Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0512/10.8BEPRT
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IVA
CÁLCULO PRO RATA
SUBVENÇÃO
Sumário:I – A limitação do direito à dedução imposta pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIVA pressupõe que o sujeito passivo subvencionado seja um «sujeito passivo misto»;
II – É «sujeito passivo misto» quem faz a utilização mista dos seus inputs em que foi suportado IVA, afectando-os simultaneamente a operações que conferem o direito à dedução (operações tributáveis ou isentas com direito à dedução – isenção completa) e a operações que não conferem esse direito (operações não sujeitas ou sujeitas mas isentas sem direito à dedução – isenção incompleta);
III - O recebimento de subvenções não tributadas e de quotizações dos associados de um organismo sem finalidade lucrativa não suporta a qualificação de quem as recebe como «sujeito passivo misto»;
IV - A administração tributária não demonstra que um organismo sem finalidade lucrativa é um «sujeito passivo misto» se, além do mais, não demonstra que a actividade económica que desenvolve é integrada por operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem esse direito.
Nº Convencional:JSTA000P25843
Nº do Documento:SA2202005060512/10
Data de Entrada:09/28/2018
Recorrente:A.........................
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. A……………….., pessoa colectiva n.º ……….., com sede na Rua ……., ………, sala 18, 4450-….. Matosinhos, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial dos atos tributários de indeferimento parcial dos recursos hierárquicos números 39713, 39714, 39715, 39716 e 39717, que tiveram por objecto os despachos de indeferimento de reclamações graciosas de liquidações de imposto sobre o valor acrescentado dos períodos de 2000, 2001, 2002, 2003, e 2004, no valor total de € 575.071,57, e das correlativas liquidações adicionais de juros compensatórios, no valor de € 56.821,13.

Recurso este que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Notificado da sua admissão, apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

A. O objeto deste litígio é saber se a Recorrente, para efeitos de IVA, deve ser considerada um sujeito passivo «integral» ou um sujeito passivo «misto».

B. O Tribunal a quo, seguindo o entendimento da AT expresso no RIT, qualificou a Recorrente como sujeito passivo «misto» pelo facto de receber, de entes públicos, subvenções não sujeitas a IVA;

C. Pelo que negou o direito à dedução integral do IVA suportado pela recorrente nas compras, tendo calculado um «pro rata» de dedução, o que originou as liquidações ora impugnadas.

D. O Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 2005, no processo C- 204/03, concluiu que apenas são sujeitos passivos mistos aqueles que desenvolvem atividades que conferem o direito à dedução e atividades que não conferem esse direito, e, portanto, só estes se encontram obrigados a incluir os montantes das subvenções não tributadas no cálculo do pro rata de dedução.

E. Não ficou provado que a Recorrente tenha exercido uma qualquer atividade isenta (atividade que não confere direito à dedução),

F. Incluindo atividades em benefício dos seus associados que tivessem como contrapartida única o pagamento, por estes, de quotas.

G. Cabe ao TJUE assegurar a interpretação uniforme do Direito da União Europeia, sendo que as interpretações por ele estabelecidas são vinculativas para os Tribunais nacionais dos Estados membros.

H. Estando em causa a interpretação autêntica de normas comunitárias (normas nacionais que transpuseram para o direito interno o constante da "Diretiva IVA"), a interpretação fixada pelo TJUE é de aplicação imediata, ou seja, deve ser seguida também na decisão dos «casos pendentes».

I. A própria AT adotou a interpretação fixada por tal acórdão, tendo preconizado expressamente a sua adoção imediata.

J. Pelo que, pura e simplesmente, não se compreende que, ao menos em sede de apreciação das reclamações graciosas (decididas em data posterior a tal tomada de posição pela AT), se tenha ignorado a interpretação estabelecida pelo TJUE.

K. As faturas emitidas pela Recorrente, elencadas nos factos provados, em nada revelaram para a decisão recorrida, o que bem se compreende pois se houve erro na (não) liquidação de IVA em tais faturas, a questão que se colocaria seria a de uma liquidação adicional dos valores omitidos e não a da sujeição da recorrente ao regime do «pro rata», tal como fez a AT.

