Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0648/17
Data do Acordão:09/14/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:DESPACHO
RECTIFICAÇÃO
LAPSO
Sumário:I - O tribunal, ao não ter tido em conta um documento junto aos autos que claramente comprovava que a apresentação da oposição era tempestiva, incorre num manifesto lapso, que configura uma situação subsumível na parte final do art. 614º, nº 1 do CPC.
II - Ocorrendo um lapso manifesto, pode este ser corrigido por simples despacho, quer por iniciativa do juiz, quer a requerimento das partes.
III - No caso, pedida a correcção desse lapso pela parte com a admissão da contestação por ter sido apresentada no prazo legal, e, não tendo havido recurso (meio processual idóneo para suscitar a questão) a rectificação podia ter lugar a todo o tempo, atento o disposto no nº 3 do art. 614º do CPC.
Nº Convencional:JSTA00070305
Nº do Documento:SA1201709140648
Data de Entrada:06/30/2017
Recorrente:IMT-INST DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES (IMT), I.P.
Recorrido 1:A......., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - SUSPEFIC.
Legislação Nacional:CPC 13 ART614 N1 ART644 N2 D ART144 N7 B.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

O IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT,IP) interpõe o presente recurso de revista do acórdão do TCA Sul, de 30.03.2007, que confirmou o despacho proferido pelo TAC de Lisboa, em 05.01.2017, que indeferiu o pedido formulado pelo aqui Recorrente de que se considerasse que a contestação (mandada desentranhar por despacho de 22.12.2016, com fundamento na sua apresentação extemporânea), tinha sido apresentada dentro do prazo legal.

Em alegações formula as seguintes conclusões:
I. O presente recurso jurisdicional tem por objeto um erro de julgamento não sufragado pelo douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30/03/2017, que confirmou o douto despacho do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o qual indeferiu o peticionado pelo IMT, IP, no seu requerimento de 28/12/2016, isto é, para que fosse considerada regularmente apresentada a sua oposição nos presentes autos cautelares, dado que a mesma foi remetida a juízo em 07/12/2016, isto é, três dias antes do terminus do prazo para o efeito, tendo sobre o referido requerimento do Recorrente recaído o douto despacho recorrido que indeferiu o peticionado e julgado inadmissível a contestação junta.
II. Estão preenchidos in casu os pressupostos da necessidade do recurso para uma melhor aplicação do direito, pelo que se requer a sua admissão, seguindo-se os demais termos.
III. Não restam dúvidas de que o Recorrente cumpriu, escrupulosamente, as disposições legais relativas à remessa das peças processuais a juízo, bem assim o prazo previsto no art.° 117, n.° 1 do CPTA, pois que a oposição foi enviada a juízo, por encomenda postal registada, três dias antes da preclusão do prazo legal para o efeito.
IV. Sucede que a correspondência só deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa no dia 19/12/2016, cfr. despacho do Mm° Juiz "a quo" de 22/12/2016, que se dá por reproduzido.
V. Com base no princípio da cooperação e boa-fé processual que norteia a sua intervenção como parte, foi apresentado o requerimento de 28/12/2016, onde o Recorrente alegou e provou a entrega da sua peça processual dentro do prazo legal, para que a questão ficasse sanada ao abrigo dos poderes-deveres que assistem ao douto juiz (art.º 7.º-A do CPTA) e nos termos do disposto no art.° 614.° do Código do Processo Civil, de forma que pudesse seguir normalmente os seus termos com vista à decisão.
