Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0389/17.2BEMDL
Data do Acordão:02/19/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25620
Nº do Documento:SA2202002190389/17
Data de Entrada:05/30/2019
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


O MINISTÉRIO PÚBLICO, inconformado, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (TAF de Mirandela) datada de 6 de Fevereiro de 2018, que julgou a incompetência daquele tribunal em razão do território, declarando competente para o efeito o TAF de Viseu, para conhecimento do presente recurso de contra-ordenação.

Alegou, tendo concluído como se segue:
1)-Nos termos da disposição do art. 80°/1 e 2 do REGIT, numa interpretação actualista (cfr. os arts. 4° do DL-301-A/99, de 05/08, e 10° da L- 325/2003, de 29/12), é territorialmente competente para conhecer o recurso de contra-ordenação aduaneira o TAF da área do serviço tributário (aduaneiro) onde tiver sido instaurado o processo respectivo.
2)-Não ocorrendo caso omisso no RGIT, não é, pois, de aplicar, a disposição do art. 61°/1 do RGCO.
Motivo por que deve o presente recurso ser julgado provido e procedente e, em consequência:
-Ser revogado o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, no pressuposto da competência territorial do TAF de Mirandela para o conhecimento do recurso de contra-ordenação tributária que constitui objecto dos autos;
-Profira decisão sobre o recebimento do recurso, seguindo-se os demais trâmites legais.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A decisão recorrida tem o seguinte teor:
Da incompetência territorial do TAF de Mirandela
Dispõe o art.° 1.º do RGIT o seguinte: "1 - O Regime Geral das Infracções Tributárias aplica-se às infracções das normas reguladoras: ( ... ) b) Dos regimes tributários, aduaneiros e fiscais (...)".
Portanto, é no RGIT que devemos encontrar a solução quanto à competência territorial do TAF de Mirandela relativamente à infracção de que o arguido vem acusado e que supostamente cometeu em Lamego (distrito de Viseu), e que teve origem em auto de notícia do Destacamento de Acção de Fiscalização de Coimbra da GNR. Assim, só podemos aplicar o direito subsidiário que o art.° 3° do RGIT prevê se nos encontrarmos perante uma situação omissa.
O nº 1 do artigo 80.° do RGIT inserido já na fase judicial e sob a epígrafe "do recurso das decisões de aplicação das coimas" prescreve que "As decisões de aplicação de coima podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra ordenação".
Os autos de contra ordenação provieram do Destacamento de Acção Fiscal de Coimbra da GNR (Fls. 34) e foram remetidos para a Delegação Aduaneira de Peso da Régua da Alfândega de Braga (Fls. 34) que aplicou a coima (Fls. 71 e 72). Portanto temos de concluir que foi esta Delegação o "serviço tributário" que instaurou o processo de contra ordenação.
Dispõe o art.º 81.°, n.º 1 do RGIT o seguinte: "Recebida a petição, o dirigente do serviço tributário remete o processo, no prazo de 30 dias, ao tribunal tributário competente."
Sendo verdade que a Delegação Aduaneira de Peso da Régua da Alfândega de Braga se situa na área de jurisdição do TAF de Mirandela, confere este facto, só por si, a competência territorial do TAF de Mirandela para conhecer o recurso?
O art.º 12.°, n.º 1 do CPPT prevê o seguinte: "Os processos da competência dos tribunais tributários são julgados em 1ª instância pelo tribunal da área do serviço periférico local onde se praticou o acto objecto da impugnação ou onde deva instaurar-se a execução". Podemos concluir que este preceito atribui a competência ao TAF de acordo com a localização do serviço periférico local nos processos que digam respeito a oposições às execuções fiscais. Aliás, em termos similares ao citado art.º 80.º, n.º 1 do RGIT, as oposições às execuções deverão ser apresentadas no órgão da execução fiscal onde pender à execução (art.° 207.°, n.° 1 do CPPT); e que o OEF remete o processo ao tribunal tributário competente (art.° 208.°, n.°1 do CPPT), que, como vimos, é o tribunal da área do serviço periférico local onde a execução foi instaurada.
Por outro lado, com a epígrafe "Competência territorial" o art.º 50.° do ETAF prevê que "À determinação da competência territorial dos tribunais tributários são subsidiariamente aplicáveis os critérios definidos para os tribunais administrativos de círculo".
Prevê o n.º 1 do art.º 16.° do CPTA ("Regra Geral" relativa à competência territorial) que "Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e das soluções que resultem da distribuição das competências em função da hierarquia, os processos são intentados no tribunal da área da residência habitual ou da sede do autor". Ou seja, se o processo não se relaciona com questões sobre bens imóveis; responsabilidade civil; contratos; prática ou omissão de normas e de actos administrativos das Regiões Autónomas e das autarquias locais; contencioso eleitoral; pedidos de intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões; outros processos de intimação; adopção de providências cautelares; pedidos de produção antecipada de prova; processos executivos; execução jurisdicional de actos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração (cfr. art.ºs 17.° a 20.º do CPTA), a competência territorial afere-se pela área ou residência habitual ou da sede do autor.
Contudo, não estando perante uma oposição à execução fiscal, ao caso dos autos tem de se aplicar subsidiariamente o regime geral do ilícito de mera ordenação social, e não o art.° 50.° do ETAF (que, para o caso dos autos seria indiferente, uma vez que a cidade onde o arguido vem acusado de ter cometido a infracção é a mesma que o local da sua residência), porque o processo diz especificamente respeito a contra ordenação fiscal e respectivo processamento - cfr. art.° 3.°, al. c) do RGIT.
Ou seja, não podendo concluir que a competência do TAF se relaciona com a localização do serviço periférico local (que também engloba as alfândegas - neste sentido cfr. Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, ao art.° 12.°), estamos perante um caso omisso no RGIT, pelo que temos de aplicar o disposto no art.° 61.º, n.° 1 do RGCO.
Aliás, em abono desta tese, o elemento literal do art.º 81.º, n.º 1 do RGIT é relevante. Se o legislador quisesse que o dirigente do serviço tributário remetesse o processo ao tribunal tributário da área de jurisdição onde o serviço se localiza, não teria acrescentado o, neste caso, substantivo "competente". Ou seja, o tribunal competente seria sempre esse (o da área de jurisdição da localização do serviço) e não outro.
O art.° 61.º, n.° 1 do RGCO prevê que "É competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção".
O arguido, que reside em Lamego, vem acusado de estar a comercializar 5,20 (cinco litros e vinte decilitros) no "……………" sito no ………….., ………, em Lamego, de um destilado de origem vínica sem pagar a taxa resultante da "aplicação do legislado nos art.° 66.º e 76.° do CIEC e não estando aquele local habilitado a produzir e deter esse tipo de produtos em regime de suspensão".
Portanto, a infracção consumou-se na área territorial em que o TAF de Viseu é competente - Cfr. art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 e mapa anexo ao DL n.º 325/2003, de 29 de Dezembro.
Pelo exposto julgo este tribunal incompetente em razão da matéria, declarando-se competente para o efeito o TAF de Viseu.

