Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02546/08.3BEPRT 0192/18
Data do Acordão:01/08/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:I - Importa não confundir o excesso de pronúncia, que se traduz numa pronúncia judicial desconforme com o objecto da acção e o mero erro de julgamento, que consiste na apreciação da questão em desconformidade com a lei;
II - A impugnação judicial que se segue a decisão de reclamação graciosa apresentada contra um acto de liquidação tem por objecto imediato o acto decisório da reclamação e por objecto mediato o acto de liquidação em si, conforme, aliás, se extrai da alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P25395
Nº do Documento:SA22020010802546/08
Data de Entrada:02/28/2018
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1- A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, em 6 de Junho de 2017, deferiu a impugnação judicial da liquidação interposta pela A…………, Lda, relativamente ao acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, do exercício de 2003, no valor a pagar de € 38.411,80, apresentou, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
A - A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela impugnante por falta de fundamentação legalmente exigida do acto tributário impugnado, não concordando a Fazenda Pública com o sentido da douta decisão, por considerar existir excesso de pronúncia na decisão do julgador.
B - Com o assim decidido, e salvo de respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, entendendo existir nulidade da sentença, porquanto a douta decisão sob recurso pronunciou-se expressamente sobre questão que não devia apreciar por não ter sido in pela impugnante, o que constitui violação do disposto nos artigos 125°, n.° 1 do CPPT e 615°, n.° 1, alínea d) do CPC.
C - Na douta petição inicial a impugnante conclui, entre outros, no articulado 47.° que o acto impugnado “a) — incorre em VÍCIO DE FORMA (falta de fundamentação legalmente exigida), consistente na ausência ou insuficiente apreciação dos factos invocados pela ora Impugnante, designadamente no exercício do direito de audição relativo à proposta de indeferimento da reclamação graciosa e na preterição de formalidades legais; (nosso negrito e sublinhado)
D - Ora, a delimitação ou pedido efectuado (“thema decidendum”) pela impugnante terá que ser respeitado no âmbito da douta apreciação efectuada pelo Meritíssimo Juiz.
E - E, no caso em apreço, a impugnante apenas in a falta de fundamentação legalmente exigida com base nas considerações efectuadas em sede de direito de audição no âmbito do procedimento de reclamação graciosa.
F - Deste modo, não podia o Meritíssimo Juiz apreciar a alegada falta de fundamento do acto tributário impugnado alicerçado na falta de fundamentação de facto e de direito das circunstâncias alegadas em sede de audição pré no âmbito do procedimento inspectivo, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia. Caso o faça, então o julgador exerce o seu poder jurisdicional para além do que foi pedido pelas partes.
G - De sublinhar que, contrariamente ao doutamente decidido, nunca foi in pela impugnante a falta de fundamentação legalmente exigida do direito de audição em sede de procedimento inspectivo, mas tão só em sede de procedimento de reclamação graciosa.
H - A limitação ao vício da falta de fundamentação determinado em sede decisória não tem correspondência com o pedido da impugnante, nomeadamente no que concerne à falta de fundamentação legalmente exigida com base nas considerações efectuadas em sede de direito de audição no procedimento de reclamação graciosa.
I - O douto decisório alarga a análise decidenda ao pedido da impugnante relativo ao vício de falta de fundamentação do acto de liquidação, quando a própria peticiona apenas e só a falta de fundamentação da reclamação graciosa.
J - Efectivamente a douta decisão pronuncia-se de forma inequívoca sobre o direito de audição em sede de procedimento inspectivo.
K - Assim, não pode a Fazenda Pública, concordar com a douta sentença recorrida, quando esta estende a fundamentação efectuada em sede de acção inspectiva após direito de audição, na medida em que a impugnante apenas formula o pedido, no que a esta parte respeita, quanto ao vício da falta de fundamentação após direito de audição em sede de procedimento de reclamação graciosa, existindo um nítido excesso de pronúncia, que determina a nulidade da sentença recorrida.
L - O tribunal condena no pedido formulado, mas utiliza um fundamento que excede os seus poderes de conhecimento.
M - Deste modo, haverá nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o tribunal se ocupa de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso.
N - Segundo Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, 6° Edição, Volume II, 2006, pág. 316 “As partes é que circunscrevem o thema decidendum, através do pedido e da defesa. O juiz não tem que saber se, porventura, à situação das partes convida melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi”... “Por outro lado, não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi).”
O - Tendo a douta sentença recorrida apenas que decidir sobre o vício de falta de fundamentação designadamente no exercício do direito de audição relativo à proposta de indeferimento da reclamação graciosa e na preterição de formalidades legais, é entendimento da Fazenda Pública que o decisório enferma de nulidade, por conhecer de pedido não formulado pela impugnante, incorrendo em violação do disposto nos artigos 125°, n.° 1 do CPPT e 615.°, n.° 1, alínea d) do CPC.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e declarada a nulidade, por excesso de pronúncia, no que respeita à procedência da impugnação por falta de fundamentação legalmente exigida».


2 – A Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu do seguinte modo:
1.º Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 190/198, que julgou procedente a impugnação de fls. 2/39 e determinou a anulação da liquidação impugnada.
2.º Este recurso foi interposto, pela Fazenda Pública, para o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE (requerimento de fls. 203)
3.º e, como tal, foi admitido (despacho de fls. 208, dado em 27-06-20] 7).
4.º Na data em que as alegações da Recorrente foram entregues tinha-se operado já o trânsito em julgado do despacho de admissão do recurso.
5.º É, por isso, extemporâneo o requerido pela Recorrente, na data em que apresentou as suas alegações, no sentido de que o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” se dignasse considerar o recurso interposto para o SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, subvertendo com todo o à vontade o rito processual
6.º Admitido o presente recurso para o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE (cfr fls. 208), tal como requerido “cfr. fls. 203), só a este TRIBUNAL podiam ser endereçadas as alegações da Recorrente para que ele viesse a conhecer do recurso.
