Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01061/11
Data do Acordão:01/23/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:SISA
ISENÇÃO
REVENDA
CONTRATO PROMESSA
Sumário:A celebração de contrato promessa de compra e venda de imóvel no período de três anos subsequente à aquisição para revenda, ainda que acompanhado da tradição do bem, não obsta à caducidade da isenção da sisa, a qual apenas subsiste com a celebração do contrato de compra e venda.
Nº Convencional:JSTA00068064
Nº do Documento:SAP2013012301061
Data de Entrada:09/19/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA E MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC STA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
DIR FISC - SISA
Legislação Nacional:CIMSISD91 ART11 N3 ART13-A ART16 ART2 N2
CIMT03 ART2 N2
LGT98 ART11 N2 N3
CCIV66 ART11
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC015334 DE 1993/10/13.; AC STA PROC016201 DE 1970/11/04; AC STA PROC0957/11 DE 2012/11/21; AC STA PROC0303/11 DE 2011/11/16; AC STA PROC0234/09 DE 2009/05/13; AC STA PROC0924/09 DE 2010/04/21
Referência a Doutrina:SOARES MARTINEZ DIREITO FISCAL 7ED PAG67
FERNANDES PIRES LIÇÕES DE IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO E DO SELO PAG263/266 PAG422/424.
SÁ GOMES CADUCIDADE DE ISENÇÃO DE SISA PARECER N119/05 CTF380 PAG488.
SILVÉRIO MATEUS E CORVELO DE FREITAS OS IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO O IMPOSTO DO SELO ANOTADOS E COMENTADOS 2005 PAG385/386.
SALDANHA SANCHES MANUAL DE DIREITO FISCAL 3ED PAG133.
PINTO FERNANDES CARDOSO DOS SANTOS CÓDIGO DE SISA E DO IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOAÇÕES ED IMPRENSA NACIONAL I PAG371.
CASALTA NABAIS DIREITO FISCAL 5ED PAG215/216.
LEITE DE CAMPOS BENJAMIM RODRIGUES JORGE DE SOUSA LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED PAG121/122.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública e o Ministério Público recorrem, por oposição de acórdãos, do aresto proferido nos autos por este Supremo Tribunal Administrativo, em 12/4/2012, que concedeu provimento ao recurso que a então recorrente A……. S.A., com os demais sinais dos autos, interpusera da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual, por sua vez, julgara improcedente a impugnação deduzida contra liquidação adicional de sisa, no montante de Euros 13.966,34.
Invocam oposição com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 13/5/2009, no rec. nº 234/09.

1.2. Admitidos os recursos, ambos os recorrentes apresentaram, nos termos do disposto no nº 3 do art. 284º do CPPT, alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados (fls. 193/194 e 196/199).

1.3. Por despacho do Exmo. Relator (fls. 206) considerou-se existir a invocada oposição de acórdãos e as partes vieram deduzir alegações, nos termos do disposto nos arts. 284º, nº 5 e 282, nº 3, ambos do CPPT (fls. 201).

1.4. O recorrente Ministério Público termina as alegações do recurso formulando as conclusões seguintes:
1.° - Nos termos do previsto nos artigos 2° § 1 n° 2, 11° n° 3, 13°-A e 16° n° 1 do C.I.M.S.I.S.S.D., última disposição na redacção do Dec.-Lei nº 91/89, de 27/3, deixa de beneficiar da isenção prevista o prédio adquirido para revenda que não seja revendido no prazo de 3 anos;
2.° - Quanto a este conceito de revenda, e para que funcione a isenção, têm de se verificar todos os requisitos legais do contrato de compra e venda, e não mero contrato-promessa com tradição conforme previsto no art. 2° § 1° 2 do C.I.M.S.I.S.S.D.;
3.° - Tal o que é de entender mesmo quanto a pessoas, singulares ou colectivas, como é a recorrente, que tenham exercido a actividade de revenda de imóveis.
Termina pedindo a procedência do presente recurso, com a consequente revogação do anteriormente decidido e julgando-se agora improcedente a impugnação.

1.5. Também a recorrente Fazenda Pública apresentou alegações, rematadas com a formulação das Conclusões seguintes:
1) Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido, existe oposição susceptível de determinar o prosseguimento do presente recurso, encontrando-se preenchido o condicionalismo previsto no art. 284° do CPPT e art. 27°, n° 1, al. b) do ETAF.
2) Deve ser fixada como jurisprudência desse Venerando Tribunal, a constante do douto Acórdão fundamento, de que a celebração de um contrato promessa de compra e venda acompanhado de tradição do bem realizado, dentro do prazo de três anos subsequente à sua aquisição, não constitui "revenda" para o efeito de obstar à caducidade de isenção de sisa de um imóvel adquirido para revenda nos termos dos artigos 11° n° 3, 13°-A e 16° do CIMSISD.
3) Na verdade, parece-nos mais adequado concluir, como no Acórdão fundamento, que da letra da lei, pode desde logo verificar-se que falha neste caso, ao contrário do que se verifica para a definição da incidência do imposto (art. 2°, n° 2 do CIMSISD), uma intenção expressa do legislador em operar qualquer extensão do conceito de transmissão de propriedade e que, olhando, também, à “ratio” do preceito, à mesma conclusão somos conduzidos: se é verdade que a "deformação funcional" do conceito de transmissão para efeitos de incidência real de imposto de sisa acautela o receio do legislador na não celebração dos contratos definitivos de compra e venda de imóveis tendo em vista a evitação fiscal, a “ratio” da caducidade da isenção de imposto nas aquisições de prédios para revenda findos os três anos sem que o prédio tenha sido revendido (art. 16°, 1° do CIMISID), parece ser somente a circunstância de ter sido ultrapassado o prazo tido pelo legislador como razoável para efectuar a revenda do bem, cessando a partir daí o desagravamento fiscal estrutural concedido atendendo à natureza empresarial da actividade exercida pelo adquirente para revenda.
Termina pedindo a procedência do recurso, de acordo com a jurisprudência constante do acórdão fundamento, com todas as legais consequências.

