Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02012/18.9BALSB
Data do Acordão:07/04/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DO ACTO ADMINISTRATIVO
REQUISITOS
DISCIPLINAR
MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário:I - Resulta dos n.ºs 1 e 2 do art. 120.º do CPTA/2015 a previsão dum distinto grupo de condições de procedência que se podem reconduzir:
i) a duas condições positivas de decretamento, o periculum in mora (receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente) e o fumus boni juris (“aparência do bom direito” - reportado ao ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente]; e,
ii) a um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.
II - O fumus boni iuris, apreciado num juízo esquemático e provisório inerente à índole dos autos cautelares, exige para o seu preenchimento a existência, in casu, de probabilidade de sucesso da ação administrativa principal.
III - Tem-se como preenchido o requisito do periculum in mora, na vertente do facto consumado, quando num juízo de prognose se conclui que, efetivamente, na situação futura e hipotética de emissão de decisão judicial de provimento na ação administrativa principal é muito provável que, durante o tempo que mediará até à prolação daquela decisão, se tenha ou se mostre concluído o processo disciplinar cuja abertura se determinou no ato suspendendo.
IV - Só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem, de todo em todo, a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente cautelar é que se impõe a execução imediata do ato, indeferindo-se, por esse facto, o pedido cautelar de suspensão de eficácia [n.º 2 do art. 120.º do CPTA/2015].
Nº Convencional:JSTA000P24779
Nº do Documento:SAP2019070402012/18
Data de Entrada:12/08/2018
Recorrente:PROCURADORA - GERAL DA REPÚBLICA
Recorrido 1:A..........
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A………, devidamente identificado nos autos, intentou no Supremo Tribunal Administrativo contra a «PROCURADORA GERAL DA REPÚBLICA» [doravante «PGR»] e o «CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO» [doravante «CSMP»] a presente providência cautelar peticionando, pelas razões aduzidas na petição inicial, a fls. 04/24 dos autos [paginação «SITAF» - tal como as ulteriores referências a paginação sem expressa menção em contrário], a suspensão de eficácia do despacho [proferido, em 07.11.2018, pelo Vice-Procurador Geral, em substituição da «PGR» tendo esta competência delegada pelo «CSMP»] que converteu os autos de inquérito n.º ……… em processo disciplinar sob o n.º ……….

2. Pelo acórdão da 1.ª Secção deste Supremo Tribunal Administrativo, de 07.02.2019, foi indeferido o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução, absolvido o «CSMP» e julgada procedente a providência cautelar determinando-se a suspensão da eficácia do referido despacho [cfr. fls. 307/322].

3. Inconformada, a «PGR», ora recorrente, dele veio interpor o presente recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, produzindo alegações [cfr. fls. 334/353] que culminaram com o seguinte quadro conclusivo:
«
1.º A instauração do inquérito em 5 de fevereiro de 2018 era absolutamente necessária, de modo a ficar garantida a segurança na aplicação do direito sancionatório e o momento certo e correto para converter o inquérito em processo disciplinar foi precisamente quando tal sucedeu, isto é, com o despacho cuja suspensão da eficácia se decidiu, proferido em 7 de novembro de 2018.
2.º Na fase do processo-crime a que se referia a documentação recebida até 1.02.2018 ainda podia ser exercido o contraditório em julgamento e ainda poderia o arguido, Magistrado do Ministério Público, vir a ser absolvido em julgamento, havendo que garantir, para além dos princípios atrás citados, o da presunção de inocência prevista no art. 32.º, n.º 2, da CRP, e por carecerem os autos ainda da prova concreta em que se havia alicerçado a acusação e a decisão instrutória.
3.º Sendo a instauração de inquérito indispensável para consolidar as meras suspeitas existentes, em ordem a evitar a ocorrência de situações manifestamente contraditórias e pouco dignificantes para aquela Magistratura, minimizando-se nomeadamente as hipóteses de no procedimento disciplinar se virem a dar por provados factos contrários aos que se provassem em sede criminal.
4.º Manifestamente só com a condenação do ora Recorrido no Tribunal da Relação d… ……… se mostrou consolidada a matéria de facto provada e se tomou conhecimento efetivo, com a leitura e audição dos extensos meios de prova registados em julgamento e também na instrução, que até ao momento não constavam do inquérito, elementos que só foram reunidos após as diligências de inquérito até 2.11.2018 e que determinaram a certeza mínima, sem dúvida razoável, e uma convicção segura quanto a poder-se considerar devidamente indiciado um ilícito disciplinar e obter uma noção exata e decisiva sobre a conduta e a credibilidade das declarações do visado que sempre a negou.
5.º Deste modo, a instauração do inquérito era necessária e suspenderia o decurso do prazo prescricional do direito de instaurar o procedimento disciplinar, nos termos do art. 178.º, n.ºs 2 e 3, da LTFP, prazo cuja contagem só se iniciou após aquela data, altura em que se concluiu a investigação necessária pela Senhora Instrutora do inquérito disciplinar e apenas com o conhecimento efetivo e concreto de elementos indispensáveis e caraterizadores de toda a situação por parte do superior hierárquico com competência para instaurar o procedimento disciplinar.
6.º O Senhor Conselheiro Vice-Procurador Geral lavrou o despacho que mandou instaurar inquérito no âmbito do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, do EMP, pelo que toda a competência do Procurador-Geral, própria ou delegada, foi exercitada por aquele, enquanto seu substituto legal, e, portanto, dentro da legalidade, passando a ser uma competência própria e exclusiva relativamente aos poderes do órgão substituído, nos termos do art. 43.º do CPA (cf. também o art. 42.º do CPA).
7.º O que não implica necessariamente que o substituído adquira daí um conhecimento pessoal relativamente ao ato praticado em sua substituição, uma vez que aquele atua com competência própria e exclusiva, nos termos do art. 43.º do CPA.
8.º No âmbito disciplinar a Procuradoria-Geral da República atua como qualquer outra entidade administrativa, pelo que o referido preceito é aplicável ao caso em apreço, contrariamente ao decidido no douto Acórdão Recorrido, tratando-se de um poder que é atribuído ao substituto com fundamento na necessidade de assegurar a continuidade dos serviços, temporariamente e em caso de urgência e de impossibilidade do substituído.
9.º Questão diversa e que não se confunde com aquela é a que se prende com o conhecimento efetivo pela Excelentíssima Senhora Conselheira Procuradora-Geral da República dos elementos concretos que constavam do processo, conhecimento que não pode ser ficcionado mediante a mera aplicação do direito, não se tendo verificado um conhecimento pessoal, concreto, imediato e direto da mesma relativamente a tais elementos, sendo irrelevante o conhecimento apenas pelo Senhor Conselheiro Vice-Procurador-Geral, matéria que pode ser objeto de reapreciação pelo Plenário da Secção desse Supremo Tribunal Administrativo.
10.º O “dies a quo” do prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar previsto no art. 178.º, n.º 2, da LTFP só se pode iniciar a contar do conhecimento real, efetivo e não presumido por parte do superior hierárquico competente para praticar o ato, não relevando o conhecimento por parte de outros superiores hierárquicos do Magistrado, que não o Procurador-Geral, ou o Conselho Superior do Ministério Público, apenas se podendo considerar dirigentes máximos do serviço aqueles que podem, perante o EMP, instaurar o procedimento disciplinar nos termos dos artigos 10.º, al. b), 12.º, n.º 2, al. f), 27.º, al. a) e 214.º, todos do EMP (entendimento que tem sido sempre pacífico e reiterado pela jurisprudência desse STA).
11.º Ora, na data indicada como sendo a da ocorrência da prescrição nenhum daqueles órgãos do Ministério Público tinham ainda, sequer, adquirido o conhecimento pessoal ou colegial necessário dos elementos apurados até 5.02.2018, só o tendo obtido nas datas posteriores indicadas, e só os mesmos integram a noção de «dirigente máximo do serviço» contida no art. 178.º, n.º 2, da LTFP que não é inteiramente aplicável ao Ministério Público.
12.º Assim, o prazo de 60 dias, a que se refere aquele preceito não se tinha sequer iniciado na data da instauração do inquérito disciplinar, relevando o conhecimento da infração que ocorrer em primeiro lugar e neste caso seria o do CSMP que se verificou apenas com a prolação do Acórdão referido, emitido em 25.09.2018 - cfr. abundante jurisprudência desse STA e pareceres do Conselho Consultivo da PGR, atrás citados.
13.º Pelo exposto, não ocorrendo a prescrição invocada e não se verificando os vícios imputados ao ato a impugnar, não se apresenta como provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal possa vira a obter procedência, por não se verificar o necessário fumus boni iuris, exigido pelo art. 120.º, n.º 1, do CPTA.
14.º Como igualmente não ocorre o prejuízo ou o periculum in mora, o qual assenta em meras conclusões, sendo manifesta a ausência de prejuízos irreversíveis e de difícil reparação merecedores da tutela do direito e inexistindo a possibilidade de lesão grave e dificilmente reparável exigida pelo mesmo preceito, o que, com o merecido respeito, também não se pode presumir como o fez o douto Acórdão em apreço.
15.º Contrariamente ao decidido, atendendo ao prejuízo considerado demonstrado para o interesse público na Resolução Fundamentada, havendo necessidade da devida celeridade a imprimir ao processo disciplinar e atendendo ao prejuízo para a imagem e prestígio do Ministério Público, manifestamente evidentes com a suspensão do ato, muito superiores ao demonstrado pelo Requerente da providência cautelar, igualmente não se preenche o terceiro requisito necessário à procedência da mesma que deveria ter sido recusada - n.º 3 do art. 120.º citado.
16.º O Conselho Superior do Ministério Público foi julgado parte ilegítima e absolvido da instância nos termos dos arts. 10.º, n.º 1 e 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. e) do CPTA e o incidente de inexecução indevida de ato e de não fundamento da Resolução Fundamentada foi indeferido, tendo o Requerente decaído, assim, em parte na providência cautelar, e na totalidade no referido incidente.
17.º Em qualquer das situações o douto Acórdão recorrido omitiu a condenação do Requerente nas custas, o qual deve ser condenado nas respetivas custas na parte em que decaiu, não podendo a ora Recorrente ser a única responsável pelas custas do processo e também em segmentos da decisão em que não decaiu, só o podendo ser na proporção do seu decaimento, nos termos dos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 529.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA.
18.º O douto Acórdão de que se recorre incorreu em erro de direito ou de julgamento, nomeadamente com ofensa e erro de interpretação e aplicabilidade dos artigos 43.º do CPA, 12º, n.º 2, al. f), 13.º, n.º 1, 27.º, al. a) e 214º, todos do EMP e 178.º, n.ºs 2 e 3 da LTFP, do art. 120.º do CPTA, e dos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 529.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art. 1.º do CPTA.
19.º Devendo ser revogado e ser substituído por outro que recuse a providência cautelar requerida e a julgue improcedente e não provada, nos termos expostos, procedendo à devida condenação do Recorrido nas custas em todas as decisões parcelares em que decaiu e naquelas em que venha a decair …».

