 4, do CPTA;
4. O pagamento ou transferência dos mencionados € 35.000.000,00 constitui cumprimento da obrigação assumida pelo consórcio “Eólicas de Portugal”, no âmbito do concurso público a que se alude na alínea A) dos Factos Provados, com vista ao cumprimento do critério de avaliação das propostas para efeitos de adjudicação mencionado na alínea D) dos Factos Provados, relativo à valorização do apoio à inovação, através da criação de um fundo para financiamento do sistema da investigação e inovação, que seria a designar pelo Ministro da Economia e Inovação;
5. Tal pagamento ou transferência constitui também cumprimento da obrigação assumida pela sociedade “………… - Eólicas de Portugal, SA”, nos termos da Cláusula 23.ª do contrato celebrado com a Direção-Geral de Geologia e Energia, a que se alude na alínea E) dos Factos Provados, contrato esse que foi celebrado na sequência da adjudicação, no mencionado concurso público, da proposta do consórcio “Eólicas de Portugal”;
6. Sendo certo que, tanto a sociedade “………… - Eólicas de Portugal, SA”, parte outorgante desse contrato, como a Autora “………. ….. - Exploração de Parques Eólicos, SA”, foram constituídas pelo consórcio “Eólicas de Portugal” na sequência da adjudicação no mencionado concurso público, conforme consta da alínea D) dos Factos Provados do Acórdão recorrido, e pertencem ambas ao mesmo grupo de empresas, denominado “Grupo ………..”;
7. Nestes termos, o pagamento e transferência em causa não corresponde a qualquer crédito tributário, mas sim a um crédito emergente de uma relação contratual estabelecida na sequência de adjudicação de proposta em concurso público, sendo a respetiva prova suscetível de ser efetuada por via de confissão, nos termos dos arts. 352.º, 355.º, n.º 2, e 356.º, n.º 1, todos do Código Civil;
8. No art. 1.º da contestação do réu Estado Português, o mesmo afirmou expressamente que o facto alegado no art. 31.º da petição inicial é verdadeiro, o que corresponde a confissão de que “a Autora contribuiu para o FAI no montante de € 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros), como comprovou na candidatura ao SIFIDE”;
9. O Acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 352.º, 355.º, n.º 2, e 356.º, n.º 1, todos do Código Civil, pelo que ocorreu erro na apreciação da matéria de facto, devendo ser julgado como provado que a Autora “……. ……. - Exploração de Parques Eólicos, SA” transferiu 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) para a conta bancária da Direção-Geral do Tesouro para dotação do Fundo de Apoio ao Investimento;
10. Acresce que, a Autora tinha interesse no cumprimento da obrigação que o consórcio “Eólicas de Portugal” assumira no concurso público a que se alude na alínea B) dos Factos Provados, bem como no cumprimento da obrigação que a sociedade “……….. - Eólicas de Portugal, SA” assumiu com a Direção-Geral de Geologia e Energia, no contrato a que se alude na alínea E) dos Factos Provados, razão pela qual procedeu ao pagamento e transferência aqui em causa, nos termos do disposto no art. 767.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável igualmente no âmbito das relações jurídicas reguladas pelo direito administrativo;
11. Existe nos autos prova documental plena e bastante de que a Autora “……… …….. - Exploração de Parques Eólicos, SA” transferiu € 35.000.000 (trinta e cinco milhões de euros) para a conta bancária da Direção-Geral do Tesouro para dotação do Fundo de Apoio ao Investimento, a qual corresponde ao Aviso de Lançamento n.º 32748351/2006, datado de 27/10/2007, enviado pelo Banco BPI à Autora “……. …..”, do qual consta o comprovativo da transferência da quantia de € 35.000.000,00, realizada pela Autora, para o NIB 078101120112001222634, com a data-valor de 27/10/2006 (correspondente à conta-caução da Direção-Geral do Tesouro a que se alude na alínea E) dos Factos Provados do Acórdão recorrido), Aviso de lançamento esse que faz parte do documento n.º 3 junto à petição inicial;
12. Trata-se de documento particular produzido informaticamente que não foi impugnado pelo réu Estado Português, pelo que se reveste da força probatória que decorre do disposto no art. 376.º, n.º 1, por analogia, do Código Civil;
13. Foi assim violado o disposto nos arts. 362.º e 376.º, por analogia do Código Civil que fixam a admissibilidade da prova documental e a força probatória dos documentos particulares;
14. Tendo o recurso de apelação tido igualmente por objeto a impugnação da decisão de 1.ª instância sobre a matéria de facto, deveria o Tribunal Central Administrativo Norte ter ordenado a produção de novos meios de prova - nomeadamente, documentais - sobre a mencionada factualidade, por força do disposto no art. 662.º, n.º 2, alínea b), do CPC, aplicável ex vi do art. 140.º do CPTA, disposições essas que foram também violadas pelo douto Acórdão recorrido;
15. Também por estas razões deve ser alterada a decisão quanto à factualidade que integra o ponto único dos factos não provados do Acórdão recorrido, em virtude de erro na apreciação das provas, nos termos acima assinalados considerando-se provado o facto descrito na conclusão 9;
C. Do pretenso conflito entre a Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto e as condições estipuladas no concurso para a atribuição de capacidade de injeção de potência na rede do sistema elétrico de serviço público para energia elétrica produzida em centrais eólicas
16. É destituída de fundamento lógico a asserção segundo a qual a possibilidade de beneficiar do regime fiscal em causa constitui uma entorse aos princípios da igualdade, da transparência e da concorrência que enformam os procedimentos da contratação pública;
17. Por não estarem na sua disponibilidade, os efeitos legais decorrentes da aplicação dos referidos quadros normativos nunca seriam suscetíveis de “manipulação” pela Autora, ora Recorrente, sendo tais efeitos exatamente os que decorrem da lei nos termos em que o legislador a definiu, igualmente aplicáveis à ora Recorrente ou a qualquer outro operador económico do sector a ser o adjudicatário do referido concurso;
18. Assumir, sem mais, a eliminação dos efeitos fiscais advenientes do cumprimento daqueles que constituíram critérios de adjudicação do concurso aqui em causa que se traduzam numa diminuição da receita fiscal é injustificável quer à luz dos princípios que enformam a tramitação procedimental concursal, designadamente os da igualdade, da concorrência, da imparcialidade, da proporcionalidade, da transparência, da publicidade e da boa-fé quer à luz dos princípios da legalidade e da igualdade tributária;
