Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0302/04
Data do Acordão:10/17/2006
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:ROSENDO JOSÉ
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL.
INTERVENÇÃO PRINCIPAL.
SEGURADORA.
Sumário:I – Em acção emergente de responsabilidade civil extracontratual de pessoa pública, por acto (ou omissão) de gestão pública, pode ser chamada a intervir pessoa jurídica privada, para quem haja sido transferida a responsabilidade por contrato de seguro, sem beliscar as regras de competência da jurisdição administrativa.
II – A competência dos tribunais administrativos é determinada em razão da matéria tal como ela decorre da relação jurídica desenhada pelo A. na petição, no caso a relação jurídica administrativa da responsabilidade extracontratual do ente público decorrente do desempenho das suas atribuições, sem prejuízo da extensão da competência às questões que o R. (interveniente) suscite, como previsto no art.º 96.º n.º 1 do CPC.
III – O contrato de seguro transfere para a seguradora a responsabilidade do ente público demandado como primitivo Réu, pelo que a seguradora passa a ser devedor da mesma obrigação, a responsabilidade civil pelo evento danoso, e o seu responsável último, até ao limite do valor seguro, pelo que a relação controvertida também lhe respeita – art.º 27.º n.º 1 do CPC – e passa a ser nela condevedor (art.º 320.º al. a) do CPC), em virtude do que a sua intervenção pode e deve ser admitida, verificados os demais requisitos, como intervenção principal provocada
Nº Convencional:JSTA00063574
Nº do Documento:SAP200610170302
Data de Entrada:06/05/2006
Recorrente:CM DE GONDOMAR
Recorrido 1:A...
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Meio Processual:REC OPOSIÇÃO JULGADOS.
Objecto:AC STA DE 2004/10/21.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Legislação Nacional:CPC96 ART96 N1 ART27 N1 ART320 A.
ETAF84 ART3.
ETAF02 ART1 ART4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1960/02 DE 2003/05/29 IN CJA N53 PAG34.; AC STA PROC45222 DE 2000/02/01 IN AD 466 PAG1231.; AC STJ PROC33681 DE 2003/05/08.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA:
1. A Câmara Municipal de Gondomar
interpôs recurso de agravo do despacho proferido no TAC do Porto que indeferiu o seu requerimento e não admitiu a intervenção principal da chamada
B…
Para assumir a posição de sua co-ré na acção que lhe era movida pela A…, e em que era também demandada a sociedade .
O recurso foi julgado improcedente na Subsecção pelo Acórdão de fls. 51-56, de 21.10.2004.
Inconformada recorre agora para o Pleno, por oposição com o decidido por Acórdão de 17 de Março de 1998, no P. 42112.
Por Acórdão de 4.5.2006 foi ordenado o prosseguimento do recurso, considerando-se existir oposição entre as duas decisões quanto à questão da admissibilidade do chamamento à acção da seguradora que através de contrato de seguro assumiu a responsabilidade extracontratual de um ente público em certas áreas das suas atribuições que é demandado na correspondente acção perante os tribunais administrativos.
A recorrente alegou sobre a resolução da oposição, e formulou as seguintes conclusões úteis:
- A competência em razão da matéria dos tribunais administrativos, no caso em acção emergente de responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública afere-se em razão da matéria controvertida e não em função de os sujeitos passivos serem ou não entes públicos.
- Os tribunais administrativos são competentes para julgar uma seguradora que através de contrato assumiu a responsabilidade por danos decorrentes de acidente causados por falta de sinalização, sinalização deficiente, ou sinalização retirada por terceiros, desde que a obrigação de sinalizar seja da responsabilidade do segurado, dado que a responsabilidade assumida é a que respeita ao ente público, por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública.
- A seguradora assumiu a obrigação de pagar como principal devedor a responsabilidade que pertence ao ente público, pelo que os tribunais administrativos são competentes para julgar a acção mesmo que continuasse apenas contra a seguradora como Réu, visto que a natureza desta responsabilidade não é alterada pela circunstância de ter sido transferida da Câmara Municipal de Gondomar para a Seguradora, nos termos do contrato de seguro.
2. Não houve contra alegações.
3. O EMMP emitiu douto parecer em que considera de adoptar a posição que admite o chamamento.
4. Não há motivos para reanalisar neste momento o que se considerou e decidiu quanto à admissibilidade do recurso e condições de apreciação de mérito, uma vez que a divergência essencial foi detectada em ser admitida a intervenção da seguradora no Acórdão fundamento e não o ser no Acórdão recorrido.
