Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0897/13 |
Data do Acordão: | 11/13/2013 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | IRREGULARIDADE PETIÇÃO ADMISSIBILIDADE RECURSO ACTO FIXAÇÃO RENDIMENTO COLECTÁVEL IMPUGNABILIDADE PRINCÍPIO DA IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA |
Sumário: | I - O despacho de convite ao suprimento de irregularidades da petição inicial não é recorrível, como resulta claramente do disposto no art. 508º nº 6 do CPC (a que corresponde o art. 590º nº 7 do actual CPC), aplicável ao processo judicial tributário por força do disposto no art. 2º, alínea e), do CPPT. II - Por força do princípio da impugnação unitária, plasmado no art. 54º do CPPT, só é possível, em princípio, impugnar o acto final do procedimento tributário, dado que só esse acto atinge ou lesa, de forma imediata, a esfera jurídica do contribuinte. III - Esta solução legal em nada contende com os princípios constitucionais ínsitos no art. 18º conjugado com os arts. 20º, 266º e 268º da Lei Fundamental, maxime no que se refere ao direito à tutela jurisdicional efectiva, já que o art. 54º do CPPT prevê expressamente a impugnabilidade autónoma dos actos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do acto final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os actos interlocutórios. IV - O acto de fixação do rendimento colectável não representa a prática de um acto imediatamente lesivo, por não ser susceptível de provocar efeitos jurídicos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte. |
Nº Convencional: | JSTA000P16573 |
Nº do Documento: | SA2201311130897 |
Data de Entrada: | 05/20/2013 |
Recorrente: | MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTRA |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A…………………, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do TAF de Loulé que absolveu a FAZENDA PÚBLICA da instância na impugnação judicial que aquela deduziu contra o acto do Director de Finanças de Faro, de 14/07/2010, proferido no âmbito de pedido de revisão do rendimento colectável fixado em sede de IRS e de IVA para o ano de 2008, formulado ao abrigo do art. 91º da LGT, e que manteve o rendimento apurado pela administração tributária através de métodos indirectos, fixando, por consequência, esse rendimento em € 157.500,00 para efeitos de IRS e em € 47.250,00 para efeitos de IVA. 1.1. Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões: 1. A aqui recorrente interpôs impugnação judicial, após ser notificada da decisão, com fundamento no nº 6 do artigo 92º da LGT, relativa ao pedido de revisão de IRS e IVA do exercício de 2008. 2. A decisão do pedido de revisão desconsiderou as provas apresentadas e perícias realizadas e concordou apenas com a posição assumida pelo perito da Administração Tributária, mantendo a fixação do rendimento de IRS e IVA do ano de 2008, nos valores de 157.000,00 e 47.250,00, respectivamente fixados por métodos indirectos. 3. A ora recorrente impugnou judicialmente, com fundamento no erro nos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável, bem como invocou factos que acarretam vícios, designadamente o vício de inexistência de facto tributário ou o vício de errada qualificação do acto jurídico que conduziu a Administração a concluir pela existência de rendimentos tributáveis. 4. Aplica-se ao caso o disposto no nº 5 do artigo 86º da LGT. 5. Uma vez que o alegado na impugnação afecta o acto tributário no seu todo, a impugnante/recorrente pediu a anulação da decisão proferida em 14 de Julho de 2010, referente ao pedido de revisão (artigo 91º da LGT). 6. Nos termos do artigos 86º nº 5 da LGT, a recorrente apresentou previamente o pedido de revisão da matéria colectável, cumpriu, então, o preliminar indispensável da impugnação judicial com fundamento na errónea quantificação da matéria colectável e na não verificação dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável. 7. O procedimento de revisão restringiu-se à questão técnica, e não chegou a discutir a questão do rigor dos pressupostos de facto em que a administração tributária fez assentar o critério de que se serviu para, com recurso a métodos indirectos, quantificar a matéria colectável. 