19. Neste contexto, por um lado, o cumprimento dos critérios de adjudicação do concurso não pode ser entendido como mero “pagamento de um preço” dissociado do seu efetivo fim (fomento da I&D), pois tal desvirtua o próprio propósito extrafiscal que o benefício fiscal aqui em causa quis fomentar; por outro lado entender-se que a realização de investimento relevante para efeitos de atribuição de um determinado benefício fiscal no cumprimento de critérios de adjudicação de um concurso público, inviabiliza per se o acesso ao regime de benefício constitui, uma violação dos princípios da legalidade e da igualdade tributária nos artigos 13.º e 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), tal como tem vindo a ser uniformemente aplicado pela jurisprudência portuguesa maxime a do Tribunal Constitucional.
20. De facto, tendo em consideração que o fim subjacente ao regime de benefício fiscal previsto na Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, é o de fomento da I&D empresariais e que o mesmo foi alcançado com a contribuição realizada pela Recorrente, o que sempre aconteceria qualquer que fosse a entidade adjudicatária, inexiste fundamento para discriminação aqui em causa;
21. E não excluindo a lei a situação aqui em análise do âmbito do regime previsto no artigo 3.º da Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, o qual observa necessariamente o disposto no artigo 6.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), tal situação deve considerar-se nele enquadrável sob pena de violação do princípio da legalidade, na vertente de tipicidade, previsto no artigo 103.º da CRP, bem como no artigo 8.º da LGT;
22. Nestes termos, entende a Recorrente que a interpretação sufragada pela Comissão Certificadora do artigo 3.º da Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, deve ser anulada já que é inconstitucional por violação dos princípios da legalidade e da igualdade tributária constantes dos artigos 13.º e 103.º da CRP, inconstitucionalidade essa que desde já expressa, principal e autonomamente se invoca, designadamente nos termos e para os efeitos dos artigos 69.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional;
Sem prescindir,
D. Do cumprimento do requisito estabelecido na alínea f) foi n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto
23. Grande parte das despesas elegíveis para efeitos de aplicação do regime do SIFIDE (cf. artigo 3.º da Lei n.º 40/2005) devem ser analisadas, no contexto das atividades desenvolvidas pelas requerentes e respetivos investimentos, e certificadas pela Comissão Certificadora;
24. As despesas a que se refere a alínea e) do n.º 1 do referido artigo 3.º da Lei n.º 40/2005 são relativas à contratação de atividades de I&D, que pode ter lugar junto de entidades públicas ou de entidades beneficiárias do estatuto de utilidade pública, as quais não carecem do despacho ministerial conjunto já que é estatutariamente reconhecida a sua idoneidade para exercer atividades de I&D (cf. Decreto-Lei n.º 125/1999, de 20 de abril), sendo certo que a realização destas despesas pode também ser efetuada junto de outras entidades, desde que, neste caso, a respetiva idoneidade em matéria de I&D seja reconhecida por despacho conjunto ministerial, nos termos ali previstos;
25. Ao abrigo da respetiva alínea f) são elegíveis as despesas relacionadas com a participação no capital de instituições de I&D e contributos para fundos de investimentos, públicos ou privados, destinados a financiar empresas dedicadas sobretudo a I&D, instituições e empresas essas que estão sujeitas a confirmação da respetiva idoneidade em matéria de I&D por despacho ministerial, salvo se se tratarem das referidas no DL n.º 125/1999, as quais têm a sua idoneidade nessa matéria reconhecida ex lege, pelo que a exigência de reconhecimento não lhes é aplicável;
26. O FAI foi constituído por Despacho do (então) Ministro da Economia e da Inovação junto da Agência para a Energia com o objeto exclusivo de financiamento do sistema científico nacional, no domínio da inovação e do desenvolvimento tecnológico pelo que a sua idoneidade em sede de I&D se encontra, nestes termos, plenamente demonstrada (cf. o ofício, emitido pelo FAI, de ref.ª FAI/40/2010, de 29 de dezembro de 2010, dirigido ao Secretário de Estado da Energia e da Inovação, junto ao Doc. 9, em anexo à p.i. e artigo 3.º/2, do Regulamento de Gestão do Fundo de Apoio à Inovação, aprovado pelo Despacho n.º 32276-A/2008, de 5 de dezembro - Doc. 5 junto à p.i.);
27. O FAI apenas financia projetos de empresas e instituições do sistema científico e tecnológico nacional (cf. artigo 3.º do Regulamento de Gestão do FAI, na redação vigente à data da submissão da candidatura da Autora), as quais têm a sua idoneidade em matéria de I&D reconhecida ex lege, nos termos do DL n.º 125/1999, não carecendo, portanto, de a ver reconhecida por despacho ministerial conjunto;
28. No formulário de candidatura (campo despesas de I&D de carácter geral), a ……… …….. identificou, como era pedido, a despesa cujo “reconhecimento” pretendia, tendo-a enquadrado no disposto na alínea f) do art. 3.º/1 da Lei n.º 40/2005, nos seguintes termos: “Em 27 de outubro de 2006 a …….. …… contribuiu com um montante de € 35.000.000 para o Fundo de Apoio à Inovação, o qual foi apenas constituído no decorrer do exercício de 2008 junto da Agência para a Energia (ADENE), encontrando-se o desenvolvimento da sua atividade numa fase bastante embrionária de seleção dos projetos e iniciativas a realizar. De acordo com o regulamento de gestão do FAI (consultar o Despacho n.º 32276-A/2008 em anexo), este destina-se fundamentalmente ao financiamento do sistema científico nacional no domínio da inovação e [desenvolvimento] tecnológico, prioritariamente na área das energias renováveis, nomeadamente da energia eólica”.
29. Ora, atenta a descrição da despesa e o teor do Despacho n.º 32276-A/2008, verifica-se que estamos perante uma despesa subsumível na previsão do artigo 3.º/1, alínea f), da Lei n.º 40/2005, relativamente a uma entidade que dispensa o pressuposto do reconhecimento a que alude a parte final da referida norma, sendo, portanto, ilegal o ato de indeferimento do pedido de certificação da contribuição feita pela Autora para o FAI, por parte da Comissão Certificadora. E por esta razão, deve o mesmo ser anulado …».