Importa, porém ainda dentro da questão da existência de oposição registar algumas observações.
Em primeiro lugar, a acção em que foi decidido por Acórdão deste STA admitir a intervenção da seguradora do Município – o Acórdão fundamento -, tinha sido proposta no âmbito temporal de vigência e aplicação do CPC na versão anterior à reforma introduzida pelo DL 329-A/95 e a acção em que surge a decisão agora recorrida foi proposta em 2003, aplicando-se-lhe o regime remodelado dos incidentes da instância da aludida reforma, com significativas alterações em relação ao anterior.
Porém, é bem evidente que no ponto essencial em que o Acórdão fundamento admitiu a intervenção e o Acórdão recorrido não a admitiu, a alteração de regras processuais sobre intervenção de terceiros não teve influência alguma na solução adoptada como decorre do que vai expor, sendo a doutrina unânime em que a matéria foi objecto de alterações quanto às formas processuais que a intervenção de terceiros assume, mas, no conjunto, não houve restrição ou alargamento dos casos de intervenção.
Em segundo lugar importa referir que existindo a oposição sobre o ponto essencial que é requisito da admissão deste tipo de recurso, o Tribunal não fica limitado quanto à determinação da forma processual de intervenção (dentre as diversas previstas no CPC) que deve ter lugar, já que se trata apenas de aplicar o direito à situação de facto configurada nos autos.
Passemos pois a enfrentar a questão enunciada.
5. Apreciação da questão de fundo.
5.1. Existem neste STA duas correntes jurisprudenciais inconciliáveis sobre este assunto.
De um lado os Ac. De 6.3.2001, P. 42122; 6.03.2001, P. 46913; 6.12.2001, P. 48027; 29.5.2003 P. 09160-02; 16.3.2004, P. 0715/03 e 18.01.2005, P. 0555/04, entendem que é de admitir a intervenção do terceiro vinculado ao réu por um contrato de seguro, quando o réu assim o requerer na contestação.
De outro lado o Acórdão recorrido acompanhado, entre outros, pelos Ac. De 1998.07.09, P. 41935; de 2002.02.26, P. 48118; de 2003.04.03, P. 1630/02 e de 2004.03.04, P. 01039/03 propugnam a inadmissibilidade da intervenção provocada pelo réu baseando-se fundamentalmente em que a responsabilidade a efectivar contra a chamada é de natureza diferente - contratual - e seriam competentes para dela conhecer os tribunais comuns.
5.2. Apreciando, devemos começar por assinalar que a intervenção na acção que é pretendida pelo réu Município tem como objectivo convencer a chamada da responsabilidade do seu segurado, nos tribunais competentes para o efeito, os tribunais administrativos, visto a acção versar sobre a responsabilidade de entes públicos decorrente do exercício dos seus poderes públicos ou de omissões no exercício desses poderes ou do desenvolvimento de actividades conexionadas com tais poderes e atribuições.
E, sendo assim, é inegável que se a seguradora não for admitida a intervir nesta acção que corre perante os tribunais administrativos, então ou ficaria impedida de defender a sua posição quanto à existência ou não da responsabilidade que está obrigada perante o réu a suportar ou, em alternativa, o réu seu segurado teria de propor contra ela uma acção para a convencer da existência de tal responsabilidade, ou que usara na defesa na acção contra ele decorrida de toda a diligência devida, pelo que entretanto, teria, provavelmente, de suportar a indemnização, perdendo-se parte importante da utilidade social do contrato de seguro, isto é as razões que movem as pessoas a celebrar este contrato sairiam defraudadas.
Esta constatação deve colocar-nos desde logo de sobreaviso sobre a bondade da solução jurídica da questão processual que conduza a um resultado inaceitável do ponto de vista da melhor composição dos interesses em causa e da máxima efectividade da tutela que todos os meios processuais devem assegurar constitui também uma vertente do princípio clássico da economia processual.
A importância de se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio convoca não apenas a imposição da cooperação entre os intervenientes no processo – art.º 266.º n.º1 do CPC, mas projecta-se em toda a garantia de acesso aos tribunais que ganha uma dimensão mais ampla na exigência constitucional de efectividade da tutela decorrente da redacção dos artigos 20.º e 268.º introduzida pela redacção da L.C. 1/97.