7.º Não sendo as alegações da Recorrente para o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE (cfr. Página 1 de 7) não está já a Recorrente em tempo para apresentar, correctamente, as suas alegações de recurso,
8.º pelo que deverá o presente recurso ser julgado deserto, nos termos do art. 282.0/4 do CPPT.
SEM PRESCINDIR
9.º A reclamação graciosa e a impugnação judicial, sobre que incidiu a sentença recorrida, tiveram na sua origem uma acção inspectiva realizada pela A.T, cujo objectivo foi a análise da actuação da Impugnante/Recorrida enquanto sujeito passivo de IRC e de IVA, anos de 2003 e 2004.
10.º Em consequência dessa acção inspectiva foi, por correcções meramente aritméticas, corrigida a matéria tributável da ora Recorrida, em IRC e em IVA, anos de 2003 e 2004, tendo a AT procedido às liquidações adicionais (10) que estão identificadas supra, na nota 2 de rodapé,
11.º Informando-se, na nota 3 de rodapé, a situação em que se e 9 desses 10 processos e adiantando a Recorrida a sua expectativa, em termos meramente temporais, quanto aos processos pendentes há 9/10 anos.
12.º Como se referiu na conclusão 9.º a reclamação graciosa e a impugnação judicial julgada pela sentença recorrida têm a sua causa remota na acção inspectiva realizada em 2006 e a causa próxima nas liquidações adicionais que se lhe seguiram.
13.º A forma ligeira, a roçar o arbitrário como decorreu a acção inspectiva e os resultados necessariamente infundamentados a que chegou estão bem patentes no respectivo relatório (RIT) e, por contraste, nos relatórios das 6 perícias já realizadas, todos aprovados por unanimidade dos Srs. Peritos, cujos valores apurados aqui se não repetem por estarem devidamente referidos supra, na nota 3 de rodapé.
14.º Detalhada e criteriosamente apreciou e julgou a sentença sob recurso a influência que o referido RIT teve no indeferimento da reclamação graciosa e na liquidação adicional do imposto impugnado.
15.º Porque de nenhum argumento dispunha a recorrente para poder interpor o seu recurso, socorreu-se, como único fundamento (?) do convencimento em que estará de que “a douta decisão sob recurso pronunciou-se expressamente sobre questão que não devia apreciar por não ter sido invocada pela impugnante, o que constitui violação do disposto nos artigos 125°, n.° 1 do CPPT e 615. °, n.° 1, alínea d) do CPC” (n.° 2 conclusão B das respectivas alegações).
16.º Contrariamente ao que pretende a Recorrente, a sentença recorrida pronunciou-se adequadamente sobre questões pertinentes suscitadas pela Impugnante/Recorrida
17.º Verifica-se dos autos que a impugnação judicial fls. 2/19 foi deduzida, quer contra o acto de indeferimento ‘da reclamação graciosa, quer (contra a liquidação adicional que lhe foi feita em IRC, a o de 2003, pedindo a anulação desta.
18.º Verifica-se, também, que a Impugnante/Recorrida invocou, na sua p. i., dois vícios DE FORMA — vício por falta de fundamentação legalmente exigida (cfr. arts. 13.º a 19.º da p. i., a fls. 6/8) e preterição de formalidade legal (cfr. arts. 20. ° a 27.º da p. i., a fls. 9/10), e dois vícios DE FUNDO ou de VIOLAÇÃO DA LEI DE FUNDO erro na forma de determinação da matéria tributável (cfr. arts. 28.º a 42.º da p.i., a fls. 11/15) e privação do direito de pedir a revisão da matéria colectável (cfr. arts. 43.° a 46.º da p. i., a fls. 16).
19.º Por sua vez, a sentença sob recurso fez uma apreciação detalhada e cuidadosa do RIT e do acto de indeferimento da reclamação graciosa, nomeadamente a fls. 197-2.° e 3.º parágrafo, e a fls. 198 - 4.°, 5.º e 6.º parágrafos.
20.º Percebeu-se na decisão recorrida que a falta/insuficiente fundamentação de que enferma o RI comunicou-se notoriamente à reclamação graciosa e à liquidação impugnada.
21.º Na linha de orientação seguida pelos Tribunais Superiores do Contencioso Tributário, fazendo correcta interpretação do texto da lei - hoje o art. 97.º/1 -c) do CPPT, como anteriormente o art. 118°/2-a) do CPT —, vem-se entendendo pacificamente que a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento de reclamação graciosa em que se pediu a anulação da liquidação tem por objecto imediato o acto que decidiu a reclamação graciosa e por objecto mediato o acto de liquidação impugnado.
22.º E assim o entendeu, também, a sentença recorrida.
23.º que não incorre, por isso, na pronúncia sobre questões que não devesse conhecer, como pretende a Recorrente nas conclusões A, B, F, L, M, N e O.
24.º Julgando como julgou, a sentença de fls. 190/198 V.° fez correcta interpretação da Lei e do Direito, não merecendo qualquer censura.
Nestes termos e nos mais, de Direito, aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado deserto, ou, quando assim se não entenda, deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmada a sentença de fls. 190/198 para que se cumpra a LEI e se faça JUSTIÇA.»

3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, considerando não se verificar o excesso de pronúncia, por o tribunal ter apreciado o vício de forma de falta de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa no âmbito do seu contexto global, ou seja, considerando a fundamentação da decisão da reclamação e a do Regulamento de Inspecção Tributária para o qual a primeira remetia.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Entre 22.03.2003 e 11.10.2006, a Impugnante foi objecto de uma inspecção tributária, de âmbito parcial que abrangeu a análise do IRC e do IVA nos exercícios de 2003 e 2004 [relatório de inspecção tributária (RIT) a fls. 24, 25 e 27 do processo de reclamação graciosa (RG) anexo aos autos].
