Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01331/12
Data do Acordão:07/03/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:CONTRADIÇÃO
DECISÃO
MATÉRIA DE FACTO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:I - Para além dos poderes referidos no art. 722.° do Código de Processo Civil, que se traduzem na intervenção do Supremo na fixação da matéria de facto quando está em causa apenas a aplicação de regras de direito, a actividade do Supremo Tribunal Administrativo, em processos julgados inicialmente pelos tribunais tributários, deve limitar-se à aplicação do direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art. 729.°, n.°s 1 e 2, do CPC).
II - Por isso, nestes recursos para o Supremo Tribunal Administrativo, se se verifica contradição da matéria de facto fixada, que se traduz na sua insuficiência, não existem condições para o STA levar a cabo a sua actividade, impondo-se ordenar a ampliação da matéria de facto nos termos do artº 729º, nº 3 do Código de Processo Civil.
Nº Convencional:JSTA000P16040
Nº do Documento:SA22013070301331
Data de Entrada:11/30/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:INST DA VINHA E DO VINHO, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.- A………., LDA, melhor identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu de 28-07-2012, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida, por considerar não se verificar a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação da taxa de promoção no valor de € 171.206,22 relativa ao mês de Maio de 2003, devida ao Instituto da Vinha e do Vinho.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial do indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação da taxa de promoção alegadamente devida ao Instituto da Vinha e do Vinho (doravante, “IVV”) com referência ao mês de Agosto de 2002.
B. A A……….. não se conforma com esta decisão e respectivos fundamentos, para mais quando os mesmos revelam a confusão que assoma o Tribunal a quo sobre a questão decidenda.
C. Ao contrário do que foi defendido nos autos pelo IVV e acolhido pelo Tribunal a quo na sentença ora posta em crise, o processo de investigação à taxa de promoção que foi iniciado pela Comissão (processo C43/2004) não é «totalmente irrelevante para os presentes autos e para a fundamentação da pretensão da impugnante» - cf. página 31 da sentença proferida nos autos -, sendo que este entendimento radica a confusão e erro de julgamento que ocorreu em 1ª instância.
D. Independentemente da eventual compatibilidade com o mercado comunitário da totalidade ou da parte do auxílio em questão relacionada com os vinhos produzidos em Portugal, o que é facto é que se verifica, no caso da taxa de promoção, uma ilegalidade manifesta, decorrente da falta de notificação da medida à Comissão, ao arrepio do disposto no n.º 3 do artigo 88.° do TCE (actual n.º 3 do artigo 108.° do TFUE).
E. É essa ilegalidade ou vício que é apontado pela A…………. à aludida taxa de promoção nos presentes autos: a violação do disposto no artigo 88°, n.º 3, do TCE (actual n.º 3 do artigo 108.º do TFUE) e consequente proibição de execução da medida, prevista no mesmo artigo.
F. A norma violada, constante do n.º 3 do art.º 88.º do TCE (actual n.º 3 do artigo 108.º do TFUE), possui efeito directo, pelo que é invocável pela A………… perante os órgãos jurisdicionais nacionais - cf., neste mesmo sentido, Parecer Jurídico junto aos autos, pág. 37 e ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS, Auxílios de Estado e Fiscalidade, Almedina, pág. 300.
G. «[U]m particular pode ter interesse em invocar nos órgãos jurisdicionais nacionais o efeito directo da proibição de execução prevista no art.º 93º, nº 3, último período, do Tratado CE (actual art.º 88.°, n.º 3, último período) [...] para obter a restituição de uma taxa cobrada violando esta disposição.» — cf. Acórdão de 13.01.2005, STREEKGEWEST WESTEUJK NOORD — BRABANT, processo C-174/02 [sublinhado nosso], Acórdão de 11.12.1973, LORENZ, proferido no processo n.º 120/73, Acórdão de 21.11.1991, FNCE, proc. C-354/90 e Acórdão de 11.07.1996, SFET, proc. C-3994.
H. Nos presentes autos, não se trata de invocar a incompatibilidade com o mercado interno comunitário da medida em questão, ou invocar a eventual violação de qualquer outra disposição comunitária que determine a contrariedade substantiva da medida com o Direito Comunitário (nem a A……….. teria legitimidade para o efeito, uma vez que a proibição de auxílios concedidos pelos Estados-membros que falseiem ou ameacem falsear a concorrência no mercado interno, constante do actual n.º 1 do artigo 107.° do TFUE, não é susceptível, de per se, de surtir efeito directo, porquanto esse juízo de compatibilidade ou incompatibilidade com o mercado interno está sempre dependente da intervenção da Comissão Europeia, órgão que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do TCE (actual n.º 1 do artigo 108.° do TFUE), detém a competência - exclusiva - para proceder ao exame permanente da compatibilidade dos auxílios dos Estados-Membros com o mercado interno.
I. A confusão em que acabou por cair o Tribunal a quo radicará, porventura, no facto de se limitar a reproduzir os argumentos esgrimidos nos autos pelo IVV, argumentos que denotam, claramente, que o IVV não compreendeu - ou, desabafe-se, ter-lhe-á sido mais conveniente não compreender... — o teor da questão suscitada expressa e claramente pela Impugnante na sua petição inicial e tão escorreita e detalhadamente abordada no Parecer que então juntou aos autos.
J. Não se abrace o canto da sereia levado a cabo pelo IVV na sua contestação, tentando conduzir o raciocínio do julgador, ao referir amiúde que:
«72. Uma vez que o único argumento em que a Impugnante se escuda para fundamentar a presente acção de impugnação judicial é o da pretensa incompatibilidade da taxa de promoção com o Direito Comunitário […]
78. Deste modo, é patente a inadequação do uso da expressão «ilegalidade», que a Impugnante reiteradas vezes invoca para qualificar a taxa de promoção, com o propósito de fundamentar a contrariedade substantiva ao Direito Comunitário da quantia que autoliquidou.»
K. Repita-se: nos presentes autos, e atenta a respectiva petição inicial, a A……….. não alega a contrariedade substantiva ou a incompatibilidade da taxa de promoção com o Direito Comunitário; não procura sustentar por que a medida de auxílio em questão e o seu incidível modo de financiamento seriam incompatíveis com o mercado interno (como por exemplo sucederia caso se verificasse, por exemplo, a existência de uma discriminação dos produtos nacionais destinados ao mercado nacional e os destinados à exportação, mencionada na página 32 da sentença posta em crise).
L. A A………… sustenta, sim, a ilegalidade da taxa de promoção decorrente da respectiva não notificação prévia à Comissão Europeia e respectiva execução antes de decisão final da Comissão, ao arrepio do disposto no n.º 3 do artigo 88.º do TCE (actual n.º 3 do artigo 108.º do TFUE) — cf. petição inicial que dá causa aos autos, em especial ao artigos 26º, 27º e 30º respectivos.
M. Essa ilegalidade é manifesta e incontestável, encontrando-se plenamente provada nos autos — cf. alíneas F) G) dos factos provados e teor da decisão da Comissão Europeia de iniciar o procedimento contraditório C43/2004, junto aos autos pela A……….. com a sua petição inicial e dada por integralmente reproduzida pelo Tribunal a quo na alínea G) dos factos provados).
N. Foi dada execução pelo Estado Português à taxa de promoção do vinho cobrada pelo IVV e às medidas financiadas pelo produto dessa imposição parafiscal, desde 1995, sem autorização prévia da Comissão - cf. parágrafos 1 e 3 da aludida Decisão da Comissão.