4. Devidamente notificado, o requerente cautelar, aqui recorrido, veio produzir contra-alegações e ampliar o «âmbito do recurso a título subsidiário», formulando o seguinte quadro conclusivo [cfr. fls. 384/402]:
«
1.ª) Para sustentar que quando o procedimento disciplinar foi instaurado (em 07/11/2018) já se tinha extinguido, por prescrição ou caducidade, o direito de o fazer, o recorrido sustentou também que “por força do estatuído no n.º 3 do art. 178.º da LTFP, a instauração do inquérito n.º ……… apenas teve a virtualidade de suspender o prazo prescricional previsto no n.º 2 do mesmo normativo legal por um período até 6 (seis) meses”, pelo que “mesmo que o referido prazo prescricional só tivesse tido início em 02/02/2018 (dia seguinte àquele em que assumidamente a 1.ª Requerida tomou conhecimento da acusação e pronúncia proferidas no Proc. n.º ………) e sem sequer atender aos dias consumidos até 05/02/2018, é certo que a suspensão então operada cessou em 05/08/2018 (seis meses após) e que decorreram mais de 60 dias (corridos ou úteis) antes de 07/11/2018”;
2.ª) Resulta da conjugação dos factos 7, 10 e 12 considerados indiciariamente provados no acórdão recorrido que o processo disciplinar n.º ……… só foi instaurado mais de 6 (seis) meses após a instauração do inquérito n.º ………;
3.ª) O Tribunal a quo não apreciou a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar sob este prisma e impunha-se fazê-lo, dado relevar para o exigido juízo de probabilidade acerca da procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal;
4.ª) O que acaba de dizer-se configura uma causa de nulidade do acórdão recorrido, prevista na alínea d) - 1.ª parte do n.º 1 do art. 615.º do CPCiv., que argui ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 636.º do mesmo diploma legal, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA, para que seja conhecida por esse Venerando Tribunal caso venha a dar provimento ao recurso interposto pela Procuradora-Geral da República;
5.ª) Se assim não for entendido, requer que esse Venerando Tribunal conheça agora desse outro fundamento por ele invocado para o preenchimento do requisito do fumus boni iuris, conforme lhe permite o n.º 1 do art. 636.º do CPCiv., aqui aplicável ex vi dos arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA …».

5. Devidamente notificada, a «PGR» veio produzir contra-alegações no âmbito relativo à ampliação do recurso, formulando o seguinte quadro conclusivo [cfr. fls. 411/416]:
«
1.º Tendo o douto Acórdão recorrido considerado que procedia um dos fundamentos da providência cautelar no que respeita ao fumus boni iuris, ficou prejudicada a apreciação dos restantes fundamentos do pedido em face da solução dada ao litígio que o julgou procedente com um dos seus fundamentos, não se verificando a nulidade do mesmo Aresto por omissão de pronúncia - cfr. entre muitos outros, o Acórdão do STA de 13/05/2003, proc. 204/02.
2.º Sendo a instauração prévia de inquérito disciplinar absolutamente necessária não se iniciou, sequer, de imediato em 5.02.2018 a contagem do prazo do direito de instaurar o procedimento disciplinar a que se refere o n.º 2 do art. 178.º da LTFP, prazo que só a partir de 2 de novembro de 2018 se iniciou, altura em que se concluiu a investigação necessária pela Senhora Instrutora do inquérito disciplinar - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7.06.2005, Proc. n.º 0374/05.
3.º Porém, tal como alegado no Recurso já interposto, só se iniciou a contagem do referido prazo de 60 dias no momento do conhecimento relevante, pelo CSMP, sobre a existência de infração disciplinar, o qual só se verificou com a deliberação de 25 de setembro de 2018 daquele órgão do MP, sendo irrelevante o conhecimento anterior pelo Exmo. Senhor Conselheiro Vice-Procurador-Geral da República, não tendo o mesmo prazo decorrido até 7 de novembro de 2018.
4.º Por outro lado, sem nada conceder, se hipoteticamente o prazo de 6 meses se contasse desde o início do inquérito disciplinar, o “dies a quo” deste prazo só principiou em 27 de fevereiro de 2018, data em que o inquérito disciplinar se iniciou por despacho da Senhora Instrutora, conforme notificação efetuada ao Magistrado nele visado.
5.º O que teria suspendido o prazo de 60 dias, por seis meses, até 27 de agosto de 2018, data a partir da qual e até 7 de novembro de 2018 o mesmo não decorreu, realizando-se a sua contagem nos termos do artigo 87.º, alíneas b) e c), do CPA, aplicável ex vi, artigo 3.º da Lei n.º 35/2014, expirando, neste caso, só em 21 de novembro de 2018.
6.º Assim, não foram excedidos os prazos referidos na ampliação do recurso interposto, devendo ser dado provimento ao recurso da Requerida, Excelentíssima Senhora Conselheira Procuradora-Geral da República, nos termos já requeridos, ainda que venha a ser apreciado aquele fundamento da providência cautelar …».