Pediu a revogação da sentença recorrida e a consequente anulação total das liquidações impugnadas.

1.2. Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, que se transcreve parcialmente:

«(…) 1. As liquidações adicionais impugnadas baseiam-se no entendimento de que a impugnante era um sujeito passivo misto de IVA, pelo facto de receber do ICEP Portugal e do IEFP incentivos não reembolsáveis (factos provados nº 2)

2. Este entendimento é inaceitável, na medida em que viola a interpretação da jurisprudência comunitária sobre a norma constante do art. 19º nº1 segundo travessão da Sexta Directiva do Conselho, 17 maio 1977 - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, segundo a qual apenas são sujeitos passivos mistos aqueles que exercem actividades que conferem o direito a dedução e actividades que não conferem esse direito (acórdão TJUE 6 outubro 2005 processo C- 204/03)

Deflui da doutrina do aresto que a regra da dedução pro rata (dedução do valor suportado nas compras na proporção do valor das vendas sujeitas a imposto) não é aplicável aos sujeitos passivos que, embora recebendo subvenções para exploração não tributadas (porque não incorporadas no preço do bem vendido ou do serviço prestado), apenas exercem actividades tributadas, sendo considerados sujeitos passivos integrais (texto das alegações de recurso arts. 12º, 14º e 21º; arts. 19º nº 1 e 17º nº 5 Sexta Directiva-Diretiva IVA; art. 23º nºs 1 e 4 CIVA)

Neste contexto deve ser recusada a classificação da recorrente como sujeito passivo misto adoptada na sentença recorrida, exclusivamente fundada na atribuição de subsídios de exploração não tributados

3. Sufraga-se o entendimento da recorrente sobre a exclusão do thema decidendum da omissão de liquidação de IVA em facturas titulando operações tributáveis, a justificar eventual liquidação adicional mas não a sujeição a regime pro rata de dedução (conclusão al. K); factos provados nºs 15/26)

CONCLUSÃO

O recurso merece provimento.

A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da procedência da impugnação judicial e anulatório das liquidações adicionais impugnadas»

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Das questões a decidir

A única questão a decidir é a de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao concluir que a Impugnante – ora RECORRENTE – foi correctamente qualificada como «sujeito passivo misto».



3. Dos fundamentos de facto

Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância: «(...)

«Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os factos seguintes:

1. A Impugnante é uma associação sem fins lucrativos, realizando no âmbito da sua actividade operações referentes à organização de exposições e certames de artigos têxtis e moda em Portugal e no estrangeiro com vista à promoção desse sector da economia - relatório de inspecção a fls. 317 e ss;

2. No âmbito da sua actividade a Impugnante conta entre as suas receitas com quotas pagas pelos seus associados e apoios sob a forma de incentivos não reembolsáveis atribuídos pelo ICEP Portugal e IEFP - relatório de inspecção a fls. 319 e ss. e acordo;

3. A Impugnante foi sujeita a acção de fiscalização pela AT ao abrigo do despacho n.º DI200513103 o qual abrangeu os exercícios de 2002, 2003 e 2004 e da ordem de serviço n.º OI200504416 para os exercícios de 2002, 2003 e 2004 - relatório de inspecção a fls. 319 e ss.;

4. No âmbito da referida inspecção foi elaborado o projecto de relatório de inspecção tributaria, a fls. 307 a 316 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

5. A Impugnante não apresentou defesa - relatório de inspecção;

6. Em 26/10/2005 foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 319 a 343 que se dá aqui por integralmente reproduzido, fazendo parte integrante da presente sentença;