5.3. Por outro lado, o argumento da falta de competência dos tribunais administrativos para julgar se o contrato de seguro existe, se é válido e qual o alcance da cobertura que por ele é assegurada, não tem consistência alguma.
Efectivamente, é inegável que a acção continua a ser destinada a apreciar e decidir se existe responsabilidade extracontratual do ente público e, quando se conclua que ela existe, será este demandado sempre condenado na acção, mesmo que o chamado também venha a ser nela condenado.
Mas, esta realidade processual não exclui o grande interesse que a seguradora do R. Município tem na determinação e fixação da matéria de facto em que se venha a fundar uma condenação deste porque se tal responsabilidade existir ela terá de a solver por força da relação conexa decorrente do contrato de seguro.
De facto, a competência dos tribunais administrativos é definida pelos art.ºs 212.º n.º 1 da Const. e 3.º do ETAF/85 - aplicável à acção do Acórdão fundamento – e 1.º e 4.º do ETAF/02, em função da natureza administrativa ou não da relação da qual emerge o litígio e não em função dos contornos e caminhos processuais que o litígio vem a tomar por razões de conexão, que para o caso funcionam como meramente acidentais.
Os argumentos em contrário que se pretendem extrair do art.º 51.º do ETAF/84 são desprovidos de valor porque esta norma se insere sistematicamente no capítulo relativo aos tribunais administrativos de círculo e manifestamente se destina a recortar a competência destes tribunais no conjunto hierarquizado dos tribunais administrativos e não a delimitar o âmbito ou fronteiras da jurisdição. Se assim fosse como compreender a regra residual da al. q) do referido artigo, claramente uma regra de própria de repartição (interna, entre os diversos graus de tribunais administrativos) de competências atribuídas por outra norma e outro critério.
Neste sentido se tem pronunciado também a doutrina, como pode ver-se em anotação ao Ac. deste STA de 29.5.2003, P. 1960/02, CJA, n.º 53, p. 34
Como afirmava o Acórdão fundamento:
“...Aqui não valem os argumentos literais da al. h) do n.º 1 do art.º 51 do ETAF, porque a responsabilidade que à seguradora cabe é a mesma do ente público, por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, e sem dúvida no âmbito das relações jurídicas administrativas apenas o obrigado a reparar, devido à transferência da responsabilidade contratualmente assumida, é outra pessoa que não o ente público, mas como se pode ler no texto, a competência é atribuída em função das acções terem como objecto a responsabilidade dos entes públicos, por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública e não em função dos sujeitos passivos, isto é, de os Réus serem necessariamente entes públicos.”
E, no recente Acórdão de 18.01.2005, citado no parecer do EMMP, afirmou-se que as acções emergentes de responsabilidade civil extracontratual de entidade pública, por acto de gestão pública podem ser intentadas também contra a pessoa jurídica privada, para quem aquela, por contrato de seguro anterior, haja transferido a sua responsabilidade, e que, os tribunais administrativos são competentes, em razão da matéria para conhecer e julgar actos de gestão pública, sendo que esta conclusão não se altera pelo facto de intervir, no lado passivo da acção, uma entidade privada, pois a competência que se discute é em razão da matéria controvertida, ou seja, a natureza dos actos ou factos causadores dos danos cujo ressarcimento se imputa ao ente público. Acrescenta ainda, a propósito que “ o contrato de seguro apenas faz transferir o quantum indemnizatório para a empresa seguradora, não a responsabilidade jurídica pelo evento.
Este Acórdão segue de perto o Ac. deste STA de 1.2.2000, P. 45222, in AD 466, p. 1231, no qual se diz a certo passo:
“a pedra de toque que serve para julgar da competência do Tribunal em razão da matéria na acção, é só uma e a mesma, seja para as partes principais, seja para os chamados, tanto quanto são únicos e os mesmos os factos geradores da responsabilidade que são trazidos pelo autor à colação. Este não imputa à CMVC a responsabilidade por alegado contrato de seguro, mas por actos e omissões dela no exercício de função pública”. Concluiu este Acórdão por admitir a intervenção principal provocada da seguradora da Câmara.
A posição apontada, no que respeita às considerações sobre a competência dos tribunais administrativos é de subscrever inteiramente. Efectivamente, a competência dos tribunais administrativos fixa-se de acordo com o pedido e a causa de pedir apontados pelo A., pelo que a alteração subjectiva ou mesmo as alterações objectivas da instância que venham a ocorrer posteriormente irrelevam.
