Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0298/10
Data do Acordão:05/26/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
COBRANÇA
ASSISTENCIA MUTUA ENTRE ESTADOS MEMBROS DA COMUNIDADE EUROPEIA
Sumário:I - Os artigos 103.° n.º 2 da LGT e 276.º do CPPT reconhecem aos interessados o direito de reclamarem para tribunal de todos os actos que tenham potencialidade lesiva, ou seja, que tenham capacidade de afectar a sua esfera jurídica, não tendo de tratar-se, necessariamente, de actos materialmente administrativos (lesivos).
II - A luz do preceituado no Dec. Lei n.º 296/2003, de 21 de Novembro, e na Directiva n.º 2008/55/CE, de 26 de Maio, que dispõem sobre a assistência mútua entre Estados Membros da Comunidade Europeia em matéria de créditos respeitantes a impostos, o Estado membro da Autoridade Requerente só pode, em princípio, formular pedido de cobrança a outro Estado membro se o crédito não tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição à execução - artigo 22.º, n.º 1, alínea a) do DL 296/2003 e artigo 7.º, n.º 2, alínea a) da Directiva 2008/55/CE.
III - Como excepção a essa regra, o Estado membro da Autoridade Requerente pode, em conformidade com a sua legislação interna, solicitar a cobrança de créditos já contestados à data do pedido, desde que a legislação interna em vigor no Estado membro da Autoridade Requerida também o permita - artigo 22.º, n.º 2, do DL 296/2003.
IV - Se o crédito ou o título executivo só for objecto de reclamação, impugnação ou oposição à execução no decurso do processo de cobrança coerciva, este processo de cobrança fica suspenso até decisão da acção pela instância competente - artigo 28.º n.º 1 do DL 296/2003 e artigo 12.º n.º 2 da Directiva 2008/55/CE.
V - Essa imediata e automática suspensão da execução, que opera desde o momento em que foi comunicada à Autoridade Requerida a propositura da acção, não obsta a que a Autoridade Requerida possa, se considerar necessário ou se tal lhe for pedido pela Autoridade Requerente, recorrer a medidas cautelares para garantir a cobrança dos créditos - artigos 12.º, n.º 2, segunda parte, e 13.º da Directiva 2008/55/CE.
VI - Medidas cautelares que, na legislação portuguesa, são as que encontram previsão nos artigos 135.º e seguintes e 214.º do CPPT (arresto e arrolamento).
VII - A Autoridade Requerente pode, excepcionalmente, solicitar outro procedimento para cobrança dos créditos que entretanto foram contestados, embora tal dependa da permissão do prosseguimento dessa cobrança pelas disposições legislativas e regulamentares e as práticas administrativas em vigor tanto no Estado da Autoridade Requerente como no Estado da Entidade Requerida - artigo 29.º do DL 296/2003 e artigo 12.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Directiva 2008/55/CE.
Nº Convencional:JSTA00066455
Nº do Documento:SA2201005260298
Data de Entrada:04/12/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CONST97 ART268 N4.
LGT98 ART9 N2 ART52 N2 ART95 N1 ART103 N2.
CPPTRIB99 ART135 ART169 N1 ART214 ART276.
CPC96 ART679.
DL 296/2003 DE 2003/11/21 ART22 N1 A N2 ART27 ART28 ART29.
Legislação Comunitária:DIR CONS 2008/55/CE DE 2008/05/26 ART7 N2 A ART12 N2 PAR2.
Referência a Doutrina:DIOGO LEITE DE CAMPOS E OUTROS LEI GERAL TRIBUTÁRIA COMENTADA E ANOTADA 3ED PAG535.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 4ED PAG1043 E 5ED VII PAG650.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão, proferida em 20 de Fevereiro de 2010 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, de improcedência da reclamação deduzida contra o acto proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-8 no processo de execução fiscal n.º 3107-2009-01166611, através do qual foi determinada a prestação de garantia no montante de € 220.547,38 com vista à suspensão dessa execução nos termos do artigo 169.° do CPPT.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
a- Tendo sido apresentada em Espanha, depois da instauração do processo de execução fiscal, acção administrativa que tem por objecto a legalidade da liquidação que originou a dívida em cobrança coerciva, não estando a mesma impugnação administrativa ainda decidida, com trânsito em julgado, e tendo o facto daquela apresentação sido dado a conhecer ao órgão de execução fiscal, não estão reunidas as condições de que a lei, na al. a) do n.º 1 do art.° 22.° do DL 296/2003, na al. a) do n.º 2 do art.° 7.º, e no n.º 1 do art.° 12.°, ambos da Directiva n.º 2008/55/CE, do Conselho, faz depender para que o processo de cobrança coerciva possa prosseguir;
b- Sendo consequentemente ilegal, efeito que decorre também daquelas normas, da al. a) do n.º 1 do art.° 22.° do DL 296/2003, e da al. a) do n.° 2 do art.° 7.° e do n.° 1 do art.° 12.°, ambas da Directiva n.° 2008/55/CE, a decisão do órgão de execução fiscal que, mesmo depois de ter conhecimento da apresentação de impugnação administrativa, pelo interessado, determina a apresentação de garantia bancária para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal em curso, pois nos termos daquele normativo, a apresentação de uma tal impugnação administrativa tem por si só efeito suspensivo do processo de execução fiscal em curso;