Há que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Esta questão já não é nova e tem sido decidida em sentido contrário ao assumido pelo TAF de Mirandela.
A propósito desta questão escreveu-se no acórdão proferido no recurso n.º 0378/17.7BEMDL, datado de 13/02/2019: Dispõe o art. 80.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT:
«1- As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação.
2- O pedido contém alegações e a indicação dos meios de prova a produzir e é dirigido ao tribunal tributário de 1.ª instância da área do serviço tributário referido no número anterior».
Em face do disposto nas referidas regras para determinação da competência em razão do território no âmbito das infracções tributárias, é competente para conhecer do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima o tribunal tributário de 1ª instância que tiver jurisdição na área onde tiver sido instaurado este processo.
No caso sub judice o processo de contra-ordenação foi instaurado pela Delegação Aduaneira de Peso da Régua, que se situa na área territorial da competência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (cfr. art. 3.°, n.º 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n.° 325/2003, de 29 de Dezembro, e mapa anexo a esse diploma legal).
Assim, tendo presente o critério fornecido pelo art. 80.° do RGIT, o tribunal tributário de 1ª instância competente para conhecer do recurso judicial da decisão de aplicação da coima é o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal cfr. o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 1104/15.
Porque o presente caso é em tudo semelhante àquele que ali foi apreciado também agora não há razão para decidir de modo diferente.


Em face ao exposto, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e declarar competente em razão do território para conhecer do recurso da decisão de aplicação da coima em causa o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

Sem custas (cfr. art. 94.°, n.º 4, do RGCO).
D.n.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2020. – Aragão Seia (relator) – Joaquim Condesso – Francisco Rothes.