Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0377/17
Data do Acordão:09/27/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:PRESUNÇÃO DE CULPA
ÓNUS DE PROVA
Sumário:O artigo 8º do RGIT não consagra uma presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social e, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artigo 74º nº 1 da LGT, sob pena de ilegitimidade do oponente para a execução.
Nº Convencional:JSTA00070326
Nº do Documento:SA2201709270377
Data de Entrada:03/24/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:LGT98 ART23 N4 ART24 N1 B ART74 N1 ART99 N1.
CPPTRIB99 ART125 N1 ART211 N2.
RGIT01 ART8.
CPTRIB91 ART13.
RJIFNA90 ART7-A.
CCIV66 ART8 N3.
L 15/01 DE 2001/06/05.
Jurisprudência Nacional:AC TC N437/11 DE 2011/10/03.; AC STA PROC0611/15 DE 2016/02/24.; AC STA PROC0361/14 DE 2015/12/16.; AC STA PROC0341/13 DE 2013/07/10.; AC STA PROC0554/13 DE 2013/06/26.; AC STA PROC0175/13 DE 2013/04/30.; AC STA PROC01036/12 DE 2013/01/30.; AC STA PROC0312/12 DE 2013/01/16.; AC STA PROC01187/12 DE 2013/01/09.; AC STA PROC01176/11 DE 2012/11/21.; AC STA PROC01216/09 DE 2012/04/19.; AC TCAN PROC0661/06 DE 2006/05/11.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A…………. deduziu oposição, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ao processo de execução fiscal n.º 3131201301045768, instaurado no Serviço de Finanças de Amadora 1 contra a sociedade B…………., S.A., por dívidas de coimas e encargos (fls. 87) resultantes da omissão de entrega das declarações dos anos de 2012 e 2013, no montante de € 2.293,53.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 14/09/2016 (fls.87/94), julgou, por falta de legitimidade processual, procedente a oposição deduzida pelo requerente com a consequente anulação do despacho de reversão.
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1.3. O Representante da Fazenda Pública recorre dessa decisão terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«A - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Tribunal a quo nos presentes autos em 14-09-2016, a qual julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal n.º 3131201301045768, deduzida por A……………, NIF ………., revertido no citado processo de execução fiscal, o qual havia sido originariamente instaurado contra a sociedade “B…………, S.A.”, com o NIF ………., para cobrança de dívidas referentes a Coimas, já devidamente identificadas nos autos, no montante de € 2.293,53 (dois mil, duzentos e noventa e três euros e cinquenta e três cêntimos) e acrescido.
B - Consagra o n.º 1 do artigo 125.º do CPPT que “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
C - A apreciação, pelo Juiz, de questões de que não deveria ter tomado conhecimento é que justifica plenamente a nulidade da sentença, pois que o excesso de pronúncia se traduz numa violação do princípio do dispositivo que contende com a liberdade e a autonomia das partes; por outras palavras, ao Juiz apenas compete a resolução de questões que lhe tenham sido postas, vide, neste sentido, A. Reis, CPC Anotado (reimpressão), Coimbra Editora, vol. V, pág. 141, e A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 688.
D - Encontrando-se sempre o Juiz vinculado ao cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, aplicável ex vi a alínea e) do artigo 1º do CPPT, o qual postula que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o impuser o conhecimento oficioso de outras”.
E - No caso concreto através de uma perfunctória leitura da petição inicial, vislumbra-se que o que o Oponente pretende demonstrar é que em nenhum momento foi o gerente de facto da sociedade devedora originária, não tendo a administração tributária logrado fazer a prova, como lhe competia, do inverso; ou seja, não existem, nos presentes autos, quaisquer laivos expositivos expendidos pelo Oponente no sentido de mutilar a reversão contra si operada pelo órgão de execução fiscal com fundamento em falta de culpa no pagamento da dívida exequenda ou em falta de fundamentação do despacho de reversão.
