Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:017/15.0BEMDL
Data do Acordão:09/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PRETERIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão de TCA se não se colocam questões de relevância jurídica fundamental, nem nos deparamos ante uma pronúncia que, claramente, reclame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, dado a mesma não aparentar padecer de erros lógicos ou jurídicos manifestos, mostrando-se, no seu essencial, fundamentado numa interpretação coerente e razoável do quadro normativo em crise e em sintonia com a jurisprudência deste Supremo.
Nº Convencional:JSTA000P28123
Nº do Documento:SA120210909017/15
Data de Entrada:07/09/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE MONTALEGRE
Recorrido 1:ÁGUAS DO NORTE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:




1. Município de MONTALEGRE [doravante R.], devidamente identificado nos autos e invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 19.02.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 684/701 dos autos de recurso instruídos e com subida em separado - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que, na ação administrativa contra si instaurada por ÁGUA DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO, SA [doravante A.] [na qual peticionou a condenação daquele a pagar-lhe «a quantia de € 453.596,05 (…), valor acrescido dos competentes juros de mora, no valor de € 13.988,49 (…), o que perfaz o total de € 467.584,54 (quatrocentos e sessenta e sete mil, quinhentos e oitenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), bem como nos demais que se vierem a vencer até ao efetivo e integral pagamento da dívida»], concedeu provimento ao recurso de apelação e revogou a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela [doravante TAF/MDL - cfr. fls. 533/546], julgando improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral, determinando o prosseguimento dos autos se a tal nada obstar.

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 710/721] na relevância jurídica da questão objeto de litígio [relativa à delimitação da competência dos tribunais administrativos e do tribunal arbitral em face do previsto nas cláusulas 09.ª e 10.ª dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes outorgados entre o A. e a R. e do disposto nas Leis n.ºs 31/86, de 29.08 e 63/2011, de 14.12] e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», invocando, mormente, a incorreta aplicação das referidas cláusulas 09.ª e 10.ª dos contratos e dos arts. 14º, n.º 2, 89.º, n.ºs 2 e 4, al. a), do CPTA, 96.º, al. b), 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, al. a), todos do Código de Processo Civil [CPC/2013].

3. A A. devidamente notificada produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 729/762] nas quais pugna, desde logo, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TCA/N revogou o julgamento realizado pelo TAF/MDL de verificação da exceção dilatória de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral, considerando para tal que, à luz da pretensão/pedido formulado, «está em causa uma ação de cobrança de faturas emitidas pela sociedade concessionária, relativas a montantes alegadamente devidos pelo Réu na qualidade de utilizador originário, por consumos mínimos fixados no contrato de concessão e nos contratos de fornecimento, que alegadamente está obrigado a pagar, donde decorre que o presente litígio tem a ver com a falta de pagamento por parte do Réu de montantes faturados pela Autora» e como tal «se encontram sob a alçada da competência do TAF de Mirandela».

7. O R., ora recorrente, insurge-se contra este juízo, acometendo-o de incurso em erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação do quadro normativo atrás enunciado.

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA quanto ao presente recurso de revista.

9. E entrando nessa análise refira-se, desde logo, que a motivação/argumentação expendida pelo R., aqui ora recorrente, não se mostra convincente, não se descortinando uma qualquer relevância jurídica fundamental, nem o juízo firmado revela a necessidade de uma melhor aplicação do direito.

10. É certo que entre a A. e vários Municípios com a mesma contratantes têm existido vários litígios cujo objeto de controvérsia tem motivado várias pronúncias daquele TCA [cfr., entre outros, os Acs. de 27.11.2019 - Proc. n.º 00206/16.0BEMDL, de 27.11.2020 - Proc. n.º 00028/16.9BEMDL, de 18.12.2020 - Procs. n.ºs 00244/19.1BEMDL e 491/19.6BEMDL, de 05.02.2021 - Procs. n.ºs 00500/19.9BEMDL e 00430/15.3BEMDL, de 05.03.2021 - Procs. n.ºs 00466/18.2BEMDL e 00368/15.4BEMDL, de 19.03.2021 - Proc. n.º 00528/15.8BEMDL, de 09.04.2021 - Proc. n.º 00093/17.1BEMDL, de 07.05.2021 - Proc. n.º 00407/13.3BEMDL, de 21.05.2021 - Proc. n.º 00432/15.0BEMDL, de 02.06.2021 - Procs. n.ºs 00424/18.7BEMDL e 00492/19.4BEMDL].

11. Ocorre que a questão de delimitação do sentido/alcance da exceção prevista nas cláusulas apostas no contrato em questão [mormente das cláusulas 09.ª e 10.ª], não é nova já que a mesma, tendo sido alvo de anterior controvérsias, foi então objeto de análise por parte deste Supremo Tribunal, o qual afirmou, em face da pretensão/pedido então formulado e que é similar àquela que constitui a situação vertente na presente ação, que é «exato que os números “supra” transcritos das cláusulas 9.ª e 10.ª apontavam para que “todas as questões relativas à interpretação ou execução” dos ditos contratos pudessem ser submetidas “ao tribunal arbitral”. Todavia, os n.ºs 3 das cláusulas excetuavam, desse todo, as questões “respeitantes à faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele”, hipótese em que o “foro competente” seria o judicial. … Ora, a “causa petendi” do pleito dos autos respeita à “faturação”, “secundum pactos”, de fornecimentos de água e de prestações de serviços de saneamento. Deste modo, aquilo que a autora pediu cabia, literalmente, na “exceção” prevista nas cláusulas contratuais - não sendo o litígio de submeter “ao tribunal arbitral”» [cfr., nomeadamente, os Acs. de 03.12.2015 - Proc. n.º 0911/15, e de 14.01.2016 - Proc. n.º 0914/15].

12. Assim, fixado que se mostra o entendimento deste Supremo sobre a questão não se vislumbra que a concreta questão jurídica ora colocada justifique ou assuma in casu pelos seus termos relevância jurídica fundamental, tanto mais que não reclama labor interpretativo, ou cuja análise suscite dúvidas sérias, não revestindo já de elevada complexidade.

13. Para além disso temos que também não se descortina ser minimamente persuasiva a argumentação do R. produzida para efeitos da necessidade de admissão da revista para uma melhor aplicação do direito, porquanto primo conspectu temos que o juízo firmado pelo TCA/N no acórdão sob censura mostra-se como inteiramente acertado, não aparentando haver incorrido em manifesto erro lógico ou jurídico, tanto mais que em linha e sintonia com a jurisprudência deste Supremo citada supra.

14. Em suma, no presente recurso não se colocam questões de relevância jurídica fundamental, nem nos deparamos com uma pronúncia do tribunal a quo que claramente reclame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, razão pela qual não se justifica admitir a revista, valendo in casu a regra da excecionalidade supra enunciada.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo do R./recorrente.
D.N..
Lisboa, 09 de setembro de 2021
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, a Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa e o Conselheiro José Augusto de Araújo Veloso] Carlos Luís Medeiros de Carvalho