Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01157/17
Data do Acordão:01/31/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRC
BENEFÍCIOS FISCAIS
ENCARGOS FINANCEIROS
Sumário:I - Mostra-se afectado por vício de violação de lei o acto de autoliquidação de IRC efectuado em obediência à orientação constante no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da Direção de Serviços do IRC, na medida em que nela se estabelece um método ilegal de afectação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.
II - Não tendo a Administração Tributária questionado, na decisão de indeferimento da impugnação administrativa apresentada contra o acto de autoliquidação e que constitui o objecto imediato da impugnação judicial, que o sujeito passivo tenha suportado os encargos inscritos, a sua origem e natureza, nem ousado afirmar que ele se desviou do método preconizado na dita Circular, e dado que o tribunal não pode introduzir diferentes filtros para escrutinar a legalidade dos actos impugnados ou recorrer a novos fundamentos para os manter na ordem jurídica, estando impedido de invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária, mais não resta do que anular os actos que constituem o objecto (imediato e mediato) da impugnação judicial.
Nº Convencional:JSTA00070519
Nº do Documento:SA22018013101157
Data de Entrada:10/23/2017
Recorrente:A..........., SGPS, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:LGT ART87 ART68-A ART81 ART85 ART90.
CCIV ART8 N3
CPPT ART55 ART61.
CONST ART104 N2 ART112 N5 ART103 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0227/16 DE 2017/03/08.; AC STA PROC01229/15 DE 2017/05/31.; AC STA PROC01292/16 DE 2017/11/29.; AC STA PROC0745/15 DE 2018/01/24.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A…………, SGPS, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra o acto de indeferimento expresso do recurso hierárquico que apresentara na sequência do indeferimento, também expresso, da reclamação graciosa intentada contra o acto de autoliquidação de IRC, no que respeita a encargos financeiros no valor de € 6.342.904,11, referente ao exercício de 2008.

1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

A. A situação em recurso é o enquadramento legal do método de cálculo para apuramento dos encargos financeiros, preconizado pela Circular 7/2004.

B. O artigo 32º do EBF não determina como se calcula o valor dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.

C. A Circular 7/2004 ao estipular um método para quantificação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais é ilegal e inconstitucional do ponto de vista formal, porque viola o princípio da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República.

D. O contribuinte agiu de boa-fé, pelo que teria de se considerar como verdadeira a sua Declaração de IRC.

E. Enferma, assim, a Douta Sentença recorrida de:

a) Errado enquadramento legal da aplicação do método de apuramento do valor dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais;

b) Consequentemente, errada aplicação da Circular 7/2004;

c) E por inerência ilegal a sua aplicação à situação aqui recorrida;

d) Bem como provada e comprovada a veracidade e de boa-fé da sua declaração.


1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.


1.3. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser declarado incompetente, em razão da hierarquia, o Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação do recurso e competente o Tribunal Central Administrativo Norte, na medida em que a afirmação da Recorrente no sentido de que está provada a veracidade e boa-fé da sua declaração de rendimentos “(…) não deixa de envolver factos ou, pelo menos, juízos de valor sobre factos”.


1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


2. Na sentença recorrida julgou-se como provada a seguinte matéria de facto:

1. A Impugnante é a sociedade dominante do denominado “Grupo B…………” [facto não controvertido];

2. Em 30 de Maio de 2009, cumprindo a Impugnante a respectiva obrigação declarativa, entregou a declaração Modelo 22 do IRC, reportada ao exercício de 2008, tendo-lhe sido atribuída a seguinte identificação: 3441-C1161-14 – (cfr. Doc. nº 2 junto à PI e fls. 73/75 do p.f.);

3. Da modelo 22, referida em 2., resulta que a Impugnante, na determinação do lucro tributável do exercício a Impugnante acresceu, ao resultado líquido do exercício, a quantia de € 6.342.904,11 (cfr. quadro 07 da Declaração periódica Modelo 22 – (cfr. Doc. nº 2 junto à PI e fls. 73/75 do p.f.);

4. Em 30/05/2011, a Impugnante apresentou reclamação graciosa do aludido acto de autoliquidação do IRC, de 2008, pretendendo que fosse considerado como custo fiscal o montante de € 6.342.904,11 – (cfr. fls 3/19 do PA apenso);