5. Devidamente notificado o R., aqui ora recorrido, não veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 827 e segs.].

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 07.06.2019 [cfr. fls. 835/837] veio a ser admitido o recurso de revista.

7. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


DAS QUESTÕES A DECIDIR
8. Constitui objeto de apreciação, nesta sede, aferir se a decisão judicial recorrida ao ter negado provimento ao recurso de apelação interposto pela A., mantendo o juízo de improcedência da pretensão deduzida, incorreu, conforme alegado, em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação, nomeadamente, por um lado, dos arts. 352.º, 355.º, n.º 2, 356.º, n.º 1, 362.º, e 376.º, n.º 1, todos do Código Civil [CC], e 662.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil [CPC] [na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26.06 - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências àquele Código sem expressa indicação em contrário] aplicável ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA, e, por outro lado, do Despacho n.º 32276-A/2008, de 05.12 [publicado no DR, 2.ª série, n.º 243, de 17.12.2008] e dos arts. 03.º, n.º 1, al. f), da Lei n.º 40/2005, de 03.08, e 08.º da Lei Geral Tributária [LGT] e, bem assim, dos princípios da igualdade tributária e da legalidade [arts. 13.º e 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
9. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
9.1) Em 2005 foi constituído o consórcio «Eólicas de Portugal» que apresentou candidatura ao concurso para atribuição de capacidade de potência na rede de sistema elétrico de serviço público e pontos de receção associados para energia elétrica produzida em centrais eólicas, cujo anúncio foi publicado no Diário da República [DR], 2.ª série, n.º 144, de 28 de julho de 2005.
9.2) Do Programa do concurso identificado em 9.1) constavam as seguintes condições:
«...
Artigo 5.º
Concorrentes
1 - É permitida a apresentação de propostas por concorrentes individuais ou por agrupamento de entidades, o qual, se lhe for adjudicado um lote de potência em concurso, deverá assumir a forma jurídica de sociedade comercial, cujo objeto exclusivo corresponda ao exercício das atividades de construção e exploração do parque industrial e dos parques eólicos, e que terá como únicos sócios os membros do agrupamento concorrente.
(…)
Artigo 19.º
Critérios de avaliação das propostas para efeitos de adjudicação
1 - Avaliação e classificação das propostas para efeitos de adjudicação é feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta os seguintes critérios e subcritérios de avaliação:
CRITÉRIO
SUB-CRITÉRIO OU FATOR
A. Impacte económicoA1. Desconto à remuneração da energia entregue à rede por Parques Eólicos
B. Criação de um cluster industrial de apoio ao setor
B1. Volume de investimento direto do projeto industrial
B2. Volume de investimento indireto gerado pelo projeto industrial
B3. Emprego direto gerado pelo projeto industrial
B4. Emprego indireto gerado no cluster industrial
B5. Valor acrescentado bruto do cluster industrial
B6. Grau de coerência e solidez do projeto industrial
C. Gestão técnica do sistema
C1. Capacidade de gestão técnica de agrupamentos de parques eólicos
C2. Gestão de produção de energia
C3. Soluções de armazenamento de energia
C4. Controlo adicional da potência reativa
C5. Participação na regulação primária de frequência
D. Apoio à inovaçãoD1. Apoio à inovação
(…)
D. Apoio à Inovação
Iniciativas de incentivo à inovação, através da criação de um fundo para financiamento do sistema da investigação e inovação, a designar pelo Ministro da Economia e Inovação.
(…)
A valorização do apoio à inovação pontuará o valor atual do montante total dos recursos financeiros a disponibilizar pelo concorrente nos 6 anos seguintes à data de assinatura do contrato, cabendo a cada proposta 1 ponto por cada 350 milhares de euros de incentivo, com um limite superior de 100 pontos» - cfr. programa do procedimento junto como documento n.º 08 da petição inicial a fls. 127 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9.3) A proposta apresentada pelo consórcio «Eólicas de Portugal» foi a proposta vencedora do concurso identificado em 9.1).
9.4) No seguimento da adjudicação o consórcio «Eólicas de Portugal» constituiu a sociedade «………. - Eólicas de Portugal, SA» e a «….. …. - Exploração de Parques Eólicos SA».
9.5) A «…… - Eólicas de Portugal, SA» celebrou com a Direção-Geral de Geologia e Energia contrato designado de «Atribuição de capacidade de injeção de potência na rede do sistema elétrico de serviço público para energia elétrica produzido em centrais eólicas», do qual se destaca o seguinte:
«Considerando que:
(…)
C) A ……….. é a sociedade anónima constituída pelo agrupamento vencedor deste concurso nos termos e para os efeitos da Cláusula 5.ª do Programa e Condições do Concurso;
É mutuamente aceite e reciprocamente acordado o presente Contrato, que se rege pelo que em seguida se dispõe:
(…)
Cláusula 23.ª
(Fundo de Incentivo à Inovação)
A ……….. transfere para a conta - caução n.º 1120012226 da Direção-Geral do Tesouro, na data da assinatura do presente contrato a quantia de € 35.000.000 (trinta e cinco milhões de euros), destinado ao financiamento de investigação através de um Fundo de Incentivo à Inovação a constituir, que ficará sob a ordenação e supervisão de uma entidade pública dedicada ao financiamento da investigação e inovação, a designar pelo ME» - cfr. documento n.º 10 junto com a petição inicial a fls. 236 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9.6) Em 01.02.2010 a A. submeteu junto da Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D, requerimento com o seguinte teor:
«
Nos termos da Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, a empresa …….. …. - Exploração de Parques Eólicos, SA pretende beneficiar de um crédito fiscal (dedução à coleta), no montante de 7.750.00,006, decorrente das atividades de I&D, investigação e desenvolvimento, realizadas em Portugal durante o ano de 2008.
(…)
Solicitamos, assim, à Comissão certificadora que se digne emitir a necessária declaração comprovativa, tendo em vista poder beneficiar do referido crédito fiscal» - cfr. requerimento de fls. 10 do «P.A.», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9.7) Mediante ofício com a referência 1788/2011-E a Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial comunicou à A. o seguinte:
«Após análise da candidatura da empresa …… …. - Exploração de Parques Eólicos, SA (…..) ao SIFIDE, verificou-se a possível existência de um conflito entre a Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, o aviso do concurso das eólicas publicado no DR. 2ª Série, n.º 144/2055 de 28 de julho e Despacho n.º 13415/2010, de 19 de agosto do Gabinete do Secretário de Estado da Energia e da Inovação (que altera o Despacho n.º 32276-A/2008 de 17 de dezembro de 2008, Fundo de Apoio à Inovação - FAI).