6. Por acórdão do STA, proferido em 28.03.2019 [cfr. fls. 418/419], foi sustentada a decisão recorrida, tendo-se concluído pelo desatendimento da nulidade por omissão de pronúncia arguida.

7. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. e), e 2, do CPTA, o processo foi submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.



DAS QUESTÕES A DECIDIR
8. Constituem objeto de conhecimento as questões que se prendem com:
A) os erros de julgamento, por incorreta interpretação e aplicação:
i) dos arts. 120.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA] [na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 214-G/2015 - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências ao mesmo Código sem expressa menção em contrário], 43.º do Código de Procedimento Administrativo [CPA] [na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 4/2015 - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências ao aludido Código sem expressa menção em contrário], 10.º, al. b), 12.º, n.º 2, al. f), 13.º, n.º 1, 27.º, al. a) e 214.º, todos do Estatuto do Ministério Público [EMP], 178.º, n.ºs 2 e 3, da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas [abreviadamente designada por LTFP e publicada em anexo à Lei n.º 35/2014], no segmento decisório que, julgando verificados os requisitos legais, deferiu a pretensão cautelar [conclusões 01.ª a 15.ª e 18.ª/19.ª das alegações];
ii) dos arts. 527.º, n.ºs 1 e 2 e 529.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Civil [CPC] [na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013 - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências ao referido Código sem expressa menção em contrário], aplicáveis ex vi do art. 01.º do CPTA, no segmento relativo à decisão quanto a custas [conclusões 16.ª a 19.ª das alegações];
B) a arguida nulidade de decisão [cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC ex vi do art. 01.º do CPTA - nulidade por omissão de pronúncia] [conclusões 01.ª a 04.ª das contra-alegações produzidas pelo requerente cautelar]; e
C) o demais objeto do pedido de ampliação do presente recurso [conclusões 05.ª das contra-alegações] [cfr. alegações/contra-alegações e conclusões supra reproduzidas].



FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
9. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) O Requerente é Procurador da República e encontra-se colocado no Juízo de Instrução Criminal d.. ……… .
II) Por referência ao processo-crime em que o Requerente é arguido, e face ao ofício de 03.09.2018 deste, no qual comunicava que havia sido designado dia para julgamento, no âmbito do processo n.º ………, nos termos e para os efeitos do art. 152.º, alínea a) do EMP, o «CSMP» deliberou, em 25.09.2018, o seguinte:
«Assim, interpretando o artigo 152.º de forma sistemática, nomeadamente tendo em conta o regime previsto nas alíneas d) e e), do n.º 1, do art. 214.º do Código do Processo Penal para a extinção das medidas de coação, considera-se que aquela suspensão se manterá até ser proferida decisão absolutória ou até trânsito em julgado de decisão condenatória» - cfr. docs. n.ºs 01 e 02, juntos com o requerimento inicial [«R.I.»], dando-se aqui por integralmente reproduzida a deliberação do «CSMP» indicada.
III) Tal suspensão do exercício de funções teve início em 12.06.2018 - cfr. doc. n.º 02 junto com o «R.I.», fls. 27 a 31.
IV) No referido processo criminal determinativo de tal suspensão foi proferido pelo TR…… acórdão que condenou o aqui Requerente pela prática do crime de abuso de poder, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 15,00€, ainda não transitado em julgado, por aquele dele ter interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - doc. n.º 03 junto com a oposição.
V) O processo indicado em II) supra, teve origem numa certidão retirada do processo n.º ……… do Departamento Central de Investigação e Ação Penal - docs. n.ºs 02 e 03 juntos com a oposição.
VI) Certidão idêntica, retirada do processo de averiguações n.º ………, do livro H, foi recebida na Procuradoria-Geral da República, extraída do mesmo processo nº ………, com base na qual determinou a Procuradora-Geral da República, em 15.12.2015, a instauração de um dossier confidencial de acompanhamento do processo-crime, consistindo tal certidão no auto de inquirição da testemunha nela identificada, acompanhado do ofício onde consta ter sido enviada idêntica certidão à Procurador-Geral Distrital d… ……… - cfr. referido doc. n.º 02, fls. 161 a 169 dos autos.
VII) Por despacho de 05.02.2018, proferido, em conclusão aberta em 01.02.2018 ao Vice-Procurador-Geral da República em substituição da Procuradora-Geral da República, mandou este instaurar o processo de inquérito disciplinar que correu termos na Procuradoria-Geral da República sob o n.º ………, após remessa à «PGR», pela Procuradora-Geral Distrital d… ………, em 09.01.2018, de cópia da acusação e da decisão instrutória, respeitantes ao NUIPC ………, a fim de ser presente à Procuradora-Geral da República para conhecimento - docs. n.ºs 02 e 03 juntos com a oposição.
VIII) Ao referido inquérito foram juntos até 02.11.2018, a primitiva certidão indicada em V) supra, uma certidão contendo a transcrição de todas as diligências realizadas na investigação do processo-crime nº ………, todas as diligências efetuadas no âmbito do debate instrutório, os cd’s contendo as gravações da audiência de julgamento e também a nota biográfica do Requerente, acórdão respeitante à sua classificação de serviço, acórdão proferido em 11.07.2018, pelo Tribunal da Relação d…. ……., no processo-crime, sendo ouvido o mesmo que foi constituído arguido e interrogado como tal no âmbito do inquérito [a fls. 63 a 65 do mesmo] - cfr. doc. n.º 03 junto com a oposição.
IX) No âmbito deste inquérito foi, em 02.11.2018, elaborado relatório final, pela Inspetora, no qual se conclui e propõe que seja deliberado o seguinte:
«
- Improceder a questão prévia da prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar;
- Converter o presente inquérito em processo disciplinar em ordem à aplicação de uma pena de suspensão de exercício ao Senhor Procurador da República Dr. A…………., por ter incumprido com dolo o dever profissional de isenção e de imparcialidade, devendo constituir, para este efeito, o inquérito a parte instrutória do processo disciplinar, nos termos do disposto no art. 214.º, n.º 1 do E.M.P.» - cfr. Relatório final, doc. n.º 03 junto com o «R.I.», fls. 37 a 49, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