7. O relatório de Inspecção Tributária refere a fls. 324: Do exposto verificamos que a "A…………" no decurso da sua actividade efectua operações sujeitas e não sujeitas a IVA, ou seja, operações que conferem direitos a dedução de imposto e outras que não conferem esse direito. A alínea a) do n.º 1 do art. 20 do código do IVA (...). Por sua vez, o n.º 1 do art. 23 do mesmo diploma legal dispõe que (...). Segundo o n.º 4 deste mesmo artigo (...). Dado que os subsídios auferidos pelo sujeito passivo conforme acima mencionado revestem a forma de subsídios á exploração não tributados, estes serão considerados para efeitos de cálculo de percentagem de dedução (Pro-rata) no seu denominador. A percentagem de dedução, calculada, provisoriamente, com base no montante de operações efectuadas no ano anterior, será corrigida de acordo com os valores referentes ao ano a que se reporta, originando a correspondente regularização das deduções, a qual deverá constar da declaração do último período do ano a que respeita. Em Face do sujeito passivo ter procedido à dedução do IVA na sua totalidade procedemos às devidas correcções ao IVA deduzido para os exercícios em causa (...) - Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 319 a 343, do processo físico;

8. A AT procedeu às liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas aos anos de 2000, 2001, 2002, 2003, e 2004, no montante global de €631.963,22 - Fls. 209 e ss.;

9. A Impugnante deduziu reclamação graciosa de cada liquidação, que foram indeferidas - documento 6 e 8;

10. A Impugnante apresentou recurso hierárquico de cada indeferimento das reclamações graciosas deduzidas, que vieram a ser parcialmente indeferidos - documentos 1 e 2;

11. Nos anos de 2000 a 2004 a Impugnante celebrou contratos-programa com o ICEP, tendo como objecto a atribuição por este de incentivos não reembolsáveis - Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 319 a 343, do processo físico e acordo (art. 19, da p.i.);

12. No ano de 2001 a Impugnante registou quotizações - art. 21, da p.i.;

13. No art. 3 dos estatutos da Impugnante consta que os sócios efectivos ficam sujeitos ao pagamento de uma jóia de quantitativo que a assembleia geral vier a estabelecer sob proposta da direcção - PA;

14. O art. 20 dos referidos estatutos estabelece que os meios financeiros da Impugnante serão assegurados pelas prestações dos sócios, de acordo com o fixado pela assembleia-Geral e ainda quaisquer outras receitas por esta definida e desde que permitidas por lei - PA;

15. Em 09/11/2001 a Impugnante emitiu a factura n.º 2578 a B……….., SA, no valor de €2.531,01, com IVA zero - doc. 13;

16. Em 06/10/2003 a impugnante emitiu a factura n.º 3187 a C……….., SA por débito das despesas relativas à deslocação a Shangai de D………. e E………., no valor de €3.131,00 - doc. 16;

17. Em 06/10/2003 a impugnante emitiu a factura n.º 3189 a ………., Lda., por débito das despesas relativas à deslocação a Shangai de …………, no valor de €1.578,00 - doc. 16;

18. Em 06/10/2003 a impugnante emitiu a factura n.º 3192 …………, SA, por débito das despesas relativas à deslocação a Shangai de …………. e ……….., no valor de €2.009,00 - doc. 16;

19. Em 08/10/2003 a impugnante emitiu a factura n.º 3194 a …………, SA por débito das despesas relativas à deslocação a Shangai, no valor de €869,64 - doc. 16;

20. Em 08/10/2003 a impugnante emitiu a factura n.º 3195 a ……….., Lda., por débito das despesas relativas à deslocação a Shangai de ………, no valor de €1.578,00 - doc. 16;

21. Em 30/06/2004 a impugnante emitiu a factura n.º 3422 a …………, SA, por débito das despesas relativas à deslocação a Las Vegas - ……., de ………., no valor de €2.514,00 - doc. 16;

22. Em 30/06/2004 a impugnante emitiu a factura n.º 3424 a ………, Lda., por débito das despesas relativas à deslocação a Las Vegas - ………., de ……….. e ……….., no valor de €5.028,00 - doc. 16;