O conflito tem origem nos objetivos destas leis e decisões sobre a criação do FAI, suscitando à Comissão Certificadora várias dúvidas sobre o enquadramento do tipo de projetos apoiados pelo FAI, no âmbito do SIFIDE, podendo o Estado ficar lesado ao atribuir este incentivo, pois reduziria significativamente a contrapartida que definiu no concurso.
Nos termos e condições previstos no caderno de encargos do concurso das eólicas, as entidades adjudicatárias assumiram a obrigação de contribuir para a criação de um Fundo de Apoio à Inovação (FAI) dirigido, fundamentalmente, ao financiamento do sistema científico nacional, ao financiamento e promoção de projetos de investigação e desenvolvimento tecnológico e à concessão de bolsas de doutoramento, com particular enfoque no domínio das energias (designadamente da energia eólica) e eficiência energética.
Assim, a despesa consubstanciada na contribuição da ……….. para a dotação inicial do FAI constitui uma contrapartida à adjudicação, claramente fora do âmbito das despesas elegíveis do SIFIDE.
Em consequência, não é possível recomendar qualquer crédito fiscal para o exercício de 2008» - cfr. ofício n.º 1788/2011-E a fls. 10 e 11 do «P.A.», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9.8) Em 16.11.2011 a A. apresentou reclamação da decisão da Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial identificada em 9.7) - cfr. documento de fls. 106 do «P.A.», cujo teor aqui de dá por integralmente reproduzido.
9.9) Mediante deliberação de 23.11.2011, exarada na ata n.º 24 a Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial, decidiu não certificar a despesa apresentada pela A. com os seguintes fundamentos:
«A Comissão Certificadora do SIFIDE, reunida em 23 de novembro de 2011, tendo em conta o requerido pela requerente ……. …. - Exploração de Parques Eólicos, SA, no seu requerimento de 2 de fevereiro e aderindo totalmente ao Parecer do FAI datado de 28/12/2010, o que constitui anexo à presente deliberação e dela faz parte integrante (…) delibera o seguinte:
1. Após a análise da candidatura da empresa …… ….. - Exploração de Parques Eólicos, SA ao SIFIDE, verificou-se a possível existência de um conflito entre a Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, o aviso do concurso das eólicas (…) e o Despacho do Gabinete do Secretário de Estado da Energia e da Inovação. (…)
O conflito tem origem nos objetivos destas leis e despachos sobre a criação do FAI suscitando à Comissão Certificadora várias dúvidas sobre o enquadramento do tipo de projetos apoiados pelo FAI no âmbito do SIFIDE, podendo o Estado ficar lesado ao atribuir este incentivo, pois reduziria significativamente a contrapartida que definiu no concurso.
Nos termos e condições previstos no Caderno de Encargos do concurso das eólicas, as entidades adjudicatárias - entre as quais se incluiu a …….. ….. - Exploração de Parques Eólicos, SA - assumiram a obrigação de contribuir para a criação de um Fundo de Apoio à Inovação (FAI), dirigido, fundamentalmente, ao financiamento do sistema científico nacional, ao financiamento e promoção de projetos e desenvolvimento tecnológico e à concessão de bolsas de doutoramento, com particular enfoque no domínio faz energias (designadamente da energia eólica) e eficiência energética.
Assim, a despesa consubstanciada na contribuição da ………. ….. - Exploração de Parques Eólicos, SA para a dotação inicial do FAI constitui uma contrapartida à concessão de uma licença de produção de energia eléctrica a partir de fontes renováveis e da subsequente autorização de ligação à rede de distribuição em determinados pontos de receção para efeitos de comercialização.
Do ponto de vista jurídico, assume, por conseguinte, a natureza de taxa, não podendo a Comissão Certificadora considerar uma despesa elegível de I&D.
2. Diz ainda a alínea j) do n.º 1 do artigo 3.º Lei 40/2005, na parte aplicável, que se consideram dedutíveis as despesas … que constituam contribuições para fundos de investimento públicas destinados a financiar empresas dedicadas sobretudo a I&D, mas cuja idoneidade em matéria de investigação e desenvolvimento seja reconhecida por despacho conjunto do MEI e MCTES
Ora em relação a este pressuposto é verdade, como referido no parecer do FAI que a lei exige que as empresas financiadas pelo FAI tenham que estar certificadas por dois Ministros, devendo acrescentar-se que em relação ao FAI essa certificação também não é óbvia apenas por ser um fundo constituído pelo MEI.
A nosso ver, falta também um dos pressupostos necessários para a certificação em SIFIDE. As empresas financiadas e o Fundo (FAI) têm de estar certificados pelos dois Ministros, o que não acontece.
Na verdade, o que a Lei pretendeu foi que não só a Economia, mas também a investigação científica certificassem que uma instituição ou fundo fossem investidoras em I&D, ora o FAI não está certificado pelo MCTES e o seu reconhecimento apenas pelo MEI não chega para cumprir o desiderato da Lei. O MEI não pode suprir a omissão de certificação também pelo MCTES, pois tem atribuições diversas, sendo nulo o ato que o fizesse (cfr. art. 133.º/2b) CPA).
3. Verificamos assim que a comparticipação no FAI não pode ser considerada um investimento de I&D por assumir a natureza de pagamento de uma taxa e por não cumprir o pressuposto da alínea j) do n.º 1 do art. 3.º da Lei n.º 40/2005, pelo que a Comissão Certificadora não pode legalmente certificar a despesa da ……… ….. - Exploração de Parques Eólicos, SA para efeitos do SIFIDE …» - cfr. deliberação da Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais à I&D Empresarial no processo n.º 1.2008.0640 a fls. 125 do «P.A.», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9.10) Com relevância para e na apreciação do litígio as instâncias julgaram como não provada a seguinte factualidade:
§ Que a A. «…….. … - Exploração de Parques Eólicos, SA» tenha transferido 35.000.000,00 € [trinta e cinco milhões de euros] para a conta bancária da Direção-Geral do Tesouro para dotação do Fundo de Apoio ao Investimento.
DE DIREITO
10. Presente o quadro factual antecedente e aquilo que, nesta sede, são as limitações que derivavam do disposto no n.º 2 do art. 87.º do CPTA [atual n.º 2 do art. 88.º do CPTA vigente] de conhecimento oficioso de matéria de exceção que ocorre [vide sobre a questão substantiva objeto de discussão nos autos sub specie o entendimento que, em litígio similar, foi firmado pelo Ac. do Plenário deste Supremo Tribunal de 10.09.2014 - Proc. n.º 01960/13 consultável in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa menção em contrário - quanto à competência material dos tribunais tributários dado estarmos em presença de «questão fiscal»], passemos, então, à apreciação das questões objeto do recurso de revista.