X) Em 07.11.2018 o Vice-Procurador-Geral da República, em substituição da Procuradora-Geral da República, exarou naquele processo de inquérito o seguinte despacho:
«Concordo com o proposto pela Exma. Senhora Inspetora quanto à questão prévia suscitada, no sentido de improceder.
Considerando a urgência inerente à natureza do processo, ao abrigo do n.º 1, alínea k) da deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, de 16 de outubro de 2018, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 203, de 22 de outubro de 2018, converto o inquérito em processo disciplinar, constituindo aquele a parte instrutória do processo disciplinar, atento o auto de declarações de fls. 63 a 65 (artigo 214.º, n.º 1, da Lei 47/86, de 15 de outubro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 60/98, de 27 de agosto.
Designo instrutora a Senhora Dr.ª B…………
Notifique, nos termos do artigo 214.º, n.º 2 do mesmo diploma …» - cfr. doc. n.º 3, junto com o «R.I.», fls. 34.
XI) O Conselho Superior do Ministério Público, através da deliberação n.º 1164/2018, publicada no D.R., 2ª série, n.º 203, deliberou delegar a competência, na Procuradora-Geral da República, ao abrigo do disposto no art. 31.º do «EMP», para a prática, entre outros, dos seguintes atos «quando, pela sua natureza, não devam aguardar reunião do Conselho: (…) k) Conversão em processo disciplinar dos processos de inquérito ou de sindicância (artigo 214.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público …».
XII) O despacho indicado em X) determinou que contra o Requerente corra o processo disciplinar n.º ………, do qual este foi notificado em 21.11.2018 - cfr. doc. n.º 3, junto com o «R.I.», fls. 33.
XIII) A Procuradora-Geral da República, em 19.12.2018, proferiu, no âmbito da presente providência cautelar, no uso dos seus poderes delegados pelo Conselho Superior do Ministério Público, de acordo com a alínea l) do n.º 1 da Deliberação n.º 1164/2018, e, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 128.º, n.º 1 do CPTA, «Resolução Fundamentada», que constitui fls. 194 a 197 dos autos, e cujo teor aqui se dá por reproduzido, na qual se conclui o seguinte:
«
13. Face ao exposto, e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 128.º n.º 1 do CPTA, considera-se que a não execução do ato administrativo suspendendo, no sentido de não prosseguimento do processo disciplinar, como gravemente prejudicial para o interesse público, pelo que se mantém a execução do mesmo …».
XIV) Já foi deduzida acusação contra o ora Requerente no âmbito do referido processo disciplinar, em 28.11.2018, tendo sido realizada a notificação em 11.01.2019 - cfr. doc. n.º 03, fls. 269 e seguintes, junto com a oposição.
*

DE DIREITO
Assente que se mostra o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões atrás elencadas e considerando a ordem ali definida.

10. Discute-se nos autos do preenchimento in casu dos requisitos legalmente definidos nos n.ºs 1 e 2 do art. 120.º do CPTA para o decretamento ou deferimento de pretensão cautelar.

11. Não estando em causa a impugnação de um ato sem natureza sancionatória que haja determinado o pagamento de quantia certa [cfr. n.º 6 do art. 120.º do CPTA], determina-se no n.º 1 do preceito em referência que «as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente» e que, em tais situações, «a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências» [cfr. seu n.º 2], requisito este que, na falta de contestação por parte da autoridade requerida ou da alegação de que a adoção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificado, inexistindo assim tal lesão «salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva» [n.º 5], na certeza, sempre, de que, por um lado, a providências cautelares a adotar «devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença» [n.º 3] e de que, por outro, «[s]e os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária» [n.º 4].

12. Preveem-se, assim, no citado normativo um distinto grupo de condições de procedência que se podem reconduzir: i) a duas condições positivas de decretamento [periculum in mora - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e fumus boni iuris («aparência do bom direito») - reportado ao ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente]; e, ii) a um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.

13. Passando à análise dos referidos requisitos e centrando, desde já, nossa atenção no requisito do fumus boni iuris cumpre, então, aferir da bondade do juízo de preenchimento firmado no acórdão recorrido, determinando se in casu resulta demonstrada a existência de uma probabilidade de procedência da pretensão formulada ou a formular pelo requerente na ação administrativa principal.

14. Tal como vem entendendo este Supremo Tribunal [cfr., nomeadamente, os Acs. de 15.09.2016 - Proc. n.º 0979/16, de 08.03.2017 - Proc. n.º 0651/16, de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17, de 08.06.2017 - Proc. n.º 050/17, de 08.02.2018 - Proc. n.º 01215/17, de 28.02.2018 - Proc. n.º 01305/17, de 15.11.2018 - Proc. n.º 0229/17.2BELSB (0649/18), de 13.03.2019 - Proc. n.º 0358/18.5BESNT - todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário] na e para a integração do requisito ora sob análise entende-se como «”provável” … o que tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça», sendo que no domínio jurídico «isso exige que algum dos vícios atribuídos (…) ao ato suspendendo se apresente já - na análise perfunctória típica deste género de processos - com a solidez bastante para que conjeturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do ato».

15. Não se trata, portanto, dum juízo que se baste com a mera indagação de um mínimo de verosimilhança dos fundamentos de ilegalidade invocados como geradores da invalidade do ato tal como de mostrava previsto na al. b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA na redação anterior à introduzida pelo referido DL n.º 214-G/2015, em que o critério legal de decisão relativamente ao requisito da aparência do bom direito era, então, um critério largo, bastando-se, para o efeito, que não fosse manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal.

16. Exige-se hoje, pois, que se apresente como provável a procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal para que se mostre preenchido este critério de decisão e que o requerente possa, assim, ver decretada a sua pretensão cautelar reunidos os demais requisitos cumulativamente exigidos.

17. Note-se, todavia, que o juízo que é reclamado pelo preceito ao julgador cautelar de verificação ou não do requisito não poderá estribar-se, para a conclusão pela sua não verificação, numa mera invocação, ou no apelo, à complexidade que cada concreto fundamento de ilegalidade envolve em termos de análise.

18. Não é pelo simples facto da apreciação, ou da análise dum determinado fundamento de ilegalidade, tido e invocado pelo requerente cautelar como conducente à provável procedência da pretensão impugnatória, se mostrar ou se revelar difícil, ou complexa, ou envolver aturado trabalho de instrução e de estudo, que, só por si, se pode concluir pela sua não verificação e consequente negação da tutela cautelar por falta de preenchimento do requisito do fumus boni iuris.

19. O juízo sumário e perfunctório próprio deste tipo de processos na apreciação dos requisitos legalmente exigidos para a decretação de providência cautelar peticionada não é sinónimo, quanto ao requisito sob análise, de absoluta evidência da concreta ilegalidade e consequente procedência da pretensão a deduzir a título principal, nem significa que o fumus boni iuris apenas ocorra ou se mostre preenchido quando as ilegalidades ou questões que as mesmas envolvem se apresentem como simples, ou incontroversas.

20. Mas importa ter presente, por outro lado, que, em sede cautelar, o juízo sumário e perfunctório que é reclamado para a análise do preenchimento deste requisito não pode reconduzir-se, nem confundir-se com aquilo que é o juízo a realizar na ação administrativa principal, com uma análise definitiva, aturada e aprofundada dos fundamentos de ilegalidade e questões suscitadas, «tentação» e «exagero» com que amiúde nos vamos deparando e confrontando na prática forense.