1.6. A recorrida A……., S.A., apresentou contra-alegações, formulando as conclusões seguintes, ora submetidas a alíneas:
a) - É indubitável que, em relação à questão Jurídica em discussão, ocorre entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento, oposição de julgados e de decisão.
b) - Contrariamente ao doutamente expendido pelos recorrentes, entende todavia a recorrida que a oposição de decisões sobre a questão sub-judice deverá ser resolvida, acolhendo-se integralmente a tese consagrada no Acórdão Recorrido, e já não, aquela plasmada no Acórdão Fundamento.
c) - Na verdade, a questão jurídica que está em causa nos presentes autos, é a de saber se um contrato promessa de compra e venda acompanhado de tradição da coisa, e de transmissão de posse, equivale ou não, a uma verdadeira transmissão ou revenda, para efeitos de manutenção ou caducidade de isenção de Sisa.
c) - A resposta, a tal questão, não poderá deixar de ser, no entender da recorrente, a resposta positiva que foi aliás recebida e consagrada no Acórdão recorrido.
d) - Com efeito, é jurisprudencial e doutrinalmente aceite, que o conceito de transmissão para efeitos de lei fiscal é diferente daquele que decorre do ordenamento jurídico civil.
e) - Nesse sentido, em termos de lei fiscal, o conceito de transmissão é mais amplo que o conceito plasmado na lei civil, já que, no ordenamento jurídico tributário importa mais a transmissão de facto ou económico do que a transmissão jurídica.
f) - Assim é que, para efeitos de incidência do imposto municipal de Sisa, previa o art. 2º do CIMSISSD que se deveria quantificar como transmissão para efeitos de incidência do tributo em questão, "as promessa de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador, ou para o promitente permutante".
g) - O preceituado neste normativo, revela expressamente que a lei fiscal atende mais às realidades económicas e de facto do que aos conceitos meramente civilísticos de transmissão de prédios, sendo assim uma consagração do principio adoptado pelo direito tributário, de que mais do que a realidade jurídica, importa a realidade económica.
h) - Ora, se em relação à questão da incidência do Imposto de Sisa, ocorre a deformação conceptual, atrás referida, também, assim deverá, no que tange à questão da caducidade ou não caducidade da isenção de Sisa previamente concedida.
i) - Com efeito, não seria entendível que o mesmo acto ou realidade em si, fosse considerado transmissão para efeitos de sujeição a um tributo, e esse mesmíssimo acto, em concreto, deixasse de ser considerado transmissão, para efeitos de determinação de caducidade ou não caducidade da isenção do tributo, e isto, unicamente pela diversidade de posições dos respectivos sujeitos passivos.
j) - E que, se é certo que é reconhecido que os conceitos físcalistas são, por diversas vezes, deformados em relação aos conceitos do restante ordenamento jurídico, já não se poderia entender que, deformados tais conceitos, quando ingressados no sistema jurídico fiscal, pudessem os mesmos ser alterados ou ignorados, consoante se estivesse a tratar de uma questão de incidência do imposto, ou da manutenção da isenção de tal incidência.
k) - Acresce que, a isenção de pagamento do imposto em causa, aos adquirentes de bens que os destinam a revenda, justifica-se pela circunstância de entender o legislador que o Imposto Municipal de Sisa, só seria devido se o adquirente de um determinado imóvel pretendesse comercializar ou revender.
l) - Se assim é, dever-se-á entender também, que quando alguém que adquiriu um prédio para revenda, celebra em relação ao mesmo contrato promessa de compra e venda, transferindo a posse do prédio para terceiro, tal bem, deixou de integrar o seu património, passando para o património do terceiro promitente adquirente.
m) - Aliás, por isso mesmo, é que tal promitente adquirente está objectivamente sujeito ao pagamento do imposto de Sisa, tal como está sujeito ao pagamento do IMI, que se vencera após tal acto, já que a lei fiscal o passa a considerar como titular dos respectivos rendimentos prediais.
n) - Face ao exposto, é pois de considerar, tal como o Acórdão recorrido considerou, que o acto de outorga do contrato promessa de compra e venda, quando acompanhado de tradição da coisa, e transmissão da posse, equivale a uma verdadeira transmissão ou revenda, preenchendo assim o conceito plasmado no art. 16º do CIMSISSD.
Termina pedindo que a oposição de julgados seja sanada de acordo com a doutrina e a posição do acórdão recorrido, que assim deverá ser mantido na íntegra.