11. E começando pelo primeiro fundamento de recurso acometido pela A. ao acórdão recorrido, respeitante ao erro na fixação dos factos materiais relevantes para a decisão da causa já que alegadamente lavrado em infração de preceitos substantivos relativos ao regime probatório [cfr. arts. 352.º, 355.º, n.º 2, 356.º, n.º 1, 362.º, e 376.º, n.º 1, todos do CC, 150.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA e 674.º, n.º 3, do CPC] e da lei processual [cfr. arts. 150.º do CPTA, 662.º, n.º 2, al. b) e 674.º, n.º 1, al. b), do CPC], importa referir, como nota prévia, de que estamos perante fundamento que se integra ou se insere no âmbito do recurso sub specie.

12. Com efeito, se é certo que aos factos materiais fixados pelas instâncias o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado e que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista [cfr. n.ºs 3 e 4 1.ª parte do art. 150.º do CPTA] tanto mais que aquele Tribunal só conhece de direito [cfr. arts. 150.º, n.º 2, do CPTA, e 24.º, n.º 2, do ETAF (na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015)], temos, todavia, como passível de fundamento de revista, já que abrangido pela 2.ª parte do n.º 4 do art. 150.º do CPTA, o erro acometido a tal julgamento assente na ofensa de preceitos substantivos respeitantes a meio de prova [in casu à confissão] e/ou da lei processual.

13. Efetivamente o tribunal de revista não está impedido de apreciar o uso que o TCA fez dos seus poderes de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo TAF e dos meios de prova produzidos, nos casos em que está em causa averiguar se houve violação ou errada aplicação da lei processual e/ou dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório [cfr. arts. 149.º, n.º 2, e 150.º do CPTA, 662.º e 674.º do CPC], visto estarmos no âmbito de erros de direito.