c- A excepção prevista no n.° 2 do art.° 22.° do DL 296/2003 (e no 2.° parágrafo do n.° 2 do art.° 12.° da Directiva n.° 2008/55/CE) que permite a cobrança coerciva pela autoridade requerida de créditos tributários impugnados no Estado da Autoridade requerente após a instauração do processo de cobrança coerciva, para que seja validamente aplicável, implica uma solicitação expressa nesse sentido da Autoridade Requerente à Autoridade Requerida, através de novo procedimento, específico para este efeito, nos termos do preceituado no n.° 2 do art.° 22.°, do Decreto-Lei n.° 296/2003, de 21 de Novembro (e do 2.° parágrafo do n.° 2 do art.° 12.° da Directiva n.° 2008/55/CE, do Conselho), não sendo legítimo a Autoridade Requerida, sem que esse novo procedimento tenha sido desencadeado e notificado, prosseguir com o processo de execução fiscal;
d- A Douta Sentença recorrida, ao julgar o despacho reclamado conforme o n.° 2 do art.° 22.° do Decreto-Lei n.° 296/2003, de 21 de Novembro, e os artigos 52.°, n.° 2 da LGT e 169.°, n.° 1 do CPPT, padece de erro de julgamento, quer por erro na determinação da norma jurídica aplicável - como ficou demonstrado e n.° 1 do art.° 22.° daquele decreto-lei - quer por violação da correcta interpretação das normas da al. a) do n.° 1 do art.° 22.° do Decreto-Lei n.° 296/2003, de 21 de Novembro (e das alínea a) do n.° 2 do art.° 7.° e do n.° 1 do art.° 12.°, ambos da Directiva n.° 2008/55/CE, do Conselho) e do n.° 2 do art.° 22.° do Decreto-Lei n.° 296/2003, de 21 de Novembro (e do 2. ° parágrafo do n. ° 2 do art.° 12.° da Directiva n.° 2008/55/CE, do Conselho).
Termos em que, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, que se impetra, deve o presente recurso jurisdicional ser admitido e julgado procedente, nos termos expostos, por provado, anulando-se a Douta Sentença Recorrida, de 20 de Fevereiro de 2010, do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida no âmbito de Reclamação de actos do Órgão de execução fiscal, com todas as consequências legais.
1.2. A Recorrida – FAZENDA PÚBLICA – não apresentou contra-alegações.
1.3. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que acto sindicado não é susceptível de reclamação, por falta de lesividade, e, para o caso de assim não se entender, defendeu a manutenção da decisão, enunciando a seguinte argumentação:
«No domínio do contencioso administrativo a impugnabilidade contenciosa dos actos administrativos está dependente da sua eficácia externa (produção de efeitos fora da esfera jurídica do autor do acto); os actos com conteúdo lesivo constituem uma espécie do género enunciado, como inculca a expressão especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 51° n° 1 CPTA).
No domínio do contencioso tributário apenas os actos com conteúdo lesivo (aqueles que sejam aptos a produzir efeitos negativos na esfera jurídica dos particulares e que não possam ser afastados por meios administrativos) são susceptíveis de impugnação contenciosa, em conformidade com a garantia constitucional (art. 268° n° 4 CRP; arts. 9° n° 2 e 95° n° 1 LGT; sobre a distinção dos regimes de impugnabilidade contenciosa cf. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado 2006 Volume I pp. 528/529).
2.No caso sob análise:
a) foi objecto de reclamação o acto praticado pelo órgão da execução fiscal (OEF) que fixou em € 220.547,38 o valor da garantia, tendo em vista a suspensão da execução, nos termos do art. 169° do CPPT (fls.50);
b) a reclamante não discute o valor fixado para a garantia;
c) a falta de prestação da garantia tem como consequência imediata o prosseguimento da execução;
d) apenas um eventual posterior acto do OEF que ordene a penhora (ou o próprio acto da penhora) tem repercussão negativa na esfera jurídica da executada.
Neste contexto, por falta de lesividade, o acto questionado praticado no processo de execução fiscal não é susceptível de reclamação (art. 276° CPPT).
3. Caso não seja acolhido o entendimento expresso sobre a falta de lesividade do acto reclamado justificam-se as considerações seguintes:
a) a execução fiscal foi instaurada no âmbito da aplicação do mecanismo de assistência mútua entre os Estados membros da Comunidade Europeia em matéria de créditos resultantes de impostos, previsto no DL n° 296/2003, 21 Novembro (diploma que transpôs para a ordem jurídica nacional as Directivas n° 2001/44/CEE, do Conselho, de 15 Junho e n° 2002/94/CEE, da Comissão, de 9 Dezembro)
b) a apresentação de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição a execução suspendem a execução fiscal desde que prestada garantia idónea ou efectuada penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido (art. 52° nºs 1/2 LGT ; art. 169° n° 1 CPPT).