23. Em 08/06/2004 a impugnante emitiu a factura n.º 3543 a ………., Lda., por débito das despesas relativas à deslocação a Las Vegas - ……., de ……….., no valor de €1.270,00 - doc. 16;

24. Em 21/10/2004 a impugnante emitiu a factura n.º 3553 a ………., SA, por débito das despesas relativas à deslocação à ………. Outubro de 2004 de uma estadia de Dr. ……….. e um visto, no valor de €937,00 - doc. 16T;

25. Em 21/10/2004 a impugnante emitiu a factura n.º 3554 a ……….., SA, por débito das despesas relativas à deslocação à …………. Outubro de 2004, viagem e estadia do Engenheiro …………., pedido de …….., Visto e urgência, no valor global de €1.669,00-doc.16T;

26. Em 21/10/2004 a impugnante emitiu a factura n.º 3555 a ………., Lda., por débito das despesas relativas à deslocação a Las Vegas- ……, de viagem do Dr. ………. e despesas de cancelamento Sr. ………, no valor de €2.591,00 - doc. 16;

27. A Impugnante apresentou a presente impugnação judicial.

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão do mérito da presente ação».



4. Dos fundamentos de Direito

4.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, concluindo que a ali Impugnante – ora RECORRENTE – foi correctamente qualificada como «sujeito passivo misto», julgou aplicável às deduções que efectuou nos períodos de 2000 a 2004 o método previsto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado [doravante identificado pela abreviatura “CIVA”].

Com o assim decidido não se conforma a RECORRENTE, por entender que deve ser considerada «sujeito passivo integral». E que aos «sujeitos passivos integrais» não podem ser opostas as limitações ao exercício do direito à dedução que decorrem da imposição do método da percentagem da dedução.

Em boa verdade, temos aqui duas questões sucessivas: a questão de saber se a Recorrente deve ser qualificada como «sujeito passivo integral» e a questão de saber se (em caso afirmativo) os «sujeitos passivos integrais» estão obrigados a utilizar o método da percentagem da dedução.

Sucede que o tribunal recorrido só se pronunciou quanto à primeira. Notoriamente porque julgou desnecessária a análise da segunda: se a ali Impugnante – ora RECORRENTE – não deve ser considerada «sujeito passivo integral», não há que indagar sobre as limitações que devem ser opostas à dedução pelos «sujeitos passivos integrais».

O acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia [doravante abreviado para “TJUE”] de 6 de Outubro de 2005, no processo C-204/03, a que a RECORRENTE alude na alínea “D)” das doutas conclusões do recurso pronunciou-se quanto à segunda, isto é, quanto à questão de saber se a limitação do direito à dedução imposta pelo artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva (então em vigor) pode ser imposta aos «sujeitos passivos integrais».

O mesmo se dizendo do relatório do grupo de trabalho constituído por despacho de 6 de Novembro de 2006 do Senhor Director-Geral dos Impostos (que a Recorrente transcreve parcialmente no ponto 21.º das suas doutas alegações), em parte constituído para analisar a conformidade da legislação interna com essa jurisprudência (e publicado na Ciência e Técnica Fiscal de Julho a Dezembro de 2006 – n.º 418).

Deve reconhecer-se, ainda assim, que do § 25 do acórdão citado pode ser extraída uma definição operativa de «sujeito passivo misto» para os efeitos da Diretiva (por remissão para o seu artigo 17.º, n.º 5): é aquele que utiliza bens e serviços, não só para operações que conferem direito à dedução, mas também para operações que não conferem esse direito.

Ou seja, entende-se por «sujeito passivo misto» para efeitos da Diretiva, quem faz a utilização mista dos seus inputs em que foi suportado IVA, afectando-os simultaneamente a operações que conferem o direito à dedução (operações tributáveis ou isentas com direito à dedução – isenção completa) e a operações que não conferem esse direito (operações não sujeitas ou sujeitas mas isentas sem direito à dedução – isenção incompleta) [neste sentido, ver RUI MANUEL PEREIRA DA COSTA BASTOS, in «O Direito à Dedução do IVA – O Caso Particular dos Inputs de Utilização Mista», Almedina 2014, pág. 150].