5. Em 30/11/2011, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação referida em 4. por extemporaneidade – (cfr. fls 26/33 do PA apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);

6. Não se conformando com tal decisão a Impugnante em 23/12/2011, interpôs recurso hierárquico da decisão referida em 5. – (cfr. fls. 45/54 verso do PA apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);

7. Em 18/07/2012, foi a Impugnante notificada do deferimento do recurso hierárquico no que concerne à questão da tempestividade, sendo por esse facto reapreciada a sua reclamação graciosa – (cfr. fls. 65/66 do PA apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);

8. Em 01/10/2012, foi a Impugnante notificada da decisão definitiva de indeferimento total da reclamação graciosa referida em 4. – (cfr. fls. 69 do PA apenso);

9. Não se conformando com tal decisão, a Impugnante em 25/10/2012 interpôs recurso hierárquico – (cfr. fls. 70/78 verso do PA apenso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);

10. Em 04/04/20 13, por decisão proferida pelo substituto legal do Director Geral da AT foi indeferido o Recurso Hierárquico referido em 10. – (cfr. fls. 84/88 do PA apenso que aqui se dá por reproduzida, e que se transcreve parcialmente: «(...)





(…)
III — Natureza e fundamento da matéria reclamada
1. A empresa apresentou reclamação graciosa da autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do exercício de 2008, referindo que considerou na declaração mod. 22 individual, e que se reflectiu na soma algébrica dos resultados fiscais, ao nível da declaração do grupo tributado pelo RETGS, encargos financeiros no valor de € 6.342.904,11, conforme orientações genéricas da Administração Tributaria (AT), Circular nº 7/2004, de 30.03.2004, da DSIRC, e que aquela autoliquidação foi efectuada tomando por base um método de cálculo indirecto, o qual contesta.
2. A reclamação graciosa é indeferida porque, conforme admitido pela reclamante, no cálculo do valor dos encargos financeiras a acrescer no quadro 07 da declaração mod. 22 na sequência da aplicação do art.º 31º do EBF, foram seguidas as orientações da AT nesta matéria.
Foram determinadas as orientações em causa, nos termos do art.º 55º do CPPT, ou seja, foram emitidas pelo órgão competente, as quais visam a uniformização da interpretação e aplicação do estipulado no art.º 31º do EBF e constam da citada circular. Encontrando-se os Serviços vinculados às orientações emanadas da Circular nº 7/2004, conforme determinado no nº 1 do artº 88º-A da LGT, e admitindo a própria reclamante ter seguido as orientações em referência, foi indeferida a reclamação.
2 - Parecer
Não assiste razão à recorrente, ao invocar que é ilegal a autoliquidação efectuada com base nas orientações genéricas da administração fiscal, que são ilegais, por serem a aplicação de um método indirecto de tributação, não previsto na lei e que a CRP não permite, pelos motivos que a seguir se referem.
Relativamente ao regime aplicável às SGPS, à data dos factos, a Lei nº 32-B/2002 (OE 2003) introduziu o art.º 31º do EBF (actual art.º 32º), o qual determinou que as mais-valias e as menos valias realizadas por estas entidades mediante transmissão onerosa de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os capitais financeiros suportados com a sua aquisição.
O nº 5 da Circular nº 7/2004, de 30.03, da DSIRC veio esclarecer que o regime fiscal aplicável às SGPS, consagrado no então artº 31° do EBF, no que respeita, concretamente, aos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, é aplicável aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 01.01.2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data.
A questão de se poder utilizar um método de afectação directa ou específica já foi, no passado, abordada pelo Centro de Assuntos Fiscais através do Parecer nº 42/2003, no seguinte sentido:
“Quanto ao método a utilizar para essa afectação há que fazer uma opção fundamental entre o recurso a um método de afectação directa ou específica e a utilização de uma qualquer fórmula. Ora, se a eleição de um método de afectação directa ou específica surge, aparentemente, como a solução mais consentânea com a identificação dos encargos financeiros efectivamente suportados com a aquisição das partes sociais, a sua concretização prática é susceptível de apresentar, em nosso entender, dificuldades insuperáveis. Com efeito, a requerente tem razão quando questiona a capacidade da SGPS para identificar os fundos que canalizou para efeitos da aquisição das participações sociais,… a conclui que qualquer afectação da dívida será, assim, necessariamente, aleatória … De facto, uma das características da moeda é precisamente a da fungibilidade. Ora, esta característica torna, em nosso entender, extremamente difícil de implementar qualquer método de afectação directa ou específica.”
Sobre esta matéria, a DSIRC, concluiu no seguinte: “De facto, a fungibilidade da moeda leva a que seja extremamente difícil determinar, com exactidão, qual a aplicação específica dos capitais obtidos, por exemplo, através de um determinado empréstimo. Assim, deverá ser sempre utilizado o método indirecto acima referido para o cálculo dos encargos financeiros que não serão dedutíveis para efeitos fiscais, de modo a evitar as possibilidades de manipulação dos resultados caso assim não se procedesse.”
Assim, face ao entendimento sufragado por esta Direcção de Serviços, não parece ser possível a aceitação de um método de afectação directa ou específica, tal como pretende a recorrente.
Por outro lado, no entender da recorrente só se aplicaria essa norma aos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações a partir de 01.01.2003.
Sucede que o novo regime fiscal das SGPS consagrado no art.º 31º do EBF veio definir o tratamento fiscal a dar às mais-valias e às menos valias realizadas pelas SGPS, bem como o tratamento a dar aos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.
Para além disso, o nº 5 do art.º 38 da Lei nº 32-B/2002 prescreve que o novo regime fiscal aplica-se às mais-valias e às menos valias realizadas no período da tributação após 01.01.2003.
Ora está bem claro que não se tratam das aquisições de participações efectuadas após essa data.
Assim como, o âmbito de aplicação da alienação ao nº 2 do anterior art.º 31º do EBF pela Lei do OE de 2003 está claramente definido nos nºs 5 e 6 da Circular 7/2004 de 03.03,2004: “… no que concerne ao âmbito de aplicação temporal do novo regime e no que respeita concretamente aos encargos financeiros, o mesmo é aplicado aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data.
De sublinhar que na Circular em causa nos presentes autos, se encontra acautelada a igualdade de tratamento quanto à tributação de mais-valias e dos correspondentes encargos financeiros.
Refere o nº 6 da Circular 7/2004 que no exercício em que são suportados os encargos financeiros devem ser desconsiderados como custos os que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no nº 2 do anterior artº 31º do EBF.
No mesmo número da circular é ainda referido: “… Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”
Concluímos assim que a imputação dos encargos financeiros às participações sociais deverá ser efectuada com base na fórmula estabelecida no nº 7 da Circular 7/2004. Contudo, o estipulado no nº 6 da circular admite a rectificação dos encargos fiscais inerentes às participações alienadas que não gozem da aplicação do regime especial das SGPS.
Não podemos deixar de referir que os Serviços encontram-se vinculados ao princípio da legalidade pelo art.º 55º da LGT, ou da subordinação da administração à lei, que impõe que esta só possa actuar com base na lei ou autorização pela mesma.
Somos de opinião de que não assiste razão à recorrente, porquanto, segundo é alegado pela recorrente a autoliquidação efectuada respeitou o estipulado na Circular 7/2004 de 03.03.2004.
Pelo que, não existe base legal que permita atender a pretensão da recorrente (…)»