c) o OEF em Portugal limitou-se a cumprir a tramitação legal do processo de cobrança coerciva de crédito fiscal, instaurado por solicitação da autoridade requerente sedeada em Espanha.
d) a reclamação contra acto praticado pela autoridade requerida, nos limites da sua competência e com observância das normas processuais, não constitui o meio adequado para discutir a decisão da autoridade requerente que pretende o prosseguimento em Portugal do processo de cobrança coerciva de crédito fiscal, apesar da sua contestação pelo particular (com fundamento legal no art. 22° n° 2 DL n° 296/2003, 21 Novembro).
e) a acção correspondente, em caso de reclamação, impugnação ou oposição a execução apresentadas no decurso do processo de cobrança, deve ser proposta perante a instância competente do Estado membro onde a autoridade requerente tem a sua sede, em conformidade com a legislação interna desse Estado (art. 27° n° 1 DL n° 296/2003, 21 Novembro).
CONCLUSÃO
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da inadmissibilidade da reclamação.
Subsidiariamente
O recurso não merece provimento.».
1.4. Notificadas as partes do parecer do Ministério Público face à questão prévia nele suscitada, veio o Recorrente pronunciar-se no sentido da improcedência da questão.
1.5. Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir.
* * *
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1 Em 9 de Outubro de 2009, foi autuado no SFLisboa 8 o processo de execução fiscal n.° 3107200901166611 contra a reclamante por dívidas originadas por assistência mútua em matéria de cobrança de créditos originada pelo pedido de cobrança proveniente de Espanha (AM-365109), relativo a imposto sobre o rendimento devido por não residente relativo ao ano de 2004 e juros no montante total de EUR 169.718,16 (cf. autuação a fls. 1 e fls. 2 a 18 do PEF apenso).
2 Em 21 de Outubro de 2009 a reclamante foi citada para a execução (cf. art. 1. ° da PI e doc. a fls. 14, dos autos).
3 Em 13 de Novembro de 2009, a Reclamante apresentou na “Dependência Regional de Recaudacion de Huelva” um pedido de declaração de nulidade das notificações da “Hacienda” da liquidação de “impuesto de renta de no residentes” em cobrança coerciva no PEF, dirigido “Ministra de Economia y Hacienda", cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. requerimento a fls. 15-21 e carimbo aposto a fls. 15, dos autos).
4 Pedido que foi registado sob o n.° 04289931/2009, estando a correr os seus termos (cf. carimbo aposto a fls. 15, dos autos).
5 Em 20 de Novembro de 2009, a ora Reclamante apresentou no SFLisboa 8 a sua oposição a execução fiscal n.º 3107200901166611, cujos termos e fundamentos se dão aqui por integralmente reproduzidos (cf. PI a fls. 22 a 43, carimbo aposto a fls. 22, dos autos; informação a fls. 29-30 e fls. 77-98 do PEF).
6 Em 3 de Dezembro de 2009, a reclamante apresentou no SFLisboa 8, “nos termos dos artigos 22.°, n.° 1, al. a), e 28.°, do Decreto-Lei n.° 296/2003, de 21 de Novembro, e dos artigos 7.°, n.° 2, al. a) e 12.°, n.° 2 da Directiva n.º 2008/55/CE, de 26 de Maio de 2008”, um pedido de extinção e/ou de suspensão do processo de execução fiscal, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. fls. 44-48, dos autos e PEF).
7 Em 7 de Dezembro de 2009, foi exarado pelo chefe de finanças do SFLisboa 8 despacho de concordância com informação dos serviços emitida na mesma data, através do qual foi fixado o valor da garantia a prestar pelo reclamante no processo de execução no montante de EUR 220.547,38 para efeitos de suspensão da execução (cf. informação e despacho a fls. 50, dos autos).
8 Em 10 de Dezembro de 2009, através do oficio n.° 14655 datado de 7 de Dezembro de 2009 do SFLisboa 8 a reclamante foi “notificada” para “prestar garantia idónea conforme o disposto no n.° 2 do art. 169.° do CPPT, no valor de EUR 220.547,38” no prazo de quinze dias, sob pena de prossecução do processo executivo (cf. ofício a fls. 49, dos autos).
9 Em 21 de Dezembro de 2009 a PI da presente reclamação deu entrada no SFLisboa 8 (cf. carimbo aposto a fls. 3, dos autos).
* * *
3. As questões a decidir no presente recurso jurisdicional – considerando o teor das conclusões da alegação da Recorrente e a posição adoptada pelo Ministério Público – consistem em saber se que acto sindicado nos presentes autos é ou não susceptível de reclamação (questão prévia suscitada pelo Ministério Público) e, no caso afirmativo, se a decisão recorrida incorreu em erro ao julgar que não padece de ilegalidade a decisão do órgão de execução fiscal que, depois de ter conhecimento da apresentação de acção impugnatória instaurada em Espanha com vista a obter a declaração de nulidade da notificação da liquidação do imposto que originou a dívida exequenda, determinou a apresentação de garantia bancária para efeitos de suspensão do processo executivo, assim desatendendo a pretensão da executada no sentido de que fosse imediatamente suspensa ou extinta a execução face à aludida apresentação.