1.7. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. No acórdão recorrido julgaram-se provados os factos seguintes:
1º). Por escritura de "Compra e Venda" lavrada em 23.11.2000 na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim - 1° Cartório e exarada de fls. 13 a fls. 14V do livro E-171 de "Escrituras Diversas" do mesmo Cartório, B……., como procuradora em representação de C……., declarou vender à ora Impugnante, ali representada por D…… e E……, e esta declarou comprar pelo preço global de 28.000.000$00, "sete/trinta avos indivisos de uma casa de habitação e comércio, de rés-do-chão e andar, sito na Rua …..., desta cidade, descrito na Conservatória de Registo Predial deste concelho sob o número mil novecentos e cinco, da freguesia da Póvoa de Varzim, inscrito na matriz sob o artigo 5.201, com o valor patrimonial correspondente de 738.181$00, mais tendo declarado os representantes da Impugnante que "aceitam para a sua representada este contrato nos termos exarados; e que o imóvel se destina para revenda." - cfr. doc. de fls. 8 a 12 dos autos.
2º). Mais consta da escritura referida no ponto anterior que "No referido maço de documentos referente ao livro E - cento e sessenta e sete e a instruir a escritura nele lavrada a folhas cinco, encontra-se arquivada uma pública forma de certidão passada pela Repartição de Finanças do concelho de Vila Nova de Famalicão, dela constando que a sociedade compradora se encontra colectada ela actividade de compra e venda de bens imobiliários CAE 70120 e que exerceu normal e habitualmente essa actividade no ano findo, motivo porque este acto está isento do Imposto Municipal de Sisa, nos termos do n° 3, do art. 11º, do respectivo código". - cfr. doc. de fls. 8 a 12 dos autos.
3º). Por escrito de 10.09.2003 a Impugnante, representada por F…… e D……., declarou prometer vender a "G……, Lda.", e esta declarou comprar, o "prédio urbano constituído por casa de habitação e comércio, de rés-do-chão e andar, sito na Rua. ………, desta cidade, descrito na Conservatória de Registo Predial deste concelho sob o número mil novecentos e cinco, da freguesia da Póvoa de Varzim, inscrito na matriz sob o artigo 5.201 urbano". - cfr. doc. de fls. 13 a 14 dos autos.
4º). Consta do escrito referido no número anterior, entre o mais, o seguinte:
“Cláusula Quarta: A escritura de compra e venda que ora se promete celebrar será efectuada no prazo máximo de três anos a contar da data de outorga do presente contrato promessa de compra e venda.
Cláusula Quinta: Não obstante o estipulado na anterior clausula, dá a primeira à segunda outorgante, autorização para que esta ocupe de imediato o referido prédio tomando posse do mesmo.
Cláusula Sexta: De acordo com o estipulado na anterior clausula, à segunda outorgante ficam desde já entregues as chaves do prédio prometido vender, podendo esta assim utilizá-lo e frui-lo da forma que bem entender".- cfr. doc. de fls. 13 a 14 dos autos.
5º). Por ofício n° 994, datado de 26.1.2004, do Serviço de Finanças do Concelho da Póvoa de Varzim, foi a Impugnante notificada para, no prazo de 30 dias, solicitar guias naquele Serviço de Finanças, "a fim de efectuar o pagamento do imposto municipal de sisa no montante de 13.966,64 Euros [...] Estes valores resultam da liquidação efectuada em virtude de ter, adquirido por escritura de 23-11-2000, do 1° Cartório Notarial da Póvoa de Varzim, com isenção de sisa nos termos do n° 3 do artigo 11° do CIMSISSD, (o)s prédio(s) abaixo descrito(s) e não o ter revendido no prazo de 3 anos, perdendo assim o direito àquela isenção (n° l do art. 16° do Código do Imposto Municipal da Sisa). [...] Prédio: Prédios urbanos sitos na Rua ……., freguesia da Póvoa de Varzim, destinado a armazém, inscrito na matriz sob o artigo 7730 - 5201". - cfr. docs. de fls 14 e 15 do p.a. apenso aos autos, a Impugnante no ponto l da p.i. alega que foi notificada da liquidação.
6º). A presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim em 26.5.2004. - cfr. doc. de fls. 3 dos autos.

3.1. Como acima se deixou expresso, o presente recurso vem interposto do acórdão proferido neste STA (Secção de Contencioso Tributário), em 12/4/2012 (fls. 159/176), invocando os recorrentes que o mesmo está em oposição com o acórdão também proferido na mesma Secção do STA em 13/5/2009, no rec. nº 234/09.

Por despacho proferido em 11/6/2012 (fls. 206) o Exmo. relator julgou verificada a oposição, por entender que existe a apontada oposição entre ambos os arestos.
Mas porque tal decisão do relator não faz, nesse âmbito, caso julgado, nem impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar - cfr. art. 685º-C, nº 5 do CPC – podendo, se for caso disso, ser julgado findo o respectivo recurso; ( ) - cfr. também neste sentido Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 814 (nota 15 ao art. 284º), importa, então, averiguar se a alegada oposição de acórdãos se verifica.
3.2. Sendo ao caso aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos arts. 2º, nº 1, e 4º, nº 2, da Lei nº 13/2002, de 19/2, na redacção da Lei nº 107-D/2003, de 31/12, a admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27º, al. b) do ETAF e 152º do CPTA, depende, como se deixou expresso no ac. de 26/9/2007, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste STA, no processo nº 0452/07, da satisfação dos seguintes requisitos:
«– existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (( ) Acórdão de 29-3-2006, recurso nº 1065/05), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
– que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
– a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (( ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da SCA:
– de 29-3-2006, recurso n.º 1065/05;
– de 17-1-2007, recurso n.º 48/06;
– de 6-3-2007, recurso n.º 762/05;
– de 29-3-2007, recurso n.º 1233/06.
No mesmo sentido, pode ver-se MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, páginas 765-766.)».
Por um lado, portanto, a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

3.3. Neste contexto, importa, então, apreciar se se verifica, ou não, a suscitada oposição, no que respeita à questão em apreciação, que, segundo os recorrentes, é a de saber se a celebração de um contrato promessa de compra e venda, ainda que acompanhado de tradição do bem, dentro do prazo de três anos subsequente à aquisição, constitui, ou não, «revenda» para efeito de obstar à caducidade de isenção de sisa de um imóvel adquirido para revenda nos termos dos arts. 11° n° 3, 13°-A e 16° do CIMSISD.
Vejamos.