2. A actividade da Impugnante compreende a intermediação entre empresas confeccionadoras de têxteis e calçado com potenciais clientes [RIT a fls. 27 da RG],
3. No âmbito da inspecção referida no ponto 1., foi comunicado à impugnante o projecto de relatório de inspecção para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia [ofício e aviso de recepção a fls. 21 e 22 da RG].
4. A Impugnante apresentou uma exposição, para efeitos de audição prévia, de onde consta, além do mais, o seguinte teor [fls. 23 da RGJ:
“(...) Considerando o volume do projecto (108 folhas) e o tempo disponível para a resposta (10 dias), entendemos tecer algumas considerações, que nos parecem relevantes, na generalidade e abordar alguns pontos na especialidade, conscientes de que é possível rebater praticamente todos os pontos do projecto, caso o tempo disponível nos permitisse.
Na análise de algumas situações na especialidade, verificamos algumas confusões que, sinceramente, não entendemos, nomeadamente:
1.Mercadorias confeccionadas, que apresentam defeito, para minorar os custos são vendidas como “salvados”, ou seja, ao melhor preço, não é compreendido e penalizados.
2.Por dificuldades de Tesouraria, sócios entregam valores, perfeitamente identificados, que podem ser empréstimos temporários, suprimentos ou prestações de capital, são considerados proveitos pela Inspecção.
3.Custos que não são considerados são duplamente penalizantes no relatório. Eliminam como custos e depois acrescem como proveitos.
4.Todos os movimentos bancários não compreendidos pela inspecção (transferências de contas caucionadas, valores recebidos por endosso, etc.) e sem pedido de esclarecimento, são considerados proveitos.
5.Sabendo a crise do sector, sabendo a necessidade de redução de custos, também é considerado "suspeito” pela inspecção essa redução.
6.Dezena de facturas, de pequenas despesas no estrangeiro, penalizadas pelo documento não possuir o NIF do emitente. Como sabemos da obrigatoriedade dessa inclusão em cada País? (..)
5. O relatório de inspecção tributária apresenta, além do mais, o seguinte teor [fls. 24-59 da RGJ:
3.1.1.1.5.1) ENTRADA DE MEIOS FINANCEIROS SEM A CORRESPONDENTE
3.1.1.1.5.1) ANÁLISE ÀS VENDAS
A margem bruta de comercialização declarada pelo sujeito passivo nos aos exercícios de 2003 e 2004 é de:
CONTRAPARTIDA ECONÓMICA
ANEXOS A das Declarações Anuais relativas aos exercícios de 2003 e 2004 é de:
A margem bruta de comercialização obtida após correcção de vendas (resultante de divergências entre as facturas emitidas e os valores contabilizados das mesmas, pontos 3.1. 1.1.1) a 3.1.1. IA)) e do custo das mercadorias vendidas (ponto 3.1.1.2.1)) é de:
A margem bruta de comercialização obtida após correcção de vendas (resultante de divergências entre as facturas emitidas e os valores contabilizados das mesmas, pontos 3.1. 1.1.1) a 3.1.1. IA)) e do custo das mercadorias vendidas (ponto 3.1.1.2.1) é de:
No exercício de 2003, o sujeito passivo vendeu 411 pares de calças com margem de comercialização negativa, cerca de (76%), tendo no exercício de 2004 sido devolvidos 349 pares de calças das mesmas vendidas no ano anterior. No exercício de 2003, os 411 pares de calças foram vendidos por 2.503,49 € e o custo das mesmas foi de 10.625,89€, conforme:
Tecido (fornecido por B…….., Lda) de 6.333,99€ Outros materiais e transportes (fornecidos pela sócia gerente) de 4.291,90€
Deste modo, o preço de venda unitário foi de 6,09€ e o preço de custo foi de 25,85€.
A sócia gerente referiu que o motivo do preço de venda ter sido inferior ao preço de custo deveu-se, ao facto, do tecido fornecido por B………, Lda ter defeito e que as calças se rasgavam. Daí parte delas terem sido devolvidas. No exercício de 2004, B………, Lda emitiu uma nota de crédito, no mesmo valor que a factura, a anulá-la.
A margem bruta de comercialização expurgada da venda e da devolução dos pares de calças é de:
NOTA: 3.644,46 € == 4.291,90 € : 411 x 349
Se o sujeito passivo não tivesse tido a devolução dos 349 pares de calças com defeito, que originou também uma redução ao custo do tecido através da nota de crédito emitida pelo fornecedor, o sujeito passivo apresentava, relativamente ao exercício de 2004, uma margem de comercialização negativa de 57%.
Elaboraram-se duas amostras, uma para cada um dos exercícios de 2003 e 2004, onde na amostra efectuada relativamente ao exercício de 2003 não se incluiu a venda das citadas calças.
Conforme amostras efectuadas para cada um dos exercícios de 2003 e 2004, constantes nos ANEXOS 3 e 4, respectivamente, obteve-se uma margem bruta de comercialização média ponderada de 26,73 € e de 14,53 %, respectivamente.
As amostras efectuadas representam:
2003 30.940,94 € : 46.627,50€ = 66,36% das vendas 2004 6.267,33€: (5.] 05,38€ + Devo (2.131 ,49 €) 86,60% das vendas
Se expurgarmos as vendas dos 411 pares de calças, relativamente ao exercício de 2003, bem como a devolução dos 349 pares de calças, relativamente ao exercício de 2004, dado que se trata de uma situação particular (venda de artigos com defeito) e considerarmos as margens brutas de comercialização médias ponderadas obtidas nas amostra, então indicaria acréscimos às vendas de:
3.1.1.1.5.2) ANÁLISE AOS SERVIÇOS PRESTADOS
Verificou-se que o sujeito passivo cobra comissões tanto ao cliente “vendedor" como ao cliente “adquirente”, ou a ambos, conforme ANEXOS Se 6, respectivamente, para os exercícios de 2003 e 2004.