O. A Comissão Europeia inscreveu as medidas de auxílio e o respectivo modo de financiamento em causa nos presentes autos no conjunto de auxílios não notificados, originando o processo de averiguações contraditório C43/2004 — conforme melhor decorre do parágrafo 3 da mencionada decisão, que ora se transcreve: «(3) Resultando das informações prestadas ter sido dada execução ao dispositivo em causa, desde 1995, sem autorização prévia da Comissão, foi o mesmo inscrito no registo dos auxílios não notificados».)
P. Nos presentes autos, não se curava de averiguar, em concreto, da compatibilidade da taxa de promoção com o mercado interno comunitário - juízo de compatibilidade que incumbe, nos termos do Tratado, à Comissão Europeia e que resultará do teor da decisão final do procedimento de averiguações contraditório C43/2004 que vier a transitar.
Q. A Decisão da Comissão de iniciar o procedimento de exame contraditório C 43/2004, previsto no artigo 88.º do TCE (actual artigo 108.º do TFUE), junta aos presentes autos com a petição inicial, é, pois, a prova plena de que a medida em questão foi executada sem notificação e autorização prévia da Comissão, tendo sido inscrita no registo dos auxílios não notificados à Comissão.
R. Independentemente do juízo de compatibilidade ou incompatibilidade com o mercado comum proferido a final sobre a medida em causa nos autos, o Estado Português não lhe podia ter dado execução, atenta a falta de notificação prévia e o efeito suspensivo previsto no n.º 3 do artigo 88.º do TCE (actual n.º 3 do artigo 108.º do TFUE),
S. A proibição de execução ou efeito suspensivo previsto no n.º 3 do actual artigo 108.° TFUE foi, inclusivamente, recordada pela Comissão a Portugal no parágrafo 147 da Decisão da Comissão que se juntou com a petição inicial, muito se estranhando que a sentença do Tribunal a quo venha afirmar que «da decisão da comissão vinda de analisar, em lado nenhum é mencionada a proibição do Estado Português em executar o auxílio» (cf. página 31 da sentença recorrida);
T. O Tribunal a quo olvidou-se do parágrafo 147 dessa mesma Decisão da Comissão e - pior - olvidou-se das regras básicas de Direito Comunitário em matéria de auxílios estatais, nomeadamente do disposto no n.º 3 do artigo 88.º TCE (actual n.º 3 do artigo 108.º do TFUE), que ora transcrevemos, para que não restem dúvidas: «Deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. [....] O Estado-membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final».
U. É a expressa obrigatoriedade de notificação prévia e proibição de execução que se mostra violada no caso concreto e que serve de fundamento à presente impugnação judicial. Não é a imposição de uma qualquer injunção de recuperação ou juízo de incompatibilidade com o Direito Comunitário!
V. Não se diga que as dúvidas expressas pela Comissão sobre o auxílio em questão se cingem “aos auxílios à promoção e à publicidade do vinho português nos mercados dos outros Estados-membros e países terceiros” para procurar justificar que «[...]a instauração pela impugnante da presente acção de impugnação judicial, com base exclusivamente no facto de existir uma investigação da Comissão a aspectos parcelares da taxa de promoção, não pode ser tida como a despropósito e totalmente improcedente» - cf. página 29 da sentença ora posta em crise, reproduzindo o artigo 87.° da contestação do IVV.
W. O reembolso - ou, in casu, a anulação da liquidação da taxa de promoção efectuada pela A………..,, com as demais consequências legais — requerida nos presentes autos não decorre da adopção, por parte da Comissão, de qualquer injunção de recuperação quanto ao montante da taxa em causa, por considerar que a mesma é incompatível com o direito comunitário (o que, quanto muito, aconteceria a final, com o trânsito da decisão da Comissão sobre a materialidade da questão e quanto ao âmbito dessa decisão); decorre, simples e directamente, da violação da obrigação de notificação prévia e proibição de execução constante do artigo 88. °, n.º 3, do TCE (actual artigo 108.°, n.º 3, do TFUE).
X. O Estado Português não poderia a cobrar a taxa de promoção sem ter previamente notificado a Comissão da mesma e até decisão final, transitada, da Comissão sobre a compatibilidade dessa taxa com o Direito Comunitário.
Y. Em 20 de Julho de 2010, a Comissão Europeia proferiu a decisão relativa à compatibilidade/incompatibilidade desta taxa de promoção com o Direito Comunitário (“Decisão de 20.07.2010”), acessível em http: // eur-lex.europa.eu/LexUriServ.do?uri=OJ:L: 2011:005:0011:0026:PT:PDF .
Z. Todavia, para além de tal decisão respeitar apenas à parte do procedimento que analisa a compatibilidade dos auxílios e da taxa de promoção relativa ao período decorrido até 31 de Dezembro de 2006 (cf. parágrafo 133 da Decisão de 20.07.2010), aguardando-se ainda, por isso, a prolação de decisão do procedimento C43/2004 quanto ao período decorrido dessa data em diante, importará notar que esta Decisão de 20.07.2010 não transitou ainda, atento o recurso interposto pelo Estado Português, acessível no link http://eur-lex.europa.eu/LexuriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C2010:328:0049:0050:PT:PDF.
AA. Esta Decisão de 20.07.2010, ainda que, quando transitar, venha declarar a totalidade do auxílio compatível com o mercado comum, o que é facto é que semelhante decisão da Comissão não vem validar ou legitimar ex post facto as medidas de execução e implementação até então empreendidas em violação da obrigação de notificação prévia e proibição de execução, conforme decorre da jurisprudência comunitária (cf., por exemplo, Ac. de 21.11.1991, FNCE, proc. C354/90) e foi explicado na petição inicial que dá causa aos autos (cf. artigos 34º a 36º respectivos).
BB. Tais medidas — em que se insere a cobrança da taxa em questão nos autos — eram inválidas porque aplicadas em violação da obrigação de notificação e proibição de execução constante da parte final do artigo 88.º, n.º 3 do TCE (actual artigo 108°, n.º 3, do TFUE), e conservar-se-ão inválidas por mais regular e legítimo que se considere o auxílio investigado. «Se assim não fosse, discorre a jurisprudência, o efeito directo da norma seria prejudicado e os direitos dos particulares, que as jurisdições nacionais devem acautelar, desprotegidos.» - cf. pág. 38 do Parecer junto aos autos com a petição de impugnação.
CC. « [Uma decisão da Comissão que declare um auxílio não notificado compatível com o mercado comum não tem por consequência regularizar, a posteriori, os actos de execução que são inválidos por terem sido adoptados em violação da proibição contida nessa disposição [n.º 3 do art.º 88.º], porquanto «qualquer outra interpretação conduziria a favorecer a inobservância, pelo Estado-Membro em causa, dessa disposição e privá-la-ia do seu efeito útil.» — cf. Acórdão de 05.10.2006, TRANSALPINE ÕLLEITUNG IN ÕSTERRREICH GMBH, processo C-368/04, n.º 41; cf., ainda, Acórdão de 21.102006, processo C-261/01 e 262/02.
DD. É irrelevante — isso sim — para o objecto e matéria de facto dos presentes autos, saber se a medida em questão é ou não compatível com o Direito Comunitário ou se é só parcelarmente compatível ou quais os aspectos da mesma que estão em investigação pela Comissão por suscitarem dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum.
EE. A taxa de promoção, sendo una, consubstancia - conforme está alegado, provado, explicado e demonstrado nos autos e vem até afirmado pela própria Comissão Europeia (cf. parágrafos 56 a 58, entre outros, da Decisão da Comissão e, por exemplo, parágrafo 113 da Decisão de 20.07.2010), a fonte de financiamento de auxílios de Estado, pelo que não poderia ter sido posta em execução sem ter sido notificada previamente à Comissão e até que esta emitisse o seu exclusivo parecer de conformidade ou não da mesma taxa de promoção com o Direito Comunitário!
FF. O Estado Português pôs em execução uma medida que não notificou à Comissão e ainda antes de ser notificado de uma decisão final daquele órgão comunitário, em total desrespeito pelo disposto no n.º 3 do artigo 88.º do TCE (actual n.º 3 do artigo 108.º do TFUE), pelo que semelhante medida - a taxa de promoção - é, inegavelmente, ilegal.