3.4. A leitura do próprio acórdão recorrido revela, desde logo, a existência da apontada oposição de acórdãos.
Na verdade, logo aí se afirma a divergência com o decidido no acórdão fundamento, em cuja fundamentação de direito se apoiara, aliás, a sentença recorrida, no sentido de que inexiste uma intenção expressa do legislador em operar qualquer extensão do conceito de transmissão consagrado no art. 2º, nº 2 do CIMSISSD ao caso da “revenda” referida no nº 1 do art. 16º do mesmo código.
E para além da explícita assumpção dessa divergência, também se verifica clara identidade de situações de facto ((i) em ambos os arestos esteve em causa a celebração de uma escritura pública de compra e venda de imóvel, tendo-se declarado, no mesmo acto, que o prédio adquirido se destinava a revenda e tendo, em virtude desse facto, a respectiva aquisição beneficiado de isenção de sisa nos termos do nº 3 do art. 11º do CSisa; e (ii) em ambas as situações, posteriormente à referida aquisição e dentro do prazo de três anos, foi celebrado pelo adquirente do imóvel que o havia destinado a revenda, contrato promessa de compra e venda, com tradição desse imóvel).
Por outro lado, a questão decidida em ambos os arestos foi a de saber se, para efeitos de isenção de sisa, o termo «revenda» abrange também o contrato promessa de compra e venda de imóvel em que tenha havido tradição deste.
Ora, tendo os acórdãos em confronto decidido divergentemente aquela referenciada questão de direito (o acórdão recorrido concluiu que a celebração de contrato promessa de compra e venda acompanhada de tradição do imóvel para o promitente comprador preenche o conceito de revenda constante do art. 16º do CSisa, uma vez que houve transmissão para efeitos fiscais; já o acórdão fundamento considerou que o conceito de revenda constante do nº 1 do art. 16º do CSisa deve ser entendido em sentido técnico-jurídico, concretizando a celebração de um contrato de compra e venda, não se bastando com a celebração de um contrato promessa mesmo que acompanhado de tradição), é, pois, de concluir que se verifica, no caso, a invocada oposição de acórdãos, susceptível de fundamentar o presente recurso.

4. Importa, portanto, apreciar a questão.
Que se substancia, como supra se disse, na de saber se a celebração de um contrato promessa de compra e venda, dentro do prazo de três anos subsequente à aquisição, e acompanhado de tradição do bem, constitui «revenda» para efeito de obstar à caducidade de isenção de sisa de um imóvel adquirido para revenda nos termos dos arts. 11° n° 3, 13°-A e 16° do CIMSISD.