5.4. Resolvido como fica o aspecto respeitante à competência passemos agora a analisar a modificação subjectiva da instância provocada pelo incidente de intervenção, a modificação na posição processual das partes decorrente da intervenção de terceiros na instância desenhada pelo A. e, afinal, à determinação da forma de intervenção que deve ter lugar “in casu”.
Na espécie em apreciação a requerente alegou que a seguradora assumiu por contrato de seguro a transferência da responsabilidade da demandada Câmara de Gondomar, pelos acidentes em vias ao seu cuidado, causados por deficiências de sinalização, falta de colocação, ou retirada por terceiros.
E, pretende, primariamente, que essa intervenção seja como interveniente principal, isto é, para que a seguradora para quem alega ter transmitido a responsabilidade pedida na acção seja condenada e não ela R.
No entanto, subsidiariamente, para o caso de o tribunal concluir que a seguradora não é devedora a titulo principal, então pede que seja admitida a respectiva intervenção acessória, atendendo ao direito de regresso que poderá vir a ter sobre ela.
Para dilucidar este ponto importa saber se a relação que a seguradora da Ré Câmara (ou o réu Município) tem com a causa, tal como proposta pela A., lhe confere a posição de “condevedor” (art.º 329.º n.º 1), ou se a chamada tem em relação ao objecto da causa, uma posição igual à do Réu (art.º 320.º al. a) e 27.º do CPC (uma vez que não se trata de obrigação em que por lei ou negócio se exija a intervenção do segurado e da seguradora - art.º 28.º).
Para responder a este ponto deve começar por referir-se que a solução há-de construir-se assente na natureza da relação substantiva, ou seja das vinculações decorrentes do contrato de seguro.
Para tanto refira-se que o contrato de seguro tem como efeito transferir para a seguradora, mediante o pagamento de um prémio, os danos do segurado pela ocorrência de riscos, ou as obrigações do segurado decorrentes de responsabilidade extracontratual em que venha a incorrer perante terceiros por virtude das actividades definidas no contrato.
No caso de seguro de responsabilidade extracontratual assume relevância o facto de o seguro ser ou não obrigatório, porque se for obrigatório o terceiro que for lesado tem desde logo uma expectativa fundada, relevante e protegida juridicamente por razões de segurança, de beneficiar desse direito de crédito e da garantia nele contida embora contratada pelo segurado sem a sua intervenção. Assim, a lei do seguro automóvel obrigatório veio determinar que a acção do lesado será sempre proposta contra a seguradora e estabeleceu um fundo em benefício dos lesados atingidos por situações marginais de falta do seguro obrigatório.
Quando o seguro for facultativo como sucede no caso do seguro contratado pela Câmara que faz o pedido de intervenção nestes autos, o terceiro que sofreu a lesão e exige a responsabilidade do lesante-segurado ainda pode e está em condições de receber da seguradora deste a prestação devida pelo lesante, de modo que ainda existe aqui uma forte componente do contrato a favor de terceiro apesar de se tratar de contrato a favor de terceiro impróprio, por não existir aquisição de um crédito autónomo pelo terceiro-lesado.
Daí que se possa afirmar que se a segurada celebrou um contrato pelo qual a seguradora se obrigou a garantir a um terceiro beneficiário, até determinada quantia, o cumprimento das obrigações daquela, a prestação a exigir pelo beneficiário é só uma, embora por força do contrato possa ser exigida tanto da segurada como da seguradora. Esta afirmação cobre os casos em que o terceiro beneficiário não exista ainda, ou não seja determinado no momento do contrato de seguro. O que releva é que existe uma obrigação única a favor de terceiro que este verificado o facto lesivo, como credor, passa a poder exigir de qualquer dos devedores, porque a relação material respeita a vários devedores (os condevedores referidos no art.º 329.º n.º 1 do CPC), conforme a expressão ampla do art.º 27.º do CPC, mesmo que um dos devedores o seja por uma relação paralela conexa com a relação directa entre o lesante o lesado, aquela que emerge do contrato de seguro.