GG. A taxa de promoção constitui a única fonte de financiamento dos auxílios à promoção e à publicidade e à formação, auxílios estatais não notificados e cuja compatibilidade com o mercado comum é objecto de verificação pela Comissão no já muito mencionado procedimento contraditório C43/2004.
HH. Constituindo, pois, a única fonte de financiamento desses auxílios, o produto desta taxa influencia, em consequência, de forma directa a importância do auxílio, de tal forma que uma diminuição do produto da taxa implica uma diminuição dos recursos de financiamento das medidas de promoção e formação.
II. Em conformidade com jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (cf., entre outros, Acórdãos de 25.06.1970. França/Comissão; de 21.10.2003, Eugene Van Calter, Openbaar Slachthuis; ou de 13.01.2005, Streejgewest Westelijk Noord-Brabant), este concreto modo de financiamento desses auxílios de Estado — a taxa de promoção - é parte integrante da medida de auxílio prevista: o produto da taxa de promoção influencia directamente o montante dos auxílios em questão e, por consequência, influencia a apreciação da compatibilidade destes auxílios com o mercado comum, devendo, por isso, incorporar a notificação devida à Comissão.
JJ. Ainda que esta taxa de promoção financie também outras medidas ou prestações que não revistam a natureza de auxílios, o que é facto é que ela constitui a única fonte de financiamento dos auxílios à promoção e à publicidade e à formação e, como tal, faz parte integrante dessa medida - cf., por exemplo, parágrafo 112 da Decisão de 20.07.2010.
KK. « A liquidação e cobrança da taxa de promoção consubstancia o modo de financiamento do auxílio à promoção do vinho, configura uma das medidas de execução indispensáveis à outorga do auxílio estatal, faz parte da medida prevista num sentido amplo.» - cf. página 48 do Parecer jurídico junto aos autos.
LL. Tal como explicado pela Comissão Europeia nas decisões que vimos citando (cf. parágrafo 130 da Decisão da Comissão e, bem assim, parágrafo 108 da Decisão de 20.07.2010), mesmo o próprio modo de financiamento, ou seja, mesmo a própria taxa de promoção, em si, poderia ser incompatível com as normas do Tratado, por ter, porventura, um efeito protector que vai para além do auxílio propriamente dito que financia (por exemplo, ao financiar as prestações de serviços do IVV aos operadores nacionais do sector e de coordenação da sua actividade).
MM. Não é dessa incompatibilidade da própria taxa, em si, com o direito comunitário de que igualmente se cura nestes autos, mas tal facto é particularmente demonstrativo da necessidade de notificação prévia e consequente proibição de execução da taxa de promoção, independentemente de financiar outros serviços e actividades.
NN. A taxa de promoção, constituindo a única fonte de financiamento dos auxílios à promoção e à publicidade e à formação, podendo ter um efeito protector que vai para além desses auxílios propriamente ditos que financia, não tendo sido notificada previamente à Comissão e continuando a ser mantida em execução, é necessariamente inválida até à prolação e trânsito final da decisão da Comissão sobre a respectiva compatibilidade com o mercado comum.
OO. A taxa de promoção não podia, por isso, ser cobrada. E tendo-o sido - como o foi (cf. parágrafo 132 da Decisão de 20.07.2010: «Portugal deu execução ilegalmente ao financiamento das campanhas de promoção genérica do vinho, financiadas por meio de uma taxa cobrada sobre os produtos nacionais e sobre os produtos importados dos outros Estados-Membros, em violação do artigo 108°, n.º 3, do TFUE») — impõe-se agora aos órgãos jurisdicionais nacionais que declararem a anulação dos actos de liquidação da taxa de promoção relativos ao período em questão, uma vez que o estabelecimento daqueles auxílios e daquela taxa de promoção, sem prévia pronúncia da Comissão Europeia, é contrário ao Direito Comunitário - o que, em concreto, se requereu nos presentes autos relativamente ao acto de liquidação da taxa de promoção do período de Agosto de 2002 e veio a ser, com manifesto erro de julgamento, indeferido em primeira instância.
PP. «75. Enquanto a apreciação da compatibilidade de medidas de auxílio com o mercado comum é da competência exclusiva da Comissão, agindo sob a fiscalização do Tribunal de Justiça, os órgãos jurisdicionais nacionais zelam pela salvaguarda dos direitos dos particulares em caso de violação da obrigação de notificação prévia dos auxílios de Estado à Comissão, prevista no artigo 93°, n.º 3, do Tratado [88.º, n.º 3] (v. acórdão de 17 de Junho de 1999, Piaggio, C-295/97, Colect., p. 1-3735, n.º 31).» - cf. parágrafo 75 do Acórdão do TJUE, de 21.10.2003, proferido no processo C-261/01 e 262/02.
QQ. «53. A este propósito, importa recordar, por um lado, que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais proteger os direitos dos particulares face a uma eventual violação, por parte das autoridades nacionais, da proibição de pôr em execução auxílios, a que se refere o artigo 93°, n.º 3 [88.º, n.º 3], último período, do Tratado e que tem efeito directo (acórdãos, já referidos, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, n.º 12, e Lornoy e o., n.º 30), e, por outro, que o Estado — Membro é, em princípio, obrigado a restituir os impostos cobrados em violação do direito comunitário (acórdão de 14 de Janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, Colect., p. 1-165, n.º 20)»
— cf. parágrafo 53 do Acórdão do TJUE, de 21.10.2003, proferido no processo C-261/01 e 262/02.
RR. «62. Importa ainda sublinhar que a ilegalidade de uma medida de auxílio, ou de uma parte dessa medida, em virtude da violação da obrigação de notificação prévia à sua execução, não é afectada pelo facto de a referida medida ter sido considerada compatível com o mercado comum por uma decisão final da Comissão.»
— cf. parágrafo 62 do Acórdão do TJUE, de 21.10.2003, proferido no processo C-261/01 e 262/02.
SS. «63. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, sob pena de prejudicar o efeito directo do artigo 93.º, n.º 3 [88.º, n.º 3] último período, do Tratado e de não respeitar os interesses dos particulares que os órgãos jurisdicionais nacionais têm por missão proteger, a referida decisão final da Comissão não tem como consequência sanar, a posteriori, os actos de execução que eram inválidos por terem sido adoptados com inobservância da proibição contida nesse artigo. Qualquer outra interpretação conduziria a favorecer a violação, pelo Estado-Membro em causa, dessa disposição e privá-la-ia de efeito útil (v. acórdão Fédération nationale du commerce extédeur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, já referido, n.º 16).»
— cf. parágrafo 63 do Acórdão do TJUE, de 21.10.2003, proferido no processo C-261/01 e 262/02.
TT.«64. Por outro lado, importa recordar que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais proteger os direitos dos particulares face a uma eventual violação, por parte das autoridades nacionais, da proibição de pôr em execução auxílios, a que se refere o artigo 93°, n.º 3 [88.º, nº 3], último período, do Tratado e que tem efeito directo. Esta violação, invocada pelos particulares com legitimidade para tal e verificada pelos órgãos jurisdicionais nacionais, deve conduzir estes a daí retirarem todas as consequências, em conformidade com o seu direito nacional, no que se refere tanto à validade dos actos de execução das medidas de auxílio em causa como à cobrança dos apoios financeiros concedidos (v. acórdãos, já referidos, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, n.º 12, e Lornoy e o., n.º 30).»
— cf. parágrafo 64 do Acórdão do TJUE, de 21.10.2003, proferido no processo C-261/01 e 262/02.
UU. O Tribunal a quo incorreu, pois, em manifesto e lamentável erro de julgamento na sentença proferida, rogando-se a este Venerando Tribunal a revogação de semelhante sentença aqui posta em crise.