4.1. O acórdão recorrido aduz, no essencial, uma argumentação que conjuga a interpretação do conceito de «transmissão» constante do nº 2 do § 1º do art. 2º do CSisa com a interpretação do conceito de revenda, constante do nº 1 do art. 16º do mesmo código.
Considerando que o nº 2º do § 1º deste art. 2º dá relevância tributária à «transmissão» de facto e adopta um critério de «transmissão» económica, com consequente irrelevância da transmissão jurídica do direito (afloramento do princípio da relevância da realidade económica que, actualmente, foi mesmo erigido em regra de interpretação das normas de incidência tributária, no nº 3 do art. 11º da LGT), o acórdão recorrido, apelando, ainda, para preenchimento do conceito de revenda, ao conceito de transmissão utilizado no art. 2º do mesmo Código, conclui que a celebração de contrato promessa de compra e venda, acompanhada de tradição de imóvel para o promitente comprador, preenche o conceito de revenda constante do art. 16º do CSisa, uma vez que houve transmissão do bem para efeitos fiscais.
É que, refere o acórdão, «… a lei fiscal ao deformar o conceito de transmissão tal qual ele é definido no direito privado, e ao considerar equiparado à transmissão do direito de propriedade, a outorga do contrato promessa de compra e venda, acompanhado da tradição do bem, e da transmissão da posse, tem de o fazer de forma plena e coerente, e consequentemente, tem de recepcionar tal deformação conceitual quer para efeitos de incidência de sisa, quer para efeitos de apuramento das circunstâncias que conduzem ou não à caducidade da isenção de sisa anteriormente concedida», sendo que «… o conceito de transmissão fiscal acima referido (e hoje constante do art. 2º, nº 2, alínea a) do CIMT), deve ser considerado um conceito geral no direito tributário, devendo ser usado - como é - em várias normas de âmbito tributário, que associam efeitos fiscais àquele conceito.» (e.g. o art. 10º, nº 3, al. a) do CIRS estabelece que, para efeitos de mais valias, nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato).
E o acórdão aporta, ainda, outros argumentos:
- A justificação da isenção prevista no nº 3º do art. 11º do CSisa reside no facto de, nos casos em que é adquirido um prédio para revenda, se estar perante a aquisição de um bem que é objecto da actividade comercial do adquirente, actividade que é adequadamente tributada em sede de imposto sobre o rendimento (IRC ou IRS): só se o prédio não é originariamente adquirido para revenda ou a empresa ou empresário passa a destinar a fruição um prédio que adquirira para revenda, é que tal prédio perde a natureza de mercadoria, deixando de integrar o respectivo activo permutável e passando a aquisição a não se integrar na actividade comercial do adquirente, com consequente afastamento da tributação em sede de IR. Por isso, nestas últimas situações, justifica-se que seja aplicada a tributação em sede de imposto sobre o património (sisa) à semelhança de qualquer outra aquisição de bens imóveis para integração no património (activo imobilizado) da empresa.
E a razão de ser do condicionamento temporal da isenção é a de evitar que as empresas ou empresários beneficiem indevidamente da isenção de sisa relativamente a prédios que, apesar de terem sido adquiridos para revenda ou declarados como tendo essa finalidade, não foram adquiridos com essa finalidade ou deixaram de a ter.
Ora, assim sendo, se houve tradição do imóvel para o promitente comprador, é inequívoco que o mesmo não continuou na posse da recorrente, cumprindo-se a sua função de mercadoria transmissível, deixando esta de integrar o activo daquela. Acrescendo que, tendo em atenção a tradição do imóvel para o promitente comprador, por força do disposto no nº 2º do § 1º do art. 2º do CSisa, passou este a ser logo sujeito passivo do imposto, uma vez que estamos em face de transmissão para efeitos fiscais, sendo que «se a lei já considerou como transmissão do imóvel a celebração do contrato promessa com tradição daquele, sujeitando a sisa o promitente comprador, é irrelevante a posterior celebração da escritura formal, pois que a transmissão para efeitos fiscais já foi considerada concretizada anteriormente, sob pena de estarmos a considerar duas transmissões quanto ao mesmo facto».
Daqui se concluindo que a celebração de contrato promessa de compra e venda, acompanhada de tradição de imóvel para o promitente comprador, preenche o conceito de revenda constante do art. 16º do CSisa, uma vez que houve transmissão do bem para efeitos fiscais.
- De todo o modo, se dúvidas houvesse quanto ao referido conceito de revenda, elas seriam eliminadas pelo art. 11º da LGT, de cujos nºs. 2 e 3 resulta que, existindo dúvida sobre o conceito de revenda constante da norma acima referida, isto é, se é de aplicar o conceito civil de transmissão ou o conceito fiscal, deve atender-se à substância económica dos factos tributários, o que significa que, no caso concreto, sempre teríamos de aplicar o mencionado conceito de transmissão fiscal.

4.2. Discordam os recorrentes (MP e Fazenda Pública) sustentando que a interpretação legal é a adoptada no acórdão fundamento, ou seja, que a celebração (dento do prazo de três anos subsequente à respectiva aquisição) de um contrato promessa de compra e venda acompanhado de tradição do bem, não constitui "revenda" para efeito de obstar à caducidade de isenção de sisa de um imóvel adquirido para revenda nos termos dos arts. 11° nº 3, 13°-A e 16° do CSisa.
E a recorrida pugna pela interpretação acolhida no acórdão recorrido.
Vejamos.

5.1. Os normativos que aqui relevam (arts. 2º, 11º nº 3º, 13º-A e 16º do CSisa – ao tempo aplicáveis) dispõem o seguinte:
Artigo 2º
«A sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis.
§ 1º Consideram-se, para este efeito, transmissões de propriedade imobiliária:
(...)
2º As promessa de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens;
(...)
§ 2º Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.
(…)»
Artigo 11º
«Ficam isentas de sisa:
(…)
3º As aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do nº 1 do artigo 94º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios revenda;
(…)»
Artigo 13º-A
«A isenção prevista no nº 3º do artigo 11º não prejudica a liquidação e pagamento da sisa, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.
1º Para efeitos do disposto na parte final do corpo deste artigo, considera-se que o contribuinte exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício do ano anterior mediante certidão passada pela repartição de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.
2º Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido paga a sisa, esta será anulada pela repartição de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção
Artigo 16º
«As transmissões de que tratam os nºs. 3º, 8º, 9º e 12º, alínea a), e 21º, 26º, 30º e 31º do artigo 11º e nº 7º do artigo 12º deixarão de beneficiar de isenção logo que se verifique, respectivamente:
1º Que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda;
(…)».