F - Efectivamente, sabemos que em matéria de reversão do processo de execução fiscal e nos termos do disposto no artigo 8.º do RGIT, as questões relativas à culpa do revertido e à falta de fundamentação do despacho que ordenou a reversão (n.º 4 do artigo 23.º da LGT) assumem contornos jurídicos bem distintos da questão relativa à gerência de facto da sociedade devedora originária, isto é, são questões jurídicas distintas, que consubstanciam diferentes causas de pedir e que devem ser dirimidas isoladamente pelo Tribunal.
G - Portanto, questão da culpa do Oponente pela falta de pagamento dos tributos ora em cobrança e da falta de fundamentação do despacho de reversão não foram alegadas na competente petição inicial de Oposição à execução fiscal, não constituem causa de pedir e estavam completamente arredadas dos presentes autos, não sendo, sequer, de ponderar a possibilidade do seu conhecimento oficioso; tendo o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, ao decidir como efectivamente o fez, ido muito além do conhecimento das questões que lhe foram suscitadas pelas partes, o que acarreta um vício de nulidade da Sentença por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, o qual se invoca para todos os efeitos legais.
H - Contudo, mesmo que assim não se entenda, o raciocínio que parece ter sido seguido na Sentença recorrida é o de que, no despacho de reversão proferido no âmbito da citada execução fiscal, em nenhum momento foi feita qualquer referência a factos individuais e concretamente identificados com base nos quais o órgão de execução fiscal imputou a culpa pela falta de pagamento dos créditos exequendos ao Oponente, como sempre se lhe impunha.
I - Sucede que, ao contrário do que foi postulado pelo Douto Tribunal a quo, o ordenamento jurídico tributário não impõe, em sede de despacho de reversão, que do mesmo constem os factos concretos nos quais a administração tributária fundamenta a alegação relativa à culpa do Oponente pela falta de pagamento das dívidas exequendas, bastando-se, o mesmo, com a alegação dos pressupostos atinentes à efectivação da responsabilidade tributária subsidiária, e respectiva extensão temporal, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 23.º da LGT.
J - Daqui decorre que “A fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado n.º 4 do art. 23.º da LGT). Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação...”, cfr. acórdão do STA de 16-10-2013, proferido no âmbito do recurso n.º 0458/13.
K - Veja-se, ainda, o entendimento postulado no acórdão do TCA Sul de 29-09-2009, proc n.º 03071/09, segundo o qual “...a falta de culpa do revertido pela falta ou insuficiência do património do devedor para solver a dívida exequenda, antes constitui um fundamento válido de oposição à execução fiscal, que o mesmo poderá utilizar para vir a ser desresponsabilizado pelo pagamento dessa dívida, subsumível na norma da alínea b), n.º 1, do art.º 204.º do CPPT - por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida - mas não como pressupostos a constarem do despacho de reversão por a lei os não ter erigido como tais”.
L - Ou seja, a falta de fundamentação formal do despacho de reversão deve ser autónoma relativamente à falta de pressupostos legais que são necessários reunir em ordem ao exequente se encontrar legitimado a dirigir a execução fiscal contra o revertido, já que aquele primeiro momento se afere pela enunciação da existência dos pressupostos legais, enquanto este segundo momento se afere pela real existência dos requisitos legais enunciados.
M - Por outras palavras, “devem-se autonomizar os vícios do acto de reversão, enquanto colocados como seus vícios formais que apenas têm por efeito levar à sua anulação, dos vícios desse mesmo acto, enquanto pressupostos ou requisitos do direito à exequente poder dirigir também a execução contra o responsável subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda que, uma vez inverificados, acarretam a inexistência de tal direito e a procedência da oposição, como vícios de fundo ou de substância que são, e que levam à extinção dessa mesma execução (ou eventualmente, hoje, também à sua suspensão)”, cfr. do TCA Sul, de 05-06-2012, proferido no âmbito do recurso n.º 05431/12.
N - Portanto, precisamente ao invés do que foi consignado na Sentença ora recorrida, a lei não impõe que constem do despacho de reversão os factos individuais e concretos com base nos quais a administração tributária pretende consubstanciar a alegação relativa à culpa do Oponente pela falta de pagamento das dívidas que se pretendem cobrar coercivamente, ou seja, não se exige que administração tributária se assegure, no despacho de reversão, do acto da culpa do revertido, nem sequer que tal tema haja de ser levado expressamente à motivação decisória.