Termos em que deverá o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.
Caso assim não se entenda e se suscitem dúvidas relativamente ao alcance da obrigação de notificação prévia e efeito suspensivo no caso da taxa em causa nos presentes autos, mais se requer, nos termos do art. 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que a instância seja suspensa e se proceda ao reenvio do processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia para que esta instância se pronuncie sobre as seguintes questões prejudiciais nessa hipótese:
A implementação de uma medida parafiscal — in casu, a chamada taxa de promoção — que consubstancia a única fonte de financiamento de um auxílio de Estado não notificado, com o qual tem uma relação de afectação obrigatória de tal modo que o produto da taxa influencia directamente o montante do auxílio concedido, tem de ser notificada à Comissão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 88.º do TCE (actual artigo 108.º do TFUE)?
A resposta à questão anterior é alterada em alguma medida pelo facto do produto dessa taxa — consubstanciando embora a única fonte de financiamento desses auxílios, numa relação de afectação legal percentual — financiar igualmente, na percentagem remanescente, outro conjunto de serviços e actividades (podendo ter, por isso, porventura, um efeito protector que vai para além do auxílio propriamente dito que financia)?
O n.º 3 do artigo 88.° do TCE (actual n.º 3 do artigo 108.° do TFUE) permite a um Estado-Membro proceder à cobrança dessa medida parafiscal que consubstancia a única fonte de financiamento de um auxílio de Estado não notificado, com o qual tem uma relação de afectação obrigatória - e que se encontra a ser alvo do procedimento previsto no n.º 2 do mesmo artigo, tendo sido inscrito no registo de auxílios de Estado não notificados -, antes da decisão da Comissão e do trânsito dessa decisão sobre a respectiva compatibilidade?
Em caso negativo — e na hipótese de o Estado - Membro ter procedido à cobrança da referida medida parafiscal -, pode um contribuinte nacional recorrer aos Tribunais nacionais, invocando a violação da obrigação de notificação prévia e proibição de pôr em execução tal medida, para obter a restituição ou anulação da liquidação da taxa cobrada em violação dessa disposição?»