3.1. Da questão prévia.
O Exm.º Magistrado do Ministério põe em causa que o acto sindicado nos presentes autos seja susceptível de reclamação, invocando a falta de lesividade do acto e argumentando que no domínio do contencioso tributário apenas os actos com conteúdo lesivo (aqueles que sejam aptos a produzir efeitos negativos na esfera jurídica dos particulares e que não possam ser afastados por meios administrativos) são susceptíveis de impugnação contenciosa, em conformidade com o disposto no artigo 268.° n° 4 da CRP e nos artigos 9.° n° 2 e 95.° n° 1 da LGT, o que não sucede com o acto reclamado.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Os artigos 103.° n.º 2 da LGT e 276.º do CPPT revelam a intenção de sujeitar a intervenção dos órgãos da administração tributária no processo de execução fiscal a um apertado controle de legalidade, reconhecendo aos interessados o direito de solicitarem a intervenção do titular judicial do processo (o juiz - tendo em conta que se trata de um processo judicial, no qual os órgãos da administração intervém na realização de actos sem natureza jurisdicional), através da reclamação prevista no artigo 276.° do CPPT, relativamente a todos os actos que tenham potencialidade lesiva, ou seja, que tenham capacidade de afectar a esfera jurídica do executado ou de terceiros.
Por outras palavras, tendo em conta que o processo de execução fiscal tem natureza judicial mesmo na fase que corre perante os órgãos da administração, pretendeu-se garantir o controlo jurisdicional de todos os actos praticados por estes órgãos que sejam susceptíveis de afectar direitos ou interesses legalmente protegidos do executado ou de terceiros.
Pelo que o critério inscrito naqueles preceitos legais não é o critério da lesividade dos actos materialmente administrativos, podendo ser objecto de reclamação para tribunal quaisquer actos materiais de execução que sejam susceptíveis de afectar a esfera jurídica dos particulares, isto é, que tenham uma mera potencialidade lesiva.
Como referem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, e JORGE LOPES DE SOUSA, na “Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada”, 3ª Edição, pág. 535, «naquela figura de acto reclamável poderão caber tanto decisões, como abstenções vinculadas de agir, e os afectados podem ser também outros que não só o executado, como ainda estar-se perante situações em que não existe um direito ou interesse conferidos pela lei substantiva, mas haver apenas um interesse processual (...)».
E, como explica JORGE LOPES DE SOUSA, no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado”, 4ª Edição, pág. 1043, «podem ser objecto de impugnação quaisquer decisões da administração tributária no processo de execução fiscal que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, não tendo de tratar-se, necessariamente, de actos materialmente administrativos, apesar das referências a actos desta natureza feita nos arts. 103.°, n.º 2, da LGT e 151.°, n.º 1, deste Código. Na verdade, a fórmula utilizada neste art. 276.°, como as utilizadas na alínea 1) do n.° 2 do art. 95.° da LGT e na alínea g) do n.º 1 do art. 62.° do ETAF, abrange quaisquer actos, não se fazendo nela a referência à natureza dos actos impugnáveis. Por outro lado, tendo o processo de execução fiscal natureza judicial mesmo na fase que corre perante as autoridades administrativas (art. 103.°, n.º 1, da LGT), deverão considerar-se susceptíveis de reclamação, no mínimo, todos os actos que seriam susceptíveis de recurso jurisdicional se a decisão fosse proferida por um juiz, pois a circunstância de eles serem praticados por uma autoridade administrativa não pode justificar que haja menores possibilidades de controle do que se fossem praticados por um juiz.».
Neste contexto, e face ao aludido critério para a admissibilidade de reclamação dos actos praticados na execução, só não serão susceptíveis de reclamação, pela sua natureza, os despachos de mero expediente e os proferidos no uso legal de um poder discricionário (artigo 679.° do CPC), entendendo-se como despachos de mero expediente os que se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes, e proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio da entidade que dirige o processo, em harmonia com o disposto no artigo 156.°, n.º 4 do CPC (neste sentido, ver, também, JORGE LOPES DE SOUSA, na obra citada, 5ª Edição, II volume, pág. 650).
No caso vertente, o acto reclamado é constituído pela decisão proferida pelo órgão da execução que, na sequência de pedido formulado pela executada no sentido da imediata suspensão ou extinção da execução face à apresentação de acção impugnatória tendente à declaração de nulidade da notificação da liquidação do crédito exequendo, determinou a prestação de uma garantia no valor de € 220.547,38 para efeitos de suspensão do processo executivo, assim desatendendo a pretensão da executada.
Trata-se, sem dúvida, de uma decisão que é susceptível de afectar os seus direitos e interesses legítimos, isto é, de uma decisão que tem a capacidade de se repercutir negativamente na sua esfera jurídica, pois que ela pretendia a imediata paragem da execução e viu essa pretensão recusada, ficando obrigada, por via da decisão, a prestar uma garantia para evitar o prosseguimento da execução com a penhora de bens.
