Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01157/17 |
Data do Acordão: | 01/31/2018 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | IRC BENEFÍCIOS FISCAIS ENCARGOS FINANCEIROS |
Sumário: | I - Mostra-se afectado por vício de violação de lei o acto de autoliquidação de IRC efectuado em obediência à orientação constante no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da Direção de Serviços do IRC, na medida em que nela se estabelece um método ilegal de afectação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais. II - Não tendo a Administração Tributária questionado, na decisão de indeferimento da impugnação administrativa apresentada contra o acto de autoliquidação e que constitui o objecto imediato da impugnação judicial, que o sujeito passivo tenha suportado os encargos inscritos, a sua origem e natureza, nem ousado afirmar que ele se desviou do método preconizado na dita Circular, e dado que o tribunal não pode introduzir diferentes filtros para escrutinar a legalidade dos actos impugnados ou recorrer a novos fundamentos para os manter na ordem jurídica, estando impedido de invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária, mais não resta do que anular os actos que constituem o objecto (imediato e mediato) da impugnação judicial. |
Nº Convencional: | JSTA00070519 |
Nº do Documento: | SA22018013101157 |
Data de Entrada: | 10/23/2017 |
Recorrente: | A..........., SGPS, SA |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF AVEIRO |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR FISC - IRC |
Legislação Nacional: | LGT ART87 ART68-A ART81 ART85 ART90. CCIV ART8 N3 CPPT ART55 ART61. CONST ART104 N2 ART112 N5 ART103 N1. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC0227/16 DE 2017/03/08.; AC STA PROC01229/15 DE 2017/05/31.; AC STA PROC01292/16 DE 2017/11/29.; AC STA PROC0745/15 DE 2018/01/24. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. A…………, SGPS, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra o acto de indeferimento expresso do recurso hierárquico que apresentara na sequência do indeferimento, também expresso, da reclamação graciosa intentada contra o acto de autoliquidação de IRC, no que respeita a encargos financeiros no valor de € 6.342.904,11, referente ao exercício de 2008. 1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: A. A situação em recurso é o enquadramento legal do método de cálculo para apuramento dos encargos financeiros, preconizado pela Circular 7/2004. B. O artigo 32º do EBF não determina como se calcula o valor dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais. C. A Circular 7/2004 ao estipular um método para quantificação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais é ilegal e inconstitucional do ponto de vista formal, porque viola o princípio da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República. D. O contribuinte agiu de boa-fé, pelo que teria de se considerar como verdadeira a sua Declaração de IRC. E. Enferma, assim, a Douta Sentença recorrida de: a) Errado enquadramento legal da aplicação do método de apuramento do valor dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais; b) Consequentemente, errada aplicação da Circular 7/2004; c) E por inerência ilegal a sua aplicação à situação aqui recorrida; d) Bem como provada e comprovada a veracidade e de boa-fé da sua declaração.
1. A Impugnante é a sociedade dominante do denominado “Grupo B…………” [facto não controvertido]; 2. Em 30 de Maio de 2009, cumprindo a Impugnante a respectiva obrigação declarativa, entregou a declaração Modelo 22 do IRC, reportada ao exercício de 2008, tendo-lhe sido atribuída a seguinte identificação: 3441-C1161-14 – (cfr. Doc. nº 2 junto à PI e fls. 73/75 do p.f.); 3. Da modelo 22, referida em 2., resulta que a Impugnante, na determinação do lucro tributável do exercício a Impugnante acresceu, ao resultado líquido do exercício, a quantia de € 6.342.904,11 (cfr. quadro 07 da Declaração periódica Modelo 22 – (cfr. Doc. nº 2 junto à PI e fls. 73/75 do p.f.); 4. Em 30/05/2011, a Impugnante apresentou reclamação graciosa do aludido acto de autoliquidação do IRC, de 2008, pretendendo que fosse considerado como custo fiscal o montante de € 6.342.904,11 – (cfr. fls 3/19 do PA apenso); 5. Em 30/11/2011, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação referida em 4. por extemporaneidade – (cfr. fls 26/33 do PA apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido); 6. Não se conformando com tal decisão a Impugnante em 23/12/2011, interpôs recurso hierárquico da decisão referida em 5. – (cfr. fls. 45/54 verso do PA apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido); 7. Em 18/07/2012, foi a Impugnante notificada do deferimento do recurso hierárquico no que concerne à questão da tempestividade, sendo por esse facto reapreciada a sua reclamação graciosa – (cfr. fls. 65/66 do PA apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido); 8. Em 01/10/2012, foi a Impugnante notificada da decisão definitiva de indeferimento total da reclamação graciosa referida em 4. – (cfr. fls. 69 do PA apenso); 9. Não se conformando com tal decisão, a Impugnante em 25/10/2012 interpôs recurso hierárquico – (cfr. fls. 70/78 verso do PA apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido); 10. Em 04/04/20 13, por decisão proferida pelo substituto legal do Director Geral da AT foi indeferido o Recurso Hierárquico referido em 10. – (cfr. fls. 84/88 do PA apenso que aqui se dá por reproduzida, e que se transcreve parcialmente: «(...) (…) III — Natureza e fundamento da matéria reclamada 1. A empresa apresentou reclamação graciosa da autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do exercício de 2008, referindo que considerou na declaração mod. 22 individual, e que se reflectiu na soma algébrica dos resultados fiscais, ao nível da declaração do grupo tributado pelo RETGS, encargos financeiros no valor de € 6.342.904,11, conforme orientações genéricas da Administração Tributaria (AT), Circular nº 7/2004, de 30.03.2004, da DSIRC, e que aquela autoliquidação foi efectuada tomando por base um método de cálculo indirecto, o qual contesta. 