5.2. Conforme vem provado, a recorrida/impugnante adquiriu o prédio questionado por escritura de compra e venda lavrada em 23/11/2000 e, posteriormente, por escrito de 10/9/2003 prometeu vendê-lo à sociedade G……., Lda., que prometeu comprá-lo.
E segundo resulta das normas supra transcritas, as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis estavam sujeitas a sisa (à data dos factos; actualmente, estão, em regra, sujeitas a IMT), mas as transmissões de prédios para revenda, nos termos do artigo 13º-A do CSisa, estavam isentas desse imposto, deixando de beneficiar de isenção quando tais prédios não fossem revendidos dentro do prazo de três anos (citado nº 1 do art. 16º).
O acórdão recorrido, partindo da consideração de que a lei fiscal alarga (no nº 2 do § 1º do art. 2º do CSisa), para efeitos de incidência da sisa, o conceito de transmissão definido no direito privado (aquele normativo considera transmissão da propriedade imobiliária a promessa de compra e vendas, logo que verificada a tradição para o promitente comprador, ou quando este esteja usufruindo os bens), conclui que, na interpretação do nº 1 do citado art. 16º, também relevará aquela intenção de alargamento do conceito de transmissão, pois que ao deformar o conceito de transmissão tal como é definido no direito privado, a mesma lei fiscal «tem de o fazer de forma plena e coerente, e consequentemente, tem de recepcionar tal deformação conceitual quer para efeitos de incidência de sisa, quer para efeitos de apuramento das circunstâncias que conduzem ou não à caducidade da isenção de sisa anteriormente concedida», dado que «… o conceito de transmissão fiscal acima referido (e hoje constante do art. 2º, nº 2, alínea a) do CIMT, deve ser considerado um conceito geral no direito tributário, devendo ser usado - como é - em várias normas de âmbito tributário, que associam efeitos fiscais àquele conceito.»
E, por isso, conclui o acórdão recorrido, vindo provado que a recorrida prometeu, por contrato promessa de 10/9/2003, acompanhado de tradição do questionado prédio, vendê-lo à sociedade G……, Lda., que prometeu comprá-lo, é de entender que, no caso, o prédio foi revendido no prazo de três anos referidos no nº 1 do art. 16º.