21. Revertendo ao caso sub specie temos que, analisado o articulado inicial [cfr., nomeadamente, os seus arts. 17.º a 47.º], extrai-se do mesmo que o requerente cautelar assaca como fundamento de ilegalidade ao ato suspendendo a pretensa prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar já que em violação do art. 178.º, n.ºs 2 e 3, da LTFP aplicável subsidiariamente ex vi do art. 216.º do EMP [mercê de, no momento da emissão do despacho suspendendo pelo Vice-Procurador-Geral (07.11.2018), já estar esgotado o prazo prescricional para instaurar o procedimento disciplinar dado a «PGR» «podia/devia ter determinado a instauração de um processo disciplinar ao Requerente em 2017 (logo que tomou conhecimento da acusação proferida no NUIPC ………) ou, pelo menos, em 05/02/2018 (data em que ordenou a instauração do inquérito n.º ………)» dado que conhecida a infração por parte da mesma na sua materialidade e autoria, e, para além disso, «o processo disciplinar n.º ……… só foi instaurado mais de 6 (seis) meses após a instauração do inquérito n.º ………»], no que tudo se traduziu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito mercê da infração, ainda, dos arts. 213.º do EMP, 03.º, n.º 1, 07.º e 08.º, do CPA [princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça], 02.º, 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa [CRP] [princípios da proibição do excesso e da segurança jurídica], gerador da anulabilidade do ato [cfr. art. 163.º do CPA].

22. Decidiu-se no acórdão recorrido, sem qualquer impugnação, de que o ato suspendendo mostrava-se ser contenciosamente impugnável e, de seguida, quanto ao requisito do fumus boni juris, considerou-se que o mesmo resultava preenchido porquanto, se, por um lado, em dezembro de 2015 os elementos que foram comunicados através de certidão e chegaram ao conhecimento da «PGR» não tinham a virtualidade de determinar a abertura de um inquérito ou processo disciplinar já, ao invés, o mesmo não ocorreu quando, em 01.02.2018, lhe foi enviada uma certidão que continha a cópia da acusação e da decisão instrutória proferidas no processo-crime, dado que estes elementos constituíam «elementos suficientes, não só para determinar a materialidade dos factos, como para se formar um juízo fundamentado quanto às condutas do Magistrado relevantes em termos jurídico-disciplinares», estando, assim, «suficientemente definidos os elementos caracterizadores da situação, de forma a ser possível efetuar uma ponderação do uso, ou não, do poder sancionador», pelo que não deveria «ter sido instaurado inquérito, por o mesmo não se justificar» e, em decorrência, «não se suspendeu, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 178.º da LTFP, o prazo para instaurar o procedimento disciplinar».

23. Daí que haja concluído que o direito de instaurar o procedimento disciplinar se encontrava prescrito em 07.11.2018 [data da instauração do processo disciplinar através da emissão do despacho suspendendo pelo Vice-Procurador-Geral atuando em substituição da «PGR»], prescrição essa que, nos termos do n.º 2 do art. 178.º da LTFP, havia operado «decorridos 60 dias, contados nos termos das alíneas b) e c) do art. 87.º do CPA, aplicável por força do art. 3.º da Lei n.º 35/2014, sobre a data de 05.02.2018, por ser nesta data que o órgão competente para mandar instaurar o processo disciplinar - a Procuradora-Geral da República -, teve conhecimento da infração …».

24. Contra este juízo se insurgiu a recorrente «PGR» sustentando, em suma, por um lado, que o conhecimento da certidão contendo a cópia da acusação e da decisão instrutória proferidas no processo-crime, ocorrido em 01.02.2018, não deveria reputar-se como elemento idóneo e bastante para a habilitar a, de imediato, ordenar a abertura de processo disciplinar e, nessa medida, fazer desencadear o prazo previsto no n.º 2 do art. 178.º da LTFP, porquanto contra um tal entendimento militariam os princípios da presunção de inocência [cfr. art. 32.º, n.º 2, da CRP] e da imparcialidade ou da objetividade [cfr. art. 09.º, do CPA], e sendo que, em concreto, no âmbito do inquérito instaurado sob o n.º ………, apenas em 02.11.2018, existiram os elementos habilitadores à formação do juízo quanto a usar ou não do poder sancionador, com a transcrição de todas as diligências realizadas no processo-crime n.º ……… [incluindo as diligências efetuadas aquando do debate instrutório] e dos cd’s contendo as gravações da audiência de julgamento, com a audição no inquérito do arguido e, por fim, com a junção ao mesmo da decisão condenatória do arguido proferida pelo Tribunal de Relação d… ……….

25. E, por outro lado, que o referido n.º 2 do art. 178.º da LTFP, se bem que de aplicação subsidiária, não se aplica inteiramente ao regime disciplinador da responsabilidade dos Magistrados do MP a este título, dado que para a determinação do «dies a quo» do prazo nele previsto de prescrição do procedimento disciplinar contra magistrados do MP só releva o conhecimento «efetivo» pessoal e direto das faltas por parte do «PGR» ou do «CSMP» e nunca um conhecimento «ficcionado» dos mesmos como alega, em concreto, ter ocorrido mediante a imputação do conhecimento por parte da «PGR» derivado do conhecimento tido pelo Vice-Procurador-Geral quando atuando este em substituição daquela, nos termos dos arts. 13.º e 14.º do EMP, quando, desde 2015, a «PGR» não contactou com o procedimento e sendo que o «CSMP» só tomou conhecimento da situação do ora Recorrido, em 25.09.2018, data em que proferiu o acórdão referido em II) da factualidade apurada.

26. Vejamos, impondo-se, no caso, aferir da bondade do juízo de verificação do requisito do fumus boni juris realizado pelo acórdão recorrido enquanto estribado na existência de uma probabilidade de procedência da pretensão impugnatória deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal por ocorrência da ilegalidade acometida ao ato suspendendo.

27. Constitui entendimento reiterado deste Supremo Tribunal, tecido em torno do art. 04.º, n.º 2, do ED/84 [cfr., nomeadamente, os Acs. de 23.11.2010 - Proc. n.º 0898/08, de 21.06.2011 - Proc. n.º 0772/10, de 10.07.2012 - Proc. n.º 0803/11, de 23.01.2013 (Pleno) - Proc. n.º 0772/10, de 05.11.2013 - Proc. n.º 0642/13], bem como do art. 06.º, n.º 2, do ED/2008 [cfr., nomeadamente, os Acs. de 27.01.2011 - Proc. n.º 0600/09, de 21.06.2011 - Proc. n.º 0772/10, de 10.07.2012 - Proc. n.º 0803/11, de 23.01.2013 (Pleno) - Proc. n.º 0772/10, de 05.11.2013 - Proc. n.º 0642/13, de 15.09.2016 - Proc. n.º 0356/15, de 03.11.2016 - Proc. n.º 0548/16] e, também, já no do art. 178.º, n.º 2, da LTFP atualmente vigente [cfr., entre outros, o Ac. de 08.03.2018 - Proc. n.º 04/17, e de 28.03.2019 (Pleno) - Proc. n.º 0343/15.9BALSB], o de que «o EMP é claro no sentido de que o direito de ordenar a instauração de processos disciplinares aos magistrados do Ministério Público cabe exclusivamente ao Procurador-Geral da República [artigo 12.º, n.º 2, alínea f)] ou ao CSMP [artigos 27.º, alínea a) e 214.º]», pelo que «se só esses órgãos são titulares do direito, só a inércia deles relativamente ao seu exercício pode explicar e causar a prescrição respetiva; e essa inércia, por sua vez, há-de partir do conhecimento da falta por algum dos dois referidos órgãos - e não por qualquer outro superior hierárquico do magistrado infrator», razão pela qual a aplicabilidade ao procedimento de aferição da responsabilidade disciplinar dos magistrados do Ministério Público do n.º 2 do art. 178.º da LTFP [anteriores arts. 04.º, n.º 2, do ED/84, e 06.º, n.º 2, do ED/2008] «não é completa; pois, se o fosse - em termos de abranger o conhecimento da infração “por qualquer superior hierárquico” - tal norma estaria a ser subsidiariamente recebida pelo EMP de modo “contrário” ao que nele se prevê e, nessa medida, ao arrepio do que se estabelece no seu artigo 216.º».