2. A reclamação graciosa é indeferida porque, conforme admitido pela reclamante, no cálculo do valor dos encargos financeiras a acrescer no quadro 07 da declaração mod. 22 na sequência da aplicação do art.º 31º do EBF, foram seguidas as orientações da AT nesta matéria. Foram determinadas as orientações em causa, nos termos do art.º 55º do CPPT, ou seja, foram emitidas pelo órgão competente, as quais visam a uniformização da interpretação e aplicação do estipulado no art.º 31º do EBF e constam da citada circular. Encontrando-se os Serviços vinculados às orientações emanadas da Circular nº 7/2004, conforme determinado no nº 1 do artº 88º-A da LGT, e admitindo a própria reclamante ter seguido as orientações em referência, foi indeferida a reclamação. 2 - Parecer Não assiste razão à recorrente, ao invocar que é ilegal a autoliquidação efectuada com base nas orientações genéricas da administração fiscal, que são ilegais, por serem a aplicação de um método indirecto de tributação, não previsto na lei e que a CRP não permite, pelos motivos que a seguir se referem. Relativamente ao regime aplicável às SGPS, à data dos factos, a Lei nº 32-B/2002 (OE 2003) introduziu o art.º 31º do EBF (actual art.º 32º), o qual determinou que as mais-valias e as menos valias realizadas por estas entidades mediante transmissão onerosa de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os capitais financeiros suportados com a sua aquisição. O nº 5 da Circular nº 7/2004, de 30.03, da DSIRC veio esclarecer que o regime fiscal aplicável às SGPS, consagrado no então artº 31° do EBF, no que respeita, concretamente, aos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, é aplicável aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 01.01.2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data. A questão de se poder utilizar um método de afectação directa ou específica já foi, no passado, abordada pelo Centro de Assuntos Fiscais através do Parecer nº 42/2003, no seguinte sentido: “Quanto ao método a utilizar para essa afectação há que fazer uma opção fundamental entre o recurso a um método de afectação directa ou específica e a utilização de uma qualquer fórmula. Ora, se a eleição de um método de afectação directa ou específica surge, aparentemente, como a solução mais consentânea com a identificação dos encargos financeiros efectivamente suportados com a aquisição das partes sociais, a sua concretização prática é susceptível de apresentar, em nosso entender, dificuldades insuperáveis. Com efeito, a requerente tem razão quando questiona a capacidade da SGPS para identificar os fundos que canalizou para efeitos da aquisição das participações sociais,… a conclui que qualquer afectação da dívida será, assim, necessariamente, aleatória … De facto, uma das características da moeda é precisamente a da fungibilidade. Ora, esta característica torna, em nosso entender, extremamente difícil de implementar qualquer método de afectação directa ou específica.” Sobre esta matéria, a DSIRC, concluiu no seguinte: “De facto, a fungibilidade da moeda leva a que seja extremamente difícil determinar, com exactidão, qual a aplicação específica dos capitais obtidos, por exemplo, através de um determinado empréstimo. Assim, deverá ser sempre utilizado o método indirecto acima referido para o cálculo dos encargos financeiros que não serão dedutíveis para efeitos fiscais, de modo a evitar as possibilidades de manipulação dos resultados caso assim não se procedesse.” Assim, face ao entendimento sufragado por esta Direcção de Serviços, não parece ser possível a aceitação de um método de afectação directa ou específica, tal como pretende a recorrente. Por outro lado, no entender da recorrente só se aplicaria essa norma aos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações a partir de 01.01.2003. Sucede que o novo regime fiscal das SGPS consagrado no art.º 31º do EBF veio definir o tratamento fiscal a dar às mais-valias e às menos valias realizadas pelas SGPS, bem como o tratamento a dar aos encargos financeiros suportados com a sua aquisição. Para além disso, o nº 5 do art.º 38 da Lei nº 32-B/2002 prescreve que o novo regime fiscal aplica-se às mais-valias e às menos valias realizadas no período da tributação após 01.01.2003. Ora está bem claro que não se tratam das aquisições de participações efectuadas após essa data. Assim como, o âmbito de aplicação da alienação ao nº 2 do anterior art.