5.3. Mas, com o devido respeito, não acompanhamos esta conclusão de que a celebração de contrato promessa de compra e venda, acompanhada de tradição de imóvel para o promitente comprador, preenche o conceito de revenda constante do art. 16º do CSisa, uma vez que houve transmissão do bem para efeitos fiscais.
É certo que, de acordo com o disposto no acima transcrito art. 2º do CSisa, esta incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis, considerando a lei, como transmissão, para este efeito, também a promessa de compra e venda de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou quando este esteja usufruindo os bens (citado nº 2 do § 1º).
Trata-se, na verdade, como refere o acórdão sob recurso, de uma situação em que a própria lei atribui relevância tributária à «transmissão» de facto, independentemente da transmissão jurídica do direito.
Apontando-se, como razões para esta tributação (em sede de sisa ou, actualmente, em sede de IMT) e para o legislador fiscal se afastar da noção e juízo já elaborados no seio do Direito Civil, quer a exigência que lhe é feita pelos fins próprios do sistema fiscal, dado que a adopção pura e simples de alguns conceitos civilistas no campo do Direito Tributário abriria, muitas vezes, a via a mais frequentes e mais ostensivas evasões fiscais, sendo que no caso da promessa de venda de um prédio, conjugada com a tradição «o legislador fiscal receou que, a fim de evitar o pagamento do imposto de sisa, o promitente comprador não celebrasse o respectivo contrato de compra e venda, contentando-se com uma transmissão de facto», ( Soares Martinez, Direito Fiscal, 7ª ed., Coimbra, Almedina, 1993, p. 67. ) quer razões que se prendem com a circunstância de os contratos promessa de compra e venda de imóveis terem deixado de ser, progressivamente, com o desenvolvimento da actividade económica, meros negócios preparatórios de contratos de compra e venda, passando a ser utilizados como instrumentos de realização de investimentos e de especulação imobiliária com base em transmissões puramente económicas dos bens, proporcionadoras de rendimentos. (Cfr. o ac. desta Secção do STA, de 21/4/2010, rec. nº 924/09; bem como José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, ed. Almedina, 2010, pp. 263 a 266. )
De todo o modo, como se disse, as transmissões de prédios para revenda, nos termos do art. 13º-A do CSisa, estavam isentas desse imposto, desde que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda;
Isenção cujo fundamento, por um lado, assenta, como assinala Nuno Sá Gomes, (Caducidade, por afectação a destino diferente, de isenção de Sisa, Parecer nº 119/95, de 11/7/1995, in CTF 380, pp. 488 e segts.) na circunstância de os prédios adquiridos se manterem, como mercadorias, no activo permutável da empresa tributada pelo exercício da actividade de aquisição de prédios para revenda e que, por outro lado, tem como fim último afastar elevados encargos financeiros que, não obstante serem custos dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento sujeito a imposto, tenderiam a repercutir-se no preço final da venda dos bens imóveis. (Cfr. Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património. O Imposto do Selo: Anotados e Comentados, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 385. )
Por isso, atentando, desde logo, na letra da lei e na «ratio» desta isenção, não sufragamos a tese do acórdão recorrido, no sentido de que, por a lei fiscal alargar (no nº 2 do § 1º do art. 2º do CSisa), para efeitos de incidência da sisa, o conceito de transmissão definido no direito privado, também deva interpretar-se o nº 1 do art. 16º co mesmo código, no sentido de relevar aquela intenção de alargamento do conceito de transmissão, pois que ao deformar o conceito de transmissão tal como é definido no direito privado, a mesma lei fiscal «tem de o fazer de forma plena e coerente, e consequentemente, tem de recepcionar tal deformação conceitual quer para efeitos de incidência de sisa, quer para efeitos de apuramento das circunstâncias que conduzem ou não à caducidade da isenção de sisa anteriormente concedida».
Com efeito, no nº 2 do § 1º do art. 2º a lei apela ao conceito (alargado) de transmissão mas, no art. 16º alude ao conceito de revenda (e não já de transmissão): isto é, como bem se diz no acórdão fundamento, «Partindo da letra da lei, pode desde logo verificar-se que falha neste caso, ao contrário do que se verifica para a definição da incidência do imposto (art. 2º, nº 2 do CIMSISD), uma intenção expressa do legislador em operar qualquer extensão do conceito, daí que em princípio o termo “revenda” deva valer para efeitos tributários com o mesmo sentido com que vale no direito comum (art. 11º, nº 2 da LGT), para o qual não basta para operar a transmissão do bem a celebração de um contrato promessa de compra e venda acompanhado da tradição do bem. E olhando agora à ratio do preceito, à mesma conclusão somos conduzidos: se é verdade que a “deformação funcional” do conceito de transmissão para efeitos de incidência real de imposto de sisa acautela o receio do legislador na não celebração dos contratos definitivos de compra e venda de imóveis tendo em vista a evitação fiscal, a ratio da caducidade da isenção de imposto nas aquisições de prédios para revenda findos os três anos sem que o prédio tenha sido revendido (art. 16º, 1º do CIMISID), parece ser somente a circunstância de ter sido ultrapassado o prazo tido pelo legislador como razoável para efectuar a revenda do bem, cessando a partir daí o desagravamento fiscal estrutural concedido atendendo à natureza empresarial da actividade exercida pelo adquirente para revenda, cujo enquadramento se insere no âmbito da tributação do rendimento e que tem como fim último apenas o de afastar elevados encargos financeiros que, não obstante serem custos dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento sujeito a imposto, tenderiam a repercutir-se no preço final da venda dos bens imóveis». (Cfr. Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Relatório do Grupo de Trabalho criado por Despacho de 1/5/2005 do Ministro do Estado e das Finanças, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 198, CEF, 2005, pp. 121/122, também citado no acórdão fundamento. )
Aliás, sabido que as normas de concessão de isenção de impostos, constituindo um desvio ao princípio da igualdade tributária (generalidade), assumem carácter excepcional, não comportando, por isso, aplicação analógica (embora admitam interpretação extensiva) – cfr. o art. 11º do CCivil), também haveremos de concluir naquele sentido se atendermos na evolução do normativo em causa, pois, como se exarou no acórdão deste STA, de 13/10/93, rec. nº 15.334, (Apêndice ao DR, de 20/5/1996, pp. 3279 a 3282.) «no labor interpretativo da lei, assume peculiar importância o elemento gramatical, ou seja, o texto da lei, a composição literal do texto interpretando (cf. artigo 9º do Código Civil), de tal sorte que, se aquele admitir apenas um sentido, deve-se reputá-lo, em princípio, como sendo o tradutor da verdadeira vontade real do legislador», ou, «Por outras palavras, e segundo a lição de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 182), “tem de se presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados — nº 3 do mesmo artigo 9º —, pelo que, na falta de elementos que induzam à eleição de um sentido menos imediato do texto legal, o intérprete deve optar, em princípio, por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas», então, «perante o texto da lei aplicável e o intuito legal de, com a concessão desta isenção, se evitar a tributação sucessiva, em imposto de sisa dos mesmos bens, num curto período de tempo, não será de concluir que o legislador disse menos do que pretendia, mas antes é de reconhecer que os termos utilizados traduzem a vontade ali inequivocamente expressa, no sentido de só relevar, para o efeito aí assinalado, o acto de “revenda” do prédio em causa. Daqui se segue que a expressão “transaccionados”, contida no citado preceito do artigo 16º, tem de ser entendida como reportada, apenas, ao “acto de venda”, com exclusão de todo e qualquer outro. Aliás, é de notar, que em época posterior à dos factos em apreço, a referenciada expressão acabou por ser substituída pela de “revendidos” (cf. Decreto-Lei nº 91/89, de 27 de Março), o que, por significativo, só veio reforçar aquele entendimento.»
Ora, se é certo que o CSisa consagra um conceito próprio de transmissão de imóveis sujeita a esse imposto (considerando como transmissões, para esse efeito, negócios jurídicos que, à luz da lei civil, não transmitem, ipso facto, o direito de propriedade – como é o caso do contrato promessa de compra e venda de imóveis com tradição da posse) também é certo que aquele mesmo código não equipara tais actos à própria revenda.
Daí que, utilizando o legislador, no nº 1 do art. 16º do CSisa, o conceito de revenda e não o de transmissão, se conclua que não pode aí apelar-se a outro qualquer conceito de revenda (conceito inexistente na lei fiscal), sendo, antes, indispensável que ocorra a nova venda do prédio (que só pode ser o acto jurídico definido no art. 874º do CCivil), ou seja, a transmissão do título de propriedade e não bastando, por essa razão, a celebração de contrato promessa de compra e venda, ainda que com tradição do prédio. Ou seja, embora a celebração deste tipo de contratos com tradição da posse seja considerada pelo CSisa como um facto sujeito a imposto, o certo é que no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a lei exige, sem mais, a efectivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem àquela equiparar qualquer outro tipo de acto ou contrato. (Neste sentido, embora reportando ao actual IMT, cfr. José Maria Fernandes Pires, ob. cit., pp. 422 a 424.
Bem como, Pinto Fernandes e Cardoso dos Santos, Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, edição da Imprensa Nacional, Vol. I, pag. 371; e Silvério Mateus/Corvelo de Freitas, ob. citada p. 386. )
E este tem sido, igualmente, o entendimento maioritário da jurisprudência deste STA (cfr. acórdãos de 4/11/1970, rec. nº 16201; de 16/6/1972, rec. nº 1981; de 11/3/1981, rec. nº 1462; de 10/11/1982, Pleno, rec. nº 1462; de 6/3/1985, rec. nº 2732; de 13/10/1993, rec. nº 15334; de 8/11/2006, rec. nº 642/06; de 13/05/2009, rec. nº 234/09; de 16/11/2011, rec. nº 303/11; e de 21/11/2012, rec. nº 0957/11).