O - Pelo contrário, não concordando o revertido com a verificação dos pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade tributária subsidiária, pode sempre o mesmo vir apresentar o que tiver por conveniente em sede de Oposição à execução fiscal, obviamente em respeito pelos fundamentos previstos no artigo 204.º do CPPT, designadamente os constantes da alínea b) desta disposição legal o que há-de ser feito de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às diferentes situações das previsões legais.
P - Na realidade, a Sentença recorrida, ao postular que a administração tributária deveria ter elencado no despacho de reversão os factos individuais e concretos que consubstanciam a culpa do revertido pela falta de pagamento dos créditos exequendos menosprezou em absoluto o entendimento sistemático e reiterado da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Q - Pelo que, à Fazenda Pública não resta senão concluir, muito respeitosamente, que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo e ora objecto de recurso se estribou numa errónea apreciação da matéria de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e no n.º 2 do artigo 211.º do CPPT, no n.º 4 do artigo 23.º, no n.º 1 do artigo 74.º e no n.º 1 do artigo 99.º, todos da LGT.
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1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.5. Por despacho de 02/12/2016 (fls. 106) o recurso foi admitido.
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1.6. O MP emitiu a seguinte pronúncia:
«Recurso interposto pelo representante da Fazenda Pública, no processo de oposição apresentada por A………..:
É objeto do recurso se ocorre nulidade no decidido por excesso de pronúncia, bem como se quanto à reversão por coimas ocorre ainda erro de direito, nomeadamente, no que respeita ao entendimento tido quanto ao pressuposto relativo à culpa do revertido.
O oponente invocou expressamente a sua ilegitimidade que fundou também na falta de alegação da dita culpa no despacho de reversão- assim, no artigo 10.º (fls. 2 e 3).
Assim, falece a arguida nulidade.
Não há dúvida que as dívidas em execução emergem unicamente de coimas (fls. 88 v.).
Ora, é entendimento dominante do S.T.A. que “o art. 8.º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social, e sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no art. 74.º n.º 1 da LGT, sob pena de ilegitimidade do oponente para a execução” - assim, para além do acórdão do S.T.A. citado na sentença recorrida, o de 16/1/13, recurso n.º 312/12, 30-4-13, recurso n.º 175/13 e 10-7-13, recurso n. 314/13, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Concluindo: de acordo com tal, o recurso é totalmente de improceder.».
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1.7. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A) No Serviço de Finanças de Amadora-1, foi autuado o processo de execução fiscal (PEF) n° 3131201301045768, contra B…………., SA (cf. fls. 10 do processo em papel);
B) Tem por base:
a. Certidão de dívida n° 2013/5003112, emitida em 2013.04.21, que atesta que B…………., SA, com sede na Rua …, Lote …, …., …., é devedora de € 383,10, dos quais € 306,60 de coima e € 76,50, de encargos, com pagamento voluntário até 2013.04.09; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2013.04.10, sobre a quantia de € 76,50 (cf. fls. 18 a 19 – Id.);
b. Certidão de dívida n° 2013/5003181, emitida em 2013.04.21, que atesta que B………….., SA, com sede na Rua …, Lote …, …, …., é devedora de € 200,56, dos quais € 124,06 de coima e € 76,50, de encargos, com pagamento voluntário até 2013.04.09; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2013.04.10, sobre a quantia de € 76,50 (cf. Fls. 20 a 21 — Id.);
c. Certidão de dívida n° 2013/5003264, emitida em 2013.04.21, que atesta que B………….., SA, com sede na Rua …, Lote …, ….., …., é devedora de € 1 709,87, dos quais € 1 633,37 de coima e € 76,50, de encargos, com pagamento voluntário até 2013.04.09; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2013.04.10, sobre a quantia de € 76,50 (cf. fls. 22 a 23 – Id.);
C) Em 2013.10.10, o Opoente exerceu por escrito o direito de audição prévia sobre o projeto de reversão (cf. fls. 24- Id.);
D) Por despacho de 2013.1018, do Chefe de Finanças, constante de fls. 28 do processo em papel, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, a execução fiscal foi revertida contra o Opoente; deste despacho transcreve-se:
a. (…);
b. Fundamentos da reversão