2.- Foram apresentadas contra-alegações pelo Instituto do Vinho e da Vinha, com as seguintes Conclusões:
« A. O presente recurso vem interposto da sentença que decidiu pela manutenção do indeferimento do pedido de revisão oficiosa da taxa de promoção autoliquidada pela Recorrente e devida ao IVV, aqui Recorrido, com referência ao período mensal de Agosto de 2002.
B. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso — artigos 660.º, n.º 2, 684.º, nºs 2 e 3 e 685.°-A, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil e Acórdãos do STA de 21 de Maio de 1992, proferido no recurso n.º 027044 e de 5 de Julho de 2012, proferido no recurso 053/2012.
C. A Recorrente limita o objecto do seu recurso à questão de saber se as medidas financiadas pela taxa de promoção em crise violam a obrigação de notificação prévia à Comissão Europeia dos auxílios estatais, prevista hoje no artigo 108.º, n.º 3 do TFUE, pelo que também só sobre esta questão podem incidir as presentes alegações — cfr. conclusões D e E das alegações da Recorrente.
D. Ao contrário do alegado pela Recorrente, na sentença proferida o Tribunal a quo demonstra ter compreendido os vícios que reputa imputáveis à taxa de promoção, pronunciando-se expressamente sobre eles, pelo que não enferma do erro de julgamento alegado. E. Em quase todos os momentos das alegações de recurso da Recorrente, esta mesma, ao contrário de rebater a decisão a quo, as suas posições e respectivas apreciações, limita-se a invocar a incompreensão do Tribunal e secundar a posição por si já sustentada na p.i..
F. Ao invés de atacar propriamente a decisão a quo nos seus fundamentos, a Recorrente ataca a conduta do Tribunal baseando-se no por si já alegado na p.i. e no facto do Tribunal não ter aderido à sua posição.
G. O que, diga-se, seria desde logo suficiente para que não pudessem ser admitidas estas alegações que se apresentam em violação ao disposto nos artigos 685.º-A do CPC, aplicável, ex vi artigo 2.º do CPPT, e à vasta jurisprudência superior — cfr. por todos, acórdão do TCA Norte (1ª. Secção) no processo n.º 2370/08.3 BEPRT, de 24 de Fevereiro de 2012, acórdão do TCA Norte (1ª. secção) no processo n.º 28/11.5 BECBR, de 8 de Junho de 2012, e acórdãos do STA no recurso n.º 39.981 de 11 de Junho de 1997, no recurso n.º 766/03 de 4 de Março de 2004, e no recurso n.º 13.331 de 22 de Janeiro de 1992.
H. A sentença a quo, com base nos documentos juntos aos Autos, designadamente na decisão da Comissão Europeia de abertura do processo contraditório C-43/2004, decidiu pela improcedência da impugnação, na medida em que:
«é a própria Comissão que na decisão referida na al. G. dos factos provados que refere que “o financiamento das prestações de serviços ao sector desenvolvidas pelo IVV enquanto autoridade pública responsável pela coordenação geral do sector vitivinícola em Portugal não constitui um auxílio estatal”, conclusão 144. Ora, não constituindo um auxílio estatal a taxa posta em causa pela Impugnante não faz sentido considerar a mesma ilegal enquanto a Comissão Europeia não proferir uma decisão final no âmbito do procedimento de investigação mencionado na al. F. dos factos provados. Pelo que, afigura-se-nos desde já, a presente Impugnação não pode proceder. Pois, não estando em causa um auxílio estatal, a adopção de tal medida não carece de ser previamente notificada à Comissão Europeia nos termos do n.º 2 do art. 88.º do Tratado CE» — cfr 29 da sentença recorrida.
I. No dia 1 de Dezembro de 2004, a Comissão Europeia notificou o Governo português da sua decisão de dar início ao procedimento de investigação previsto no artigo 88º, n.º 2 do Tratado CE — hoje, artigo 108.º, n.º 2 do TFUE —, com vista a analisar a compatibilidade da referida taxa com as regras do Tratado sobre auxílios de Estado.
J. Logo na decisão de abertura do procedimento a Comissão concluiu que o financiamento, através das receitas da taxa em causa, das actividades desenvolvidas pelo IVV enquanto autoridade pública responsável pela coordenação geral do sector vitivinícola em Portugal, nos termos da legislação comunitária e nacional aplicável, não constitui um auxílio de Estado na acepção do agora artigo 107.º do TFUE.
K. Estando demonstrado no âmbito do procedimento que as receitas desta taxa correspondem a mais de 62% do orçamento associado ao funcionamento do IVV, quanto à grande maioria da consignação da taxa de promoção, não estamos sequer perante um auxílio de Estado, pelo que, quanto a essa larga componente, inexistia, por completo, qualquer obrigação de notificação da medida em causa.
L. A Comissão considera que também o apoio financeiro concedido à associação Viniportugal para a organização e o desenvolvimento de campanhas de promoção genérica e de publicidade do vinho e dos produtos vínicos, ou seja, a actividade desenvolvida em Portugal por aquela Associação, não constitui um auxílio, na acepção do mesmo preceito, pelo que, também esta medida dispensava qualquer notificação prévia à Comissão.
M. A Comissão apenas deu início ao processo de investigação relativamente:
i) às medidas relativas à promoção e à publicidade do vinho português nos mercados dos outros Estados-membros e de países terceiros;
ii) ao regime de financiamento de tais medidas; e,
iii) ao regime de financiamento das medidas relativas à formação.
N. Apenas e só relativamente a essa ínfima parcela poderia eventualmente discutir-se a violação do dever de notificação prévia previsto no artigo 108.º, n.º 3 do TFUE, o que deita por terra as pretensões da Recorrente de não pagar a totalidade da taxa por si autoliquidada.
O. O IVV foi notificado da decisão relativa ao procedimento instaurado em 28 de Setembro de 2010, a qual foi objecto de recurso por parte das autoridades portuguesas, factos também referidos pela Recorrente nas suas alegações de recurso.
P. Após negociações entre as partes, a Comissão adoptou a Decisão C(2012) 2111 final, de 4 de Abril de 2012, que altera as condições sétima e nona da Decisão de 2010 nos termos acordados com as autoridades portuguesas em termos que levaram o Estado Português a desistir do recurso pendente, entretanto extinto por despacho de 10 de Maio de 2012 — cfr. Decisões de 2010 e de 2012 (esta ainda não publicada no Jornal Oficial da União Europeia) juntas em anexo a estas contra-alegações como docs. nºs 1 e 2.
Q. A decisão final do procedimento conclui que, das três realidades averiguadas apenas as medidas relativas à promoção e à publicidade do vinho português nos mercados dos outros Estados-membros e de países terceiros e as medidas relativas o respectivo regime de financiamento podem constituir auxílios de Estado nos termos do artigo 107.° do TFUE, mas não as medidas relativas ao regime de financiamento da formação, que não constitui um auxílio de Estado, pelo que não carece de notificação prévia nos termos do artigo 108.°, n.º 3 do TFUE.
R. No âmbito da execução da Decisão de 2010, conforme alterada pela Decisão de 2012, a Comissão manifestou abertura para que Portugal demonstrasse que os apoios considerados como auxílios estatais no âmbito do procedimento concluso, respeitam os limiares de minimis aplicáveis, caso em que a Comissão consideraria a Decisão como executada.
S. O Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão, de 15 de Dezembro de 2006, estabelece, no seu artigo 2.º que se considera que os auxílios não preenchem todos os critérios estabelecidos no n.º 1, do artigo 107.º do TFUE, pelo que estão isentos da obrigação de notificação prevista no n.º 3 do artigo 108.° do TFUE, os auxílios de minimis concedidos, os quais não podem exceder € 200.000 durante um período de três exercícios financeiros por empresa beneficiária.
T. Após confirmação de que os limiares de minimis aplicáveis não foram excedidos por nenhum dos agentes económicos do sector vitivinícola em Portugal, o IVV enviou uma carta à Comissão comunicando que os apoios respeitaram os limiares de minimis aplicáveis e que por esta razão o Estado considera a Decisão de 2010 plenamente executada, sem necessidade de proceder a qualquer reembolso.
U. Em Setembro de 2012— através de carta junta em anexo a estas contra-alegações como doc. n.º 3 —, a Comissão tomou boa nota do entendimento do Estado de que as poucas medidas classificadas como auxílio no âmbito da Decisão de 2010, conforme alterada pela Decisão de 2012, se encontram abrangidos pelos Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão, de 15 de Dezembro de 2006 e cumprem os limites de minimis aí estabelecidos.
V. Esta carta traduz, a confirmação da Comissão de que a taxa de promoção não padece de qualquer incompatibilidade com o direito da União Europeia em matéria de auxílios de Estado e que as medidas financiadas por meio desta taxa classificadas pela Comissão como auxílios estatais no âmbito do procedimento não careciam de notificação prévia nos termos do artigo 108.º, n.º 3 do TFUE.
W. O Recorrido demonstrou, mesmo quanto às medidas investigadas pela Comissão, que estas não colocam quaisquer problemas de compatibilidade com o Direito Comunitário no que respeita ao dever de notificação prévia instituído no artigo 108.º, n.º 3 do TFUE, pois não constituem auxílios de Estado nos termos do artigo 107º do TFUE.»