E, assim sendo, deve entender-se por «sujeito passivo integral» para efeitos da Diretiva, quem faz a utilização dos seus inputs em que foi suportado IVA afectando-os exclusivamente a operações que conferem o direito à dedução.

Sendo com base nesta definição que se há-de responder à questão suscitada.

4.2. A Recorrente entende que foi erradamente qualificada como «sujeito passivo misto» porque o mero recebimento de subvenções não sujeitas a IVA não autoriza essa qualificação [ver a alínea “B)” das conclusões do recurso].

Analisada a sentença recorrida, verifica-se que, com efeito, a Mm.ª Juiz a quo entendeu que «os subsídios concedidos pelo ICEP à Impugnante» (os únicos que foram ali considerados – não há nenhuma referência aos que foram concedidos pelo Instituto de Emprego e de Formação Profissional) nos períodos em causa são «subsídios à exploração não tributados». Sendo que esta qualificação não é discutida e não faz parte, por isso, do âmbito do recurso.

Também decorre da sentença recorrida que a Mm.ª Juiz a quo extraiu dessa qualificação que tinha aplicação o disposto no artigo 23.º, n.º 1, do CIVA, ou seja, que pelo facto de receber subsídios não tributados a Impugnante estava obrigada a recorrer ao método da percentagem da dedução.

Ademais, tudo o que refere a respeito destes subsídios é relacionado com uma conclusão que extrai a montante e segundo a qual «a Impugnante (…) foi correctamente qualificad[a] de sujeito passivo misto, sendo-lhe aplicável a disciplina do art. 23, do CIVA».

Assim sendo (e a despeito de algumas dificuldades que suscita a interpretação deste segmento da sentença recorrida), parece-nos correta a interpretação que dela faz a RECORRENTE: a de que foi ali concluído que o recebimento de subvenções não tributadas autorizava a qualificação de quem as recebe como sujeito passivo misto.

Ora, este entendimento não acorda com a jurisprudência comunitária supra referida (ver também o acórdão do mesmo Tribunal no processo que opôs a Comissão Europeia à República Francesa – processo n.º C-243/03).

Com efeito, está implícita na pronúncia do TJUE que o recebimento das subvenções que não entram no preço do bem ou do serviço prestado (e não fazem, por isso, parte da base tributável do IVA) não influencia a qualificação de quem as recebe como sujeito passivo misto. De outro modo, não faria sentido dizer que a limitação do direito à dedução de quem as recebe já pressupõe que sejam considerados sujeitos passivos mistos.

Postas assim as coisas, nem será muito importante discorrer sobre as razões que poderão estar subjacentes a tal entendimento. Ainda assim, não deixará de se dizer que, a nosso ver, o que está ali subentendido é que o mero recebimento de subvenções não constitui em si mesmo nenhuma operação para efeitos de IVA. Isto é, uma operação com conteúdo económico.

Porque, como referem MARIA ODETE OLIVEIRA e SEVERINO HENRIQUES DUARTEO tratamento das subvenções em IVA, reflexões antes e depois dos acórdão de 2005», in Estudos em Memória de Teresa Lemos, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal 2007, pág. 227], «as subvenções situam-se em domínio estranho ao imposto por não integrarem o respectivo pressuposto, o que melhor se entende ainda se se atentar que as mesmas não podem ser objecto de tráfego empresarial, esgotando-se em quantias monetárias entregues por entes públicos a empresas».

Foi o que, de resto se entendeu no relatório do grupo de trabalho supra referido [publicado na Ciência e Técnica Fiscal n.º 418, de Julho a Dezembro de 2006]. Como se refere na pág. 321 deste periódico, nota 52, «o mero recebimento de uma subvenção não pode, por si só, ser considerado uma “operação”, nem uma contraprestação decorrente da realização de uma “operação”».