i. Fundamentos de emissão central;
ii. Insuficiência de bens da devedora originária (artigo 23/2.3 da LGT): decorrente de situação ilíquida (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal;
iii. Gerência (administrador, gerente ou diretor) de direito (artigo 24.b) da LGT), no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
iv. Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255º e/ou 399º do Código das Sociedades Comerciais;
c. Identificação da dívida em cobrança coerciva:
i. N° Processo Principal: 3131201301045768;
ii. Total da quantia exequenda: € 2 293,53;
iii. Total de acrescidos: e 0,00;
iv. Total: e 2 293,53;
d. (...);
E) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2013.10.28, foi enviado ao Oponente ofício normalizado citação (reversão), constante de fls. 30 – numeração do processo em papel – que aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. fls. 30 a 31 Id); deste transcreve-se:
a. (…);
b. Fundamentos da Reversão:
i. Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (artigo 23/2 LGT);
ii. Fundamentos de emissão central;
iii. Insuficiência de bens da devedora originária (artigo 23/2.3 da LGT): decorrente de situação ilíquida (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal;
iv. Gerência (administrador, gerente ou diretor) de direito (artigo 24.b) da LGT), no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
v. Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255º e/ou 399º do Código das Sociedades Comerciais;
c. (...)
F) Em 2013.11.26, no Serviço de Finanças de Amadora-1, deu entrada a presente oposição (cf. carimbo aposto a fls. 2 do processo em papel);
G) O Opoente era gerente da sociedade segundo o pacto social (cf. fls. 59 a 71 – Id.).».
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3.1. Sustenta a recorrente FP que a sentença recorrida sofre de vício de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, pois que a questão da culpa do oponente pela falta de pagamento dos tributos e da falta de fundamentação do despacho de reversão não foram alegadas na competente petição inicial de oposição à execução fiscal, não constituem causa de pedir e estavam completamente arredadas dos presentes autos, não sendo, sequer, de ponderar a possibilidade do seu conhecimento oficioso pelo que a sentença recorrida foi muito além do conhecimento das questões que lhe foram suscitadas pelas partes.
Afirma, contudo, a recorrente, na conclusão E das suas alegações, que, na petição inicial, pretende o oponente demonstrar que em nenhum momento foi o gerente de facto da sociedade devedora originária, não tendo a administração tributária logrado fazer a prova, como lhe competia, do inverso.
Entende-se que não ocorre a suscitada nulidade por excesso de pronúncia a que se refere o artigo 125º 1 do CPPT.
Como a recorrente afirma na conclusão E das suas alegações o oponente, na petição inicial, alegou que em nenhum momento foi gerente de facto da sociedade devedora originária pelo que se encontra questionada a legitimidade da reversão que a sentença recorrida apreciou.
Não ocorre a suscitada nulidade por excesso de pronúncia.
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3.2. Sustenta a recorrente FP que a sentença recorrida fez uma errónea apreciação da matéria de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e no n.º 2 do artigo 211.º do CPPT, no n.º 4 do artigo 23.º, no n.º 1 do artigo 74.º e no n.º 1 do artigo 99.º, todos da LGT.
Que em matéria de reversão, nos termos do disposto no artigo 8.º do RGIT, as questões relativas à culpa do revertido e à falta de fundamentação do despacho que ordenou a reversão (n.º 4 do artigo 23.º da LGT) assumem contornos jurídicos bem distintos da questão relativa à gerência de facto da sociedade devedora originária.
Que a falta de fundamentação formal do despacho de reversão deve ser autónoma relativamente à falta de pressupostos legais que são necessários reunir em ordem ao exequente se encontrar legitimado a dirigir a execução fiscal contra o revertido, já que aquele primeiro momento se afere pela enunciação da existência dos pressupostos legais, enquanto este segundo momento se afere pela real existência dos requisitos legais enunciados.
Que a lei não impõe que constem do despacho de reversão os factos individuais e concretos com base nos quais a administração tributária pretende consubstanciar a alegação relativa à culpa do oponente pela falta de pagamento das dívidas que se pretendem cobrar coercivamente.