3.- O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido:
«No caso dos autos defende-se a existência de vício de ilegalidade quanto à taxa de promoção relativa a Agosto de 2002.
No entanto, do probatório resulta que a taxa em causa é relativa ao mês de Maio de 2003 (fls. 262).
Sendo que com o recurso interposto se manifesta assim uma divergência quanto à apreciação relativa à matéria de facto tal como a mesma foi efectuada, quer parecer que é de declarar este tribunal incompetente, sendo de deferir a competência para apreciar o recurso ao T.C.A. que seja competente, atento que é ao mesmo que pertence conhecer ainda dos respectivos factos - assim se decidiu, por exemplo, no ac. do S.T.A. de 13-5-09, proferido no proc. 10894/08, cujo sumário constante em www.dgsi.pt se transcreve: I - A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal de Administrativo, nos recursos interpostos directamente dos decisões dos TT de 1 Instância, apenas tem competência para conhecer de matéria de direito (cfr. artºs 21-°, nº 4, 32-°, n2 1, al. b) e 41º, nº 1, al. a) do ETAF, na anterior redacção e 280º, nº 1 do CPPT).
II - Se, nas conclusões das suas alegações, o recorrente invocar matéria de facto que não foi levada em consideração na decisão recorrida, é aquela Secção incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, sendo competente o Tribunal Central Administrativo.
Caso o acima referido mereça acolhimento, mais parece que a competência é de deferir territorialmente ao T.C.A. Norte e fazer depender a ulterior remessa do processo do que pela recorrente seja requerido, nos termos do art. 18. n.º 2 do C.P.P.T..»