Existem comissões cobradas tanto ao cliente “vendedor” como ao cliente” adquirente” que incidem sobre o mesmo valor de vendas efectuadas e este, por sua vez, corresponde ao valor declarado pelo cliente “vendedor” no anexo recapitulativo relativo às transmissões intracomunitárias.
Verificou-se, também, que o sujeito passivo auferiu comissões umas vezes do cliente “vendedor” e outras, do cliente “adquirente” sobre um volume de vendas do cliente “vendedor” superior ao declarado por este nos anexos recapitulativos das transmissões intracomunitárias. O sujeito passivo factura mais comissões, tanto em percentagem como incide sobre volume de vendas superior, quando são facturadas a clientes “adquirentes” (Clientes intracomunitários) do que quando são facturadas a clientes “vendedores” (Clientes nacionais)
Nos mapas elaborados, confrontaram-se os valores de vendas declaradas pelo cliente “vendedor” relativas ao cliente “adquirente” (nos anexos recapitulativos), as vendas sobre as quais incidiram comissões cobradas ao cliente “vendedor” e ao cliente “adquirente”. Foram calculados os acréscimos nos valores dos serviços prestados, relativos aos exercícios de 2003 e 2004, se o sujeito passivo facturasse comissões tanto ao cliente “vendedor” como ao cliente “adquirente”, tendo como base a percentagem de comissão igual à negociada para o cliente “adquirente” e o total das vendas que serviram de base ao cálculo das comissões fosse igual ao valor declarado das vendas no anexo recapitulativo relativo a transmissões intracomunitárias. Deste modo, esta análise indicaria um acréscimo dos serviços prestados nos montantes de 84.256,90€ e de 571.295,09 €, relativa aos exercícios de 2003 e 2004, respectivamente.
3.1.1.1.5.3) CORRECÇÕES DERIVADAS DA ENTRADA DE MEIOS FINANCEIROS SEM A CORRESPONDENTE CONTRAPARTIDA ECONÓMICA
Verificou-se a entrada de meios financeiros, movimentos a crédito que constam nos extractos bancários, parte dos quais não foram relevados contabilisticamente e outros foram contabilizados por contrapartida da conta 2689, sem emissão da factura de suporte á entrada destes meios financeiros.
Deste modo, esta entrada de meios financeiros, quantificável, indica omissões ao volume de negócios. Para o cálculo desta omissão considerou-se que o valor das entradas de meios financeiros sem contrapartida económica temo valor do IVA incluído, O volume de negócios do sujeito passivo reparte-se entre vendas e serviços prestados. Para efectuar esta repartição considerou-se como omissão de vendas o valor indicado como acréscimo às vendas, no ponto 3. 1. 1.1.5.1).
3.1.1.1.5.3.1) EXERCÍCIO DE 2003
Valor das entradas de meios financeiros sem contrapartida económica = 133.402,22€
Volume de negócios omisso = 133,402,22 €: 1,19 = 112.102,71€.
Vendas omissas = 11.940,28 €
Serviços prestados omissos = 100.162,43€
3.1. 1.1.6) CONCLUSÃO
3.1.1.1.6.1) EXERCÍCIO DE 2003
Correcções = 950,41€ + 8.427,38€ -758,92€ + 178,83€ + 112.102,71€ (volume de negócios omisso) = 120.900,41€ Arredondamentos das facturas = (0,14) €.
8) DIREITO DE AUDIÇÃO
O sujeito passivo foi notificado, nos termos previstos nos artigos 60.ºda LGT e 60.º do RCPIT, para exercer o direito de audição sobre o projecto de Relatório de Inspecção Tributária (...). No decurso do prazo estipulado, o contribuinte exerceu o direito de audição.
No exercício do direito de audição, o contribuinte teceu algumas considerações, não tendo, no entanto, referido qualquer evidencia que alterasse o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, sendo de manter as correcções propostas.”
6. A 23.11.2006 foi proferido despacho de concordância com as correcções constantes do Relatório de Inspecção Tributária [o qual se considera aqui integralmente reproduzido, determinando para o exercício de 2003 correcções de natureza aritmética ao lucro tributável de IRC no valor de € 154.293,34 [fls. 24-25 da RG).
7. O RIT foi comunicado à Impugnante em 24.05.2007 [fls. 134-135 da RG].
8. Foi comunicada à Impugnante a liquidação adicional n. 2006 8310040310 de IRC de 2003, no montante a pagar de €36.866,80 [doc. 2 junto à P a fls. 32 do processo físico).
9. Em 22.05.2007, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida no ponto anterior, dando-se aqui por reproduzido o seu teor [requerimento inicial, a fls. 3, registo e aviso de recepção de fls. 142 e ponto 3 de fls. 150 da RG].
10. Em 19.09.2007, foi proferido projecto de indeferimento da reclamação, o qual foi comunicado à Impugnante, para efeitos de audição prévia [projecto de despacho de f 150-155 e ofício e registo de fls. 156-157 da RG).
11. A Impugnante apresentou articulado, para efeitos de audição prévia, ao qual juntou documentos, dando-se por reproduzido o seu teor [articulado de fls. 1491 a 1490 da RG].