28. Resulta, ainda, como entendimento jurisprudencial uniforme deste mesmo Supremo o de que o conhecimento da infração por parte do «PGR» ou do «CSMP» tem de se reportar a todos os elementos caraterizadores da situação, não bastando o mero conhecimento naturalístico dos factos integrantes na sua simples materialidade, antes se tornando necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia já com a sua carga presumível de ilicitude, ou seja, um conhecimento que habilite ou torne possível um juízo normativo fundado, ou uma ponderação criteriosa/consciente, de que factos são suscetíveis de integrar uma infração disciplinar [cfr., entre outros, os Acs. do STA de 23.05.2006 (Pleno) - Proc. n.º 0957/02, de 01.03.2007 - Proc. n.º 0205/06, de 26.01.2012 - Proc. n.º 0450/09, e de 15.11.2012 (Pleno) - Proc. n.º 0450/09], entendimento hoje reforçado com a expressa menção ou referência no texto legal à exigência do «conhecimento da infração» [vide n.º 2 do art. 178.º da LTFP].

29. Mostra-se, também, como entendimento consensual o de que o poder de conversão do inquérito em processo disciplinar, integrando uma competência própria do «CSMP» [cfr. art. 214.º, n.º 1, do EMP], não é exclusivo deste órgão colegial, sendo delegável no «PGR» [cfr., entre outros, os Acs. do STA de 07.09.2010 - Proc. n.º 1060/09, de 27.01.2011 - Proc. n.º 01079/09, de 19.05.2011 (Pleno) - Proc. n.º 1060/09, e de 03.11.2016 - Proc. n.º 0548/16].

30. Ora presente a devida concatenação do quadro normativo em referência não se descortinam razões para divergir dos entendimentos que se mostram sufragados por este Tribunal nos pontos antecedentes e que aqui se reiteram.

31. Cientes do enquadramento exposto não se vislumbra que as críticas que se mostram dirigidas neste segmento ao acórdão recorrido colham, porquanto, num plano estritamente abstrato, o fundamento de ilegalidade em questão [prescrição do procedimento disciplinar] é, em tese, suscetível de poder invalidar o ato disciplinar punitivo e, também, a idêntica conclusão se chega quanto procedemos à análise concreta da ilegalidade, aportando, portanto, o fumus boni iuris fundante para o deferimento da providência.

32. Desde logo, importa ter presente que o Vice-Procurador-Geral, sendo um agente do MP [cfr. art. 08.º, al. b), do EMP] que é nomeado sob proposta do «PGR» [cfr. n.º 1 do art. 129.º do EMP], constitui um órgão vicário [cfr. Ac. do STA de 10.09.2015 - Proc. n.º 01657/13], ao qual compete coadjuvar e substituir o «PGR» [cfr. art. 13.º, n.º 1, do mesmo Estatuto], «substituição» essa entendida como «suplência» à luz do que se mostra atualmente disciplinado no art. 42.º do CPA.

33. Tal «substituição» [«suplência»], operando-se no âmbito da Procuradoria Geral da República dirigida e presidida pelo «PGR» [cfr. arts. 09.º, 11.º, e 12.º, do EMP], ou seja, em termos intrasubjetivos já que no âmbito do mesmo ente público, tem lugar de modo direto, já que fundada na lei ou operando automaticamente ope legis [cfr. art. 13.º, n.º 1, do referido Estatuto], sendo que a totalidade da competência daquele [própria/originária ou delegada] em situações de «ausência, falta ou impedimento» é exercitável pelo Vice-Procurador-Geral, o qual, enquanto seu substituto legal, atua em «substituição» daquele titular normal de modo a assegurar o «princípio da continuidade» do órgão, praticando os atos como fosse o titular normal substituído.

34. Com efeito, o mesmo, temporariamente, sucede no exercício da competência e posição jurídica do titular do órgão adquirindo a exclusividade de exercício dos respetivos poderes, pelo que «os atos por si praticados enquanto “substituto” não lhe são imputados, mas ao “substituído”» e «as consequências jurídicas de tais atos recaem na esfera do substituído» [cfr. Ac. do STA de 05.06.1996 - Proc. n.º 037036, consultável, ainda, in: Apêndice ao DR de 23.10.1998, vol. III, págs. 4321/4325], na certeza de que «a legalidade da sua intervenção depende da verificação da situação que constitui pressuposto legal dessa intervenção [coadjuvação e substituição], não dos requisitos da delegação» [cfr. o citado Ac. do STA de 10.09.2015 - Proc. n.º 01657/13].

35. Por outro lado, temos que com o conhecimento da certidão contendo a cópia da acusação deduzida contra o requerente cautelar e da decisão instrutória de pronúncia do mesmo proferidas no processo-crime em referência, ocorrido pelo menos em 05.02.2018 por parte do Vice-Procurador-Geral, atuando em «substituição» da «PGR» no quadro do regime legal aludido, o mesmo passou a dispor do conhecimento não apenas da materialidade dos factos e do respetivo circunstancialismo que os rodeou, mas, também, da sua carga presumível de ilicitude, conhecimento esse que o habilitava, desde logo, à emissão de um juízo normativo fundado de que factos eram suscetíveis de integrar uma infração disciplinar, irrelevando, nesse e para esse contexto, os elementos que vieram a ser colhidos no inquérito e mesmo o apelo aos princípios convocados, cientes de que para o preenchimento da previsão do n.º 2 do art. 178.º da LTFP não era, nem se mostra necessária, a existência de uma decisão penal condenatória do magistrado do MP, aqui ora recorrido, tanto mais que o próprio legislador, para efeitos da suspensão de funções do mesmo magistrado prevista no art. 152.º do EMP, se basta com a simples e mera notificação do despacho que designou dia para julgamento relativamente a acusação contra o mesmo deduzida por crime doloso, fazendo radicar nesses atos [acusação penal e despacho judicial que a recebeu, designando julgamento] a base idónea suficiente e bastante para, ope legis, determinar ou impor a suspensão de funções.

36. Nessa medida, soçobra a tese sustentada pela aqui recorrente, porquanto, em termos sumários e perfunctórios, mostra-se acertado o entendimento firmado no acórdão recorrido [de que os atos que o Vice-Procurador-Geral praticou em substituição da «PGR» corporizam ou constituem atos desta, do órgão «PGR», e, como tal, necessariamente à mesma imputados em termos daquilo que, para os efeitos da previsão do n.º 2 do art. 178.º da LTFP, constituiu um seu conhecimento efetivo dos factos dotados de relevância disciplinar e que se mostravam imputados ao requerente cautelar], visto a apontada ilegalidade ao ato suspendendo gozar, pelo menos prima facie, de subsistência bastante para fundar um juízo de probabilidade de procedência da pretensão impugnatória deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal.