8. A posição assumida pelo perito da Administração Tributária teve por base a factologia, motivação e fundamentação constantes do relatório de inspecção, eivado de vícios. 9. A Recorrente entende ser inadmissível manter-se incólumes e intangíveis as possibilidades impugnatórias do sujeito passivo em tudo o que não disser respeito à matéria que legalmente pode ser tratada em sede de procedimento de revisão, nomeadamente a matéria fáctica que se provada conduz ao vício da inexistência de facto tributário, bem como ao vício da errada qualificação do acto jurídico. 10. Em momento algum a recorrente teve suas provas valoradas. 11. Salvo entendimento diverso, na impugnação judicial em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo no processo de revisão da matéria tributável (artigo 86º, nº4 da LGT), o que não é o caso. 12. Salienta-se, não houve acordo entre os peritos no processo de revisão. 13. A recorrente, uma vez que discorda em absoluto da decisão do pedido de revisão, por não corresponder à verdade, impugnou judicialmente alegando a inexistência de facto tributário, bem como a errada qualificação do acto jurídico que conduziu a administração a concluir pela existência de rendimentos tributários. 14. Portanto, os actos impugnados não se limitam a fixar os valores com base nos quais irão ser liquidados os tributos. 15. Enfatiza-se, os actos impugnados não versam apenas sobre os actos tributários com base em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a matéria de facto trazida aos autos pela recorrente invoca outros vícios, designadamente o vício de inexistência de facto tributário e o vício de errada qualificação do acto jurídico que conduziu a Administração a concluir pela existência de rendimentos tributáveis, e estes são actos lesivos, portanto impugnáveis. 16. A esfera jurídica da recorrente apenas foi atingida pois nos procedimentos tributários que conduziram ao acto de liquidação do tributo ocorreram vícios que levaram a Administração a concluir pela existência de rendimentos tributáveis. 17. Inaplicável ao caso o princípio da impugnação unitária (artigo 54º do CPPT) 18. A recorrente não auferiu quaisquer rendimentos no ano de 2008, dessa forma verifica-se o vício de inexistência de facto tributário, uma vez que inexiste matéria tributável susceptível de avaliação directa ou indirecta. 19. Empréstimo este que estava, à data da inspecção, documentado e comprovado pela existência de uma declaração assinada pelos referidos senhores. 20. Ocorreu, portanto, erro na qualificação jurídica da operação realizada na ação inspectiva, uma vez que o empréstimo concedido à recorrente foi qualificado pela Administração Tributária como rendimento não declarado pela mesma, erro que inquina todo o seu raciocínio sobre a determinação do lucro tributável por métodos indirectos. 21. Essa qualificação do acto jurídico não é irrelevante. 22. A recorrente não teve valoradas as pertinentes provas no âmbito da ação inspectiva, bem como no âmbito do procedimento de revisão e durante a impugnação judicial. 23. A decisão a quo negou à recorrente o seu direito a fazer prova da matéria de facto, nomeadamente provar a inexistência de matéria tributável, bem como que a Administração Fiscal incorreu numa errada qualificação do facto tributário, conducente à liquidação de imposto sobre um rendimento que a impugnante não auferiu. 24. Enfatiza-se, a existência de uma avaliação indirecta não preclude, obviamente, a sindicância da legalidade da avaliação, in casu, quando forem invocados factos que se provados caracterizam os referidos vícios. Tais vícios conduziram a Administração a concluir pela existência de rendimentos tributáveis. 