12. Na reclamação graciosa, em 16.10.2007, foi proferido despacho que apresenta, além do mais, o seguinte teor [despacho de fls. 150-151 da RG]:
o reclamante, entre outros, argumentar que:
2.1 Os fluxos financeiros a crédito dos extractos bancários não são contrapartida de quaisquer fluxos económicos, mas antes consequência de:
2.1.1 — Remessas do exterior, devidamente comprovadas e documentadas por parte dos “clientes compradores” para pagamento das transmissões efectuadas pelos “clientes vendedores” funcionando como mera ponte (movimentos a crédito e a débito no extracto bancário);
2.1.2. — Empréstimos dos sócios, para ocorrer a necessidades de tesouraria;
2.2 —Junta em anexo comprovativos de tais afirmações
2.3 — a Presunção dos serviços de intermediação resulta da tentativa surrealista de se pretender que em qualquer das operações intermediadas, a reclamante auferia comissões do cliente comprador e do cliente vendedor, sem que para tal haja sido invocada uma única situação em que, objectivamente, a sonegação tenha ocorrido.
Face ao exposto, baixem os autos aos Serviços de Inspecção Tributária, a fim de se esclareça estas situações; nomeadamente:
Se recebe comissão quer dos clientes, quer dos fornecedores (descrito no relatório da Inspecção Tributária como “clientes compradores” e “clientes vendedores”);
• Se os fluxos financeiros estão devidamente comprovados e se a todos correspondem movimentos económicos;
• Quaisquer outras considerações que achar convenientes para a apreciação da matéria de facto”.
13. Pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças do Porto, foi proferida informação que integra, além do mais, o seguinte teor cfr. informação de fls. 152-156 da RGJ.
“As considerações que a seguir se expõem para os vários pontos solicitados tiveram como base o Relatório de Inspecção Tributária, doravante designado por (RIT) e a consulta dos elementos resultantes da Inspecção apensos ao mapa de trabalho.
Do RIT fica claro no relatado em folhas 3/34 e 4/34, que a contabilidade do sujeito passivo não respeita a normalização contabilística, já que apresenta uma “conta de terceiros 2689” por onde faz passar movimentos de recebimentos de clientes, pagamentos a fornecedores e regularizações contabilísticas, prejudicando o controle financeiro das actividades e a sua confrontação com as operações económicas, nomeadamente através da alocação dos recebimentos aos respectivos clientes e destes às operações económicas facturadas.
— Se recebe comissão quer dos clientes quer dos fornecedores (descrito no relatório da Inspecção Tributária como “clientes Compradores’ e “clientes vendedores”)
Quanto a esta questão o RIT evidencia nos Anexos 1 e Anexos 2, onde é feito um resumo da facturação de serviços de comissões, vários exemplos de facturação de comissões para os clientes “vendedores” - em regra sujeitos passivos com residência PT, e para os clientes “compradores” - em regra sujeitos passivos com residência de EM da EU. Essa facturação apresenta bases de tributação das comissões com valores iguais ou muito próximos no que concerne a cada operação, ou seja, a comissão aparece em duplicado, uma debitada ao fornecedor outra debitada ao cliente do fornecedor.
— Se os fluxos financeiros estão devidamente comprovados e se a todos correspondem movimentos económicos.
Tal como já se referiu, a contabilização dos movimentos financeiros não respeitam a normalização contabilística, já que o sujeito passivo utiliza uma conta geral de terceiros do tipo ‘conta saco’ que usa como contrapartida de fluxos financeiros de entrada e saída, muitos sem justificação ou afectação a uma transacção específica, e que depois regulariza com saldos de clientes, fornecedores e disponíveis (conta caixa ou bancos) ou não regulariza, inviabilizando de todo o controle financeiro das transacções. Perante este cenário não foi evidenciada a justificação de algumas das entradas, face ao facturado e relevado quer em proveitos Quer nas contas correntes de clientes
No que concerne aos movimentos financeiros relatados nas folhas 11/34 a 15/34 do RIT apresentam-se todos comprovados, assim:
• Através de movimentos de entrada na conta bancária da Empresa (dados verificados no extracto bancário) sem que tenham sido contabilizados.
• Através de documentos bancários contabilizados do qual não se vislumbra os respectivos proveitos ou dados que justifiquem as entradas.
Em regra, Situações no qual as contas de clientes inicialmente associadas ao fluxo financeiro de entrada não revelam proveitos associados a essas entradas de meios financeiros, sendo estas contas de clientes posteriormente saldadas pela 2689. Situações de entradas levadas directamente à conta 2689 cujas entidades originárias dos fluxos não estão associadas aos proveitos contabilizados.
• Através de documentos contabilísticos de regularização que passam pelo crédito da “conta de terceiros 2689” Neste caso releva o valor de 90.000€ contabilizado como entrada na conta contabilística de bancos. De facto este valor resultou da verificação do sujeito passivo de que o saldo da conta bancária em 30-11-2004 era de 7.026€ (positivos) quando na mesma data o saldo da conta contabilística de bancos era credor (negativo) de 88.786€. Assim o sujeito passivo na contabilidade fez o registo da entrada de meios financeiros o qual já estavam reflectidos na conta bancária, tendo creditado a conta 2689 o qual ficou com um saldo credor de 154.259€ sendo mesmo de 212.127€ no final de 2004.
Como se pode inferir é o próprio sujeito passivo que assume esta entrada de meios financeiros, ou seja ele legitima o saldo da conta bancária, traduzindo meios financeiros que entraram no seio da empresa e que não tendo sido contabilizados, foram-no agora, ficando com a conta bancária conciliada, mas traduzindo a correspondência deste movimento num suposto crédito registado na “conta saco 2689”, sem identificar o credor ou os credores.
Como do RIT não resulta informação de outra fonte de rendimento (ou financiamento) que não seja a actividade comercial exercida pela empresa, a reposição do défice de meios financeiros na contabilidade da empresa só poderá ter origem em movimentos económicos realizados no âmbito daquela actividade, por isso sujeitas a tributação e susceptíveis de contabilização nos proveitos do exercício.