11. A presente impugnação judicial foi intentada em 02/09/2013 – (cfr. fls. 2 dos autos).

3. Em face do teor das conclusões da alegação de recurso e da posição adoptada pelo Ministério Público no parecer supra referido, as questões que se colocam são as de saber se este Tribunal é competente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso e, no caso afirmativo, se a sentença padece de erro ao ter julgado que não padece de ilegalidade a autoliquidação de IRC efectuada pela impugnante, ora recorrente, em conformidade com o método preconizado na Circular nº 7/2004, de 30 de Março, para a afectação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.

Importa conhecer, em primeiro lugar, a questão de incompetência suscitada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, sabido que se trata de questão de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra.

Como é sabido, o conhecimento de recurso interposto de actos jurisdicionais praticados pelos tribunais tributários em processos judiciais tributários regulados pelo CPPT é da competência desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo quando o recurso tenha por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos Tribunais Centrais Administrativos – cfr. arts. 26º, al. b), e 38º, al. a), do ETAF, conjugados com o art.º 280º, nº 1, do CPPT.

No caso sub judice, o Ministério Público sustenta a incompetência hierárquica deste Tribunal com o argumento de que a afirmação da recorrente no sentido de que está provada a veracidade e boa-fé da sua declaração de rendimentos envolve factos ou, pelo menos, juízos de valor sobre factos, não se tratando, assim, de um recurso que tenha por exclusivo fundamento matéria de direito.
Todavia, e com o devido respeito, discordamos desta posição.
Em face do suporte fundamentador dos actos impugnados, em particular do acto de indeferimento do recurso hierárquico que se debruçou sobre a imputada ilegalidade da autoliquidação na parte respeitante ao valor dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, constata-se que a Administração Tributária nunca questionou que a impugnante tenha suportado os encargos inscritos, a sua natureza e origem, ou que tenha seguido, para o cálculo do valor que inscreveu, o método indicado na Circular 7/2004, não questionando, sequer, a veracidade da sua declaração de rendimentos.
Pelo que a questão em litígio se reconduz unicamente a saber se é ou não legal o método preconizado nessa Circular no que toca à afectação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais. Questão cujo conhecimento não implica a necessidade de dirimir questões de facto, sendo que a invocada veracidade e boa-fé da declaração, é, em abstracto, indiferente para o julgamento desta específica e singular questão.
Improcede, pois, a questão prévia suscitada.

A enunciada questão foi já decidida nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos proferidos em 8/03/2017, no proc. nº 0227/16, de 31/05/2017, no proc. nº 01229/15, de 29/11/2017, no proc. nº 01292/16, e de 24/01/2018, no proc. nº 745/15, nos quais, com fundamentação que merece a nossa inteira adesão, se concluiu no sentido de que o ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da DSIRC estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal.

Deste modo, e atendendo também à regra constante nº 3 do art.º 8º do C.Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – bem com à falta de nova argumentação que nos leve a inflectir ou a divergir do entendimento ali firmado, limitar-nos-emos a remeter para a fundamentação que consta do acórdão proferido no proc. nº 0227/16, que aqui se acolhe e subscreve na íntegra.