Ora, se o mero recebimento de uma subvenção não pode ser considerado a realização de uma operação com conteúdo económico (a relacionar com actividades económicas que o sujeito passivo realize a jusante), a mera condição de organismo subvencionado também não pode influenciar a condição de sujeito passivo (que pressupõe o exercício, de forma habitual e independente, de actividades económicas).

E, por conseguinte, também não pode relevar para a qualificação de um sujeito passivo como «sujeito passivo misto».

E, assim sendo, o entendimento firmado na sentença recorrida não pode ser confirmado nesta parte.

4.3. O que, todavia, não chega para concluir que a decisão recorrida deva ser revogada.

Porque, ao contrário do que também deduziu a RECORRENTE, não foi essa a única razão que levou a Mm.ª Juiz a quo a concluir que a RECORRENTE era «sujeito passivo misto» e, consequentemente, a sancionar a validade das correcções.

Porque nos dois parágrafos anteriores refere uma outra razão para assim o entender: o facto de constituírem receitas da associação as quotizações pagas pelos associados – abrangidas pela isenção do artigo 9.º do CIVA, na modalidade de isenção simples ou sem direito à dedução – a par de outras contraprestações – sujeitas a IVA e dele não isentas. Como decorre do que a seguir se transcreve:

«Da análise da actividade efectivamente exercida pela Impugnante, resultante quer dos estatutos quer do relatório de inspecção, conclui-se tratar-se de um sujeito passivo misto, dado que constituem receitas da associação as quotizações pagas pelos associados que se encontram abrangidas pela isenção do art. 9, do CIVA, traduzindo-se na dispensa de liquidação o imposto não existindo contudo o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições e nas prestações de serviços efectuadas aos associados dos quais recebam contraprestação para além da quota fixada no estatuto que constituem operações sujeitas a IVA as quais conferem o direito à dedução do imposto suportado nos respectivos custos. Portanto, a Impugnante exerce operações sujeitas a imposto e dele não isentas e operações isentas pelo que foi correctamente qualificado de sujeito passivo misto, sendo-lhe aplicável a disciplina do art. 23, do CIVA.».

Portanto, e ao contrário do que alega a RECORRENTE (ver o ponto 24 das doutas alegações) o Tribunal a quo abordou essa questão na fundamentação de direito e ela não é irrelevante para os efeitos do recurso.

E – acrescente-se de passagem – fez muito bem em a ter abordado, porque o não foi o recebimento das subvenções, mas a alusão nos estatutos e no relatório dos serviços de inspecção a «quotizações pagas pelos associados, que se encontram abrangidas pela isenção do art.º 9º do CIVA» a par da contraprestação se serviços prestados aos seus associados «que constituem operações sujeitas a IVA e dele não isentas» que levou a Direção dos Serviços do IVA, nas decisões dos recursos hierárquicos, a concluir que se estava perante um sujeito passivo misto, sujeito ao método proporcional da dedução previsto no artigo 23.º, n.º 1, do CIVA. O que se extrai, com meridiana clareza, também do seguinte segmento dessa decisão:

«De facto, a qualidade de sujeito passivo misto foi adquirida, não pelo recebimento das subvenções, uma vez que o seu recebimento não pode por si só ser considerado uma operação, nem uma contraprestação decorrente da realização de uma operação, mas sim pelo exercício de operações sujeitas a imposto e operações isentas, conforme anteriormente referido».

Reconheça-se desde já que não foi esta a fundamentação da decisão das reclamações graciosas e não foi esta a única fundamentação das correcções suportadas nas conclusões dos dois relatórios de inspeção tributária (o dos períodos de 2000 e 2001 e o dos períodos de 2002 a 2004).

Mas, como refere JORGE LOPES DE SOUSA (in «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», Volume I, 6.ª edição, Áreas Editora 2011, pág. 607), «[s]e a decisão do recurso hierárquico substituiu a decisão que foi impugnada quer alterando-lhe o sentido quer mantendo-a com diferente fundamentação, estar-se-á perante uma situação de revogação por substituição do ato primário, em que este desaparece da ordem jurídica e em que, por esta razão, o único ato impugnável é o que decidiu o recurso hierárquico».