º 31º do EBF pela Lei do OE de 2003 está claramente definido nos nºs 5 e 6 da Circular 7/2004 de 03.03,2004: “… no que concerne ao âmbito de aplicação temporal do novo regime e no que respeita concretamente aos encargos financeiros, o mesmo é aplicado aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data. De sublinhar que na Circular em causa nos presentes autos, se encontra acautelada a igualdade de tratamento quanto à tributação de mais-valias e dos correspondentes encargos financeiros. Refere o nº 6 da Circular 7/2004 que no exercício em que são suportados os encargos financeiros devem ser desconsiderados como custos os que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no nº 2 do anterior artº 31º do EBF. No mesmo número da circular é ainda referido: “… Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.” Concluímos assim que a imputação dos encargos financeiros às participações sociais deverá ser efectuada com base na fórmula estabelecida no nº 7 da Circular 7/2004. Contudo, o estipulado no nº 6 da circular admite a rectificação dos encargos fiscais inerentes às participações alienadas que não gozem da aplicação do regime especial das SGPS. Não podemos deixar de referir que os Serviços encontram-se vinculados ao princípio da legalidade pelo art.º 55º da LGT, ou da subordinação da administração à lei, que impõe que esta só possa actuar com base na lei ou autorização pela mesma. Somos de opinião de que não assiste razão à recorrente, porquanto, segundo é alegado pela recorrente a autoliquidação efectuada respeitou o estipulado na Circular 7/2004 de 03.03.2004. Pelo que, não existe base legal que permita atender a pretensão da recorrente (…)» 11. A presente impugnação judicial foi intentada em 02/09/2013 – (cfr. fls. 2 dos autos).
3. Em face do teor das conclusões da alegação de recurso e da posição adoptada pelo Ministério Público no parecer supra referido, as questões que se colocam são as de saber se este Tribunal é competente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso e, no caso afirmativo, se a sentença padece de erro ao ter julgado que não padece de ilegalidade a autoliquidação de IRC efectuada pela impugnante, ora recorrente, em conformidade com o método preconizado na Circular nº 7/2004, de 30 de Março, para a afectação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais. Importa conhecer, em primeiro lugar, a questão de incompetência suscitada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, sabido que se trata de questão de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra. Como é sabido, o conhecimento de recurso interposto de actos jurisdicionais praticados pelos tribunais tributários em processos judiciais tributários regulados pelo CPPT é da competência desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo quando o recurso tenha por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos Tribunais Centrais Administrativos – cfr. arts. 26º, al. b), e 38º, al. a), do ETAF, conjugados com o art.º 280º, nº 1, do CPPT. No caso sub judice, o Ministério Público sustenta a incompetência hierárquica deste Tribunal com o argumento de que a afirmação da recorrente no sentido de que está provada a veracidade e boa-fé da sua declaração de rendimentos envolve factos ou, pelo menos, juízos de valor sobre factos, não se tratando, assim, de um recurso que tenha por exclusivo fundamento matéria de direito. A enunciada questão foi já decidida nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos proferidos em 8/03/2017, no proc. nº 0227/16, de 31/05/2017, no proc. nº 01229/15, de 29/11/2017, no proc. nº 01292/16, e de 24/01/2018, no proc. nº 745/15, nos quais, com fundamentação que merece a nossa inteira adesão, se concluiu no sentido de que o ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da DSIRC estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal. Deste modo, e atendendo também à regra constante nº 3 do art.º 8º do C.Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – bem com à falta de nova argumentação que nos leve a inflectir ou a divergir do entendimento ali firmado, limitar-nos-emos a remeter para a fundamentação que consta do acórdão proferido no proc. nº 0227/16, que aqui se acolhe e subscreve na íntegra. «No essencial, a recorrente pede a este Supremo Tribunal que diga se o disposto no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da DSIRC - Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais - se traduz ou não, num método não conforme à Lei constitucional e ordinária, para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais. Por tal motivo, encontra-se decisivamente inquinada a determinação da matéria tributável que suporta o acto de autoliquidação impugnado. Posto isto, e dado que, por um lado, a Administração Tributária não questionou que a impugnante tenha suportado os encargos, a sua origem e natureza, nem ousou afirmar que ela se tenha desviado da orientação vertida nessa Circular, e que, por outro lado, o tribunal não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária), impõe-se revogar a sentença, julgar, em substituição, procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação dos actos impugnados e a condenação da Administração a restituir o imposto indevidamente pago bem como a pagar os peticionados juros indemnizatórios em conformidade com o disposto no art.º 61º do CPPT.
Custas pela Fazenda Pública em ambas as instâncias, com dispensa de taxa de justiça neste STA uma vez que não contra-alegou.
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