4. Em cumprimento do despacho do relator, a fls. 388 dos autos, foram as partes notificadas para se pronunciarem a respeito da eventualidade de vir a ser declarada a incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia, mas apenas a recorrente veio manifestar a sua discordância contra a promoção do Ministério Público por entender que “… a questão a apreciar nos presentes autos de recurso é matéria exclusivamente de direito: a ilegalidade da taxa de promoção decorrente da violação da obrigatoriedade da respectiva notificação prévia à Comissão e consequentemente proibição de execução contida no nº3 do artigo 108º do TJUE.”

5.- Cumpre apreciar e decidir.

6.- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
A) - No dia 06 de Junho de 2003, a A………. procedeu à autoliquidação da quantia de €171.206,22, a título de taxa de promoção referente ao mês de Maio de 2003 - cf. documento n.º 1, junto com o pedido de revisão oficiosa.
B) - O montante da referida taxa foi apurado através da aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 119/97, de 15 de Maio, que estabelece a mencionada taxa de promoção, e da Portaria n.º 383/97, de 12 de Junho, com a redacção que lhe foi conferida pela Portaria n.º 1428/2001, de 15 de Dezembro, que fixa o valor da taxa.
C) - Em 22/12/2008 a A……….. apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação referida em A.
D) - O pedido mencionado em C. foi indeferido em 12/01/2009.
E) - Em 11/02/2009, a impugnante apresentou a presente impugnação.
F) - No dia 1 de Dezembro de 2004, a Comissão Europeia notificou ao Governo português a sua decisão de dar início ao procedimento de investigação previsto no artigo 88º, n.º 2 do Tratado CE (cfr. doc. nº2 em anexo) com vista a analisar a compatibilidade da referida taxa com as regras do Tratado sobre auxílios de Estado. Este procedimento encontra-se presentemente em curso, não tendo ainda sido adoptada decisão definitiva sobre o mérito da causa.
G) - No documento da Comissão Europeia - publicado no JOUE - C 92/12, de 16.4.2005, sob a epígrafe:
“Auxilio Estatal — Portugal
Auxílio estatal C 43/2004 (ex NN38/2003) - Taxa parafiscal de promoção do Vinho Convite para apresentação de observações, nos termos do n.º 2 do art. 88. ° Tratado CE (2005/C 92/06)”
Podemos ler, no essencial, para estes autos, dando-se por integralmente reproduzido no demais:
“I. PROCESSO
(1) Na sequência de uma queixa, …, sobre a taxa “de promoção do vinho”, cobrada pelo Instituto da Vinha e do Vinho (a seguir denominado “IVV”), assim como sobre as medidas financiadas pelo produto dessa imposição parafiscal.

II. DESCRIÇÃO

(6) A referida taxa, que representa mais de 62% do orçamento afecto ao funcionamento do IVV é imposta não apenas aos produtos vitivinícolas produzidos e comercializados em Portugal mas também
- aos produzidos em Portugal e comercializados nos outros Estados-Membros e nos países terceiros, e
- aos originários dos outros Estados-Membros ou de países terceiros comercializados em Portugal.

Produtos sujeitos à imposição
(46) Estão sujeitos à taxa os vinhos e produtos vínicos produzidos ou comercializados em Portugal, incluindo os vinhos licorosos, vinhos frisantes e bebidas aromatizadas, vinhos espumantes e outras bebidas do sector vinícola, assim como os vinagres de vinho.
(47) Estão, assim, sujeitos, tanto os vinhos produzidos em Portugal, quer sejam comercializados no país ou exportados para outros Estados-Membros ou países terceiros, como os vinhos que, sendo produzidos noutros Estados-Membros da União Europeia ou em Estados terceiros, são comercializados em Portugal.

(108) A Comissão considera que os auxílios públicos pagos para financiar as acções de promoção no caso em apreço até 1 de Janeiro de 2002 respeitaram os critérios estabelecidos pelos dispositivos comunitários aplicáveis nesta matéria.
IV. CONCLUSÃO
(144) Após este exame preliminar, a Comissão considera, pelas razões expostas supra, que:
- o financiamento das prestações de serviços ao sector desenvolvidas pelo IVV enquanto autoridade pública responsável pela coordenação geral do sector vitivinícola em Portugal não constitui um auxílio estatal;
- o montante concedido à Viniportugal para a organização e o desenvolvimento de campanhas de promoção genérica e de publicidade do vinho e dos produtos vínicos não constitui um auxilio;
- as medidas de auxilio à promoção e à publicidade do vinho e dos produtos vínicos, assim com o financiamento desses auxílios e dos auxílios à formação suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum.
(145) Após analisar as informações prestadas pelas autoridades portuguesas, a Comissão decidiu, por conseguinte dar início ao processo previsto no n.º 2 do artigo 88.° Tratado CE relativamente aos auxílios à promoção e à publicidade do vinho português nos mercados dos outros Estados-Membros e de países terceiros e ao financiamento dos auxílios tratados na presente decisão.
…”.,

7. Da questão prévia da incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia.

Em face do teor do parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto e da posição sustentada pela recorrente na sequência da notificação que lhe foi feita de tal parecer, impõe-se apreciar previamente a questão da incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia.
Como se viu o Ministério Público entende que no recurso interposto se manifesta uma divergência quanto à apreciação relativa à matéria de facto, já que nas alegações de recurso se invoca a existência de vício de ilegalidade quanto à taxa de promoção relativa ao mês de Agosto de 2002 enquanto que do probatório resulta que a taxa em causa é relativa ao mês de Maio de 2003.

Por sua vez a recorrente, notificada para se pronunciar sobre a questão prévia da incompetência em razão da hierarquia suscitada pelo Ministério Público veio sustentar que essa aparente divergência quanto à matéria de facto resulta apenas de um mero lapso de escrita contido na sentença recorrida relativamente ao período da taxa de promoção em causa nos autos e respectivo montante.
Lapso de escrita esse em que incorreu o Tribunal a quo por ter, porventura, aproveitado a sentença que havia, anterior e igualmente, prolatado no processo n. ° 351/09.9BEVIS em que a taxa de promoção impugnada respeitava, essa sim, ao período de Maio de 2003, pelo montante de €171.206,22.
Concluindo que, sendo esse lapso de escrita ostensivo, nada impede que se leia a sentença com a correcção correspondente, resumindo-se a questão a apreciar no recurso a matéria exclusivamente de direito, a saber a da ilegalidade da taxa de promoção decorrente da violação da obrigatoriedade da respectiva notificação prévia à Comissão e consequente proibição de execução contida no nº 3 do artº 108º do TJUE.