25. Pelo que, o Tribunal recorrido erra ao não tomar conhecimento dos factos. 26. Ao julgar pela inimpugnabilidade do acto tributário, e consequentemente, absolver a Fazenda Pública da instância, o Tribunal a quo denegou à recorrente o seu direito à tutela jurisdicional efectiva. 27. Ao sufragar-se a posição do Tribunal recorrido estar-se-á a aplicar uma norma inconstitucional (o artigo 86º, nsº 3 e 4, da LGT, interpretado no sentido de não poder ser invocada na impugnação judicial qualquer ilegalidade), por violação dos preceitos constitucionais tipificados no artigo 18º, conjugado com o disposto no artigo 20º, 266º e 268º da Constituição da República Portuguesa – CRP, por tal constituir uma restrição não expressamente prevista na lei e manifestamente desproporcionada do direito fundamental de acesso à justiça administrativa. 28. O entendimento sufragado na decisão recorrida traduz-se, na prática, numa diminuição das garantias de igualdade e defesa do contribuinte perante a administração fiscal. 29. Ademais, as questão de direito e de facto que recaem o acórdão utilizado para fundamentar a decisão recorrida, qual seja, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Abril de 2006 - processo nº 1286/05, não são substancialmente semelhantes aos factos e questões de direito invocadas na impugnação em questão. 30. Entende a ora recorrente que a sentença sub judice enferma do vício de ilegalidade, por errónea aplicação do direito ao caso em apreço, designadamente, por interpretar e aplicar erroneamente o artigo 54º em conjunto com os números 3 e 4 do artigo 86º. 31. Outrossim, violou o artigo 123º do CPPT, uma vez que errou ao sintetizar a pretensão da impugnante e seus respectivos fundamentos, bem como não fixou as questões que ao tribunal cumpriria solucionar, prejudicando toda a fundamentação da decisão recorrida, tornando-a nula. Nesse sentido, deve ser-lhe reconhecido o direito de impugnar o acto com invocação de quaisquer ilegalidades de que o mesmo padeça. Devendo em todo o caso, a decisão recorrida ser revogada, porque ilegal, possibilitando à recorrente produzir prova da matéria de facto.
Juntamente com esse recurso, subiu aquele que o Ministério Público interpôs do despacho judicial proferido a fls. 81/82, que, na fase liminar do processo, determinou a notificação da impugnante para indicar, no prazo de 10 dias, a qual dos impostos pretendia ver dirigida a presente impugnação judicial, tendo em conta que a respectiva petição inicial continha uma cumulação ilegal de cumulação de impugnações nos termos do disposto no art. 104º do CPPT, por não ser permitido reagir cumulativamente, no âmbito do mesmo processo de impugnação, contra actos de liquidação de IRS e de IVA. 2. Tal norma não exige a identidade dos tributos, mas unicamente a identidade da sua natureza, pretendendo apenas excluir a cumulação de impugnações de impostos e taxas, que são tributos de natureza não idêntica. 3. Seria contrário à unidade do sistema jurídico impedir a cumulação de impugnações, quando, em situação semelhante, art. 91º nº 5 da LGT permite a cumulação no mesmo procedimento de revisão, de todos os impostos e períodos de tributação que foram abrangidos numa mesma acção de inspecção como sucede no caso dos autos, em que a A. impugna a decisão proferida no procedimento de revisão, nos termos do art. 92º nº 6 da LGT, que originou liquidação de IRC e IVA, como consta na p.i. 4. A norma do art. 104º do CPPT, interpretada no sentido de impedir a cumulação de impugnações de impostos diferentes, é orgânica e materialmente inconstitucional, por restringir as garantias dos contribuintes e violar o direito à tutela jurisdicional efectiva, não respeitando assim o disposto nos arts. 20º nº 1 e 5 e 103º nº2 e 165º nº 1 al. i) do CRP. 5. A douta decisão recorrida, ao decidir nos termos em que o fez, violou o disposto nos arts. 104º do CPPT, art. 3º e 9º da LGT, art. 9º do CC e art. 20º, 103º nº 2 e 165º nº 1 al. i) da CRP.