14. Cumpre, pois, ao STA proceder ao controlo, na vertente adjetiva, dos parâmetros balizadores seguidos pelo TCA no julgamento de facto feito e no juízo de reapreciação da prova, e, por outro lado, na vertente substantiva, analisar se, no domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais relevantes o TCA violou alguma regra de direito probatório material, designadamente disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto em causa ou que fixe a força de determinado meio de prova que seja aplicável, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade.

15. No caso dos autos, a sentença do TAF/P, deu como não provada a realidade descrita sob o ponto 9.10) da fundamentação de facto, juízo esse que foi mantido pelo acórdão recorrido para tal tendo o mesmo considerado, por um lado, que a confissão judicial era inoperante visto estarmos perante litígio que envolve a atribuição de benefício fiscal, vigorando nesse contexto o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários e que, por outro lado, nos autos não fora feita a prova de que havia sido «arrecadada» a receita [os referidos 35.000.000,00 €] tanto mais que não teria sido a A., ora recorrente, a pessoa coletiva que havia assumido a obrigação de contribuir para o referido Fundo de Apoio à Investigação [FAI].

16. Analisemos, então, se em face da posição assumida nos articulados pelo R. a factualidade alegada pela A. no art. 31.º da petição inicial integra, ou não, confissão feita nos articulados e integrando-a se a mesma se mostra como legalmente admissível.

17. De harmonia com o disposto no art. 352.º do CC a confissão «é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária», resultando do art. 355.º do mesmo Código que a confissão pode ser judicial ou extrajudicial [n.º 1], sendo que a confissão judicial «é a feita em juízo, competente ou não, mesmo quando arbitral, e ainda que o processo seja de jurisdição voluntária» [n.º 2] e «feita num processo só vale como judicial nesse processo; a realizada em qualquer procedimento preliminar ou incidental só vale como confissão judicial na ação correspondente» [n.º 3].

18. Segundo o disposto no art. 356.º do CC, respeitante às formas de que a «confissão judicial» pode revestir, temos que a mesma pode ser «espontânea» [a qual respeita àquela que é «feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro ato do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado» - n.º 1], ou então «provocada» [a qual é «feita em depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal» - n.º 2], estabelecendo o n.º 1 do art. 357.º do referido Código que «a declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar».

19. E quanto à força probatória da confissão judicial dispõe-se no n.º 1 do art. 358.º do CC que quando escrita a mesma «tem força probatória plena contra o confitente», disciplinando-se, ainda, no art. 360.º que a declaração confessória é indivisível e, como tal, tem de ser aceite na íntegra, salvo provando-se a inexatidão dos factos que transcendem a declaração estritamente confessória.

20. A confissão judicial feita nos articulados, situação que se mostra invocada como tendo ocorrido nos autos, corresponde, desde logo, àquela em que o R. na contestação que produz reconhece, como verdadeiros, factos desfavoráveis que foram alegados/afirmados pelo A. na petição inicial.

21. Ora se é certo que no quadro do contencioso [administrativo/tributário (em sede, nomeadamente, de processo de impugnação judicial)] a falta de contestação ou a falta nela de impugnação especificada não importa a confissão dos factos articulados pelo demandante [cfr., respetivamente, os arts. 83.º, n.º 4, do CPTA, e 110.º, n.º 6, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) - na redação então vigente e aplicável], temos, todavia, que uma vez apresentada contestação nada invalida ou impede que o demandado não possa expressa ou tacitamente aceitar ou confessar válida e eficazmente certo facto ou acervo factual inserto na petição inicial com as inerentes e necessárias consequências em termos da fixação da factualidade apurada [cfr. para além dos preceitos atrás citados ainda os arts. 87.º, n.º 1, al. c), 90.º e 94.º do CPTA, 114.º e segs. do CPPT, 571.º, 574.º e 607.º do CPC].

22. E, note-se, que as declarações confessórias feitas, por escrito, de forma expressa ou tácita nos articulados pelo respetivo representante judiciário da parte não carecendo de ser acompanhadas de instrumento ad litem com poderes especiais para o efeito terão, contudo, de ser feitas de forma especificada, ou seja, com apelo a uma menção concreta ou individualizada do facto ou conjunto de factos que se aceita, não bastando, para esse efeito, uma aceitação genérica.

23. Na situação vertente constata-se que a factualidade que havia sido alegada pela A. no art. 31.º da petição inicial [de que «a Autora contribuiu para o FAI no montante de €35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros), como comprovou na candidatura ao SIFIDE»] foi expressamente aceite a sua veracidade, de forma clara e inequívoca, pelo R., aqui recorrido, no art. 01.º da contestação pelo mesmo produzida, preceito que encerra uma declaração confessória.

24. Daí que, salvo se in casu estivermos em face de alguma das situações em que a confissão se apresente como inadmissível [cfr., nomeadamente, o art. 354.º do CC], temos que, ante uma tal aceitação expressa e inequívoca daquela realidade factual como é aquela que se mostra feita, o julgamento de facto a realizar não poderá deixar de atender à declaração confessória em presença e sua força probatória plena face ao disposto nos arts. 352.º, 355.º, n.ºs 1 a 3, 356.º, n.º 1, 357.º, n.º 1, e 358.º, n.º 1, todos do CC, 83.º do CPTA, 110.º do CPPT, 571.º e 574.º do CPC.