Acresce que a reclamação deve ser imediatamente apreciada, sob pena de deixar de poder produzir efeito útil, tendo em conta que a consequência da decisão reclamada é o prosseguimento da execução com a concretização da penhora. Ou seja, subindo a final, a reclamação já não poderá produzir efeito útil, pois a sua subida diferida implica, pela sua natureza, que a execução (que se pretendia ver imediatamente suspensa ou extinta) prosseguiu até à concretização da penhora.
Termos em que improcede a questão suscitada pelo Ministério Público.
3.2. Do erro de julgamento.
Tal como resulta dos autos, a instauração da presente execução fiscal teve origem num pedido de cobrança proveniente de Espanha (Estado membro da Autoridade Requerente) dirigido a Portugal (Estado membro da Autoridade Requerida), ao abrigo do mecanismo de assistência mútua entre Estados Membros da Comunidade Europeia em matéria de créditos respeitantes a impostos, previsto no Decreto-Lei n° 296/2003, de 21 de Novembro, e na Directiva n.º 2008/55/CE, de 26 de Maio de 2008, para cobrança coerciva de “Impuesto de Renta de Residentes” liquidado pelas autoridades fiscais de Espanha com referência ao ano de 2004.
A execução foi instaurada em 9/10/2009 no Serviço de Finanças de Lisboa-8 e, uma vez efectuada a citação, a executada foi apresentar em 13/11/2009 ao Estado membro da Autoridade Requerente, mais precisamente à Dependência Regional de Recaudacion de Huelva, um pedido de declaração de nulidade das notificações da liquidação do imposto em cobrança nesta execução. Assim como apresentou, no Serviço de Finanças de Lisboa, oposição à execução, com fundamento na inexigibilidade da dívida, nulidade do título executivo, impossibilidade de recurso ao mecanismo de assistência mútua para cobrança do crédito exequendo e ilegalidade da sua liquidação.
Na perspectiva da executada, esses pedidos provocam a imediata suspensão da cobrança, em harmonia com o disposto nos artigos 22.°, n.º 1, alínea a) e 28.° do DL 296/2003, e nos artigos 7.°, n.º 2, alínea a), e 12.°, n.º 2, da Directiva 2008/55/CE, não sendo possível à Entidade Requerida fazer prosseguir a execução enquanto não for conhecida a decisão definitiva dessas acções ou enquanto não forem adoptadas, pela Entidade Requerente, as medidas de excepção da suspensão de cobrança previstas no artigo 29.º do DL n.º 296/2003.
A decisão recorrida julgou improcedente a reclamação por considerar, em súmula, que embora o artigo 22º, n.º 1 do DL 296/2003 afirme que o Estado membro da Autoridade Requerente só pode formular pedido de cobrança a outro Estado membro se o crédito não tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição à execução, o certo é que tanto o n.º 2 desse artigo 22º como o artigo 12.º, n.º 2, 2.° parágrafo, da Directiva 2008/55/CE, lhe permitem solicitar a cobrança de créditos contestados desde que a legislação interna em vigor no Estado da Entidade Requerida o permita. E visto que a legislação portuguesa o autoriza, havia que aplicar, como se aplicou, o disposto nos artigos 52.°, n.º 2, da LGT e 169.°, n.° 1, do CPPT, os quais fazem depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea ou da penhora de bens que garantam a totalidade da divida exequenda e do acrescido.
Neste recurso, a executada, ora Recorrente, refuta o decidido, sustentando, em síntese, que a norma aplicável ao caso vertente não é a que foi considerada na decisão recorrida, ou seja, não é a que consta do n.º 2 do artigo 22.º do DL n.º 296/2003, porquanto esse preceito pressupõe a permissão de cobrança dos créditos impugnados tanto na legislação interna do Estado Requerido como na legislação interna do Estado Requerente, e que a este dê a conhecer essa permissão solicitando à Entidade requerida a sua aplicação, o que não aconteceu no caso vertente.
Por outras palavras, a Recorrente entende que não pode ser aplicado o n.º 2 do artigo 22.º conjugado com o parágrafo 2.º do n.° 2 do artigo 12.° da Directiva n.° 2008/55/CE, dado que essa aplicação depende de solicitação expressa nesse sentido pela Autoridade Requerente, não sendo legítima a atitude da Autoridade Requerida de avançar com o processo de execução e obrigar o executado a prestar garantia idónea para obviar a um prosseguimento que nunca lhe foi solicitado.
Deste modo, a questão que cumpre analisar é a de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por erro na determinação da norma jurídica aplicável e incorrecta interpretação das disposições relativas ao pedido de cobrança insertas no Decreto-Lei n.° 296/2003 e na Directiva n.° 2008/55/CE, do Conselho.
Vejamos então.