• Podemos pois concluir que todos estes movimentos resultam de operações económicas, pois não se conhece outro tipo de justificação dos respectivos movimentos financeiros, o qual foram considerados pela Inspecção como proveitos não declarados para efeitos de tributação.
• Conclusão
Tendo em conta a recorrência das questões formuladas para cada período de imposto e considerando que a abordagem às mesmas é idêntica, apresentamos a explicação às questões de forma conjunta, tal como exposto nos pontos anteriores”.
14. Em 15.07.2008, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa da qual consta, além do mais, o seguinte teor [decisão de fls. 157-162 da R “(.44 - Da análise ao direito de audição conclui-se pelo seguinte:
4.1 - Embora o reclamante alegue que não foi analisada a exposição, que deu entrada no 3•9 Serviço de Finanças do Porto em 27/07/2007, o certo é que no projecto é dito que do mesmo não resultou qualquer alteração às conclusões emitidas por não apresentar nada de novo;
Ou seja, o mesmo foi analisado, não tendo contribuído para alteração da posição assumida no projecto;
Mais acresce, que a data limite de entrega da reclamação era em 22/05/2007, não podendo apresentar posteriormente novos fundamentos, por extemporaneidade;
4.2 - As correcções efectuadas foram meramente aritméticas e são as seguintes:
- Correcções de proveitos - 120.900,27;
- correcções de custos - 31.729,07 152.629,34
As correcções de proveitos encontram-se assim discriminadas:
- Erros de contabilização 950,41;
- Facturas não contabilizadas 8.427,38;
-Considerado indevidamente como proveito-- -758,92;
- Outras situações 178 83;
- Acréscimo às vendas 11.940,29;
- Serviços prestados omissos — 100.162,43 120.900,27
O acréscimo às vendas e aos serviços prestados omissos foram directamente calculados no seu global, a partir da entrada de meios financeiros sem a correspondente contrapartida económica.
O total destes meios financeiros, aos quais não foram relevados contabilisticamente, ascendeu a € 133.402,22, que depois de expurgados o IVA a 19%, resultou o montante de negócios omissos de € 112.102,71;
Ora, este montante diz respeito a vendas e prestações de serviços;
Como as vendas omissas já estavam determinadas (€11.940,28), alcançou-se a prestação de serviços pela diferença;
Não foram pois aplicados os critérios definidos no art. 90.º da LGT;
Ou seja, em todo este processo, não houve recurso os métodos indirectos, não havendo preterição de formalidades legais e vício de forma ao não conceder a hipótese de defesa prevista no art 91.º. da LGT;
4.3 - Dada a dificuldade, após o exercício do direito de audição, em emitir qualquer decisão, relativamente à matéria de facto, alvo de reclamação, houve necessidade de recorrer ao Serviço de Inspecção Tributária;
O Serviço de Inspecção Tributária, elaborou uma informação em 20/05/2008, a folhas 152 a 422, que dou como integralmente reproduzido, tendo chegado à seguinte conclusão:
Se recebe comissão quer dos clientes, quer dos fornecedores (descrito no relatório da Inspecção Tributária como “clientes compradores” e ‘clientes vendedores);
“Essa facturação apresenta bases de tributação das comissões com valores iguais ou muito próximos no que concerne a cada operação, ou seja, a comissão aparece em duplicado, uma debitada ao fornecedor, outra debitada ao cliente do fornecedor”;
Se os fluxos financeiros estão devidamente comprovados e se a todos correspondem movimentos económicos;
“Podemos pois concluir que todos estes movimentos resultam de operações económicas, pois não se conhece outro tipo de justificação dos movimentos financeiros, o qual foram considerados pela inspecção como proveitos não declarados para efeitos de tributação”.
15. A decisão a que se reporta o ponto antecedente foi comunicada à Impugnante em 08.11.2008 [ofício n. 78051 de 04.11.2008, registo dos CTT n.º RM 34982059PT e aviso de recepção a fls. 163-165 da RG].
16. A entrada da petição inicial desta impugnação foi registada em 20.11.2008 [carimbo de entrada n.º 126969 aposto na primeira folha da PI a f 2 do processo físico].


2. Da questão prévia, quanto a alegadas irregularidades na interposição do recurso
Alega a Recorrida que a circunstância de a Fazenda Pública ter mencionado no requerimento de interposição do recurso que o mesmo era endereçado ao Tribunal Central Administrativo Norte, ter o recurso sido assim aceite pelo tribunal a quo e ter a mesma depois endereçado as alegações ao Supremo Tribunal AdministrativoSecção do Contencioso Tributário, numa data em que estaria já transitado o despacho que admitiu o recurso, deveria levar a que o mesmo tivesse sido julgado deserto.
Sucede, porém, que o despacho que admitiu o recurso apenas foi notificado à Recorrente em 14 de Julho de 2017, conforme notificação de fls. 282 do SITAF, e que o pedido de rectificação do requerimento inicial, que a Recorrente formula de modo prévio às alegações de recurso, apresentadas em 15 de Setembro de 2017 (portanto, em prazo, atenta a circunstância de terem existido férias judiciais de 15 de Julho a 31 de Agosto), nas quais pede que o mesmo se considere interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, se deve considerar uma rectificação do primeiro despacho, aceite tacitamente pelo juiz no despacho sobre o requerimento, em que se pronuncia sobre a nulidade arguida e ordena a subida dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo. Trata-se, portanto, de uma decisão da Mma. Juíza do Tribunal a quo em cumprimento do dever de boa gestão processual e do princípio do favorecimento do processo, que não merece qualquer censura, nem afecta a legalidade processual da interposição do recurso.

3. Questão a decidir
Saber se existe excesso de pronuncia no caso de a sentença que decida da impugnação do acto de liquidação – tendo o mesmo sido impugnado na sequência de um indeferimento de reclamação graciosa respeitante ao mesmo – e o anule com fundamento em falta de fundamentação, atente nos vícios imputáveis ao relatório de inspecção de tributária, quando a fundamentação do acto de liquidação remeta para a fundamentação do referido relatório ou se apoie substancialmente nele.