Que a Sentença recorrida, ao postular que a administração tributária deveria ter elencado no despacho de reversão os factos individuais e concretos que consubstanciam a culpa do revertido pela falta de pagamento dos créditos exequendos menosprezou em absoluto o entendimento sistemático e reiterado da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
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3.3. A sentença recorrida afirma o seguinte:
“Diz-nos o artigo 24/l.b) da LGT: os gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Por conseguinte, a reversão é possível, e vencendo-se a dívida no período em que o Opoente foi gerente da sociedade, competia-lhe o ónus de provar que não teve culpa na diminuição do património social para garantia das dívidas fiscais.
Todavia, a execução foi instaurada por dívidas de coimas e encargos com processos de contraordenação.
A amplidão aparente do campo do artigo 13º do CPT acabava por ficar recortada assim mesmo no artigo 7º-A do RJIFNA (Artigo 7-A
Responsabilidade civil subsidiária
1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis, em caso de insuficiência do património destas, por si culposamente causada, nas relações de crédito emergentes da aplicação de multas ou coimas àquelas entidades referentes às infracções praticadas no decurso do seu mandato.
2 - Se forem várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade.) que concretamente permitia também a reversão, nos mesmos casos, contra os gerentes e administradores, por caso de insuficiência patrimonial de garantia do pagamento de coimas fiscais, não aduaneiras.
Apenas parecia estarem excluídas as dívidas de custas, segundo a Jurisprudência (Ac TCAN Proc. n.º 66106, 2ª Secção, de 2006.05.11: Estando em causa dívidas provenientes de IVA e por coima fiscal aplicada no ano de 1994 e custas do processo em que a mesma foi aplicada, o regime da responsabilidade subsidiária dos gerentes relativamente a essas dívidas é o do art. 13.º do CPT, relativamente às dívidas de IVA juros compensatórios, e é o do art 7.º-A, do RJIFNA, relativamente à coima, inexistindo disposição legal que permita a reversão da dívida por custas.) onde se defendia não existir disposição legal, para tanto.
De qualquer forma era anotada uma importante divergência de regime no que diz respeito à reversão executiva pelas coimas em dívida — tinha convencido a seguinte orientação:
X – No regime do art. 7.º-A, do RJIFNA, não existe qualquer presunção de culpa do gerente, motivo por que, não se tendo feito qualquer prova quanto a esta, a questão deve ser decidida favoravelmente ao gerente que deduziu oposição com fundamento na falta de culpa (Do sumário do Ac. TCAN referido na nota anterior.).
No entanto, a disposição acabou por ser revogada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), que contém a mesma orientação, em geral, no artigo 8.º.
Por conseguinte, a reversão é possível, mas competia à Autoridade Tributária e Aduaneira assegurar-se antes do ato da culpa do revertido, tema que terá de levar expressamente à motivação decisória (Ac. STA, 2ª Secção, de 2016.02.24, Proc n° 0611/15 (Rel.: Conselheira Ana Paula Lobo) disponível em www.dgsi.pt:
O art. 8.º do RGIT não contém qualquer presunção de culpa, competindo à Administração Tributária reunir os elementos donde possa concluir-se pela verificação da culpa do responsável subsidiário pelo não pagamento das coimas por parte da empresa originária devedora que devem constar do despacho de reversão.) como se repete.
Este programa não foi cumprido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que nem invoca a norma jurídica que permitia a reversão.
Por conseguinte quanto às dívidas de coimas e encargos com processos de contraordenação, falecem as bases da reversão e fazem vencimento os argumentos do Oponente, no sentido de ser no sentido de ser absolvido da instância executiva (Ac. STA, 2.ª Seção, de 2015.12.16, Proc n° 0361/14 (Rel.: Conselheiro Francisco Rothes), disponível em www.dgsi.pt:
I - Pese embora, em regra, a oposição tenha como finalidade a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, pode também visar outros fins que se revelem adequados à sua função de contestação à pretensão executiva, quais sejam a suspensão da execução fiscal ou a absolvição da instância executiva.