VI. O douto juiz "a quo" indeferiu o pedido formulado e forçou o Recorrente a percorrer a via formal, temporal e economicamente mais onerosa do recurso jurisdicional, com vista a resolver uma questão simples, que podia e devia, ser sanada ao brigo dos seus poderes-deveres (cfr. art.º 7.º-A do CPTA), com fundamento no disposto no art.º 614.º do CPC.
VII. Decisão tanto mais grave quanto estando em causa a adoção de uma Providência Cautelar, que tem como consequências o serem presumidos verdadeiros os factos invocados pela Requerente (cfr. n.º 2 do art.º 118.º do CPTA), não sendo irrelevantes os interesses que se discutem, como resulta do teor da Resolução Fundamentada de interesse público apresentada ao abrigo do n.º 1 do art.º 128.º do CPTA.
VIII. Chamado a pronunciar-se em sede de recurso, o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento ao peticionado pelo Recorrente, sustentando que:
«... o despacho proferido em 22/12/2016, ao não ter sido objeto de recurso jurisdicional transitou em julgado, e foi nesse primeiro despacho que se ordenou
o desentranhamento da contestação apresentada pela recorrente.
Isso decorre expressamente do disposto no art.° 644°/2-d) do CPC, que prevê o recurso jurisdicional de tal tipo de decisões, o qual não foi interposto, limitando-se a recorrente a apresentar o requerimento de 28/12/2016, onde solicitava que a contestação fosse "considerada regularmente apresentada", que deu origem ao despacho recorrido, o que não constitui reação idónea ao primitivo despacho de 22/12/2016. Pretendendo-se que o TAC desse "o dito pelo não dito", o que não é possível nos processos judiciais.
Mais afirmando ainda que:
«... entendemos que não obstante se verifique que o despacho proferido em 22/12/2016 padece de erro de julgamento, por não ter atendido à data do registo postal da oposição, o mesmo despacho não era susceptível de rectificação ao abrigo do disposto no art.° 614/1 do CPC, mediante a prolação de novo despacho, porquanto "erros de escrita ou cálculo ou inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto", sendo certo que os despachos proferidos nos autos são do Sr. Juiz e não do Sr. Funcionário Judicial, não havendo lugar à "indução em erro", mas, antes, à decisão do processamento dos autos. Assim sendo, resta confirmar o despacho recorrido de 5/1/2017, por se mostrar legal.»
IX. Salvo o devido respeito, o Recorrente não partilha desta posição mas sufraga o douto entendimento do Digno Ministério Público junto daquele Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, que considera que:
«... o despacho foi determinado por erro que determinou no mesmo um lapso manifesto; ora tendo o tribunal a quo sido alertado par o mesmo aquando do requerimento da parte para que a contestação fosse admitida e tendo sido demonstrado que a mesma tinha sido enviada em tempo, poderia o juiz proceder à retificação do erro nos termos do previsto no art.° 614.° do CPC.
Note-se a este propósito que em Acórdão do STA proferido no processo n.° 01308/16, em 08/02/2017, foi considerado que se tratava de erro material a omissão da questão relativa á dispensa do remanescente da taxa de justiça, no acórdão proferido nos autos, delibera-se posteriormente dispensar o pagamento de tal remanescente, ao abrigo do disposto no n.° 7 do art. ° 6.° do RCP.»
«... considerando que os factos supra mencionados e o despacho de 22 de Dezembro de 2016 incorreu em lapso manifesto, poderia e deveria o tribunal a quo remediando a situação admitir a contestação apresentada pelo aqui recorrente, retificando o despacho antes praticado, ao invés de o manter pelo despacho que proferiu em 5 de janeiro de 2017.
X. Entender-se que o despacho recorrido violou o disposto nos art.s 614.º, e bem assim o art.º 144.º, n.º 7-b) do CPC, aplicável por força do disposto no art.º 1.º do CPTA.
XI. Sendo assim, e salvo melhor entendimento, o douto Acórdão deve ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta.

Não foram produzidas contra-alegações.
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 146º, nº 1 do CPTA, não tendo sido emitido parecer.

Sem vistos, vem o processo à conferência.

2. Os Factos
Os factos e incidências processuais relevantes para a decisão do presente recurso são os seguintes:
1- Nos presentes autos de providência cautelar intentada pela A…………, SA, o requerido IMT, IP foi citado, em 28.11.2016, para contestar, no prazo de 10 dias;
2 - No dia 07.12.2016 entregou na estação dos CTT da Bolsa, em Lisboa, por encomenda registada, a oposição, o processo administrativo, resolução fundamentada e vários documentos.
3 - A referida correspondência apenas deu entrada no TCA de Lisboa no dia 19.12.2016.
4 – Por carta registada enviada no dia 23.12.2016, foi notificada do despacho proferido a 22.12.2016, do seguinte teor:
Tendo a Entidade Requerida, IMT IP sido citada no dia 28 de Novembro de 2016 (data da assinatura do aviso de recepção que acompanhou a carta de citação) e tendo a contestação da mesma entidade sido apresentada no dia 19 de Dezembro de 2016, fora do prazo de 10 dias estabelecido pelo n.º 1 do art.º 117º do CPTA o foi, sem possibilidade de pagamento da multa do art. 139º do CPC, como bem nota a informação que acompanha o termo de conclusão que antecede.
Assim, por extemporânea, desentranhe e devolva ao IMT, IP a contestação em
causa.
Na mesma oportunidade, notifique à Requerente a apensão do PA.
Lisboa, 22 de Dezembro de 2016.
5 - Em face do desentranhamento da oposição que apresentara, em 28.12.2016 o IMT, IP deu entrada num requerimento, “para os efeitos do disposto nos art.º 7-A e 8.º do CPTA”, no qual dava conhecimento de que a peça processual fora enviada a tribunal por encomenda registada no dia 07.12.2016, antes do termo do prazo legalmente previsto, apresentando a respectiva prova de que a oposição tinha dado entrada dentro do prazo legal.
6 - Tal requerimento foi indeferido por despacho proferido em 05.01.2017 do seguinte teor:
“Por despacho de 22 de Dezembro de 2016, junto a folhas 233 do processo electrónico, foi ordenado o desentranhamento e a devolução ao IMT IP (entidade requerida) a contestação por ele apresentada, por ter sido considerada extemporânea. Veio agora aquela entidade, por requerimento junto a fls. 243 do processo electrónico, juntar novamente a mesma contestação e requerer que seja reconhecido e aceite que a mesma foi apresentada no prazo legal, pois que foi enviada a tribunal por encomenda registada no dia 7-12-2016, antes do termo do prazo legalmente previsto, conforme docs.nºs 01 e 02. Considerando que daquele despacho cabia recurso (art. 142º, n.º 5 do CPTA e 644º, n.º 2, al. d) do CPC) e que seria nesse (eventual) recurso que a Entidade Requerida, ora requerente, poderia pedir a reforma do mencionado despacho nos termos do art. 616º, n.º 2 do CPC; considerando que o requerente não recorreu nem requereu a reforma do despacho, indefiro o pedido formulado no requerimento em apreço, pelo que julgo inadmissível a contestação junta com o mesmo requerimento. Notifique. Lisboa 5 de Janeiro de 2017.”
7 - Do referido despacho foi interposto recurso para o TCA Sul, que proferiu o acórdão objecto desta revista que manteve a decisão recorrida.

3. O Direito
Em causa no presente recurso está apenas a questão de saber se a decisão que determinou o desentranhamento da oposição do aqui Recorrente por ser extemporânea poderia ser rectificada ao abrigo do disposto no art. 614º, nº 1 do CPC (como sustentou a Ex.ma Procuradora Geral Adjunta no TCA Sul), ou se a reforma do despacho (por erro de julgamento) só poderia ser feita através de recurso da decisão que ordenou o desentranhamento, como sustentou o despacho recorrido e o acórdão do TCA Sul.
O TCA Sul entendeu que tal despacho “foi proferido conscientemente, não padecendo de quaisquer erros de escrita ou calculo ou inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto”.
Consequentemente entendeu que o erro de julgamento apenas poderia ser impugnado através de recurso jurisdicional, uma vez que o despacho em causa era recorrível, nos termos do art. 644º, 2, d) do CPC.
Como se verifica dos factos e ocorrências processuais acima descritas não está aqui em causa saber a que data deve atender-se para se considerar apresentada a contestação expedida pelo correio. Tal data é 07.12.2016, atento o que dispõe o art. 144º, nº 7, al. b) do CPC. O que significa que foi apresentada dentro do prazo legal.
É igualmente certo que quando foi proferido o despacho de 22.12.2016, já se encontrava documentado nos autos que a remessa pelo correio, sob registo, da oposição e demais documentos, ocorrera naquela data.
É assim claro que o despacho que mandou desentranhar a contestação está errado e que esse erro não é imputável ao ora recorrente.
Com efeito, o tribunal, ao não ter tido em conta um documento junto aos autos que claramente comprovava que a apresentação da oposição era tempestiva, incorre num manifesto lapso. E, a parte alertou-o para esse lapso procedendo (de novo) à junção do documento idóneo para comprovar a data em que se devia considerar apresentada a contestação.
Assim, ao não atender à data da expedição da contestação - quando tal data constava dos autos – configura-se uma situação subsumível na parte final do art. 614º, nº 1 do CPC.
Ora, de acordo com este preceito, ocorrendo um lapso manifesto, como é o caso, pode este ser corrigido por simples despacho, quer por iniciativa do juiz, quer a requerimento das partes.
No caso, o aqui Recorrente pediu a correcção desse lapso com a admissão da contestação (que juntou de novo) por ter sido apresentada no prazo legal, e, não tendo havido recurso (meio processual idóneo para suscitar a questão) a rectificação podia ter lugar a todo o tempo, atento o disposto no nº 3 do art. 614º do CPC.
Nestes termos, procede o recurso, tendo o acórdão recorrido ao manter o despacho de 05.01.2017, incorrido no erro de julgamento que lhe vem imputado, sendo de revogar, devendo em primeira instância admitir-se a oposição apresentada, por tempestiva.

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido.
Sem custas.

Lisboa, 14 de Setembro de 2017. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) - José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.