25. E isso leva-nos então à aferição sobre se a confissão se apresente no caso como admissível ou não.

26. Defendeu o acórdão recorrido que seria inadmissível ou inoperante a confissão judicial havida por estarmos, como ali referido, perante litígio que, envolvendo a atribuição de benefício fiscal, no qual vigora o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.

27. Tem-se como consensual e uniforme o entendimento, estribado aliás no quadro normativo aplicável e vigente, de que no âmbito da lei fiscal impera a regra da indisponibilidade dos créditos tributários, da qual decorre que só podem fixar-se condições para a sua redução ou extinção desde que com e em observância dos princípios da igualdade e da legalidade tributárias, prevalecendo a mesma inclusive sobre qualquer legislação especial [cfr. art. 30.º, n.ºs 2 e 3, 37.º, n.º 2, e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT - na redação dada que lhe foi dada pelo art. 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12 ), 13.º, 103.º, 104.º e 266.º da CRP], sendo, como tal, de excluir a aplicação de normas de outros ramos de direito que tenham como fundamento a possibilidade de renúncia ou desinteresse pelo crédito.

28. A mesma impõe-se à própria Autoridade Tributária [AT] e a todos os particulares não podendo ser afastada por vontade das partes ou de terceiros, já que em decorrência direta dos fundamentais princípios da legalidade e igualdade tributárias atrás aludidos, termos em que a AT não pode discricionariamente alterar a relação jurídica tributária e, assim, dispor livre e autonomamente dos seus créditos, impondo-se aos seus órgãos uma atuação tendente à obtenção das prestações devidas nos termos da lei fiscal, certificando-se que os cidadãos cumprem a obrigação decorrente, desde logo, do n.º 3 do art. 103.º da CRP, de pagar os impostos que «tenham sido criados nos termos da lei e cuja liquidação e cobrança» se façam nas formas «prescritas pela lei», tratando igual e uniformemente todos os contribuintes, maxime na exigência, modificação ou extinção das obrigações tributárias [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo Tribunal/Secção Tributária de 14.06.2012 - Proc. n.º 0816/11, de 25.03.2015 - Proc. n.º 0278/15, de 15.04.2015 - Proc. n.ºs 0302/15 e 0331/15, de 29.04.2015 - Proc. n.º 0320/15, de 14.05.2015 - Proc. n.ºs 0341/15, 0493/15 e 0494/15, de 31.03.2016 - Proc. n.º 0182/16, de 29.11.2017 - Proc. n.º 01265/17, e de 09.01.2019 - Proc. n.º 0260/18.0BEVIS, todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário].

29. Resulta daí que a concessão de benefícios fiscais terá de estar, nos termos do supra citado n.º 2 do art. 103.º da CRP, legalmente prevista, tal como igualmente deriva do disposto, nomeadamente, nos arts. 05.º, 06.º e 08.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais [vulgo EBF] em articulação, no caso, com o regime definido pela Lei n.º 40/2005, de 03.08 [diploma aplicável e convocado in casu, através do qual se criou o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial - SIFIDE].

30. Cientes dos considerandos acabados de enunciar temos que assiste também aqui razão à recorrente na crítica que acomete ao acórdão recorrido, porquanto a declaração confessória quanto à factualidade em questão e que foi realizada pelo R. na contestação produzida situa-se em sede, ou em plano diverso daquele em que opera o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.

31. Com efeito, a confissão judicial de um facto ou de determinado acervo factual situando-se, tão-só, no plano e prévio momento do que constitui o julgamento de facto, com fixação da factualidade relevante para o ulterior julgamento de direito e apreciação do mérito da pretensão deduzida, não envolve uma qualquer exigência, modificação ou extinção quanto aos termos e âmbito da substância da obrigação/relação jurídica tributária, não representando, pois, uma qualquer «disposição» ou «transação» quanto ao mérito da pretensão deduzida, nem o reconhecimento sequer do direito que se mostra peticionado, tal como deriva de tudo o que resulta expresso não só do ato de indeferimento proferido pela Comissão Certificadora do SIFIDE indutor do objeto da ação sub specie, mas também do alegado pelas partes e constitui objeto de discussão.

32. Nessa medida e ao invés do sustentado no acórdão sob impugnação a expressa e inequívoca confissão judicial efetuada pelo R. quanto à factualidade em crise não atenta ou contende minimamente com o princípio em referência, nem com o quadro normativo inserto nos arts. 352.º e 354.º do CC, 08.º, n.º 1, 30.º, n.ºs 2 e 3, e 37.º, n.º 2, da LGT, 05.º, 06.º, 08.º e 15.º do EBF, 13.º, 103.º, 104.º e 266.º da CRP, pelo que não poderá manter-se o julgamento firmado pelo referido acórdão assente numa tal motivação.

33. Mas, para além desse erro de julgamento, mostra-se como igualmente procedente a crítica que foi dirigida à mesma decisão dada a infração no julgamento efetuado do disposto nos arts. 362.º e 376.º, n.º 1, do CC, porquanto da análise conjugada e articulada entre o expresso teor e termos do próprio ato de indeferimento proferido pela Comissão Certificadora do SIFIDE com a demais documentação constante dos autos [cfr. documentos respeitantes ao «Relatório e Contas de 2008» da A., em particular o seu ponto 48.1 (fls. 59/90, em especial fls. 82), ao aviso de lançamento e extrato da conta (fls. 91/95) e ao contrato outorgado referido em 9.5) (fls. 234/242)], deriva a clara assunção/demonstração de que no plano da estrita materialidade ou realidade factual foi a A. quem, no quadro da candidatura ao SIFIDE e proposta aprovada pelo consórcio vencedor «Eólicas de Portugal» [que constitui depois a «…..…, SA» e a «…..… ……. …, SA» ora recorrente e por aquela detida], procedeu à efetiva realização da transferência do montante de 35.000.000,00 € para a conta bancária da Direção-Geral do Tesouro e que foi destinado à dotação do FAI.