4. De direito

4.1. Está em causa saber se, in casu, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no âmbito da impugnação judicial do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, relativo ao exercício de 2003 a qual veio a ser interposta na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Recorrente contra o mencionado acto, onde se alegara falta de fundamentação do acto de liquidação, “conheceu sobre questões que não devia conhecer” (excesso de pronúncia), o que consubstanciaria um fundamento de nulidade da sentença nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.

4.1.1. O litígio surge no seguimento de uma inspecção tributária, no âmbito da qual, em fase de audição prévia perante o projecto de relatório a agora Recorrida havia apresentado uma pronúncia onde refutava a qualificação de alguns dados coligidos na inspecção e as respectivas consequências jurídicas (pontos 3, 4 e 5 da matéria de facto dada como provada).
A pronúncia apresentada pela inspeccionada e agora Recorrida não teve repercussão no conteúdo final do relatório de inspecção tributária, que manteve o sentido do projecto e que acabaria, também, por dar lugar ao acto de liquidação adicional que viria a ser impugnado nos autos em que foi interposto o presente recurso (pontos 6, 7 e 8 da matéria de facto dada como provada).
Notificada do acto de liquidação, a agora Recorrida apresentou reclamação graciosa e, perante o projecto de indeferimento da mesma, pronunciou-se em sede de audição prévia, vincando, uma vez mais, a sua não aceitação da qualificação de alguns dados coligidos no relatório da Inspecção Tributária e das respectivas consequências jurídicas (pontos 9, 10 e 11 da matéria de facto dada como provada).
Na fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa pode ler-se que a resposta às colocações formuladas pela Reclamante em sede de audição prévia resultaram de uma informação emitida pelos Serviços de Inspecção (pontos 12, 13 e 14 da matéria de facto dada como provada).
É neste contexto que a ora Recorrida deduziu impugnação judicial do acto de liquidação, alegando vício de forma por falta de fundamentação e de violação de lei. Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto veio a considerar-se provado o vício de falta de fundamentação, uma vez que, como aí expressamente se afirma, “os novos elementos trazidos pela via do direito de audição do contribuinte [i. e., elementos trazidos pela Reclamante em sede de audição prévia do projecto de decisão] exigem, efectivamente, uma tomada de posição por parte da AT que, obrigatoriamente os deve considerar na motivação da decisão do procedimento”, o que não sucedeu, com a agravante de, a fundamentação da reclamação graciosa por via de uma informação emitida pelos serviços de inspecção tributária após o término daquele procedimento e a prática do acto de liquidação adicional se ter de interpretar como uma “fundamentação do acto de liquidação exarada a posterior”.
No essencial, o fundamento expendido na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para considerar verificado o vício de forma (falta de fundamentação) do acto de liquidação adicional assentou na desconsideração, por aquela decisão e respectiva motivação, dos elementos apresentados pelo contribuinte (e aqui Recorrido) em sede de audição prévia na fase do procedimento de inspecção tributária, o que não permitiu ao mesmo compreender os fundamentos do acto de liquidação, designadamente, a razão pela qual os factos que trouxe ao procedimento não contribuíam para alterar o resultado da decisão. Uma insuficiência de fundamentação que inquinou do acto de liquidação e que se tornou também patente na decisão da reclamação graciosa, quando a Administração Tributária, novamente interpelada pelo contribuinte e então Reclamante sobre o sentido e o conteúdo da decisão, sentiu igualmente a necessidade de solicitar aos serviços de inspecção tributária que explanassem o sentido da motivação da decisão. Disso se dá conta, expressamente, na fundamentação da sentença: “Por sua vez, a necessidade sentida, no âmbito da reclamação graciosa, de solicitar informação à inspecção tributária é, em si mesma, demonstrativa da ausência de clareza e suficiência do discurso fundamentador exarado no RIT acerca das correcções projectadas e das questões colocadas no âmbito do direito de audiência, na medida em que certos aspectos dos esclarecimentos posteriormente solicitados relativos aos movimentos financeiros já haviam sido de algum modo suscitados, no direito de audição exercido no procedimento inspectivo e, quanto a outros aspectos, considera-se terem permanecido dubidativos na fundamentação da decisão expendida na reclamação graciosa tal como já se apresentavam pouco claros no RIT, designadamente, a respeito da caracterização das referidas correcções”.

4.1.2. A Fazenda Pública insurge-se no presente recurso contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto por considerar que o Tribunal “alarga a análise decidenda ao pedido da impugnante relativo ao vício de falta de fundamentação do acto de liquidação, quando a própria peticiona apenas e só a falta de fundamentação da reclamação graciosa”.
No despacho que sustentou a decisão, a Mma Juíza do TAF do Porto refere, a este propósito, que a impugnante, no artigo 13.º da petição inicial, atacou a legalidade da liquidação (que era o “objecto real” da acção) e da decisão da reclamação por aqueles actos não terem atendido e, consequentemente, dado resposta aos factos por si invocados no exercício do direito de audição e ainda que o vício que poderia ter sido assacado à sentença seria o de erro de julgamento por, na apreciação do vício de falta de fundamentação, se terem tomado em conta factos não alegados pela impugnante, mais concretamente, “os relacionados com a falta de indicação da fundamentação do acto tributário no relatório de inspecção que o sustentou”.
E tem a Mma Juíza inteira razão, porquanto importa não confundir o excesso de pronúncia, que se traduz numa pronúncia judicial desconforme com o objecto da acção e o mero erro de julgamento, que consiste na apreciação da questão em desconformidade com a lei.