37. Daí que deve ter-se por verificado o requisito do fumus boni iuris, impondo-se, como tal, a manutenção nesse segmento do juízo firmado no acórdão recorrido.

38. Passando à análise do requisito do periculum in mora temos que as providências cautelares visam obstar a que durante a pendência de qualquer ação principal a situação de facto se altere de modo a que a decisão que nela venha a ser proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela [obviar a que a decisão judicial não se torne numa decisão «puramente platónica»].

39. Nessa medida, o requisito encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil mercê da constituição de uma situação de facto consumado, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de prejuízos ou danos dificilmente reparáveis.

40. Discute-se, nesta sede, da verificação do requisito do periculum in mora, mas a recorrente acaba por acometer erro de julgamento ao acórdão recorrido com fundamento que não se quadra com aquilo que foi o efetivo juízo firmado a este propósito na aludida decisão.

41. É que na e para a economia do acórdão recorrido o preenchimento do requisito em causa resultou tão-só do facto de haver considerado que, in casu, estávamos perante uma situação de facto consumado, juízo esse que não é posto em causa, ou minimamente contraditado, quando a recorrente nas suas alegações sustenta que «nenhum facto consta do probatório que permita concluir verificar-se o prejuízo ou o periculum in mora, isto é, a possibilidade de lesão grave e dificilmente reparável que exige o mesmo preceito que não se pode basear em convicções subjetivas».

42. Mas, in casu, existirá suscetibilidade de vir a ocorrer uma situação de facto consumado conducente à verificação do requisito do periculum in mora?

43. Julgamos que a resposta à questão colocada terá de ser positiva, mostrando-se acertado, também nesta sede, o juízo firmado no acórdão recorrido.

44. No acórdão deste Supremo de 31.10.2007 [Proc. n.º 0471/07] afirmou-se que numa «aceção lata, todo o facto acontecido consuma-se “qua tale”, dada a irreversibilidade do tempo; mas não é obviamente esse o sentido da expressão da lei. Na economia do preceito, o “facto” será havido como “consumado” por referência ao fim a que se inclina a lide principal, de que o meio cautelar depende; e isto significa que só ocorre uma “situação de facto consumado” quando, a não se deferir a providência, o estado de coisas que a ação quer influenciar ganhará entretanto a irreversível estabilidade inerente ao que já está terminado ou acabado - ficando tal ação inutilizada “ex ante» [entendimento este reiterado e reafirmado também, entre outros, nos acórdãos deste mesmo Tribunal de 02.12.2009 - Proc. n.º 0438/09, de 25.09.2014 - Proc. n.º 0799/14, de 23.10.2014 - Proc. n.º 0725/14].

45. E no acórdão deste Supremo de 09.07.2014 [Proc. n.º 0561/14] afirmou-se, igualmente, que com o requisito do periculum in mora se visa apurar se «a prolação tardia de um juízo definitivo na causa principal é suscetível de promover danos em grau tal ou uma situação de tal modo irreversível que a eficácia reintegratória da decisão principal já não assegure a plena reconstituição anterior, por a mesma ser muito difícil ou impossível».

46. Ora, no caso vertente, temos que, num juízo de prognose, efetivamente na situação futura e hipotética de emissão de decisão judicial de provimento na ação administrativa principal é muito provável que, durante o tempo que mediará até à prolação daquela decisão, se tenha ou se mostre concluído o processo disciplinar cuja abertura se determinou no ato suspendendo.

47. Por isso, sem o decretamento da providência cautelar, e na hipótese de ganho de causa na ação principal, existe, tendo em conta os interesses envolvidos, uma forte probabilidade de se vir a constituir uma situação que retire a possibilidade ou torne improvável, em sede executiva, a reintegração específica da ordem jurídica violada, mediante a reposição do status quo ante, comprometendo-se, desta feita, a satisfação dos interesses que o requerente cautelar visa assegurar na ação mediante a dedução da presente providência.

48. Nessa medida, não se mostra como aceitável a sujeição do requerente cautelar a tal quadro situacional e consequências negativas, quando o ato suspendendo gerador de tais consequências ainda não se mostra estabilizado como legal e legítimo, impondo-se, reunidos que estejam todos os demais requisitos, o acautelar desse perigo, pelo que soçobram in totum as críticas que foram dirigidas ao acórdão recorrido.

49. Importa, agora, centrar nossa análise na aferição da bondade do juízo recorrido quanto ao requisito ou pressuposto negativo previsto no n.º 2 do art. 120.º do CPTA [requisito relativo à ponderação da adequação/equilíbrio em termos da decisão de concessão ou recusa da providência].

50. Deriva do mesmo que a despeito de estarem verificados os requisitos positivos exigidos para a adoção da providência esta será recusada, ainda assim, «quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa» [cfr. art. 120.º, n.º 2, do CPTA].

51. Neste preceito introduz-se aquilo que já foi denominado como «cláusula de salvaguarda», constituindo um critério adicional de ponderação que coloca, num mesmo patamar, os diversos interesses [públicos e/ou privados - requerente(s)/requerido(s)], que, no caso concreto se perfilam ou estão em jogo.

52. Exige-se que, na justa composição dos interesses contrapostos em presença, o julgador cautelar proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos referidos interesses, balanceando os danos/prejuízos que a atribuição ou a recusa da providência possa envolver para os interesses contrapostos.

53. É, assim, que, no contraste entre os prejuízos que a execução causará na ótica do requerente e os danos que a suspensão provoca aos interesses prosseguidos pelo requerido, deve dar-se prevalência aos de mais elevada consideração ou de maior intensidade, sendo que nesta ponderação, que nem sempre é fácil de fazer, o tribunal procura sopesar os interesses prosseguidos pela execução do ato com os interesses obtidos com a sua suspensão.

54. A decisão num sentido ou noutro tem que ser feita de modo justo e equilibrado, evitando sacrifícios injustificados e desproporcionados dos direitos e dos interesses tocados pelo ato.

55. Os índices dos interesses cuja «tutela» em termos de perdas ou de danos impõem a eficácia imediata do ato têm que se encontrar no circunstancialismo que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos, e nas razões invocadas pelo requerido, sendo necessário, no entanto, ter presente que a apreciação da lesão do interesse público a partir dos fundamentos do ato não significa qualquer resignação à presunção da sua legalidade.

56. E de que, nos termos do n.º 5 do art. 120.º do CPTA, nas situações de ausência de dedução de oposição/contestação pela autoridade requerida ou em que esta não alegue na mesma que a adoção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva.

57. No caso sub specie o requerente, na alegação daquilo que seriam os danos decorrentes da não suspensão, refere que os prejuízos que pretende evitar são muito superiores aos danos que resultarão para o requerido da adoção da providência, inexistindo, no seu entender, grave prejuízo para o interesse público decorrente da concessão da providência tanto mais que em causa está, tão-só, determinar de «é ou não necessário prosseguir com o procedimento disciplinar», não se colocando exigências de cumprimento de uma qualquer pena disciplinar, aliás ainda inexistente, que tivesse sido imposta e que o interesse público reclamasse como necessária a sua execução imediata.