O Decreto-Lei n.º 296/2003, de 21 de Novembro Diploma que transpôs para a ordem jurídica interna portuguesa a Directiva 76/308/CEE, do Conselho, de 15 de Março. Essa Directiva fixou as regras que as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados membros devem conter no que respeita à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos resultantes de operações do sistema de financiamento do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), bem como de direitos niveladores agrícolas e de direitos aduaneiros, e relativa ao imposto sobre o valor acrescentado e a determinados impostos. contém no capítulo IV, sob a epígrafe “Pedido de cobrança ou de adopção de medidas cautelares”, as seguintes normas com interesse para a situação em apreço:
Artigo 22.º
Condições do procedimento
1 - O pedido apenas pode ser formulado quando:
a) O crédito ou o título executivo não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou deduzida oposição à execução no Estado membro da autoridade requerente;
b) Do processo interno de cobrança aplicável e das medidas adoptadas não tenha resultado o pagamento integral do crédito.
2 - Não obstante o disposto na alínea a) do número anterior, a autoridade requerente pode, em conformidade com a legislação interna em vigor, solicitar a cobrança de créditos contestados desde que a legislação interna em vigor no Estado membro da autoridade requerida o permita.
Artigo 27.º
Impugnação do crédito ou do título executivo
1 - Se, no decurso do processo de cobrança, o crédito ou o título executivo for objecto de reclamação, impugnação ou deduzida oposição à execução por quem tem interesse legítimo, a acção correspondente deve ser proposta por este perante a instância competente do Estado membro onde a autoridade requerente tem a sua sede, em conformidade com a legislação interna desse Estado.
2 - A autoridade requerida deve ser notificada, imediatamente, da propositura da acção referida no número anterior, podendo o interessado promover ele próprio a notificação.
3 - Quando a acção tiver por objecto medidas de execução adoptadas no Estado membro da autoridade requerida, esta deve ser proposta perante a instância competente para apreciar a questão de acordo com a legislação interna aplicável aos créditos nacionais similares.
4 - Quando a instância competente perante a qual a acção é proposta, nos termos do n.º 1, for um tribunal judicial ou administrativo, a decisão deste tribunal, favorável à autoridade requerente e na medida em que permita a cobrança do crédito, constitui título executivo com base no qual se processará a cobrança.

Artigo 28.º
Suspensão do processo de cobrança
1 - Sempre que o crédito ou o título for objecto de uma acção no Estado membro da autoridade requerente, o processo de cobrança fica suspenso até decisão da instância competente.
2 - A decisão de suspensão é tomada pela autoridade requerida com base na comunicação da autoridade requerente, do devedor ou dos serviços, organismos e entidades competentes para a cobrança.

3 – (...)
4 - (...)

Artigo 29.º
Excepção à suspensão do processo de cobrança
1 - Não obstante o disposto no n.º 1 do artigo 28.º, a autoridade requerente pode, em conformidade com a legislação interna em vigor, solicitar a cobrança de créditos contestados desde que a legislação interna em vigor no Estado membro da autoridade requerida o permita.
2 - Se a decisão resultante da acção de contestação for favorável ao devedor e desta for proposta uma acção de reembolso ou de indemnização, a autoridade requerida notificará por escrito a autoridade requerente logo que tenha sido informada, ficando esta, na medida do possível, associada aos processos de reembolso e de indemnização.
3 - A autoridade requerente, mediante pedido fundamentado da autoridade requerida, deve proceder ao reembolso de quaisquer montantes cobrados, bem como ao pagamento de qualquer indemnização devida, em conformidade com a legislação interna em vigor no Estado membro da autoridade requerida, e proceder à respectiva transferência no prazo de dois meses a contar da recepção do pedido.
4 - (...).
Por sua vez, a Directiva 2008/55/CE, do Conselho, de 26 de Maio Que revogou a Directiva n.º 76/308/CEE, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas, contém as seguintes normas com interesse para a decisão:
Artigo 7.º
1. (...).
2. A autoridade requerente só poderá formular um pedido de cobrança:
a) Se o crédito ou o título executivo não forem impugnados no Estado-Membro onde ela tem a sua sede, excepto quando for aplicável o n.º 2, segundo parágrafo, do artigo 12.º;
b) Se tiver intentado no Estado-Membro em que tem a sua sede, os processos de cobrança adequados que possam ser exercidos com base no título referido no n.º 1 e se, das medidas tomadas, não resultar o pagamento integral do crédito.
3. (...)
(...)
Artigo 12.º
1. Se, no decurso do processo de cobrança, o crédito ou o título executivo emitido no Estado-Membro onde a autoridade requerente tem a sua sede forem impugnados por qualquer interessado, a acção deverá ser proposta por este perante a instância competente do Estado-Membro onde a autoridade requerente tem a sua sede, em conformidade com as normas jurídicas em vigor neste Estado. Esta acção deverá ser notificada pela autoridade requerente à autoridade requerida, podendo, além disso, ser notificada pelo interessado à autoridade requerida.
2. A partir do momento em que a autoridade requerida receber a notificação referida no n.º 1, seja por parte da autoridade requerente seja por parte do interessado, suspenderá o processo de execução, ficando a aguardar a decisão da instância competente nesta matéria, a não ser que a autoridade requerente solicite outro procedimento em conformidade com o segundo parágrafo do presente número. Se considerar necessário, e sem prejuízo do disposto no artigo 13.º, a autoridade requerida poderá recorrer a medidas cautelares para garantir a cobrança, na medida em que as disposições legislativas ou regulamentares em vigor no Estado-Membro em que ela tem a sua sede lho permitam em relação a créditos similares.