Mas, a ser assim, importa indagar oficiosamente se a Recorrente também ataca esta parte da decisão recorrida.

A esta questão (prévia) respondemos afirmativamente. Embora a RECORRENTE tivesse defendido que o «tema das quotas» era «irrelevante para efeitos do presente recurso», não deixou de referir (nos pontos 25.º a 30.º das doutas alegações de recurso), ainda que «por mera cautela», que o valor das quotas é inexpressivo e que, de qualquer modo, nada ficou provado quanto a esta questão. Tendo concluído adiante (alínea “E)” das conclusões) que não ficou provado que a RECORRENTE tivesse exercido uma qualquer actividade isenta.

Em boa verdade, a Mm.ª Juiz a quo não decidiu que o valor das quotas era expressivo ou que tivesse ficado provado o seu recebimento. O que foi consignado na decisão recorrida foi que o direito estatutário ao seu recebimento (isto é, o mero facto de constituírem receitas da associação as quotizações pagas pelos associados), permitia concluir tratar-se de um «sujeito passivo misto».

Assim sendo, a verdadeira questão que aqui se coloca não é a de saber se ficou ou não provado o recebimento das quotas (questão de facto), mas a questão de saber se a previsão, nos estatutos da RECORRENTE, do direito a recebe-las releva para a sua qualificação como «sujeito passivo misto» (questão de direito).

Sendo com esse sentido que deve ser interpretado o alegado pela Recorrente, isto é, o de que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao concluir que a mera constatação do direito ao recebimento das quotas, sem a prova do seu recebimento, em valor expressivo, nos períodos em causa, permitia tal qualificação.

Questão de que nos ocuparemos no ponto seguinte.

4.4. À questão de saber se o mero direito ao recebimento das quotizações permite concluir que quem as recebe é um «sujeito passivo misto» respondemos negativamente.

Antes de mais, importa referir que, como é óbvio (e resulta do referido no ponto 4.1. supra), não é a natureza das contraprestações recebidas que concorre para a qualificação do sujeito passivo como «sujeito passivo misto» mas a natureza das actividades que exerce e a sua relação com os inputs tributados.

A natureza das contraprestações releva – isso sim – para saber se as prestações de serviços efetuadas no interesse colectivo dos seus associados por organismos sem finalidade lucrativa que prossigam os objectivos que representem interesses económicos daqueles estão isentas de imposto - ao tempo, o n.º 21) do artigo 9.º do CIVA.

Dizendo de outro modo: se os serviços prestados aos seus associados no exercício da sua actividade principal (de representação dos interesses económicos destes) tiverem como única contraprestação uma quota fixada nos seus estatutos, estão isentos de imposto nos termos daquele dispositivo legal, não podendo ser deduzido o IVA suportado a montante nas aquisições utilizadas para a realização desses serviços; e a par dessa actividade principal, a associação realiza outras actividades, ditas actividades acessórias, de natureza industrial, comercial ou agrícola, sujeitas e não isentas, estamos perante um «sujeito passivo misto».

Por isso, o que interessava para o caso não era saber se os estatutos prevêem o pagamento das quotizações, mas se a actividade principal da RECORRENTE era isenta, por se inserir nas finalidades típicas dos organismos sem finalidade lucrativa e ter como contrapartida as quotizações dos seus associados. E se, em caso afirmativo, a RECORRENTE também exercia outras actividades, as ditas actividades acessórias (que fossem actividades sujeitas e não isentas ou isentas com direito à dedução).

A este propósito, nada foi referido no relatório de inspecção tributária (para que remetem as decisões dos recursos hierárquicos) referente aos períodos de 2000 e 2001. O que se concluiu nesse relatório foi que o sujeito passivo inspeccionado era um «sujeito passivo parcial» (conceito diverso e que exprime a situação dos sujeitos passivos que intervêm em operações que se encontram fora do âmbito do imposto – são «não operações» para efeitos de imposto por não caberem no âmbito conceitual das actividades económicas – a par de operações económicas, que se inserem no seu âmbito).