Contudo, ainda aqui é de aplicar o disposto no art. 86º n.º 3 da LGT, a menos que se tenha ocorrido agravamento da colecta, nos termos do nº 9 do art. 91º da LGT, o que no caso não ocorreu. Por outro lado, não é de reconhecer a inconstitucionalidade que se invoca, pese embora o art. 268º nº 4 da C.R.P. reconhecer aos interessados o direito ao recurso contencioso contra qualquer espécie de ilegalidade desde que o mesmo lese direitos ou interesses juridicamente tutelados. Existem razões de eficácia e celeridade que justificam que apenas do acto de liquidação seja possível apresentar impugnação, a qual, nos termos previstos nos arts. 117º nº 1 e 134º nº 1 do C.P.P.T., pode versar quer erro na quantificação quer os pressupostos de aplicação de métodos indirectos, pelo que não será de reconhecer a inconstitucionalidade que se invoca - cfr., nomeadamente, nesse sentido acórdãos do S.T.A. de 1-2-1995 e de 19-10-95, proferidos nos processos nºs 18535 3 194745; no entanto, em sentido contrário já decidiu o T. Constitucional nos acórdãos n.ºs 1144/96 e 266/2000, conforme referem Leite de Campos; Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa referem em L.G.T. Anotada e Comentada, 4ª ed. 2012, p. 825, defendendo também haver razões a justificar que a impugnabilidade directa apenas seja possível posteriormente. Finalmente, a sentença recorrida não violou o art. 123º do C.P.P.T., pois deu cumprimento ao previsto no art. 123º nº 1 do C.P.P.T. e fundamentou a decisão proferida quanto a questão que impedia que se conhecesse do pedido.»
Com efeito, esse preceito do Código de Processo Civil (a que corresponde o actual art. 590º, nº 7, do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, com idêntica formulação) afirma expressamente a irrecorribilidade do despacho de convite ao suprimento de irregularidades dos articulados, preceito que surgiu precisamente para pôr termo à controvérsia da admissibilidade do recurso desse tipo de despachos, que era largamente debatida na doutrina e na jurisprudência a propósito do art. 477º do CPC (entretanto revogado pelo DL n.º 329-A/95, e substituído pela norma contida no art. 508º). Na vigência do art. 477º do CPC, debruçando-se sobre a questão da recorribilidade do despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição, escrevia Jacinto Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 35.) “Cremos que o despacho de convite é irrecorrível. Não se trata ainda de uma decisão definitiva quanto à relação processual; o juiz, notando determinada irregularidade na petição, que poderá conduzir à sua recusa, dá ao autor a possibilidade de evitar esta, corrigindo a deficiência; mas o juízo que emite não é ainda decisório e nada impede que o autor, sem fazer a correcção, consiga, dentro do prazo estipulado, convencer o juiz de que a irregularidade é aparente, ou de que a falta não existe. Do despacho de recusa é que cabe recurso, nos termos gerais.” No mesmo sentido, Castro Mendes (Direito Processual Civil, 1980, págs. 44 e segs.): “Há decisões que se destinam necessariamente a ser substituídas por outras ou nelas integradas, ou pelo menos podem sê-lo se as partes o solicitarem. A lei então somente permite o recurso da decisão substituta ou absorvente; as primeiras são irrecorríveis como não definitivas.” Tendo a questão sido resolvida através do nº 6 do art. 508º quanto aos articulados e, identicamente, pelo actual art. 590º, nº 7, do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, não restam dúvidas de que não cabe recurso do despacho que convida a suprir irregularidades ou insuficiências dos articulados, seja ele proferido logo após os articulados ou proferido no âmbito da audiência preliminar. Pelo exposto, e tendo em conta que o tribunal ad quem não se encontra vinculado pela decisão de admissão do recurso proferida pelo tribunal a quo, atento o preceituado no art. 685º-C, nº 5, do CPC (com idêntica norma no art. 641º, nº 5, do actual CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2º do CPPT, não se tomará conhecimento deste recurso, por inadmissibilidade do mesmo. |