Sendo assim, temos de concluir que o terceiro lesado tem possibilidade de demandar o lesante e a sua seguradora em litisconsórcio voluntário, nos termos do artigo 27.º do CPC e também o segurado demandado tem o direito a fazer intervir a sua seguradora como Ré, ao seu lado, através de intervenção principal provocada para ser condenada no pedido, por força da al. a) d art.º 320.º do CPC e sendo possível esta intervenção a titulo principal é ela que deve ser seguida e não a intervenção a título acessório quer porque esse é o pedido primário da Ré chamante, como face ao disposto no art.º 330.º n.º 1, no inciso contido na última parte, onde se estatui que a intervenção acessória é subsidiária em relação à intervenção principal (por razões de economia processual através da máxima eficiência do meio processual) de modo que a intervenção será acessória apenas quando “o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal”.
A utilidade e o fim social do contrato de seguro apenas através desta solução se consegue atingir porque a seguradora que assume a transferência da obrigação de pagar o montante do ressarcimento pelo ilícito extracontratual passa a ter a responsabilidade transferida numa cadeia em que além de ter a mesma responsabilidade do lesante é o devedor final até ao limite do montante seguro, pelo qual se pretende que responda de imediato, logo que apurada a responsabilidade, diferentemente do que sucede com o responsável que a lei proteja para responder apenas em segunda linha, em direito de regresso em sentido técnico substancial, como sucede com a responsabilidade dos funcionários por actos praticados no exercício das suas funções – art.º 2.º n.º 2 do DL 48051.
Neste sentido se orientou o Ac. do STJ de 08-05-2003, P. 03B681, no qual se diz a propósito da intervenção principal provocada da seguradora dos réus, que estes requereram e tinha sido deferida na 1.º instância e mantida pela Relação, e em que a seguradora, única condenada e única recorrente na revista pedia precisamente para ser transformada a intervenção principal em acessória:
“Foram estes os termos da intervenção da seguradora, no processo donde emerge a revista, que ora, só ela propõe.
Não se estranha por isso que o Acórdão recorrido já então tenha salientado, exactamente neste contexto e propósito, que nunca foi posto em causa, a forma regular do chamamento da seguradora.
Explicou-se que é uma posição manifestamente sem fundamento, que nunca impugnou a qualidade em que foi chamada, tendo transitado em julgado o despacho que assim a julgou, como interveniente principal.
Observe-se, reforçando o argumento, que os factos que articulou, a forma e a oportunidade em que interveio, conferem à intervenção a estrutura assinalada pela Relação, e única consistente com o objecto da acção em que se inseriu, por incidente provocado. Consequentemente a questão colocada é nova, fora de prazo e de sede.
É nova porque não colocada adequadamente antes, Está fora de prazo porque precludiu a época de reacção contra ela. Está fora de sede, pelas duas sínteses anteriores” (destaque nosso, uma vez que a intervenção admitida no caso foi a título principal).
Ou seja o STJ considerou que a intervenção a titulo principal da seguradora naquele contexto, a pedido dos réus segurados e no momento processual próprio é a única forma de intervenção consistente com o objecto da acção em que se inseriu.
Flui do exposto que a segunda questão relativa ao tipo de intervenção a admitir deve resolver-se no sentido da intervenção principal provocada.
E, ao que diz o Acórdão recorrido sobre a possibilidade de a seguradora, uma vez admitida na indicada posição processual poder suscitar questões diferentes da que o A. pôs à apreciação do tribunal na petição, devemos contrapor que, sendo certo que pode suscitar questões relativas à relação conexa – o contrato de seguro – essas questões assumem carácter idêntico ao das questões prejudiciais e das questões que o Réu suscite como meio de defesa em que avultam no sentido de alargar a competência as relativas a excepções modificativas do direito pedido, podendo ser conhecidas na mesma acção sem qualquer desvio das regras de competência e da respectiva extensão à matéria de excepção ou mesmo prejudicial – art.º 96.º do CPC e art.ºs 7.º da LPTA e 15.º do CPTA.
Conclusão:
Em conformidade com o exposto acordam em conceder provimento ao recurso e revogar o Acórdão recorrido, decidindo admitir o chamamento da Ré seguradora do Município demandado na modalidade de intervenção principal provocada, devendo o processo prosseguir em conformidade.
Sem custas.
Lisboa, 17 de Outubro de 2006. - Rosendo José (relator) – António SamagaioAzevedo MoreiraCosta ReisPais Borges (Vencido. Votaria a tese do acórdão recorrido) - Jorge de SousaSantos Botelho – (Vencido, votaria a tese do Acórdão recorrido) – Maria Angelina Domingues – Adérito Santos.