A autoridade requerente poderá, em conformidade com as disposições legislativas e regulamentares e as práticas administrativas em vigor no Estado-Membro em que tem a sua sede, solicitar à autoridade requerida que cobre créditos impugnados, desde que as disposições legislativas e regulamentares e as práticas administrativas em vigor no Estado-Membro em que a autoridade requerida tem a sua sede o permitam. Se o resultado da impugnação for favorável ao devedor, a autoridade requerente deverá proceder ao reembolso de quaisquer montantes cobrados, bem como ao pagamento de qualquer indemnização devida, em conformidade com a legislação em vigor no Estado-Membro em que a autoridade requerida tem a sua sede.
3. (...).
4. Quando a instância competente, perante a qual a acção é proposta, nos termos do n.º 1, for um tribunal judicial ou administrativo, a decisão deste tribunal, contanto que seja favorável à autoridade requerente e na medida em que permita a cobrança do crédito no Estado-Membro onde a autoridade requerente tem a sua sede, constitui «título executivo», na acepção do disposto nos artigos 6.º, 7.º e 8.º, e a cobrança do crédito processar-se-á com base nesta decisão.
Artigo 13.º
A pedido fundamentado da autoridade requerente, a autoridade requerida tomará medidas cautelares para garantir a cobrança de um crédito, na medida em que lho permitam as disposições legislativas e regulamentares em vigor no Estado-Membro onde ela tem a sua sede.
Da conjugação destas normas resulta, desde logo, o seguinte:
O Estado membro da Autoridade Requerente só pode, em princípio, formular pedido de cobrança a outro Estado membro se o crédito não tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição à execução – artigo 22.º, n.º 1, alínea a) do DL 296/2003 e artigo 7.º, n.º 2, alínea a) da Directiva 2008/55/CE;
Como excepção a essa regra, o Estado membro da Autoridade Requerente pode, em conformidade com a sua legislação interna, solicitar a cobrança de créditos já contestados, desde que a legislação interna em vigor no Estado membro da Autoridade Requerida também o permita – artigo 22.º, n.º 2, do DL 296/2003.
Neste contexto, se o pedido de cobrança que a administração espanhola dirigiu à administração portuguesa tivesse consistido num pedido de cobrança de créditos que na altura já se encontravam contestados, isto é, se se tivesse fundado no disposto no n.º 2 do artigo 22.º do DL n.º 296/2003, não teríamos dúvidas em confirmar a decisão recorrida. A Autoridade Requerente teria manifestado a sua pretensão de cobrar coercivamente créditos contestados, evidenciando, dessa forma, a permissão da sua legislação interna nessa cobrança, pelo que a Autoridade Requerida não poderia deixar de fazer prosseguir a execução, pelo menos até à penhora de bens ou prestação de garantia idónea em conformidade com a sua legislação – artigo 22.º, n.º 2, do DL 296/2003.
Todavia, na altura em que o pedido de cobrança foi formulado, os créditos ainda não haviam sido contestados, só o vindo a ser depois da instauração da execução e da citação – cfr. pontos 3.º e 5.º do probatório. Aliás, no pedido de cobrança que suporta a execução (AM-365109) e que consta de fls. 4 e segs., a Autoridade Requerente solicitou expressamente a cobrança de «créditos que não foram impugnados», baseando o seu pedido na «alínea a) do n.º 2 do artigo 7.º e n.º 2 do artigo 12.º da Directiva 2008/55/CE».
E assim sendo, não pode invocar-se o disposto no n.º 2 do artigo 22.º do DL 296/2003 para legitimar o prosseguimento do processo de execução. A autoridade fiscal espanhola nunca solicitou à autoridade fiscal portuguesa a cobrança de créditos contestados e nem sequer se sabe se o pode ou pretende fazer, tendo em conta que esse pedido depende de a própria lei espanhola autorizar a cobrança coerciva desse tipo de créditos e, ainda que o autorize, só essa autoridade pode informar se efectivamente a pretende.
Pelo que a regulamentação desta situação tem de ser procurada noutras disposições que não naquelas que suportam a decisão recorrida, mais precisamente nas normas que prevêem a contestação dos créditos já no decurso do processo de cobrança, e que são as que constam dos artigos 27.º, 28.º e 29.º do DL 296/2003 e no artigo 12.º da Directiva 2008/55/CE.