II - Consequentemente, devem admitir-se como fundamentos de oposição à execução fiscal os que, independentemente do carácter substantivo ou adjectivo, possam determinar alguma daquelas finalidades, designadamente deve admitir-se a invocação de excepções dilatórias como fundamento subsumível à previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
III - No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele acto e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente (pois não foi feito qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), de modo a não obviar à possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo acto de reversão, e do vício que determinou a anulação do anterior acto, possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal.) que agora corria contra ele.
Tem, pois, de ser dada razão ao Oponente, sem necessidade de averiguar os demais motivos alegados.».
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3.4. A sentença que assim se pronunciou merece ser confirmada pois que acompanha a jurisprudência uniforme deste STA, conforme resulta do acórdão de 10-07-2013, proc. 341, de 30-04-2013, proc. 175 e de 16-01-2013, proc. 312.
Naquele primeiro acórdão escreveu-se que:
“A Fazenda Pública discorda do julgamento efectuado, advogando que a actual jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo se consolidou no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 8º do RGIT.
No que tem a recorrente incontornável razão.
Com efeito, o acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional nº 437/2011, prolatado no processo nº 206/10, julgou não ser «inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1, do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora». E na sequência dessa jurisprudência mais qualificada em termos de controlo da constitucionalidade das normas, a jurisprudência do STA sofreu uma inevitável alteração, passando igualmente a acolher essa posição, porque adoptada em formação plenária, conforme se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 19/4/2012, no proc. nº 1216/09, em 21/11/2012, no proc. nº 1176/11, em 9/1/2013, no proc. nº 1187/12, em 16/1/2013, no proc. nº 312/12, em 30/1/2013, no proc. nº 1036/12, em 26/06/2013, no proc. nº 554/13.
Deste modo, tendo em conta que este juízo de não considerar inconstitucional o art. 8.º do RGIT se assume hoje como a orientação jurisprudencial mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, deve decidir-se pela não inconstitucionalidade da norma, atento ao disposto no artigo 8.º n.º 3 do Código Civil.
Razão por que se impõe revogar a sentença que desse modo decidiu.
Face a essa revogação, importa passar ao conhecimento, por substituição, da invocada questão da ilegitimidade do oponente para a execução no que toca a estas dívidas, questão cujo conhecimento ficara prejudicado pela decisão de inconstitucionalidade da norma proferida na sentença recorrida.
Segundo o oponente, verifica-se a sua ilegitimidade para a execução no que respeita a estas dívidas, em virtude de a administração fiscal não ter alegado e provado, como lhe competia, quaisquer factos consubstanciadores da sua culpa na insuficiência do património da sociedade originária devedora.
Efectivamente, analisado o teor do artigo 8.º do RGIT, verifica-se que este, ao contrário do artigo 24º, nº 1, alínea b), da LGT, não prevê qualquer presunção de culpa no que concerne à insuficiência do património da originária devedora de que possa prevalecer-se a administração fiscal, pelo que cabia a esta alegar e demonstrar a culpa do respectivo gerente por essa insuficiência, como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade subsidiária.
Em suma, o art. 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social e, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artº 74º nº 1 da Lei Geral Tributária, segundo o qual «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
No caso vertente, compulsado o despacho de reversão, verifica-se, desde logo, que nada foi alegado quanto à culpa do revertido, ora recorrido, na insuficiência do património da sociedade originária devedora ou na falta de pagamento da coima.
O que, desde logo, provoca a ilegitimidade do oponente para a execução.
E, de todo o modo, à luz da factualidade provada na sentença, verifica-se que nada ficou demonstrado quanto a essa eventual culpa do oponente, pelo que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos para essa responsabilização subsidiária, deve tal falta de prova ser valorada contra si.
Razão por que se impunha julgar procedente a oposição por ilegitimidade do oponente/recorrido para ser responsabilizado por tais dívidas.”.
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O artigo 8º do RGIT não consagra uma presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social e, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artigo 74º nº 1 da LGT, sob pena de ilegitimidade do oponente para a execução.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 27 de Setembro de 2017. – António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.