Manifestamente, o que se entendeu nesse relatório foi que a mera condição de «sujeito passivo parcial» (que deriva do recebimento de subvenções não tributadas, que se encontra fora do âmbito do imposto, a par de «actividades efectivamente tributadas») já conduzia à obrigatoriedade da utilização do método da percentagem da dedução. No que não se pode conceder (pelas razões mencionadas nos pontos 4.1 e 4.2 supra).

É certo que ali se faz alusão, também, a «operações isentas» e a «quotas recebidas», parecendo que daí se pretende retirar que a sua actividade principal (a organização de feiras, exposição e outros eventos) é uma actividade isenta (sem direito à dedução) e que, a par desta, o sujeito passivo exerce outras actividades, estas efectivamente tributadas.

Mas nada se consegue saber sobre nenhuma destas actividades, cuja descrição foi totalmente omitida. Não se consegue, assim, perceber porque é que concluiu que o sujeito passivo exerceu nos períodos em causa actividades isentas, tanto mais que não é mencionado o recebimento de quaisquer quotas em 2000 e o valor das quotas cujo recebimento foi apurado em 2001 ascendeu a € 299,28, valor manifestamente insuficiente para financiar essas eventos e para, assim, concluir que as prestações de serviços aos seus associados tinham como contrapartida as quotizações, para os efeitos do n.º 21) do artigo 9.º do CIVA.

E o relatório de inspecção tributária referente aos períodos de 2002 a 2004 ainda é mais ambíguo. Na caracterização da actividade principal do sujeito passivo («organização de exposições e certames de artigos têxteis e moda de Portugal e no estrangeiro com vista à promoção deste sector da economia») revela que «conta entre as suas receitas com quotas pagas pelos seus associados e apoios sob a forma de incentivos não reembolsáveis». Mas não esclarece se são as únicas receitas auferidas em contraprestação dessa actividade nos períodos em causa. E nunca assume sequer que a actividade assim exercida deve ser considerada uma actividade isenta. Aliás, não faz nenhuma referência ao regime da isenção. E, sobretudo, não faz referência a qualquer outra actividade exercida pelo sujeito passivo, que fosse sujeita e não isenta ou que beneficiasse de isenção completa. De resto, quando a final remata dizendo que o sujeito passivo «efectua operações sujeitas e não sujeitas», está a contrapor inequivocamente a perceção de subsídios e compensações financeiras a fundo perdido às outras receitas que financiam a sua actividade principal. E a remeter-nos, assim, para o mesmo conceito de «sujeito passivo parcial» que já tinha mobilizado no outro relatório.

Do exposto deriva que a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela legalidade das correcções efetuadas pela administração tributária e deve ser revogada.



5. Conclusões


5.1. A limitação do direito à dedução imposta pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIVA pressupõe que o sujeito passivo subvencionado seja um «sujeito passivo misto»;


5.2. É «sujeito passivo misto» quem faz a utilização mista dos seus inputs em que foi suportado IVA, afectando-os simultaneamente a operações que conferem o direito à dedução (operações tributáveis ou isentas com direito à dedução – isenção completa) e a operações que não conferem esse direito (operações não sujeitas ou sujeitas mas isentas sem direito à dedução – isenção incompleta);


5.3. O recebimento de subvenções não tributadas e de quotizações dos associados de um organismo sem finalidade lucrativa não suporta a qualificação de quem as recebe como «sujeito passivo misto»;


5.4. A administração tributária não demonstra que um organismo sem finalidade lucrativa é um «sujeito passivo misto» se, além do mais, não demonstra que a actividade económica que desenvolve é integrada por operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem esse direito.



6. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar procedente a impugnação.

Custas pela RECORRIDA.

D.n.

Lisboa, 6 de Maio de 2020. – Nuno Bastos (relator) – Gustavo Lopes Courinha – José Gomes Correia.