5.4. Acresce que também não nos convence o argumento que o acórdão retira do disposto nos nºs. 2 e 3 do art. 11º da LGT, no sentido de que, existindo dúvida sobre o conceito de revenda constante da norma acima referida, isto é, se é de aplicar o conceito civil de transmissão ou o conceito fiscal, deve atender-se à substância económica dos factos tributários, o que significa que, no caso concreto, sempre teríamos de aplicar o mencionado conceito de transmissão fiscal.
Por um lado, não parece que deva configurar-se uma situação de dúvida sobre o conceito de revenda, dado que a lei não refere, para efeitos fiscais, um outro diferente.
Aliás, a disposição contida no nº 3 deste art. 11º da LGT não tem estado imune a críticas várias da doutrina, que vem afirmando (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5º ed., Almedina, 2009, pp. 215/216.
Cfr., igualmente, quanto à interpretação e aplicação das normas fiscais, Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed. Coimbra Editora, 2007, pp. 133 e ss.) que, no que respeita à interpretação das normas jurídicas fiscais «… é de afirmar a rejeição das teorias específicas que neste domínio têm sido propostas, como as da interpretação literal, a da interpretação económica ou a da interpretação funcional», sendo «… de seguir a orientação no sentido de que as normas jurídicas fiscais se interpretam como quaisquer outras normas jurídicas. Uma orientação que não obsta a que a substância económica dos factos tributários seja tida em conta, naturalmente apenas na exacta medida em que a teoria da interpretação a convoque» e sendo que, relativamente ao disposto no dito nº 3, o mesmo «… contém em si o perigo de anular o princípio de que na interpretação das normas jurídicas fiscais devem ser observadas as regras gerais da interpretação», para além de que «… não se percebe muito bem como é que as normas de incidência fiscal, após a utilização das regras gerais da interpretação, ainda sejam objecto de dúvidas acerca do seu sentido, uma vez que tais regras visam justamente dissipar todas as dúvidas que se levantem. Daí que, a nosso ver, o n° 3 do art. 11° da LGT esteja a mais, já que, ou não diz nada, ou contradiz o que se prescreve no n° 1
Daí que, no dizer de Saldanha Sanches, a incorporação de vários princípios torne o resultado do art. 11° pouco claro. (Loc. cit., p. 143.) .
E ainda no mesmo sentido parece convergir o entendimento de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, (Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, Editora Encontro de Escrita, anotação 3 ao art. 11º, pp. 121 e 122.) quando apontam que a interpretação económica é (nos termos do citado nº 3 do art. 11º da LGT) meramente residual e que o ponto de vista ali consagrado «… tem sido, e continua a ser, criticado pela doutrina. Enquadra-se numa ideia geral, não presente, sublinhe-se, na lei geral tributária, de que o Direito fiscal visa a realidades económicas e não factos jurídicos. Concepção com base na qual o intérprete da norma podia contrapor uma configuração jurídica (resultante da definição jurídica de um facto económico), a um facto económico, considerado este como complemento originário da “realidade” extranormativa. Esquecendo deliberadamente o “instrumento” através do qual o facto económico se transforma em elemento do tipo legal tributário. E conduzindo ao “enquinamento” económico da pesquisa e, assim, da interpretação da norma. Esta via conduz facilmente à derrogação das normas jurídicas pelo intérprete, a pretexto, mais ou menos declarado, da sua inadequação aos resultados económicos que são erigidos, com largo subjectivismo, em sua finalidade. Contudo, estes riscos serão facilmente afastados se o intérprete tiver o cuidado de não transformar a aplicação do Direito em sua criação, com grave prejuízo da certeza e da segurança do direito fiscal e, em última análise, do próprio princípio da legalidade dos impostos. A utilização dos critérios normais da hermenêutica jurídica assentes em normas tributárias tecnicamente bem construídas permitirá, normalmente, afastar o recurso ao critério da substância económica dos factos tributários

5.5. Em suma, porque, por um lado, não encontramos razões válidas para divergir do entendimento acolhido no acórdão fundamento, nem, por outro lado, como aí também se refere, se descortina que com tal interpretação ocorra violação do princípio da igualdade ou de qualquer outra norma ou princípio constitucional, havemos de concluir, em procedência das Conclusões dos recursos, que a celebração de contratos promessa de compra e venda de imóvel no período de três anos subsequente à aquisição, ainda que acompanhado da tradição do bem, não obsta à caducidade da isenção da sisa, a qual apenas subsiste com a celebração do contrato de compra e venda.
Devendo, pelo exposto, revogar-se o acórdão recorrido, que assim não entendeu.

DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em:
- julgar verificada a invocada oposição de acórdãos;
- dar provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público e pela Fazenda Pública e revogar o acórdão recorrido, confirmando, consequentemente, a sentença que julgou improcedente a impugnação.
Custas pela recorrida, que contra-alegou.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2013. – Joaquim Casimiro Gonçalves (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Lino José Batista Rodrigues Ribeiro - Pedro Manuel Dias Delgado – Maria Fernanda dos Santos Maçãs (revendo a posição do Acórdão recorrido) - Dulce Manuel da Conceição Neto - Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira – João António Valente Torrão (vencido, votaria pela manutenção do acórdão recorrido do qual, aliás, fui relator).