58. É certo que o aqui recorrente confrontado com a dedução do processo cautelar produziu no mesmo a competente «resolução fundamentada» ao abrigo do disposto no art. 128.º do CPTA, na qual veio sustentar que a suspensão da eficácia do ato por si proferido seria gravemente prejudicial e atentatória para o interesse público, bem como defendeu, na oposição deduzida, também dever negar-se a pretensão cautelar dada a lesão do interesse público com a manutenção do requerente cautelar em funções.

59. E que deduzido pelo aqui recorrido incidente de declaração de execução indevida o mesmo veio a ser julgado improcedente pelo acórdão recorrido.

60. Considerou-se no acórdão recorrido que «devidamente ponderados os interesses público e privado em presença este se sobrepõe àquele», pois, «verificando-se (…) uma situação de facto consumado para o requerente, o prejuízo que para ele resultaria da recusa da providência, sobrepõe-se ao prejuízo para o interesse público com a concessão da mesma até porque o Magistrado se encontra suspenso de funções por via do processo-crime e assim continuará».

61. Diga-se que, da improcedência do incidente de declaração de execução indevida não se extrai que, necessária e diretamente, o requisito negativo relativo à ponderação dos interesses em confronto haja de conduzir ao indeferimento ou recusa da providência cautelar.

62. Por outro lado, temos que só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente cautelar é que se impõe a execução imediata do ato, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão.

63. É que no n.º 2 do art. 120.º do CPTA não se estabelece «que a providência deva ser recusada quando tal seja preferível para o interesse público, quando a recusa traga mais vantagem para este interesse, mas sim que essa recusa deve acontecer quando dela resultem danos ao interesse público, o que é diferente de não haver vantagem», presente que «mesmo que houvesse dúvidas sobre a existência de hipotéticos danos, elas teriam de ser valoradas a favor do Requerente e não contra ele, por força da referida regra do ónus da prova» [cfr. Ac. deste STA de 06.10.2010 - Proc. n.º 01217/09].

64. Ora estando em questão ato que determinou a conversão de inquérito em processo disciplinar, dando origem à abertura deste tipo de procedimento visando o requerente cautelar temos que mostram-se diversas as exigências e consequências para os envolvidos e para os respetivos interesses por comparação com as situações em que, em causa, está a aferição da necessidade ou da imperiosidade da execução imediata de uma qualquer decisão disciplinar punitiva imposta no procedimento.

65. Se é certo que a paragem do processo disciplinar na fase em que o mesmo se encontra se mostra ser geradora de atraso na tramitação normal e que isso irá fazer diferir o tempo de término da sua instrução lesando o interesse público, temos, por outro lado, que o deixar prosseguir o mesmo procedimento no seu desenvolvimento normal com o culminar de uma decisão final punitiva que venha, depois, a ser considerada ilegal [dada a ocorrência de prescrição do procedimento disciplinar], também se mostra lesivo do mesmo interesse público, não só por envolver a prática de atos de instrução e decisão que, para além de ilegais, se vêm a revelar como inúteis, mas, também, porque a sua prática e consequências nefastas na esfera jurídica do requerente cautelar, sendo mais intrusivos, pode envolver ou fazer incorrer em responsabilidade civil, com as decorrências e reflexos patrimoniais no erário público.

66. Em concreto, não se descortinam ou divisam existir necessidades, em termos de exigências de prevenção geral/especial e do assegurar do prestígio, credibilidade e boa imagem pública do MP que imponham a execução imediata da decisão suspendenda ainda antes de estabilizada a situação com definição por decisão, com trânsito, quanto à legalidade ou não da mesma.

67. Nessa medida e considerando tudo o atrás exposto, é de concluir que a adoção da providência não tem potencialidade para provocar danos, ao contrário do que sucede com a sua recusa, com as implicações estatutárias e a afetação da imagem e credibilidade que tal pode aportar para o requerente, pelo que se impõe concluir, tal como o fez com acerto o acórdão recorrido, que ela não deve ser recusada, à face do preceituado no art. 120.º, n.º 2, do CPTA.

68. Por fim, a recorrente insurge-se quanto à decisão relativa à responsabilidade pelas custas da providência, sustentando que as mesmas deveriam ser repartidas, respondendo o requerente cautelar pelas custas relativas ao decaimento no incidente de declaração de execução indevida impugnando a resolução fundamentada emitida e, bem assim, ao decaimento na demanda do «CSMP» que indevidamente acionou, pelo que foi infringido o que se mostra disposto nos arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, e 529.º, n.ºs 1 e 4, do CPC ex vi do art. 01.º do CPTA.

69. Presente o teor dos referidos preceitos e demais quadro normativo disciplinador das custas processuais e responsabilidade pelas mesmas [cfr., nomeadamente, os arts. 530.º, 532.º, 533.º, 534.º, 535.º, 536.º e 539.º, todos do CPC, 06.º, 07.º, 11.º, 13.º, 14.º, 16.º e 26.º, e Tabela II anexa, todos do Regulamento das Custas Processuais (RCP)] temos que não assiste razão à recorrente, porquanto o concreto incidente deduzido no contexto do processo cautelar não se mostra objeto ou sujeito a uma qualquer tributação autónoma e cuja improcedência possa responsabilizar o respetivo requerente, e, por outro lado, pese embora dirigida contra a «PGR» e o «CSMP» a presente providência cautelar temos que o requerente viu-lhe ser deferida inteiramente a pretensão cautelar deduzida em termos unitários pelo que o mesmo não teria de ser responsabilizado em parte pelas custas da providência, mormente atendendo ao regime das custas de parte e da sua reclamação.

70. Sucumbindo, assim, todos os fundamentos nos quais a aqui recorrente assentou as suas discordâncias quanto ao juízo que havia sido firmado no acórdão recorrido, logicamente que deverá improceder in toto o recurso, com todas as legais consequências.

71. Em face da total improcedência do recurso jurisdicional deduzido pela «PGR» tem-se como prejudicado o conhecimento da ampliação do objeto de recurso deduzida a título subsidiário pelo requerente cautelar.



DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional sub specie e manter o acórdão recorrido.
Custas a cargo da requerida cautelar «PGR», aqui ora recorrente.
D.N..



Porto, 04 de Julho de 2019. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – José Augusto Araújo Veloso – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – António Bento São Pedro – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos (vencido, nos termos da declaração que junto)

Processo nº: 2012/18.9BALSB.


VOTO DE VENCIDO

O acto suspendendo, que converteu um inquérito num procedimento disciplinar, é meramente preparatório. E a sua execução - que o ora recorrido quer paralisar - limita-se ao prosseguimento do processo disciplinar até ao fim.
Ora, não vejo, na imediata execução desse acto, um qualquer «periculum in mora» e, muito menos, o risco de sobrevir um «facto consumado».
Com efeito, a circunstância do processo disciplinar prosseguir e terminar, ainda que eivado da ilegalidade decorrente da prescrição, não é causal de prejuízos sérios ou definitivamente irreparáveis - já que os incómodos assim experimentados pelo arguido não são dessa ordem e um eventual desfecho punitivo é reversível.
Ao invés, a suspensão agora decretada cria a situação insólita das averiguações disciplinares, já iniciadas, ficarem num estado inconclusivo, aguardando a definição da acção principal - que pode ser demorada. E até por esta via, já ligada à ponderação dos contrapostos interesses, a suspensão seria de indeferir.
Assim, revogaria o acórdão recorrido e indeferiria a providência cautelar dos autos.
Jorge Artur Madeira dos Santos