34. Assim, resulta de tudo o atrás exposto que o acórdão recorrido ao haver considerado como não provada a factualidade em questão, mantendo aquilo que havia sido o julgamento de facto firmado pelo TAF, violou, nomeadamente, o disposto nos arts. 352.º, 354.º, 355.º, 356.º, n.º 1, 357.º, n.º 1, 358º, n.º 1, 362.º e 376.º, n.º 1, todos do CC, impondo-se a revogação de tal decisão.

35. Ante o ora julgado resulta assim como desaparecido ou eliminado o juízo ou pressuposto basilar no qual o TCA havia estribado o seu julgamento, cientes de que, para além disso, não colhe a demais argumentação nele desenvolvida e fundada igualmente naquele pressuposto em sede de análise do erro no julgamento de direito, na certeza, ainda, de que as questões que se prendem com o saber se a contribuição para o FAI era uma despesa elegível e se a lei exigia a certificação do FAI nos termos do art. 03.º, n.º 1, al. f), da Lei n.º 40/2005 não foram apreciadas ou objeto de pronúncia no acórdão recorrido, já que consideradas no mesmo como prejudicadas por se haver concluído que não se provou que essa contribuição tivesse sido efetivamente feita e que teria sido a A. a fazê-lo.

36. Na verdade, não só tal realidade factual aporta e exige um novo enquadramento e abordagem à situação sub specie, como importa equacionar, nesse contexto e do quadro contratual emergente para o consórcio vencedor, aquilo que constitui o relacionamento e integração da sociedade A. no grupo societário constituído e do que veio a ser a transferência bancária realizada no âmbito da assunção e cumprimento das obrigações contratuais exigida e imposta pela cláusula 23.ª do contrato, sem o qual o mesmo contrato não teria sequer sido outorgado dada a falta de demonstração do cumprimento daquela operação de transferência, presente que esta inclusive foi aceite pelo R. naqueles termos e sem que a mesma lhe haja suscitado qualquer dúvida ou motivado qualquer objeção em termos de observância das obrigações contratualmente assumidas.

37. Daí que deve o processo baixar ao Tribunal recorrido para, à luz e em observância do aqui ora julgado, proceder à reapreciação do julgamento de facto e, em conformidade, fixar a factualidade assente, bem como, para de seguida e em função da realidade factual apurada apreciar as questões que lhe foram colocadas em sede de erro no julgamento de direito acometido à decisão do TAF, tanto mais que em sede de revista este Supremo Tribunal delas não pode conhecer em substituição face aquilo que neste âmbito são os seus poderes.

38. Com efeito, presente o quadro normativo inserto, mormente no art. 150.º do CPTA, temos que «na ausência de normação própria, o poder de substituição do STA ao tribunal recorrido em situações deste género só poderia resultar da aplicação supletiva do art. 726.º do anterior CPC ao julgamento da revista no contencioso administrativo, com as necessárias adaptações. Remetendo-se nesse art. 726.º para o regime de apelação e estando apenas excluída a aplicabilidade do n.º 1 do art. 715.º, seriam aplicáveis as normas constantes do n.º 2 do art. 715.º a que correspondiam os n.ºs 3 e 4 do art. 149.º do CPTA. Sucede que o art. 679.º do novo Código de Processo Civil veio excluir da aplicação remissiva todo o preceituado no art. 665.º, incluindo o n.º 2 que versa sobre as situações que no regime anterior constavam do n.º 2 do art. 715.º, pelo que foi retirada ao tribunal de revista o poder de substituição ao tribunal de apelação neste tipo de situações. (…) Assim, tendo desaparecido a base normativa em cuja aplicação supletiva encontraria apoio, não pode atualmente conhecer-se na revista deste tipo de questões cuja apreciação pelas instâncias ficou prejudicada pela solução dada ao litígio» [cfr., entre outros e nos mais recentes, os Acs. deste STA de 26.04.2018 - Proc. n.º 0326/14, de 07.06.2018 - Proc. n.º 01210/16, de 04.04.2019 - Proc. n.º 0394/17.9BEALM, de 05.09.2019 - Proc. n.º 065/18.9BCLSB, de 26.09.2019 - Proc. n.º 076/18.4BCLSB, de 31.10.2019 - Proc. n.º 0183/14.2BEBRG, de 12.12.2019 - Proc. n.º 048/19.1BCLSB, de 20.02.2020 - Proc. n.º 0129/08.7BEPRT].

39. Nestas circunstâncias e face à motivação explicitada têm-se como procedentes as críticas acometidas pela A. ao acórdão recorrido, que assim não pode manter-se, já que o seu juízo infringe o disposto, nomeadamente, nos arts. 352.º, 354.º, 355.º, 356.º, n.º 1, 357.º, n.º 1, 358º, n.º 1, 362.º e 376.º, n.º 1, todos do CC, devendo os autos ser remetidos àquele Tribunal para os efeitos supra determinados e ficando no mais prejudicado o conhecimento das restantes questões invocadas.
DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie, e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, determinando a baixa do processo ao TCA/N para os efeitos e observância do supra determinado.
Custas a cargo do R., aqui recorrido. D.N..

Lisboa, 02 de julho de 2020. - Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) - Maria Benedita Malaquias Pires Urbano - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha.