Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0261/19.1BELLE
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:INSOLVÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - Da conjugação do disposto nos arts. 81.º n.º 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e 41.º n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) decorre, incontornavelmente, sem outra via escapatória, que as pessoas coletivas e sociedades, após a declaração de insolvência, são citadas e/ou notificadas para, em princípio/por regra, qualquer efeito de cariz tributário, na pessoa do “liquidatário”, hoje, administrador de insolvência.

II - Não se mostrando provada a realização de notificação (ao administrador da insolvência) das liquidações que suportam a dívida exequenda, ocorre, sem reservas, situação de inexigibilidade desta [fundamento de oposição a execução fiscal, positivado no art. 204.º n.º 1 alínea i) do CPPT].
Nº Convencional:JSTA000P27641
Nº do Documento:SA2202105120261/19
Data de Entrada:01/27/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A…………, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

O/A representante da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, em 27 de abril de 2020, que julgou procedente oposição a execução fiscal, apresentada por Massa Insolvente de A…………, Lda., …, para cobrança de dívidas de juros compensatórios e moratórios, devidos pela falta de entrega de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), do 3.º trimestre de 2014, no montante de € 26.361,32.
A recorrente (rte) apresentou alegação, rematada com as seguintes conclusões: «

I) Decidiu a Meritíssima Juiz “a quo” pela procedência dos autos de Oposição, por considerar que o PEF não podia ter sido suspenso e por isso essa suspensão não pode afectar o direito do sujeito passivo a ser notificado da liquidação antes da instauração do processo de execução fiscal;

II) A Mmª Juiz “a quo” considerou que a AT não provou que tenha o direito a exigir à oponente a quantia exequenda tendo a Oposição que proceder por inexigibilidade da dívida exequenda;

III) Salvo melhor e douta opinião, não pode a FP concordar com tal conclusão;

IV) Com efeito, afigura-se-nos que a sentença recorrida afirma um entendimento incorreto no que concerne à invocada ilegal suspensão do PEF objecto dos autos;

V) Desde logo, porque não foi concedida qualquer moratória à ora oponente mas tão só se cumpriu com a legal necessidade de notificação ao representante do sujeito passivo e indicação do prazo de pagamento voluntário nos termos previstos no art.º 28 n.º 1 do CIVA;

VI) Assim se assegurou a eficácia da liquidação e, em consequência, a exigibilidade do tributo;

VII) A decisão dos autos invocou ainda o douto Acórdão do STA de 08-02-2017 proferido no Procº 0177/15. Diremos que tal Acórdão se refere a uma situação de facto completamente distinta da dos autos, não se aplicando os seus fundamentos ao presente caso concreto;

VIII) Com efeito, nos presentes autos aquando da emissão das liquidações, instauração do PEF e notificação ao AI, já a oponente se encontrava em situação de insolvência judicialmente declarada pelo que a instauração do PEF nunca teria a susceptibilidade de trazer efeitos negativos para a credibilidade da sociedade perante terceiros;

IX) Da actuação da AT não resultou qualquer prejuízo quer para a própria exequente quer para a executada ora oponente a quem foram concedidos os prazos legalmente previstos para pagamento voluntário e assegurada notificação e posterior citação do seu legal representante, qual seja o Administrador da Insolvência;

X) Ao decidir pela procedência do pedido, incorreu a Mmª Juiz a quo em erro de julgamento, violando a douta sentença recorrida o disposto nos art.º 36º n.º 1 do CPPT e 28º n.º 1 do CIVA.

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida e julgado a Oposição improcedente como é de inteira JUSTIÇA. »


*

A recorrida (rda) contra-alegou e concluiu: «

A) - A IRFP, assume que a pessoa a notificar era o Administrador da Insolvência, por o facto tributário respeitar a períodos de tributação posterior à insolvência e a emissão das liquidações ocorreu após essa circunstância.

B) - A falta de notificação das liquidações ao Administrador da Insolvência, contrariamente ao alegado pela IRFP nas suas alegações, não resultou do incumprimento da obrigação declarativa por parte do próprio Administrador da Insolvência, que não deu conhecimento à AT da situação de insolvência com indicação do novo representante legal, nos termos do n.º 5 do artigo 118º do CIRC.

C) - O n.º 7 do artigo 118º do CIRC, n.º 7 que enuncia uma exceção à obrigação prevista no n.º 5, quando os factos em causa estão sujeitos a registo na Conservatória do Registo Comercial, exceção que já se encontrava prevista na redação vigente em 2013.

D) - A própria AT esclareceu essa situação, através da circular n.º 10/2015 e do guião para o cumprimento das obrigações fiscais de pessoas coletivas em situação de insolvência anexo à circular, emitida pela Diretora Geral da AT em 9 de setembro de 2015.

E) - O guião para o cumprimento das obrigações fiscais de pessoas coletivas em situação de insolvência anexo à circular n.º 10/2015, no seu ponto um, com a epígrafe “Declaração de alterações” dispõe da seguinte forma:

“1. Declaração de Alterações

A entrega da declaração de alterações de atividade é dispensada sempre que os dados objeto de alteração respeitem a factos sujeitos a registo na Conservatória do Registo Comercial, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 32º do Código do IVA e o n.º 7 do artigo 118º do Código do IRC.

Não existe, assim, obrigatoriedade de apresentação desta declaração quando estejam em causa a declaração de insolvência ou o encerramento do processo de insolvência, factos que são registados oficiosamente em base na respetiva certidão permanente na Conservatória do Registo Comercial, conforme dispõe a alínea b) do nº 2 do artigo 38º e o n.º 2 do artigo 230º do CIRE.”.

F) - Quando esteja em causa a declaração de insolvência, não existe obrigatoriedade de apresentação desta declaração, ou seja, verifica-se a dispensa de apresentação da declaração de alterações quando é declarada a insolvência, daí não poder ser acolhido o entendimento vertido nas alegações de recurso apresentadas pela IRFP.

G) - A AT não pode invocar desconhecimento da situação de insolvência, na medida em que esta ocorreu em 21/11/2013 (cfr. ponto A) dos factos provados na douta sentença), e foi objeto de registo na Conservatória do Registo Comercial.

H) - A que acresce o facto de quer o projeto de relatório de inspeção, quer o relatório final de inspeção foram notificados ao Administrador de Insolvência, o que denota o conhecimento por parte da AT da situação de insolvência.

I) - Se a AT notificou o Administrador da Insolvência do relatório final de inspeção, é porque tinha conhecimento de que a sociedade estava insolvente, ainda assim, a notificação para pagamento voluntário da dívida de Juros compensatórios e juros moratórios relativos ao IVA do 3º trimestre de 2014, (conforme ficou demonstrado na douta sentença (pontos E), F) e G) dos factos provados), só foi efetuada ao Administrador de Insolvência, depois de instaurado o processo de execução fiscal, não podendo, deste modo, a AT exigir à oponente a dívida.

J) - Em suma, a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, pelo que se deverá manter no ordenamento jurídico.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida que determinou a inexigibilidade da dívida, fazendo-se, assim, a Costumada Justiça. »


*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, consta: «

(…).

A) Em 21 de Novembro de 2013 a sociedade A…….., Lda. (Oponente), foi declarada insolvente no processo que correu termos no Tribunal Comarca de Vila Real de Santo António, processo n.º 851/13.6TBVRS, tendo sido nomeado seu Administrador de Insolvência ……., com domicílio na Av……………, n.º .. -A - cf. cópia de certidão junta aos autos, documento n.º Contestação (170967) Documento(s) (004512181) de 06/06/2019 16:05:23;

B) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI201600044, foi levado a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Faro, acção de inspecção externa, referente ao exercício de 2014 - cfr. relatório de inspecção, constante do documento n.º Contestação (170967) Documento(s) (004512181) de 06/06/2019 16:05:23;

C) No âmbito da acção de inspecção acima identificada em 03.05.2018 foi elaborado o relatório da inspecção tributária efectuada à Oponente, no qual foi apurada a falta de entrega de IVA no 3.º trimestre de 2014 no valor de € 9.200,00 - cf. documento n.º Contestação (170967) Documento(s) (004512181) de 06/06/2019 16:05:23;

D) Em 25.07.2018 foram emitidas as liquidações de juros compensatórios e moratórios n.º s 2018 175778 e 2018 175779 devidos pela Oponente por falta de entrega de IVA do 3.º trimestre do exercício de 2014 - cf. documento n.º Documentos da PI (169476) Documentos da PI (004502224) de 11/04/2019 19:57:15;

E) Em 10.09.2018 foi instaurado no Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, contra a Oponente, o Processo de Execução Fiscal n.º1155201801057278 - cfr. documento n.º Documentos da PI (169476) Documentos da PI (004502225) de 11/04/2019 19:57:15;

F) O Processo de Execução Fiscal referido na alínea anterior destina-se à cobrança de € 26.361,32, respeitante a IVA do 3.º trimestre do ano de 2014 - cf. documento n.º Documentos da PI (169476) Documentos da PI (004502225) de 11/04/2019 19:57:15;

G) Em 21.11.2018 a Direcção de Finanças de Lisboa (Divisão de acompanhamento de devedores estratégicos), notificaram o Administrador de Insolvência da Oponente (identificado na alínea A), da liquidação de juros moratórios e compensatórios relativos ao IVA do 3.º trimestre do exercício de 2014 não entregue, montante de € 26.361,32 - cf. Mandado e Certidão de notificação, documentos n.º Documentos da PI (169476) Documentos da PI (004502224) de 11/04/2019 19:57:15, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

H) Em 22.11.2018 o Administrador de Insolvência da Oponente recebeu na morada indicada na alínea A) o ofício n.º 2951, enviado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, do qual consta o seguinte: “

Em 04/12/2013, em cumprimento do disposto no nº 1o do art.° 181° do CPPT, foi remetido a V.Exª certidão de dívidas á Fazenda Nacional, do insolvente A…….. LDA, NIPC………, bem como avocados os processos de execução fiscal ao processo de insolvência n.° 851/ 13.6TBVRS.

No entanto, constatou-se a existência de vários processos de execução fiscal que respeitam a dívidas da massa insolvente, ou seja, dívidas fiscais referentes a factos posteriores à data em que foi decretada a insolvência, 21/11/2013, conforme quadro infra.


(…)


Os juros de mora são contados a partir do dia seguinte da data de vencimento.

Taxa de juro aplicável: Taxa legal fixada anualmente de acordo com a taxa apurada e publicitada peio IGCP, estando contados até à presente data.

As dívidas da massa insolvente, de acordo com o n.° 1 do artº 46° e art.° 172°, ambos do CIRE, devem ser pagas pelo Administrador de Insolvência nas datas dos respectivos vencimentos.

Em virtude dessas dívidas já serem consideradas da massa insolvente e como tal enquadráveis no artigo 51° do CIRE, devendo ser pagas pelo Administrador da Insolvência, conforme previsto no artigo 172° do CIRE, deverá efetuar o pagamento das mesmas, no prazo de 15 dias, sob pena de nos termos do art.° 156° do CPPT, se ordenar a citação na pessoa do liquidatário judicial, com consequente responsabilidade pessoal e solidária, pelas importâncias acima indicadas, ao abrigo do art.° 26° da LGT.

- cf. cópia do ofício e do aviso de recepção assinados, constante do documento n.º Documentos da PI (169476) Documentos da PI (004502224) de 11/04/2019 19:57:15.;

I) Em 28.11.2018 o Administrador de Insolvência da Oponente recebeu na morada indicada na alínea A) o ofício n.º 3018, enviado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, do qual consta o seguinte: “

Em resposta ao v/ requerimento, entrada n.° 2018E003545526 de 26/11/2018, cumpre-me informá-lo que deverá considerar sem efeito o prazo de pagamento das dívidas da responsabilidade da massa insolvente de 15 dias que consta no n/ oficio n.° 2951, 21/11/2018, e considerar o prazo de 30 (trinta) dias que consta da certidão de notificação efectuada em 21/11/2018.

Assim, reforço que deverá efectuar o pagamento das mesmas, no prazo de 30 dias, a contar da data da certidão de notificação, sob pena de nos termos do art.º 156º do CPPT, se ordenar a citação na pessoa do liquidatário judicial, com consequente responsabilidade pessoal e solidária, pelas importâncias acima indicadas ao abrigo do art.º 26º da LGT


(…)


- cf. cópia do ofício e do aviso de recepção assinado, constante do documento n.º Documentos da PI (169476) Documentos da PI (004502224) de 11/04/2019 19:57:15;

J) Em 16.01.2019 o Administrador de Insolvência da Oponente recebeu na morada indicada na alínea A) o ofício n.º 114, enviado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, a citação no processo de execução fiscal n.º 1155201801057278, da qual consta o seguinte: “

Assunto: CITAÇÃO-PEF 1155201801057278

Fica por este meio citado(a), nos termos dos artigos 189° e 190° do CPPT, de que foi instaurado, neste Serviço de Finanças o processo de execução fiscal supra identificado, para cobrança da dívida abaixo identificada.

No prazo de 30 dias, a contar da presente citação, deverá proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido. No mesmo prazo, poderá requerer a dação em pagamento, nos termos do artigo 201º do CPPT, ou deduzir oposição, com os fundamentos previstos no artigo 204º do CPPT.

Até à marcação da venda dos bens penhorados poderá ainda, requerer o pagamento em prestações nos termos do artigo 196º do CPPT.

Decorrido o prazo antes referido, sem que a dívida exequenda e acrescido tenham sido pagos ou tenha sido prestada garantia que suspenda a execução, nos termos dos artigos 169º e 199º do CPPT, prosseguirá o processo com a penhora de bens ou direitos existentes no seu património, de valor suficiente para a cobrança da dívida, conforme valor infra indicado.

O pagamento pode ser efetuado nos Serviços de Finanças, no multibanco, nos CTT, nos bancos, ou através de homebanking.

As guias de pagamento poderão também ser extraídas no “sitio” da AT na Internet (www.portaldasfinacas.gov.pt), onde poderá também consultar os elementos do processo.

Caso não proceda ao pagamento da dívida no prazo supra referido, poderá vir a ser incluído na lista de contribuintes devedores sujeita a divulgação, em conformidade com o previsto na alínea a) do nº 5 do artigo 64º da Lei Geral Tributária.


(…)


Custas_____________________________ € 169,57

Valor a pagar­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­------ € 26.619,61

Extenso: vinte e seis mil seiscentos e dezanove euros e sessenta e um cêntimos.

Valor indicativo para efeitos de garantia € 33.749,75

- cf. documento n.º Documentos da PI (169476) Documentos da PI (004502224) de 11/04/2019 19:57:15.


*

4.2. FACTOS NÃO PROVADOS

i) Não se provou que a Administração Tributária tivesse notificado a legal representante da Oponente, da liquidação n.º 2018 175779 e da liquidação n.º 2018 175778, relativas à da dívida exequenda, em data anterior a 10 de Setembro de 2018. »


***

A sentença recorrida, em sede de fundamentação de direito, com relevância, patenteia este conjunto de argumentos (que sintetizamos): «

(…).

A Oponente arguiu que nunca foi notificada das liquidações em data anterior à instauração do processo de execução fiscal e que por isso a dívida não lhe é exigível.

Vejamos então.

O artigo 81.º, n.º 4 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas dispõe que: “(…) 4 - O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência. (…)”.

No mesmo sentido dispõe o artigo 41.º, do CPPT, sob a epígrafe “Notificação ou citação das pessoas colectivas ou sociedades” o seguinte “1 - As pessoas coletivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal eletrónica ou na sua área reservada do Portal das Finanças, nos termos previstos no artigo 38.º-A, ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.

2 - Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.

3 - O disposto no número anterior não se aplica se a pessoa colectiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efectuada na pessoa do liquidatário.”.

Decorre da conjugação das normas acima transcritas que após a declaração de insolvência, todas as notificações, em matéria patrimonial e tributária têm que ser efectuadas, obrigatoriamente, na pessoa do administrador de insolvência por força do disposto nos artigos 81.°, n.º 4 do CIRE e 41.°, n.º 3 do CPPT.

Dispõe a parte inicial do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Direitos e garantias dos administrados”, que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei”.

Pretendeu o legislador que os administrados, no caso os sujeitos passivos, tivessem conhecimento dos actos administrativos - e tributários - que lhes digam respeito, para que contra eles pudessem reagir no caso de com eles não se conformarem.

Dispõe o artigo 77.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária, que a eficácia do acto tributário depende da sua notificação ao contribuinte, nos apontados termos da Constituição, a qual deve ser efectuada na forma prevista na lei.

Resulta da ali. B) do probatório que estamos perante uma dívida de juros compensatórios e moratórios relativos à falta de entrega de IVA do 3.º trimestre de 2014, a regra é que as notificações das liquidações sejam efectuadas de acordo com o previsto no Código de Procedimento e Processo Tributário (cfr. o artigo 82.º do Código de IVA - “As notificações referidas nos n.os 1 do artigo 28.º, 4 e 6 do artigo 35.º, 7 do artigo 41.º, 5 do artigo 55.º, 4 do artigo 58.º e 5 do artigo 63.º, no artigo 91.º e no n.º 3 do artigo 94.º, bem como as decisões a que se referem os n.os 3 do artigo 53.º e 4 do artigo 60.º, são efetuadas nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”).

As notificações serão assim efectuadas em conformidade com o n.º 1, 3 e 4 do artigo 38.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do qual consta que (…).

As regras gerais do ónus da prova determinam que quem invoque um direito faça prova dos seus factos constitutivos (artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).

Sendo que, no direito tributário, entendeu o legislador que o ónus de prova do contribuinte se deve considerar satisfeito, “(…) 2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária. (…)” - cfr. o n.º 2 do artigo 74.º da LGT.

Funcionando o presente meio processual como uma contestação, inserida na Oposição ao Processo de Execução Fiscal, certo é que tem uma tramitação autónoma com estrutura de acção declaratória, pelo que é à Oponente (o autor) que cabe provar os factos constitutivos do seu direito - no caso o direito à notificação do acto tributário antes de caducado o poder de liquidação da Administração.

Por seu lado, à Fazenda cabe provar os factos impeditivos ou modificativos do direito do Oponente.

Quando a parte seja confrontada com a prova de um facto negativo, por vezes, o legislador a determinar a inversão do ónus da prova, por força da chamada prova diabólica, situação em que por força dos constitucionais da proibição da indefesa, do acesso ao direito e aos tribunais e da proporcionalidade, impõe uma menor exigência probatória para o aplicador do direito que deverá relevar provas menos convincentes que as que seriam exigíveis para prova de um facto positivo.

Como se viu, é à Oponente que cabe provar a ausência de notificação dentro do prazo de caducidade. Tal ónus probatório deve ter-se por cumprido, ao abrigo do n.º 2 do dito artigo 74.º, uma vez que os elementos documentais relativos à notificação devem estar na posse da Administração.

Tendo resultado da alínea F) do probatório que estamos perante uma liquidação de juros compensatórios e moratórios relativos à falta de entrega do Imposto sobre o Valor Acrescentado emitida pela Autoridade Tributária, respeitante ao ano de 2014 considerando que em 25.07.2018, data em que foram efectuadas as referidas liquidações, já havia sido declarada a insolvência da sociedade A…………., Lda., facto que ocorreu em 21.11.2013 (cf. alínea A) do probatório). Atento o disposto nos artigos 81.º, n.º 1 do CIRE e 41.º, n.º 3 do CPPT no qual se estatui que o administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial, verifica-se que a Administração Tributária teria que ter provado que tinha procedido à notificação da liquidação da dívida exequenda ao Administradora da insolvência em data anterior à instauração do processo de execução fiscal, por as liquidações em causa terem sido emitidas em data posterior à declaração de insolvência.

Assim, incumbia à Administração Tributária fazer prova dos factos impeditivos ou modificativos do direito da Oponente, ou seja, deveria ser a Administração Tributária a provar que o acto tributário de liquidação dos juros compensatórios e moratórios relativos à falta de entrega do IVA se tornou eficaz por ter procedido ao envio das referidas liquidações em data anterior à instauração do processo de execução fiscal.

No caso dos autos, a Administração Tributária não fez prova de que tivesse enviado ao representante da Oponente as notificações das liquidações de juros n.ºs 2018 175778 e 2018 175779, em data anterior à instauração do processo de execução fiscal (cfr. ponto i) dos factos não provados).

Alegou a Fazenda Pública em contestação que tendo o processo de execução fiscal sido suspenso, enquanto não se verificou o decurso do prazo para pagamento voluntário da dívida exequenda por o Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António ter procedido à notificação do Administrador de Insolvência da Oponente, das liquidações que deram origem à certidão ao processo de execução fiscal em causa nos presentes autos, não se verificando a invocada inexigibilidade da dívida exequenda.

Vejamos.

(…).

Sobre a proibição de suspensão dos processos de execução fiscal pelos serviços de finanças pronunciou-se o STA no Acórdão de 12.04.2012, proferido no processo n.º 0322/12, jurisprudência que aqui se perfilha: (…).

Decorre do exposto que o processo de execução fiscal em causa nos presentes autos não podia ter sido suspenso, por isso essa suspensão não pode afectar o direito do sujeito passivo a ser notificado da liquidação, antes de instaurado o processo de execução fiscal.

Neste sentido também já o STA se pronunciou, nomeadamente, no Acórdão do proferido em 08.02.2017, no processo n.º 0177/15, jurisprudência que se adopta e do qual consta o seguinte: (…).

Deste modo, não existindo prova de que tenha sido remetido ao representante da Oponente os actos de liquidação de juros compensatórios e de mora devidos por falta de entrega de IVA do ano de 2014, antes de instaurado o processo de execução fiscal - fonte de eficácia dos actos de liquidação (cfr. o referido artigo 77.º, n.º 6, da LGT) -, pelo que a Administração Tributária não provou que tenha o direito a exigir à Oponente a quantia exequenda, tendo a Oposição que proceder por inexigibilidade da dívida exequenda.

(…). »

Ponderados estes fundamentos jurídicos, não deixando, obviamente, de atentar na factualidade julgada provada e não provada, pelo tribunal recorrido, realçamos, como, plenamente, conformes com a legalidade (citada) aplicável e, por isso, acertadas, as ideias de que:

- os atos tributários (em especial, os de liquidação), sob pena de ineficácia, tem de ser notificados aos interessados/visados, nos termos e formas prescritas pela lei ordinária, em respeito dos comandos constitucionais pertinentes;

- da conjugação do disposto nos arts. 81.º n.º 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e 41.º n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (Com redação mantida constante deste a original.) decorre, incontornavelmente, sem outra via escapatória, que as pessoas coletivas e sociedades, após a declaração de insolvência, são citadas e/ou notificadas para, em princípio/por regra, qualquer efeito de cariz tributário, na pessoa do “liquidatário”, hoje, administrador de insolvência;

- tendo as liquidações que suportam a dívida exequenda (em cobrança coerciva na execução a que foi dirigida esta oposição) sido produzidas/emitidas em 25 de julho de 2018, quando a sociedade oponente, já, havia sido, definitivamente, declarada insolvente (desde 21 de novembro de 2013), é evidente que, para cumprimento da legalidade, aquelas tinham de ter sido notificadas ao administrador da insolvência, em momento anterior ao da instauração do processo executivo;

- não se mostrando, in casu, provada a realização dessa notificação (ao administrador da insolvência), ocorre, sem reservas, situação de inexigibilidade da dívida exequenda, [ fundamento de oposição a execução fiscal, positivado no art. 204.º n.º 1 alínea i) do CPPT ].

Avaliada, integralmente, a crítica veiculada pela rte, sobre estes pontos (exceto o da inexigibilidade da dívida exequenda) nada é defendido, sustentado, em contrário. O dissenso reside, apenas, quanto à parte da sentença (fundamentação jurídica) onde se versa e responde à alegação (da FP), na contestação, no sentido de que o “processo de execução fiscal (tinha) sido suspenso, enquanto não se verificou o decurso do prazo para pagamento voluntário da dívida exequenda por o Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António ter procedido à notificação do Administrador de Insolvência da Oponente, das liquidações que deram origem à certidão ao processo de execução fiscal em causa nos presentes autos, …”, sobretudo, no que tange à invocação da jurisprudência identificada na conclusão VII).

Olhando para a contestação, apresentada neste processo, para melhor e mais ampla perceção (


No âmbito da gestão da massa insolvente, foram alienados em 2014 bens imóveis, operação que deu origem a deduções de IVA em bens do activo imobilizado.
Foi em sede de acção inspectiva, iniciada em 31/01/2018, que a AT teve conhecimento da insolvência, por consulta à certidão de matrícula da sociedade na competente Conservatória de Registo Comercial, que agora se junta como Doc. n.º 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
No decorrer da mesma, foram efectuadas regularizações às referidas deduções que determinaram liquidações de IVA e respectivos Juros Compensatórios, conforme ponto III.1.2. do Relatório da Inspecção ora junto como Doc. n.º 2 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
A liquidação de JC/1412T daí resultante foi notificada ao Sr. Administrador da Insolvência em 21/11/2018, conforme certidão de notificação, ocorrida na Direcção de Finanças de Lisboa, junta como Doc. n.º 1 à douta P.I. 3
10º
Uma vez que a notificação referida ocorreu em data posterior à data limite de pagamento voluntário inicialmente fixada centralmente, foi esta alterada para os 30 dias posteriores àquele acto formal de comunicação, nos termos do disposto no art.º 28º n.º 1 do CIVA.
11º
Por já existir processo de execução fiscal, considerando-se a circunstância da liquidação ter sido emitida antes da data em que foi levado ao cadastro da AT a situação de insolvência da ora Oponente através de Boletim de Alterações Oficioso, bem como o facto da primeira notificação ter sido dirigida para o domicílio fiscal da sociedade, foi então suspenso o PEF e concedido o legal prazo de pagamento voluntário nos termos descritos.
12º
Tal situação permitiu assegurar os direitos legais da Oponente, não incorrendo em qualquer ilegalidade que teria ocorrido, outrossim, se a suspensão não tivesse sido concedida como o foi.
13º
O título executivo não sofreu qualquer alteração, tão só a data a partir da qual se devem contar os juros de mora passou a ser outra em atenção à notificação efectiva do administrador da insolvência.
14º
Dir-se-á ainda que a nulidade do título executivo não constitui fundamento de (…).), conclui-se, objetivamente, pela falta de razão da rte (e a insistência em defesa insustentável).
Efetivamente, nessa peça, do conjunto dos pontos reproduzidos em nota, o que se encontra é a “confissão” de que o administrador da insolvência só foi notificado, das disputadas liquidações, em 21 de novembro de 2018, quando com base nelas, já, havia sido instaurado processo de execução fiscal (o que aconteceu em 10 de setembro de 2018), sob o pretexto de que, somente, no âmbito de ação inspetiva, iniciada em 31 de janeiro de 2018, a autoridade tributária e aduaneira (AT) teve conhecimento da insolvência.

Sem prejuízo de (seguramente, por esquecimento) não se ter alegado qual a data concreta desse conhecimento, mesmo não se encontrando provado o conteúdo das conclusões H) e I) das contra-alegações, da rda, é seguro, pela análise, do relatório de ação de inspeção, junto com a versada contestação, que, pelo menos, em 2 de abril de 2018, quando notificou o sujeito passivo para o exercício do direito de audição (sobre o projeto de relatório da inspeção em curso) a AT tinha disponível e acedido à informação de que sociedade inspecionada havia, há muito, sido declarada insolvente, acrescendo, não existir qualquer dúvida em afirmar que, a 3 de maio de 2018, a AT (com o conforto, ainda, do conteúdo dos argumentos apresentados no exercício desse direito de pronúncia prévia), data de elaboração do relatório final da inspeção, ficou a saber que a sociedade sujeita ao procedimento inspetivo era insolvente e representada por administrador de insolvência.

Portanto, sem sofismas, tendo a AT emitido as liquidações visadas em 25 de julho de 2018, só não notificou (como lhe era imposto por lei) o respetivo conteúdo, ao administrador de insolvência da oponente, antes de ter instaurado processo executivo, no dia 10 de setembro seguinte, porque não quis ou, no mínimo, por descuido/desatenção.

Mais grave, ao aperceberem-se do sucedido, em vez de extinguir o processo executivo pendente, os intervenientes serviços da AT optaram pela via do remendo, que a rte, aqui, insiste em tornar legítima e legal. Ou seja, é neste enquadramento que surge a alegação da “suspensão” do processo de execução fiscal - cf. pontos 10º e 11º da contestação, à qual a sentença recorrida, compreendemos (Para escapar a uma, futura, invocação de nulidade, por omissão de pronúncia.), respondeu com o contributo jurisprudencial que a rte sustenta não se aplicar à situação julganda.

Como é percetível pelo anteriormente dito, não vamos debruçar-nos sobre este último ponto, porquanto o argumento em causa é inócuo, irrelevante, para produzir qualquer alteração no que será a decisão deste apelo, irrelevância que se estende à invocação do disposto no art. “28.º n.º 1 do CIVA”, enquanto, pretenso, mecanismo, legal, capaz de afastar o vício, inicial, de não notificar as liquidações ao administrador da insolvência, antes de instaurar o processo de execução fiscal, bem atacado, quanto à respetiva legalidade, nesta oposição.

Em suma, a sentença recorrida é de manter, por incorporar julgamento correto e decisão acertada, ainda que, com o apontamento de que não havia necessidade de se envolver na intitulada “suspensão do PEF”.


*******

# III.


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.

*

Custas pela recorrente.

*****

[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 12 de maio de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.