Dessas normas resulta o seguinte:
Se, no decurso do processo de cobrança, o crédito ou o título executivo for objecto de reclamação, impugnação ou oposição à execução, a acção correspondente deve ser proposta perante a instância competente do Estado membro da Autoridade Requerente, em conformidade com a legislação interna desse Estado, devendo a Autoridade Requerida ser notificada, imediatamente, da propositura da acção - artigo 27.º do DL 296/2003 e artigo 12.º n.º 1 da Directiva 2008/55/CE;
O processo de cobrança fica suspenso até decisão da instância competente desde o momento em que foi comunicada à Autoridade Requerida (pela Autoridade Requerente ou pelo interessado) a propositura da acção - artigo 28.º n.º 1 do DL 296/2003 e artigo 12.º n.º 2 da Directiva 2008/55/CE;
A suspensão da execução não obsta a que a Autoridade Requerida, se considerar necessário ou se tal lhe for pedido pela Autoridade Requerente, possa recorrer a medidas cautelares para garantir a futura cobrança dos créditos – artigos 12.º, n.º 2, segunda parte, e 13.º da Directiva 2008/55/CE;
Todavia, a Autoridade Requerente pode, desde que o permitam as disposições legislativas e regulamentares e as práticas administrativas em vigor no seu Estado, solicitar à Autoridade Requerida outro procedimento de cobrança para os créditos contestados, desde que isso seja igualmente permitido pelas disposições legislativas e regulamentares e as práticas administrativas em vigor no Estado da Autoridade Requerida – artigo 29.º do DL 296/2003 e artigo 12.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Directiva 2008/55/CE;
Neste caso, se a decisão resultante da acção de contestação for favorável ao devedor e desta for proposta uma acção de reembolso ou de indemnização, a Autoridade Requerente ficará associada à Autoridade Requerida quanto aos processos de reembolso e de indemnização – artigo 12.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Directiva 2008/55/CE.
Concluindo, a regra geral para a situação de créditos contestados no decurso do processo de cobrança é a da imediata e automática suspensão do processo até à decisão da acção respectiva pela instância competente, e a única excepção a essa regra é a prevista no artigo 29.º do DL 296/2003 e no artigo 12.º, n.º 2, 2.º parágrafo da Directiva 2008/55/CE, que se traduz na possibilidade de a Autoridade Requerente solicitar a cobrança dos créditos contestados através de outro procedimento (desde que tal seja permitido pela legislação interna do seu Estado e pela legislação interna do Estado Requerido), não sendo legítimo à Autoridade Requerida proceder à aplicação directa dessa excepção, prosseguindo com a execução.
A suspensão opera, pois, automaticamente, em resultado da apresentação dos referidos meios de reacção, não estando dependente de acto administrativo expresso do órgão da execução nem podendo este condicionar essa suspensão. O prosseguimento da execução, designadamente para a fase de penhora de bens, depende de pedido a formular pela Autoridade Requerente ao abrigo do artigo 29.º do DL 296/2003 e do artigo 12.º, n.º 2, 2.º parágrafo da Directiva 2008/55/CE.
É o que também resulta do ponto 12 do Considerando Introdutório da Directiva 2008/55/CE onde se afirma que «(12) Pode suceder, no decurso do processo de cobrança no Estado-Membro onde a autoridade requerida tem a sua sede, que o crédito ou o título executivo que permite a sua cobrança, emitidos no Estado Membro onde a autoridade requerente tem a sua sede, seja impugnado pelo interessado. Convém prever neste caso que a acção de impugnação seja proposta por este último perante a instância competente do Estado-Membro onde a autoridade requerente tem a sua sede e que a autoridade requerida deve suspender, salvo pedido em contrário da autoridade requerente, o processo de execução que iniciou até que haja uma decisão da instância competente» (nosso sublinhado).
E compreende-se essa imposição legal de a Autoridade Requerente manifestar a pretensão de utilizar o mecanismo excepcional de prosseguimento da cobrança, não só porque a possibilidade de cobrança de créditos contestados tem de estar autorizada na sua legislação interna, como, também, porque ela se constitui, em caso de provimento da impugnação ou da oposição, na obrigação de pagamento da indemnização devida pela execução indevida.
Do exposto decorre que, no caso vertente, tendo a devedora comunicado à Autoridade Requerida a instauração de pedido de declaração de nulidade das notificações da liquidação do imposto em cobrança na execução, bem como a dedução de oposição à execução, o processo executivo tinha de ficar suspenso até decisão da instância competente, sem prejuízo do recurso a medidas cautelares para garantir a cobrança dos créditos exequendos.
Medidas cautelares que, na legislação portuguesa, são as que encontram previsão nos artigos 135.º e seguintes e 214.º do CPPT (arresto e arrolamento), tendo por objectivo garantir à administração tributária a cobrança dos créditos tributários e do acrescido (juros e custas).
Pelo exposto, é ilegal a decisão proferida pelo órgão da execução no sentido de fazer depender a suspensão do processo da prestação de garantia no montante de € 220.547,38, manifestando, assim, a intenção de prosseguir com a execução (à revelia da vontade da Autoridade Requerente) na falta dessa prestação. Cabe-lhe, antes, comunicar à Autoridade Requerente a situação gerada, para que esta possa dizer, impulsionar ou solicitar o que entender por conveniente.
A sentença recorrida tem, pois, de ser revogada, impondo-se a procedência da reclamação.
* * *
4. Em conformidade com o exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se procedente a reclamação.
Custas pela Fazenda Pública em 1ª instância, não sendo devidas em sede de recurso dado que não contra-alegou.
Lisboa, 26 de Maio de 2010. - Dulce Neto (relatora) - Alfredo Madureira - Valente Torrão.