Não cremos, no entanto, que assista razão ao ilustre magistrado do Ministério Público.
Vejamos.
De harmonia com o disposto nos artigos 26º al. b) e 38º al. a) do novo ETAF e 280º n.º 1 do CPPT-, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo compete apenas conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com exclusivo fundamento em matéria de direito,
Sendo que aos Tribunais Centrais Administrativos compete, por sua vez conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com excepção dos referidos na alínea b) do n.º 1, do citado art. 26.º do referido Estatuto.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida.

Ora no caso em apreço não se pode concluir com segurança que a recorrente discorda da interpretação dada pela sentença aos factos provados ou que, por outro lado invoca factos não levados ao probatório dos quais pretende extrair consequências jurídicas.

O que se constata dos autos é que a aparente divergência factual decorre do facto de a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu se ter pronunciado sobre acto tributário completamente ausente do processo, identificando erroneamente o acto impugnado como sendo a taxa de promoção referente ao mês de Maio de 2003, no montante de € 171.206,22.
Quando na verdade resulta da petição inicial da impugnação que a recorrente vinha sindicar a taxa de promoção no montante de €54.246,93, referente ao mês de Agosto de 2002, autoliquidada em 24.09.2002, sendo a essa mesma que se refere também nas alegações de recurso.
E é a essa mesma taxa de promoção no montante de €54.246,93, referente ao mês de Agosto de 2002, que se reportam os documentos juntos com a petição inicial, pela impugnante e ora recorrente, nomeadamente o documento nº 1 que constitui a declaração mensal da autoliquidação da taxa de promoção relativa ao mês de Agosto de 2002.
Ora sucede que, de forma inesperada, a sentença elenca no probatório (vide fls. 262) toda uma série de factos, com remissão para os documentos juntos aos autos e que não têm qualquer correspondência com os mesmos, designadamente que no dia 06 de Junho de 2003, a A……….. procedeu à autoliquidação da quantia de €171.206,22, a título de taxa de promoção referente ao mês de Maio de 2003, quando o que consta do referido documento n.º 1 é que autoliquidação ocorreu em 24.09.2002 e era relativa à taxa de promoção no montante de €54.246,93, referente ao mês de Agosto de 2002.
E também que em 22/12/2008 a A………. apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação referida em A e que o pedido mencionado foi indeferido em 12/01/2009, quando o que consta do documento junto com a petição inicial é que o pedido de revisão oficiosa foi deduzido em 18 de Abril de 2006, tendo sido indeferido em 8 de Maio de 2006.
Tudo leva a crer, pois, como nota agora a recorrente, que a fundamentação de facto da sentença não corresponde à matéria dos presentes autos mas sim a outro processo relativo à mesma impugnante e com factualidade semelhante, o que patenteia, para além do mais, manifesta desatenção quanto ao objecto do processo e quanto à pretensão deduzida na impugnação.
Sucede, porém, que, como evidenciam as alegações de recurso e respectivas conclusões, a recorrente (Nem a recorrida.) não atentou nesta contraditória fundamentação de facto da sentença, sobre a qual só agora se pronuncia, não pondo em causa a interpretação dada pela sentença aos factos provados nem invocando factos novos com a finalidade de deles extrair consequências jurídicas.
Daí que se entenda que não se verifica a suscitada incompetência em razão da hierarquia porquanto a recorrente, nas conclusões das suas alegações vem suscitar apenas uma questão de direito, a saber a da ilegalidade da taxa de promoção decorrente da violação da obrigatoriedade da respectiva notificação prévia à Comissão e consequente proibição de execução contida no nº 3 do artº 108º do TJUE.
Improcede pois a questão prévia da incompetência em razão da hierarquia suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto.

8. Da nulidade da sentença recorrida por contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito e da necessidade de ampliação da matéria de facto.
Como se viu a sentença elenca no probatório (vide fls. 262) toda uma série de factos, com remissão para os documentos juntos aos autos e que não têm qualquer correspondência com os mesmos, sendo patente que a fundamentação de facto da sentença não corresponde à matéria dos presentes autos
Pretende a recorrente que se trata de lapso de escrita ostensivo pelo que nada impede que se leia a sentença com a correcção correspondente.
Mas carece de razão.
Não estamos perante um mero lapso de escrita ou perante um erro material mas sim perante um verdadeiro erro de julgamento que decorre de manifesta contradição da matéria de facto fixada acima evidenciada no ponto 7.
Numa situação destas a contradição da matéria de facto fixada (que, ao fim e ao cabo, se traduz na sua insuficiência, pois não se podem ter como assentes os factos em que se concretiza a contradição) é fundamento de ampliação da matéria de facto (Cf., neste sentido Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag. 359.) .
Com efeito, para além dos poderes referidos no art. 722. ° do Código de Processo Civil, que se traduzem na intervenção do Supremo na fixação da matéria de facto quando está em causa apenas a aplicação de regras de direito, a actividade do Supremo Tribunal Administrativo, em processos julgados inicialmente pelos tribunais tributários, deve limitar-se à aplicação do direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art. 729.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Por isso, como esclarece a doutrina ( Jorge Lopes de Sousa, ob. citada, pag. 359) nestes recursos para o Supremo Tribunal Administrativo, se se verifica contradição da matéria de facto fixada, que se traduz na sua insuficiência, não existem condições para o STA levar a cabo a sua actividade, impondo-se ordenar a ampliação da matéria de facto nos termos do artº 729º, nº 3 do Código de Processo Civil.
Sendo que, como acentua aquele autor, estes casos de ampliação da matéria de facto envolvem também a anulação da decisão recorrida, à semelhança do que expressamente se preceitua no art. 712°, n.º 4, do Código de Processo Civil, sendo também casos de conhecimento oficioso da nulidade referida.

Em face do exposto, e porque se entende que as apontadas contradições na decisão sobre a matéria de facto inviabilizam a decisão jurídica do pleito, impõe-se, a anulação da decisão recorrida, e a consequente remessa dos autos ao tribunal “a quo”, nos termos do artº 729º, nº 3 do Código de Processo Civil, a fim de que este proceda ao necessário julgamento da matéria de facto, de acordo com o que acima se deixa explicitado.

9. Decisão:

Nestes termos acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à primeira instância a fim de que ali se proceda ao necessário julgamento da matéria de facto, de acordo com o que acima se deixa explicitado.

Sem custas.

Lisboa, 3 de Julho de 2013. – Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão – Ascensão Lopes.