4.1.3. Neste caso, não se verifica um excesso de pronúncia, uma vez que a sentença em nenhum momento conhece de elementos estranhos ao objecto da impugnação, que abrange não apenas o acto de indeferimento da reclamação graciosa, como ainda o acto de impugnação. Neste sentido veja-se a jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal Administrativo – por todos, acórdãos de 12 de Outubro de 2016 (proc. 427/16), 30 de Outubro de 2019 (proc. 02453/05.1BEPRT 0402/18).
E também não se verifica erro de julgamento, como este Supremo Tribunal Administrativo já teve oportunidade de afirmar, em processo semelhante, respeitante à mesma Recorrida, aos mesmos fundamentos e ao mesmo relatório de inspecção, relativamente à liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2004, no acórdão de 20 de Maio de 2015, proc. 1021/14. Aí pode ler-se, com interesse para a fundamentação desta decisão, o seguinte: “É inquestionável que constitui entendimento jurisprudencial pacífico e reiterado que a impugnação judicial que se segue a decisão de reclamação graciosa apresentada contra um acto de liquidação tem por objecto imediato o acto decisório da reclamação e por objecto mediato o acto de liquidação em si, conforme, aliás, se extrai da alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT. E anulado o indeferimento da reclamação por vício procedimental desta, cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto de liquidação, uma vez que este é competente para conhecer, em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação quer dos vícios imputados à liquidação (acórdãos do STA de 16.06.2004, no proc. n.º 01877/03, de 28.10.2009, no proc. n.º 0595/09, de 18.05.2011, no proc. n.º 0156/11, de 16.11.2011, no proc. n.º 0723/11, de 18.06.2014, no proc. n.º 01942/13).
No caso ora em análise, decorre do teor da petição inicial que a impugnação foi deduzida não só contra o acto de indeferimento da reclamação, como, também, contra «a liquidação que lhe foi feita em IRC, ano de 2004, que apurou um imposto a pagar de € 35.999,33, com a finalidade de obter a anulação dessa liquidação, atacando quer os vícios de que enferma a liquidação quer os vícios da decisão dada sobre a reclamação graciosa.» - cfr. fls. 1 e 2 da petição. E os vícios imputados a esses dois actos são os seguintes: (i) vício de forma por falta de fundamentação, (ii) vício de violação lei por erro na forma de determinação da matéria tributável, (iii) vício de violação de lei por privação da utilização do pedido de revisão da matéria tributável previsto nos arts. 91.º a 94.º da LGT.
Na sentença recorrida, depois de se terem identificado os aludidos vícios e de se ter explicado que «todas as questões suscitadas pela Impugnante se mostram interligadas», julgou-se, no que toca ao vício de falta de fundamentação, que a decisão de indeferimento da reclamação se encontrava alicerçada no relatório de inspeção tributária que lhe subjaz, relatório onde se enunciam meras correcções de natureza aritmética ao lucro tributável, mas que tanto essa decisão como este relatório «se mostram claramente insuficientes para explicar o porquê da decisão que foi tomada e não outra», sendo que «o próprio Relatório surge confuso, nada esclarecedor, e nada fundamentado, nomeadamente no que se refere à hipotética existência de correcções aritméticas, quando se está, também na opinião do Tribunal, perante a utilização de métodos indirectos, de avaliação indirecta para fixação da matéria colectável.».
Ou seja, o Mm.º Juiz julgou que o relatório da inspeção tributária – que constitui o suporte formal fundamentador tanto do acto tributário de liquidação como do acto tributário de indeferimento da reclamação – era confuso, nada esclarecedor e nada fundamentado. Pelo que, como bem refere a ora Recorrida, é concludente, na sentença recorrida, o argumento de que o vício de insuficiente fundamentação - provocado pelas fragilidades e insuficiências daquele relatório – se propagou tanto ao acto final do procedimento para liquidação do imposto (o acto de liquidação em si), como ao procedimento gracioso que conduziu ao acto final de indeferimento da reclamação.
Ou, como refere o Digno Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, tendo em conta que o despacho a ordenar a tributação por correções de natureza aritmética ao lucro tributável da impugnante foi de concordância com o relatório de inspeção, e que, por isso, a base fundamentadora do acto de liquidação é a que consta desse relatório, e tendo em conta que a sentença considerou esse relatório “confuso, nada esclarecedor e nada fundamentado, no que se refere à hipotética existência de correcções aritméticas”, não restam dúvidas de que o vício de falta de fundamentação também contamina e afecta o acto de liquidação impugnado.
Donde decorre que a tese da Recorrente, segundo a qual o tribunal “a quo” terá declarado procedente a impugnação somente por vício formal de falta de fundamentação do acto de indeferimento da reclamação, não corresponde ao teor da decisão recorrida. Aliás, a lógica decisória do tribunal “a quo” é justamente a inversa, por dela decorrer que idêntico vício também afecta a liquidação do imposto, determinando a sua anulação.
Em suma, ao decidir pela procedência da impugnação, o pedido e causa de pedir da pretensão anulatória da liquidação foi analisado e decidido, ficando apenas prejudicado o conhecimento dos vícios de violação de lei que a esse acto também haviam sido imputados”.
Fundamentos que são inteiramente transponíveis para a motivação do presente recurso, razão pela qual o mesmo não pode deixar de improceder.

Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
- importa não confundir o excesso de pronúncia, que se traduz numa pronúncia judicial desconforme com o objecto da acção e o mero erro de julgamento, que consiste na apreciação da questão em desconformidade com a lei;
- a impugnação judicial que se segue a decisão de reclamação graciosa apresentada contra um acto de liquidação tem por objecto imediato o acto decisório da reclamação e por objecto mediato o acto de liquidação em si, conforme, aliás, se extrai da alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


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Lisboa, 8 de Janeiro de 2020. – Suzana Tavares da Silva (relatora) – Aragão Seia – Francisco Rothes.