«No essencial, a recorrente pede a este Supremo Tribunal que diga se o disposto no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da DSIRC - Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais - se traduz ou não, num método não conforme à Lei constitucional e ordinária, para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais.
Tanto na sentença recorrida, como nas alegações da recorrente, não há divergência sobre a natureza das regras contidas em tal Circular, trata-se de instruções genéricas que não são mais do que meras orientações administrativas que apenas vinculam a Administração, cfr. artigo 55º do CPPT e 68º-A da LGT.
Ou seja, não têm uma dimensão erga omnes, tal como as leis editadas pelo Parlamento e pelo Governo e, consequentemente, não vinculam os contribuintes e, especialmente, os Tribunais, cfr. nº 3 daquele artigo 55º, estando o seu campo de aplicação obrigatório confinado à actuação da administração tributária que procedeu à sua emissão.
[…]
Da leitura atenta que se faz daquele ponto 7, cuja legalidade vem questionada nos presentes autos, pode-se surpreender com facilidade que o método escolhido pela AT se assume como um método indirecto de afectação dos encargos, em contraposição a um método directo, motivado pela dificuldade de utilização de um método de afectação directa ou específica e pela possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria.
Ou seja, a AT, face às dificuldades sentidas de integração do disposto naquele artigo 32º do EBF, desinteressou-se pela obtenção da verdade dos factos, pilar da tributação sobre o rendimento real, cfr. artigo 104º, n,º 2 da CRP, e assumiu como único método aceitável o que parte de uma presunção de que os passivos remunerados das SGPS e SCR devem ser afectos liminarmente e de forma prioritária a empréstimos remunerados a participadas e outros investimentos geradores de juros e, no remanescente, aos demais activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.
Portanto, a recorrente ao seguir as orientações genéricas da AT, a que não estava obrigada, lançou mão de um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros, mas como bem refere a própria AT na decisão do recurso hierárquico, de nada lhe valeria (à recorrente) fazer de modo diferente porque, caso o fizesse, seria sempre corrigida a sua liquidação nos precisos termos daquelas orientações genéricas existentes, cfr. pág. 39 dos autos, parágrafo 2º.
Aliás, seguindo os contribuintes as orientações da AT, desde que conformes à lei, nas suas autoliquidações, evitam posteriormente dissabores e incómodos no tocante à regularização da sua situação tributária.
Na situação dos autos não vem concretamente explicada a razão pela qual (não) se poderia efectuar a afectação dos encargos financeiros por outro modo (directo), diferente daquele que foi efectivamente utilizado (indirecto), não o explica a recorrente, nem o explica a AT, ambas se limitam a referir que o método utilizado é o determinado pela Circular em questão. E a sentença bastou-se com o facto de a recorrente na autoliquidação ter seguido o método que para si não era obrigatório.
Tratando-se a avaliação indirecta de uma operação sem correspondência com a verdade dos factos, precisamente porque estes não são possíveis de determinar com segurança e certeza, ou porque há indícios muito fortes (a quase certeza) de que os factos evidenciados pelo contribuinte, e que devem servir de fundamento à determinação da matéria tributável, não são verdadeiros, previu o legislador, de forma taxativa, as concretas situações em que é possível o recurso a tais métodos indirectos nos artigos 87º a 90º da LGT.
Portanto, a “norma” emitida pela AT não pode ser considerada de per si, de forma isolada, sem qualquer relação com uma concreta situação de determinado contribuinte, como se tratando de método de afectação ilegal e proibido; se houver razões que justifiquem a sua aplicação, pode tratar-se de método idóneo a efectuar a respectiva afectação, mas se não se verificarem tais razões, trata-se de método inadequado de proceder a essa mesma afectação.
Já vimos que no caso dos autos nada se diz a esse respeito, isto é, nada se diz da possibilidade ou impossibilidade de aplicação de um método de afectação directo, tem-se por bom o método de afectação indirecto, de forma acrítica e sem conexão íntima com a situação concreta da contribuinte.
Contudo, não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indirecto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efectuada de acordo com a mesma.
É certo que as “normas administrativas” constantes da circular que se analisa foram emitidas, precisamente, face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104º, n.º 2 da CRP, 81º, n.º 1 e 85º da LGT, e, como também já vimos, as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112º, n.º 5 da CRP.
Temos, assim, que concluir pela razão da recorrente no que toca a pretender que não se aplique à sua situação concreta o disposto naquele n.º 7 da dita Circular 7/2004, mostrando-se afectada por vício de violação de lei a autoliquidação efectuada.
De resto, o facto de a própria recorrente ter procedido à autoliquidação do imposto, segundo as regras estabelecidas pela AT, não implica que tal seja admissível ou lhe seja oponível, desde logo porque aos contribuintes não assiste o direito de apresentar as suas declarações de rendimentos lançando mão de métodos indirectos que não tenham uma correspondência directa e imediata com a sua realidade contabilística, o que se impõe por força dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade, segundo os quais, todos, e cada um, contribuirão coactivamente para a receita do Estado segundo as suas possibilidades e na medida do esforço que lhes possa ser exigido, cfr. artigo 103º, n.º 1 da CRP.
E já vimos que, o uso de tais métodos indirectos, apenas é consentido à AT nas situações enumeradas na lei e segundo os parâmetros legalmente estabelecidos, neste caso, para salvaguarda da receita do Estado, assim se conseguindo a distribuição do sacrifício, na medida do possível, por todos os contribuintes.».

Por tal motivo, encontra-se decisivamente inquinada a determinação da matéria tributável que suporta o acto de autoliquidação impugnado.

Posto isto, e dado que, por um lado, a Administração Tributária não questionou que a impugnante tenha suportado os encargos, a sua origem e natureza, nem ousou afirmar que ela se tenha desviado da orientação vertida nessa Circular, e que, por outro lado, o tribunal não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária), impõe-se revogar a sentença, julgar, em substituição, procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação dos actos impugnados e a condenação da Administração a restituir o imposto indevidamente pago bem como a pagar os peticionados juros indemnizatórios em conformidade com o disposto no art.º 61º do CPPT.


4. Termos em que, face ao exposto, se acorda em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, anulando-se o acto de indeferimento do recurso hierárquico e o acto de autoliquidação de IRC na parte sindicada, bem como condenar a Administração Tributária a restituir o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios em conformidade com o disposto no art.º 61º do CPPT.

Custas pela Fazenda Pública em ambas as instâncias, com dispensa de taxa de justiça neste STA uma vez que não contra-alegou.


Lisboa, 31 de Janeiro de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Ana Paula Lobo – Isabel Marques da Silva.