Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0819/19.9BESNT
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
EXECUÇÃO FISCAL
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão determinar se a mera existência de meios de defesa e de suspensão dos efeitos de uma decisão em sede de execução fiscal, nomeadamente mediante a prestação de garantia, é adequada a responder à pretensão de concessão de tutela cautelar para efeitos de verificação ou não do preenchimento do requisito do periculum in mora exigido pelo n.º 1 do art. 120.º do CPTA, quaestio juris relativamente à qual se verifica capacidade de expansão da controvérsia e a solução firmada no acórdão recorrido mostra-se controvertida e não isenta de dúvidas.
Nº Convencional:JSTA000P26278
Nº do Documento:SA1202009100819/19
Data de Entrada:07/06/2020
Recorrente:A.................., LDA
Recorrido 1:ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. A………………, LDA., invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 30.04.2020 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 401/427 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso que havia dirigido quanto à sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [doravante TAF/S] que havia julgado da improcedente a pretensão cautelar pela mesma deduzida contra o INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, IP na qual peticionava a suspensão de eficácia de ato administrativo consubstanciado na decisão de emissão de certidão de dívida e respetiva remessa para a Autoridade Tributária e Aduaneira para cobrança coerciva.

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 448/486] na relevância jurídica e social [determinar se a mera existência de meios de defesa e de suspensão dos efeitos de uma decisão em sede de execução fiscal, nomeadamente mediante a prestação de garantia, é adequada a responder à pretensão de concessão de tutela cautelar afastando a verificação do requisito do periculum in mora] e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito» [fundada, desde logo, no erro de apreciação do requisito do periculum in mora (art. 120.º, n.º 1, do CPTA) - dada a violação, nomeadamente dos arts. 120.º do CPTA, 102.º, n.º 1, als. e) e f), 169.º, n.ºs 6 e 7, 177.º-A, 199.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), e 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT)].

3. O requerido produziu contra-alegações em sede de recurso de revista, nas quais, desde logo, pugna pela não admissão do recurso [cfr. fls. 494/500].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/S negou a tutela cautelar peticionada pela aqui recorrente, tendo considerado que in casu não estava preenchido o requisito do periculum in mora previsto e exigido pelo n.º 1 do art. 120.º do CPTA [cfr. fls. 297/333], para tal sustentando, em suma, que «a instauração de processo de execução fiscal não consubstancia uma situação de periculum in mora, suscetível de gerar os prejuízos alegados pela Requerente, isto porquanto, apenas ficará impossibilitada de apresentar propostas em concursos públicos, nos termos do CCP, caso não utilize os mecanismos legais ao seu dispor destinados à suspensão da execução. A remessa do ato para cobrança coerciva em execução fiscal, em si, não é suscetível de gerar os prejuízos alegados pela Requerente», tanto mais que «[e]xistem vias e meios legais que asseguram os direitos e garantias do executado em execução fiscal que não se conforme com a decisão administrativa e pretenda discutir judicialmente a dívida, seja na vertente da sua legalidade, seja na sua exigibilidade, sendo que a Requerente não alega qualquer impossibilidade de o fazer ou prejuízo específico irreparável, sendo que, ainda assim, a situação poderia ser ultrapassada pelo regime da dispensa de prestação de garantia, nos termos do artigo 52.º, n.º 4, da LGT».

7. O TCA/S no seu acórdão de 30.04.2020 manteve integralmente o julgado firmado pelo TAF/S, referindo que «não ser de todo plausível que uma empresa que em 2018 teve um volume de negócios superior a 35 milhões de Euros e que está fortemente dependente da contratação pública se vá sujeitar aos incómodos de uma eventual execução fiscal ou que possa alegar que não tem recursos para prestar uma garantia bancária de quantia superior a dois milhões Euros, quando a mesma garantia não sendo gratuita, não poderá ter o custo da própria dívida exequenda a garantir, sendo certo que se não concorda com a exorbitância da contribuição solicitada sempre poderá impugná-la junto dos tribunais».

8. A requerente cautelar, aqui ora recorrente, funda a necessidade de admissão da presente revista não só na relevância jurídica e social das questões por si colocadas, mas na melhor aplicação do direito, acometendo-o de erro de julgamento, entendendo que estão verificados os requisitos para a decretação da providência, nomeadamente o requisito do periculum in mora.

9. É certo que o carácter excecional deste recurso tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência desta Formação, com especial destaque para os processos cautelares em que se tem afirmado a exigência de um rigor acrescido.

10. Com efeito, a orientação jurisprudencial desta Formação de Admissão Preliminar tem sido a de que não se justifica admitir revista de decisões de segunda instância, salvo quando se discutam aspetos do regime jurídico específicos ou que exclusivamente digam respeito ou se confinem à tutela cautelar, ou quando a decisão contenda com situações de relevância comunitária particularmente intensa ou de inobservância de princípios processuais fundamentais.

11. No caso, verificou-se convergência das instâncias quanto ao não preenchimento concreto do requisito do periculum in mora do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, entendendo as instâncias que quer a remessa do ato suspendendo para cobrança coerciva em execução fiscal como a ulterior instauração de processo de execução fiscal não podem gerar situação de periculum in mora suscetível de gerar os prejuízos alegados pela Requerente, mormente de ficar impossibilitada de apresentar propostas em concursos públicos nos termos do CCP, porquanto a mesma dispõe de mecanismos legais destinados à suspensão da execução no quadro do procedimento e do contencioso tributário que lhe permitem tutelar seus direitos e interesses, não carecendo, ou melhor, não podendo, nessa medida, fazer uso da pretensão cautelar em sede do contencioso administrativo visto falhar, desde logo, tal requisito de decretação.

12. Ora a questão de saber e determinar se a mera existência de meios de defesa e de suspensão dos efeitos de uma decisão em sede de execução fiscal, nomeadamente mediante a prestação de garantia, é adequada a responder à pretensão de concessão de tutela cautelar em termos da verificação ou não do preenchimento do requisito do periculum in mora, a ponto de fazer precludir a possibilidade ou a necessidade de recurso à tutela cautelar em termos de contencioso administrativo, revela-se, assim, como dotada de importância jurídica e social.

13. Na verdade, a discussão mostra-se centrada em aspeto específico do regime jurídico da tutela cautelar e que à mesma de confina e exclusivamente lhe diz respeito, importando, ainda, ter presente a complexidade da questão que motivou a divergência de entendimento na jurisprudência dos TCA’s nos termos que se mostram sinalizados e convocados, e, bem assim, a especial capacidade de controvérsia relativamente a casos futuros do mesmo tipo, visto a utilidade da decisão extravasar os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio.

14. Flui do exposto ser necessária a intervenção deste Supremo Tribunal e daí que se justifique a admissão da revista.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..

Lisboa, 10 de setembro de 2020
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e José Augusto Araújo Veloso]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho