Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01132/15.6BALSB
Data do Acordão:01/31/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
NOTAÇÃO
PROCURADOR-ADJUNTO
DISCRICIONARIEDADE IMPRÓPRIA
ERRO GROSSEIRO
Sumário:I - Na classificação dos magistrados o CSMP não actua num espaço caracterizado pela vinculação, antes goza de amplos poderes discricionários, ou seja, de poderes que se exprimem em actuações e em juízos de apreciação e avaliação, que, em numerosos aspectos, escapam ao controlo jurisdicional;
II - Aí, onde o CSMP exerce uma efectiva prerrogativa de avaliação, os tribunais não devem nem podem entrar, a não ser, e isso se lhes exige, mediante um controlo externo sobre o «correcto exercício» do respectivo poder discricionário - discricionariedade imprópria - que lhe é atribuído;
III - É difícil delimitar esse controlo externo em sede apreciativa e avaliativa, mas esta dificuldade não deve resultar nem em excessiva auto-contenção judicial nem em excessivo activismo judicial. Cabe ao tribunal apreciar casos de erro grosseiro, de desvio de poder, de erro de facto, de falta de fundamentação, e, em geral, da compatibilidade do juízo decisório com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e princípios fundamentais que regem a actividade administrativa.
Nº Convencional:JSTA00070862
Nº do Documento:SAP2019013101132/15
Data de Entrada:09/28/2018
Recorrente:A......
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:ACÓRDÃO DO STA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO
Legislação Nacional:ARTIGOS 110º, N.º 1 E 113º, N.º 1 DO EMP, 13º, N.º 1 E N.º 2, ALÍNEA A) E 14º DO RIMP
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A………, identificada nos autos, inconformada com o acórdão da 1ª Secção deste Supremo Tribunal, proferido em 03.05.2018, que julgou improcedente a acção administrativa especial de impugnação [AAE] que deduzira contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [CSMP], dele interpõe o presente recurso para o Pleno da mesma Secção.

Culminando as suas alegações de recurso, formula as seguintes «conclusões»:

A- Vem interposto este recurso jurisdicional do acórdão da 1ª Secção do STA, de 03.05.2018, que julgou improcedente a acção administrativa de impugnação do acórdão do Plenário do CSMP, de 28.04.2015, o qual, indeferindo a reclamação do acórdão da respectiva 2ª Secção de Classificações, de 10.03.2015, manteve a atribuição da classificação de «Medíocre»;

B- No entender da recorrente, a decisão do acórdão da 1ª Secção do STA, de 03.05.2018, não procede a uma correcta apreciação dos vícios imputados ao acto impugnado, devendo, em consequência, ser revogada;

C- A recorrente entende não estar reunidos os pressupostos para atribuição da classificação de «Medíocre», a qual implica a suspensão do exercício de funções e a instauração de inquérito por inaptidão para esse exercício;

D- O acórdão recorrido incorre em «erro manifesto de direito» equivalente a violação de lei ao sustentar que a recorrente revela «incapacidade para o cargo», quando considera que a classificação de «medíocre» é proporcional e suficientemente fundamentada;

E- No entender da recorrente, o acórdão recorrido parte de pressupostos errados, não passíveis de serem extraídos da matéria de facto fixada no acórdão, que inquinam irremediavelmente todo o juízo, ponderação e avaliação que é feita ao longo deste, razão pela qual é inválido;

F- O acórdão recorrido, em virtude da falta de valoração da prova, incorre em erro manifesto na apreciação do desempenho funcional da recorrente, designadamente, quando sustenta que esta revela «incapacidade para o cargo»;

G- A recorrente demonstrou, ao longo do processo inspectivo, que:

a) Sofre de «Diabetus Mailus Tipo II» provocando-lhe grande cansaço e menor energia física, afectando significativamente a sua capacidade produtiva;

b) Sofreu de depressão «major», causada por problemas de violência doméstica de que foi vítima por parte de um ex-companheiro, que a perseguia com ameaças de morte, chegando a agredi-la física e psicologicamente, acabando este por se suicidar;

c) O Senhor Juiz com quem trabalhou no 1º Juízo do TPIC de ...... prolongava em demasia as audiências de julgamento, tendo o referido Senhor Juiz sido afastado das suas funções, na sequência de processo disciplinar;

H- Uma correcta valoração da prova apresentada determinaria, desde logo, concluir que as ausências da recorrente ocorreram por motivos de saúde não previsíveis no dia anterior, motivo pelo qual não foi possível avisar as colegas;

I- A situação [devidamente comprovada] de doença de diabetes conjugada com a depressão que a recorrente sofria, bem como os elevados níveis de stress originavam frequentes enjoos matinais e vómitos, tensão baixa, e, em geral, incapacidade de agir, os quais deveriam ter sido levados em conta;

J- A recorrente avisava, com antecedência, sempre que possível, os seus colegas, quando não podia comparecer ao serviço, fazendo-o, designadamente, para o número pessoal da Exma. Dra. B……… ou pedindo a pessoas suas próximas que o fizessem;

K- No que respeita a ausências em dias de turno, uma correcta valoração da prova permitiria verificar que as ausências ao serviço não foram a regra, mas sim a excepção;

L- Em relação aos atrasos na tramitação dos processos que tinha a seu cargo, uma concreta valoração da prova impunha que fosse considerado o quadro conjuntural das condições em que a Recorrente exerceu as suas funções no …………., bem como o quadro de doença que a afectou;

M- A recorrente entende que uma concreta valoração da prova impunha que se considerasse: [i] o volume de serviço do juízo; [ii] a intensidade e absorção do mesmo no que respeita às diligências/julgamentos e [iii] os problemas de saúde de que padecia;

N- Os factores elencados pela recorrente são por si só suficientes para que a classificação atribuída fosse outra que não «medíocre»;

O- O acórdão recorrido ao remeter a sua fundamentação para o «Relatório» e para o acórdão do CSMP desconsidera, também ele, em absoluto as condições em que a mesma exerceu as suas funções;

P- A recorrente agiu sempre movida pela intenção de dar o correcto e devido andamento aos muitos processos que lhe eram distribuídos, mas diversas circunstâncias a impediram de o fazer ao máximo;

Q- O desempenho funcional da recorrente, durante a sua permanência na secção de inquéritos do Tribunal de ......, não revelou quaisquer disfuncionalidades em termos de actuação processual, conforme listagens mensais que enviava à hierarquia, bem como aos inquéritos em que proferiu despachos finais, da titularidade de outros colegas;

R- Todas as circunstâncias relatadas deveriam ter sido devidamente ponderadas na atribuição da classificação à recorrente, pois não justificam a aplicação da classificação de medíocre, razão pela qual o acórdão recorrido enferma de erro manifesto de apreciação, sendo por isso ilegal;

S- A classificação de medíocre é injustificada, desadequada, desproporcional face ao desempenho funcional da recorrente, e excessivamente penalizadora da sua conduta, sendo manifestamente ilegal;

T- O «acórdão do Plenário do CSMP», ao atribuir à recorrente a classificação de «Medíocre», é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 266º, nº2, da CRP [e nos artigos 5º e 6º do CPA];

U- A ponderação das «circunstâncias» que rodearam o desempenho funcional da recorrente no período inspeccionado leva à conclusão de que ela [recorrente] não revela qualquer «incapacidade para o exercício do cargo»;

V- No que toca aos problemas pessoais e de saúde que enfrentou no período inspeccionado, e da leitura do «relatório» e dos «acórdãos do CSMP», os quais foram plenamente acolhidos no acórdão recorrido, a recorrente fica com a sensação, clara, que os referidos problemas pessoais e de saúde não são referidos no «relatório» e logo não foram tidos em conta na aferição das circunstâncias que levaram à sua prestação funcional, designadamente, quanto aos atrasos no despacho de processos;

W- O acórdão recorrido deve ser revogado, pois mantém acto administrativo inconstitucional, ilegal e inválido, que está a impedir a recorrente de retomar o exercício das suas funções de magistrada do Ministério Público;

X- A agora recorrente vinha desempenhando as suas funções no …….. de uma forma regular e empenhada;

Y- A ora recorrente encontrava-se afecta, desde Setembro de 2014 ao …….., e tinha ainda a seu cargo toda a distribuição do expediente que entra para a Secção Central do Tribunal e que precisa de ser registado, autuado e distribuído como Inquérito [RDA], isto é, despachava todo o expediente para RDA bem como todos inquéritos contra desconhecidos;

Z- A agora recorrente, em conjugação com as funções que já exercia, passou a assegurar a representação do Ministério Público em todos os actos de audiência de julgamento [em processos criminais e os de contra-ordenação] relacionados com o acervo de serviço adstrito à unidade de competência genérica criminal;

AA- A recorrente ficou ainda com a incumbência de concretizar a aferição da legalidade das decisões judiciais emergentes dos julgamentos nos quais assegurou a representação do Ministério Público, reconduzindo-se tal actividade na interposição de recursos [interlocutórios ou definitivos] ou na apresentação de contra-alegações;

BB- Não restam quaisquer dúvidas que o acórdão recorrido, que julgou improcedente a acção, deverá ser revogado com fundamento em «erro de direito», equivalente a violação de lei e, em consequência, deverá ser «declarado nulo ou anulado», o Acórdão do Plenário do CSMP, datado de 28.04.2015, o qual, indeferindo a «reclamação» do Acórdão de 10.03.2015, da 2ª Secção de Classificações, manteve à recorrente a aplicação da classificação de «medíocre».

Termina pedindo a admissão da revista e o seu provimento, devendo o acórdão recorrido, de 03.05.2018, ser revogado, e ser julgada procedente a AAE, com a declaração de nulidade ou a anulação da sua classificação de «medíocre».

2. O recorrido CSMP contra-alegou, e retirou as seguintes «conclusões»:

A- O acórdão recorrido, ao «julgar a acção improcedente», fez correta apreciação dos factos e das normas legais aplicáveis, com pronúncia fundamentada sobre todas as questões a resolver;

B- Concretamente, fez uma devida apreciação da valoração das circunstâncias profissionais e pessoais que rodearam o desempenho profissional da recorrente no período abrangido pelo período inspectivo;

C- Sucede, contrariamente ao alegado pela recorrente, que essas circunstâncias profissionais e pessoais tinham sido devidamente apreciadas e ponderadas logo no Relatório da inspecção, e, depois, no acórdão da 2ª Secção de Classificações e no acórdão impugnado;

D- E constatando isso, o tribunal, no douto acórdão recorrido, concluiu, como não podia deixar de ser, que as circunstâncias pessoais e funcionais invocadas foram ponderadas, só que não lhes foi dada a relevância que a recorrente pretende para ser atribuída diferente classificação, face ao seu desempenho extremamente negativo;

E- Tendo indicado claramente as razões por que não podia ser acolhida a tese da recorrente sobre esta questão, decisão que se encontra fundamentada, tal como fundamentado está o acórdão impugnado, tudo ao contrário daquilo que a recorrente diz;

F- Na verdade, essas circunstâncias não podem justificar as anomalias e atrasos na tramitação dos processos que se detectaram no desempenho funcional da recorrente, revelador de uma efectiva incapacidade para o exercício do cargo;

G- Pelo que se situa aquém do satisfatório, correspondendo-lhe a classificação de «Medíocre», nos termos do artigo 20º, alínea e), do RIMP, tal como se considerou no acórdão recorrido;

H- Também sobre a questão da incapacidade para o exercício do cargo, no acórdão recorrido procedeu-se à apreciação crítica e exaustiva do teor do Relatório da inspecção a este propósito;

I- Vendo-se que nele estão claramente indicadas e fundamentadas as razões por que não foi acolhida a tese da recorrente, pois nessa apreciação o tribunal pôde constatar que os atrasos na tramitação dos processos que a recorrente tinha a seu cargo, e que foram indicados no Relatório com grande minúcia, não encontram justificação nas circunstâncias que a ela invoca;

J- E por isso, tendo em atenção o desempenho funcional da recorrente, circunstanciadamente descrito no Relatório de inspecção, com todo o acerto foi julgado improcedente o invocado vício de erro manifesto da decisão impugnada na apreciação do desempenho funcional, ao haver entendido que a autora revela incapacidade para o cargo;

K- Portanto, o douto acórdão recorrido não enferma de qualquer erro de apreciação relacionado com a valoração das circunstâncias invocadas, está devidamente fundamentado, e não enferma de qualquer ilegalidade;

L- Também nenhuma razão assiste à recorrente na crítica que faz ao douto acórdão recorrido por não lhe ter dado razão relativamente à alegada violação do princípio da proporcionalidade;

M-Tal como se considerou no acórdão recorrido, tendo em conta todos os elementos constantes do Relatório de inspecção, que atestam um desempenho funcional claramente insuficiente, ao qual acrescem faltas de assiduidade, ausências ao serviço sem comunicação prévia e atrasos inaceitáveis na tramitação dos processos, a prestação funcional da recorrente fica aquém do satisfatório, pelo que deve ser classificada de «Medíocre», nos termos do artigo 20º, alínea e), do RIMP, tal como o fez o acto impugnado;

N- Na verdade, a atribuição dessa classificação resultou da criteriosa ponderação dos muitos aspectos negativos e dos poucos aspectos positivos do seu desempenho, bem como das condições de trabalho e suas condições pessoais, tudo em conformidade com os pertinentes parâmetros de avaliação e aspectos a atender estabelecidos nos artigos 110º e 113º do EMP, 13º e 14º do RIMP;

O- Por isso, a classificação de «Medíocre» é a que se mostra justa, adequada e proporcional à sua prestação funcional no período inspeccionado;

P- Nenhuma razão lhe assiste na alegação de que ocorreu violação do princípio constitucional da proporcionalidade consagrado no artigo 266º, nº2, da CRP e com expressão no artigo 7º do CPA;

Q- Pelo exposto, e demonstrada a total improcedência da alegação da recorrente relativamente aos vícios que imputou ao acto impugnado, resulta manifesto que o douto acórdão recorrido ao julgar a acção improcedente não incorreu em qualquer erro de julgamento, nem tem nenhum dos defeitos que a recorrente lhe atribui;

R- Pelo contrário, decidiu com acerto, não violou as normas legais e constitucionais indicadas pela recorrente, antes fez correta interpretação e aplicação do direito, pelo que não merece qualquer censura, devendo ser integralmente mantido.

Termina pedindo o não provimento do recurso, mantendo-se na ordem jurídica o acórdão recorrido [da 1ª Secção deste STA].

3. Colhidos que foram os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir o recurso.

II. De Facto

São os seguintes os factos dados como provados no acórdão recorrido:

1- A autora desta acção é «magistrada do Ministério Público» com a categoria de «Procuradora-Adjunta», e encontrava-se, até Fevereiro de 2015, a exercer funções na comarca de ……., no ……………. […..] - acordo das partes;

2- No âmbito de inspecção ordinária, foi a autora objecto de inspecção ao serviço prestado na comarca da «……………», a qual abrangeu o período entre 01.09.2011 e 17.07.2014 - acordo das partes e Relatório de Inspecção de folhas 338 a 480 do PA;

3- No «Relatório do Processo de Inspecção Ordinária ao Serviço e Mérito da Autora» [doravante Relatório], o Senhor Inspector propôs a atribuição à autora da classificação de «Medíocre», por avaliar «[...] globalmente, sua prestação funcional, no período compreendido entre 1 de Setembro de 2011 a 17 de Julho de 2014, como extremamente negativa» - ver Relatório constante a folhas 338 a 480 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

4- Não se conformando com a classificação proposta, a autora apresentou resposta ao Relatório - nos termos constantes de folhas 484 a 507 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

5- O Senhor Inspector, face a esta resposta, formulou Informação Final, nos termos do artigo 17º, nº2, do Regulamento de Inspecção do Ministério Público [RIMP] - constante a folhas 519 a 542 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

6- Por acórdão da 2ª Secção de Classificações do CSMP, datado de 10.03.2014, foi atribuída à autora a classificação de «Medíocre», por referência ao seu desempenho como Procuradora-Adjunta, no período indicado em 3 - nos termos constantes de folhas 573 a 582 do PA, que aqui se dão por reproduzidas;

7- Em 08.04.2015, a autora apresentou reclamação do referido acórdão da 2ª Secção para o Plenário do CSMP - conforme consta a folhas 584 a 611 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

8- Por acórdão datado de 28.04.2015 e notificado à autora em 05.05.2015, o CSMP, reunido em Plenário, indeferiu a reclamação apresentada e confirmou o acórdão da 2ª Secção de Classificações do CSMP e, em consequência, atribuiu à autora a classificação de «Medíocre», com a seguinte fundamentação:

«1. A não inquirição requerida pela I. na resposta ao RI [folha 507]: O artigo 17º nº1 do RJMP prevê que o magistrado inspeccionado, no uso do direito de resposta, junte elementos que considere convenientes. Em seguida a diligências complementares que julgue úteis, o inspector prestará uma informação final sobre a resposta do inspeccionado, não podendo, contudo, referir factos novos que o desfavoreçam - nº2. Embora se possa defender que essa é uma das possibilidades deixada ao critério do Inspector [diligências complementares que julgue úteis] em nenhum preceito do EMP ou do RIMP se prevê a inquirição de testemunhas no âmbito de processo inspectivo [diferentemente do procedimento disciplinar]. O Inspector não vislumbrou, e bem, a necessidade da inquirição, certamente porque a considerou desnecessária, por mais laudatória que fosse dos méritos da I., face ao acervo de outros elementos bastamente elucidativos para permitirem uma proposta classificativa conscienciosa. Sublinhe-se que no decurso da inspecção, além de informações orais e escritas recolhidas pelo Inspector junto de outros magistrados do Ministério Público, o Exº Inspector, «na sequência da informação apresentada pela I. e acolhendo a sugestão nela formulada» [ver folha 377 dos autos, folha 41 do RI] contactou informalmente o Ex° C……., que informou «que durante o pouco tempo que trabalhou com a Inspeccionada, ficou com a convicção, a partir das suas intervenções nos processos tutelares educativos, que estava perante uma magistrada empenhada e que preparava convenientemente os processos, o que lhe permitia efectuar perguntas que, em regra, tinha como pertinentes para o completo esclarecimento dos factos». Sempre poderia a I. sugerir idêntica - idêntica iniciativa junto da D……, ou juntar informação escrita pela mesma, o que não fez. Os elementos recolhidos e juntos aos autos são mais que suficientes para uma decisão ponderada e consciente.

2. Quanto à restante matéria alegada pela I. na resposta ao RI, foi objecto de atenção no âmbito do acórdão reclamado [ver folhas 11 a 14 verso do acórdão reclamado, folhas 578 a 579 verso do processo inspectivo], tal como o foi a informação final do Ex° Inspector, em resposta àquela. No confronto da resposta da I. e da informação final do Ex° Inspector, considerados os elementos recolhidos no processo inspectivo, e integrando-os no quadro jurídico estabelecido no EMP e no RIMP, considerou o acórdão reclamado que «tendo em conta a forma como se pautou a sua conduta nos vários tribunais e em períodos distintos, sendo de sopesar as muito graves falhas apontadas ao seu desempenho em inquérito, qualitativamente muito negativo, bem como as condutas deontologicamente censuráveis por si adoptadas enquanto desempenhou funções no …., que se espera não mais sejam repetidas no futuro profissional da magistrada», atribuindo-lhe a classificação de MEDÍOCRE

3. Analisemos o que de mais relevante se recolheu no âmbito de todo o processo inspectivo, relativo ao trabalho da I.

Classificações e registo disciplinar

- Perfez 18 anos, 10 meses e 2 dias de tempo de serviço em 28.7.2014;

- O seu trabalho foi objecto de duas inspecções, tendo sido classificada com suficiente por acórdão do CSMP, de 29.04.2002, e com medíocre por acórdão do Plenário de 11.03.2005;

- Foi sancionada com as penas de 30 dias de multa por duas vezes, uma por acórdão da Secção Disciplinar do CSMP de 17.10.2007 outra por acórdão da mesma Secção de 06.06.2008;

- Na sequência da segunda classificação esteve suspensa de 13.10.2008 a 31.08.2009 e veio a cumprir a pena de 2 anos de inactividade aplicada por acórdão de 16.04.2009;

- Iniciou o cumprimento desta pena em 1 de Setembro de 2009, vindo a terminá-la em 31 de Agosto de 2011;

- Regressou ao serviço em 1 de Setembro de 2011.

- Foi sancionada com a pena única de aposentação compulsiva por acórdão do Plenário do CSMP de 27.01.2015.

Informações hierárquicas

Citam-se apenas algumas passagens, elucidativas: «tem evidenciado dificuldades em acompanhar a dinâmica de grupo e em desenvolver o espírito de equipa»; «é possuidora de qualidades de urbanidade e de colaboração»; «se relaciona bem com todos os operadores judiciários»; «nas reuniões de serviço demonstra interesse em compreender a temática em debate»; «demonstra possuir boa capacidade de ponderação»; «revela alguns sintomas de dificuldade ao nível de assiduidade e pontualidade»; «revela graves sintomas de dificuldade ao nível de assiduidade e pontualidade em matéria de preparação técnico-jurídica a evolução é boa no ano de 2011, razoável, em 2012 e suficiente, quanto ao ano de 2013; em relação ao ano de 2011 «revelava […] muitas dificuldades em acompanhar de forma consistente o fluxo quotidiano de trabalho com que se confronta na área de inquéritos»; quanto ao ano de 2012, «muitas dificuldades em acompanhar de forma consistente o fluxo quotidiano de trabalho com que se confronta na área de inquéritos [número residual de inquéritos permanecem a seu cargo para liquidação, nesta data] e, também, a nível de processos de secção»; relativamente ao ano de 2013, «havia demonstrado […] alguma dificuldade pessoal em desenvolver uma estratégia consistente conducente ao regular cumprimento das exigências do serviço que desenvolve» e «muita dificuldade pessoal em desenvolver uma estratégia consistente conducente ao regular cumprimento das exigências do serviço a seu cargo», «a qualidade do serviço é manifestamente boa», no ano de 2011, «boa», no ano de 2012 e «razoável» no ano de 2013.

No âmbito desta inspecção foi recolhida informação do Ex° Procurador Coordenador. No essencial são confirmados os dados constantes dos boletins anuais, sem se deixar de evidenciar que a I. apresentou «um nível deficitário de produtividade/eficiência no exercido exercício das suas funções, demonstrando estar plenamente integrada nas funções que lhe foram atribuídas» e de fazer referência à participação disciplinar que, em virtude desta prestação, teve de ser apresentada.

Atrasos

Foram verificados pela inspecção, nos processos do ………….., sem promoção da I. ou com promoção lavrada mais de 30 dias depois da abertura do respectivo termo, 471 situações de atrasos no período de 3.09.2012 a 01.09.2013 em que exerceu funções naquele tribunal.

Situações a que acresceram: - os dos 5 processos respeitantes ao não cumprimento atempado do artigo 62º, nº1, do DL nº433/82, de 27 de Outubro; - os dos 26 processos a aguardarem a elaboração do requerimento executivo; - os dos 90 processos do ………. a aguardarem a intervenção da I. - os dos 6 inquéritos a aguardarem despacho; e as das 5 notícias criminais a aguardarem a sua tomada de posição com vista aos ulteriores termos processuais.

Verifica-se, assim, que os casos de atraso [superiores a 30 dias] detectados foram de 602.

Todos estes atrasos determinaram medidas tendentes a eliminá-los e a evitar a ocorrência de situações idênticas envolvendo a colaboração e esforço de outros magistrados, como é costume em situações desta natureza.

Os atrasos tiveram, entre outras consequências ao nível do próprio processamento

Em 4 de Setembro de 2013, 3 dias depois de a I. ter deixado de exercer funções no …….., foram encontrados no seu gabinete, por despachar, 48 conjuntos de diversos documentos registados como inquéritos, mas [apenas] destinados ao mero encaminhamento para julgamento em processo sumário. Entre eles, notícias criminais autuadas cerca de 4 ou 3 meses antes, mais precisamente em 20 e 24 de Maio, 3, 4, 17 e 20 de Junho e envolvendo situações de condução sem habilitação legal, condução sob a influência do álcool ou injúria agravada em função da qualidade do agente. As omissões da I. determinaram a impossibilidade de julgamento em Processo Sumário.

No RI são referenciadas situações de ausências em dias de turno, nem todas justificadas, quase sempre só participadas por intervenção do Ex° Procurador-Coordenador. Registada a falta de assiduidade e pontualidade às diligências do ………….

A Inspecção detectou discrepâncias em dados estatísticos fornecidos pela I. e os reais.

Quanto às condições que envolveram o exercício profissional da I. diga-se que a inspecção ressalvou os períodos em que esteve ausente ao serviço, justificadamente, por doença.

Face aos atrasos e omissões detectados no desempenho da I. a hierarquia imediata interveio, através de várias Ordens de Serviço. Foi substituída por colegas nas tarefas que lhe estavam atribuídas e que não fez nos períodos em que esteve ao serviço. Como realça o RI, algumas dessas tarefas chegaram a ser assumidas por magistrada estagiária, que as desempenhou com desenvoltura.

Sempre a hierarquia levou em linha de conta as limitações da I. na distribuição de serviço. Apesar disso não teve capacidade de resposta à altura, conforme também demonstra o despacho, com atrasos relevantes, dos 33 inquéritos crime que lhe foram inicialmente distribuídos.

Não apresentou a nota curricular que lhe foi solicitada para efeitos de inspecção.

4. No aspecto qualitativo insuficiências de vária ordem transparecem de todos os elementos recolhidos, justificando-se a apreciação a propósito registada pelo Exº Inspector no RI: «Efectivamente, apesar de ter desempenhado as suas funções num dos sectores mais fáceis da acção do Ministério Público, concretamente, no ………….., o seu trabalho, quando teve lugar, pecou, em geral, pela análise superficial das questões, pela aquilatação indevida de outras e, em boa parte dos casos, pela falta de qualidade ou rigor técnicos. Esta falta de qualidade ou rigor, não obstante o pouco grau de dificuldade do escasso número de inquéritos em que, em período anterior, foi chamada a intervir durante um [outro] ano e, posteriormente, durante o referido desempenho, verificou-se igualmente no despacho deles...»,

5. Na classificação a atribuir à magistrada há que considerar todos os elementos recolhidos no processo inspectivo, incluindo a resposta da I. ao RI, a informação final do Exº Inspector e a reclamação da I., integrando-os nos critérios estabelecidos nos artigos 109º, 110º e 113º EMP e artigo 20º RIMP.

6. Os Procuradores da República e os Procuradores-Adjuntos são classificados pelo Conselho Superior do Ministério Público, de acordo com o seu mérito, de Muito Bom, Bom com Distinção, Bom, Suficiente e Medíocre, devendo ser considerados na classificação o modo como os magistrados desempenham a função, o volume e dificuldades do serviço a seu cargo, as condições do trabalho prestado, a sua preparação técnica, a categoria intelectual, eventuais trabalhos jurídicos publicados, a sua idoneidade cívica, os resultados de inspecções anteriores, inquéritos, sindicâncias ou processos disciplinares, tempo de serviço, relatórios anuais e quaisquer outros elementos complementares que estejam na posse do Conselho Superior do Ministério Público [artigos 109º, 110º e 113º EMP].

7. A concretização destes critérios mostra-se efectuada no artigo 20º RIMP, nos seguintes termos:

i) A classificação de Muito Bom será atribuída «a quem revele elevado mérito no exercício de cargo»;

ii) A classificação de Bom com distinção será atribuída «a quem demonstre qualidades que transcendam o normal exercício de funções»;

iii) A classificação de Bom será atribuída «a quem cumpra de modo cabal e efectivo as obrigações do cargo»;

iv) A classificação de Suficiente será atribuída «a quem tenha um desempenho funcional apenas satisfatório»;

v) A classificação de Medíocre será atribuída «a quem tenha um desempenho aquém do satisfatório».

8. Integrando o desempenho funcional da Procuradora-Adjunta A…………, demonstrado no acervo de elementos do processo inspectivo, neste quadro jurídico, impõe-se concluir que a magistrada não interiorizou a necessidade de assumir os níveis de responsabilidade mínimos necessários ao exercício de funções de magistrada do Ministério Público.

9. Apesar dos alertas decorrentes dos processos inspectivos e disciplinares anteriores, a I. claramente desaproveitou as oportunidades que lhe foram sendo concedidas. Manifesta desinteresse e alheamento com os valores que, como magistrada do Ministério Público, lhe cabe acautelar. Tem um desempenho reiterado caracterizado por índices quantitativos e qualitativos claramente insatisfatórios. Manifesta incapacidade para o exercício do cargo» - ver acórdão impugnado, constante a folhas 617 a 621 verso do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

9- O acórdão impugnado ordenou, consequentemente, nos termos do artigo 110º nº2 do EMP, a suspensão imediata do exercício de funções e instauração de inquérito por inaptidão à autora - ver acórdão a folha 621 do PA;

10- A instrução do referido inquérito foi iniciada em 28.05.2015, sendo este convertido em processo disciplinar;

11- O CSMP, através do acórdão do Plenário de 27.01.2015, aplicou à ora autora, no âmbito do processo disciplinar indicado em 10, a sanção disciplinar de aposentação compulsiva;

12- A autora, não se conformando com a referida sanção disciplinar, requereu a suspensão da eficácia do acórdão supra referido bem como de todos os autos subsequentes praticados em cumprimento daquele [processo que correu termos com o nº337/15, deste STA];

13- Por acórdão desta Secção do Contencioso Administrativo do STA, datado de 07.05.2015, a providência cautelar de suspensão de eficácia foi deferida;

14- A autora propôs, em 18.05.2015, acção administrativa especial de impugnação do acórdão do Plenário do CSMP de 27.01.2015 que lhe aplicou a sanção disciplinar de aposentação compulsiva, que se encontra a correr termos na 1ª Secção deste STA [processo nº632/15].

III. De Direito

1. Nesta AAE a autora pediu a este Supremo Tribunal a anulação da classificação de «Medíocre» que lhe foi atribuída pelo CSMP - acórdão de 10.03.2015, da 2ª Secção, e acórdão de 28.04.2015, do Plenário do CSMP - e a condenação desta entidade a reintegrá-la no respectivo exercício de funções.

Aponta ao acto classificativo «erro manifesto na apreciação do seu desempenho funcional» - designadamente por entender que ela «revela incapacidade para o cargo», e por «não ter valorado a prova por ela apresentada» - e «violação do princípio da proporcionalidade».

Este STA, por acórdão da Secção, de 03.05.2018, julgou improcedente a acção.

Relativamente ao referido erro manifesto a autora queixava-se de que a decisão classificativa [relatório final; acórdão da 2ª Secção; acórdão do Plenário do CSMP] «não valorou as circunstâncias profissionais e pessoais» em que ocorreu o seu trabalho, durante o período inspeccionado, e que condicionaram significativamente o mesmo.

Referia-se aos seus «problemas de saúde» e ao facto de «o Magistrado Judicial com quem trabalhou prolongar demasiado as audiências de julgamento». Alega que, levando em conta essas circunstâncias, é manifestamente errado concluir, como se conclui, ter havido da sua parte qualquer desinteresse e alheamento pelos valores que, como magistrada do Ministério Público, lhe cabia acautelar, e que o seu desempenho funcional demonstra incapacidade para o exercício do cargo. E alega, ainda, que as ausências verificadas ocorreram por motivos de saúde não previsíveis no próprio dia.

E relativamente à violação do princípio da proporcionalidade a autora alegava que a classificação de «medíocre», que foi atribuída ao seu desempenho durante o período inspeccionado, é excessiva, desadequada e desproporcional.

Em síntese, o acórdão judicial recorrido, proferido pela «Secção de Contencioso Administrativo» deste Supremo Tribunal, julgou improcedente o invocado «erro manifesto», pois, após analisar o relatório final do inspector, e os dois acórdãos do CSMP, da 2ª Secção e do Plenário, entendeu que os elementos respeitantes à saúde da autora e à conjuntura em que foi desenvolvido o seu trabalho, foram valorados pelo Senhor Inspector, pelo acórdão da 2ª Secção [páginas 13 e 14] e pelo acórdão impugnado [pontos 2 e 3 da fundamentação].

E julgou improcedente a invocada «violação do princípio da proporcionalidade», porque, face ao que consta do acórdão do Plenário do CSMP, do acórdão da 2ª Secção, e do relatório de inspecção, não pode deixar de se concluir que a prestação funcional da autora deve ser classificada de medíocre, de acordo com o artigo 20º, e), do RIMP. Isto é, foram concretamente valorados os elementos a considerar, de acordo com o artigo 113º do EMP, não tendo sido violado o princípio da proporcionalidade.

2. A autora da acção, agora enquanto recorrente, aponta a este acórdão judicial «erro de julgamento de direito».

A seu ver, esse erro de julgamento é manifesto no tocante à confirmação da sua classificação de «medíocre», pois não é isso que brota, alega, de uma «correcta valoração da prova».

Explica que «uma correcta valoração da prova» impunha que se considerasse o volume de serviço do juízo e a sua intensidade, os seus problemas de saúde, tudo gerador de stress e diminuição da capacidade de agir, reflectidos nas ausências e nos atrasos que lhe foram apontados. E, a serem tidas em devida conta essas circunstâncias em que exerceu o seu cargo, durante o período temporal objecto da inspecção, a classificação atribuída teria de ser outra que não a de medíocre.

Assim, a classificação de medíocre, que lhe foi atribuída, mostra-se injustificada, desadequada, desproporcional face ao seu desempenho profissional, e violadora do princípio da proporcionalidade previsto nos artigos 266º, nº2, da CRP, e 5º e 6º do CPA.

3. Diz o artigo 109º do EMP que «Os procuradores da República e procuradores-adjuntos são classificados pelo CSMP, de acordo com o seu mérito, de Muito bom, Bom com distinção, Bom, Suficiente, e Medíocre», sendo que, conforme dispõe o artigo 20º, do RIMP, tais classificações são atribuídas de acordo com o seguinte: «a) A de Muito Bom a quem revele elevado mérito no exercício do cargo; b) A de Bom com Distinção a quem demonstre qualidades que transcendam o normal exercício de funções; c) A de Bom a quem cumpra de modo cabal e efectivo as obrigações do cargo; d) A de Suficiente a quem tenha um desempenho funcional apenas satisfatório; e) A de Medíocre a quem tenha um desempenho aquém do satisfatório.»

No artigo 110º do EMP fixam-se os critérios da classificação, aí se dizendo que a classificação deve atender ao modo como os ditos magistrados «desempenham a função, ao volume e dificuldades do serviço a seu cargo, às condições do trabalho prestado, à sua preparação técnica, categoria intelectual, trabalhos jurídicos publicados e idoneidade cívica» [nº1]. E no artigo 113º, sobre a epígrafe «elementos a considerar», diz-se que nas classificações serão tidos em conta, além do mais, «o volume de serviço a cargo do magistrado, as condições de trabalho, e quanto aos magistrados com menos de 5 anos de exercício, a circunstância de o serviço inspeccionado ter sido prestado em comarca ou lugar de acesso» [nº2].

Por seu lado, e nesta linha, o artigo 13º do RIMP vem estabelecer «parâmetros de avaliação», dizendo que a inspecção que apreciar o serviço e mérito do magistrado deverá atender «à sua capacidade para o exercício da profissão, à sua preparação técnica e à adaptação ao serviço inspeccionado» [nº1], e, relativamente à «adaptação ao serviço» diz que serão tidos em conta, entre outros, os aspectos «a) Condições de trabalho; b) Volume e complexidade do serviço; c) Produtividade e eficiência; d) Organização, gestão e método; e) Pontualidade no cumprimento e presença aos actos agendados; f) Zelo e dedicação» [nº4].

No tocante ao elemento condições de trabalho, prescreve o artigo 14º do RIMP que devem ser «tidos em conta», entre outros, estes aspectos: «a) O acréscimo de volume de serviço, nomeadamente o prestado em regime de acumulação, de substituição ou de formação de magistrados; b) Adequação das instalações em que o serviço é prestado; c) A quantidade e qualidade dos funcionários de apoio; d) O número de magistrados judiciais com quem o inspeccionado trabalha; e) A colaboração prestada pelos órgãos de polícia criminal e pelos organismos sociais de apoio; f) O número e mérito dos procuradores-adjuntos e dos agentes não magistrados sob a sua directa dependência hierárquica quando o inspeccionado é procurador da República.»

Assim, e uma vez que os critérios e elementos ditos nos artigo 110º e 113º do EMP deverão ser complementados pelos parâmetros de avaliação concretizados no artigo 13º do RIMP, resulta que o «juízo avaliativo final» do serviço e mérito do magistrado do Ministério Público se traduz num juízo complexo, que deverá ser galvanizado pela qualidade do desempenho da função na situação concreta em que ela ocorreu, sendo a esta luz que deverão ser apreciados e ponderados elementos como a capacidade técnico-jurídica, idoneidade cívica, produtividade e eficiência do inspeccionado.

Naturalmente que esse juízo complexo envolve uma «ponderação proporcional» dos aspectos positivos e negativos do concreto desempenho de funções, sendo que tal ponderação acaba por ser, em larga medida, de pendor subjectivo, por a lei não fornecer balizas que permitam imputar com objectividade determinado padrão de comportamento a cada uma das classificações previstas nos artigos 109º do EMP e 20º do RIMP [ver AC STA/Pleno de 14.04.2011, Rº0567/09, referido em AC/Pleno de 19.03.2015, Rº0492/13].

E, como se sabe, na classificação dos magistrados do Ministério Público o CSMP não actua num espaço caracterizado pela «vinculação», antes goza de poderes «discricionários», ou seja, de poderes que se exprimem em actuações ou juízos de apreciação, de avaliação, que em numerosos aspectos escapam ao controlo jurisdicional.

E escapam a este controlo por razões que decorrem do «princípio da separação de poderes», e exigência de respeito por uma reserva de poder, que, em certa medida, lhe é própria e exclusiva.

Aí, onde o CSMP exerce uma efectiva prerrogativa de avaliação, os tribunais não devem nem podem entrar, a não ser, e isso se lhes exige, mediante o «controlo externo» sobre o correcto exercício do poder discricionário - discricionariedade imprópria - que lhe é atribuído.

Efectivamente, seja maior ou menor a sua expressão, a discricionariedade não constitui, nunca constitui, um poder livre e incondicionado, pois existem sempre no seu domínio limites que terão de ser respeitados. Mormente, deverá o CSMP respeitar os «critérios, elementos e parâmetros» legalmente consagrados, e supra citados, na avaliação dos respectivos magistrados.

Torna-se difícil delimitar esse «controlo externo» em sede apreciativa, mas esta dificuldade não deverá resultar numa excessiva autocontenção judicial nem em excessivo activismo judicial. Nesse âmbito apreciativo, vem-se entendendo que cabe ao tribunal apreciar os casos de erro grosseiro, grave, de desvio de poder - utilização da competência para fim diverso do fim legal - de erro de facto - relativo às circunstâncias relevantes para a decisão - de falta de fundamentação - na medida em que a ausência de motivação não permite averiguar «da juridicidade da decisão» - e, em geral, da compatibilidade do juízo decisório com os «direitos, liberdades e garantias» dos cidadãos e os princípios fundamentais que regem a actividade administrativa - igualdade, segurança jurídica, imparcialidade, proporcionalidade, boa-fé…

4. No caso em apreço, a recorrente discorda do acórdão recorrido, da Secção, por não ter anulado a deliberação do CSMP que classificou o seu desempenho de medíocre. E isto só aconteceu, no seu entender, porque não foram devidamente valorizadas as «circunstâncias difíceis», a nível pessoal e funcional, em que foi desenvolvido o seu desempenho profissional durante o período inspeccionado.

Embora ela denomine este alegado erro de julgamento como «errada valoração da prova» não é disto, obviamente, que se trata. Do seu discurso depreende-se que ela não se queixa de qualquer erro de julgamento de facto, traduzido numa errada valoração da prova junta aos autos, mas antes da desconsideração, pelo acórdão recorrido, das «circunstâncias difíceis» - invocadas na sua resposta - em que se desenvolveu a sua prestação funcional no «período de tempo abrangido pela inspecção» [01.09.2011 - data do regresso ao serviço após ter cumprido a pena disciplinar de inactividade por 2 anos) - a 17.07.2014].

Mas não lhe assiste razão, como, aliás, bem transparece do acórdão recorrido.

Na verdade, cumpre salientar desde logo, que as circunstâncias difíceis invocadas pela autora da acção, ora recorrente, e que dizem respeito, essencialmente, aos seus problemas de saúde e ao volume e intensidade do serviço do juízo em que ela prestava funções, apenas poderiam ser «apreciadas» no âmbito do «parâmetro de avaliação» como condições de trabalho [ver os artigos 110º, nº1, e 113º, nº2, do EMP; 13º, nº1, e nº2 alínea a), e 14º do RIMP].

E, como resulta claramente das normas supra citadas - do EMP e do RIMP - e é de fácil aceitação para qualquer pessoa normal, os problemas pessoais da recorrente, nomeadamente os seus problemas de saúde, apenas deverão ser tidos em conta no âmbito da inspecção/avaliação do respectivo serviço na medida em que nele se reflectem objectivamente. As suas repercussões subjectivas são por si mesmas relativas e difíceis de apreender, e têm a ver, fundamentalmente, com o «modo de ser e de estar» da magistrada.

Ora, essas repercussões objectivas traduzem-se sobretudo nas faltas justificadas ao serviço, por motivo de doença, assistência a familiares ou seu falecimento. E o certo é que no «relatório final» da inspecção é claramente contabilizado, para efeitos de avaliação da produtividade da inspeccionada, apenas o tempo líquido de trabalho, ou seja, descontados, nomeadamente, os tempos de ausência e de faltas justificadas.

E está claramente exposta no «relatório final» de inspecção, a atenção prestada ao volume e intensidade do serviço da recorrente durante o período de inspecção, através da apresentação de «mapas» e «relações» de pendências e movimento processual, referências pormenorizadas ao volume e à complexidade processual, à duração das audiências de julgamento, às funções específicas distribuídas à inspeccionada, às instalações do respectivo juízo, aos quadros de magistrados e de funcionários, organização dos serviços administrativos, e ainda às estruturas externas coadjuvantes, como a PSP e a GNR [ver, sobre estes dois parágrafos, as páginas 311 a 319, 379 a 417, 524 e 539 do PA].

É nesta linha de ideias que o acórdão da 2ª Secção Classificativa - de 10.03.2015 -, apenas faz referência à doença da inspeccionada enquanto motivadora das suas ausências ao serviço [páginas 9 e 10 do acórdão]. Não deixa de referir as «queixas» da inspeccionada sobre a alegada «falta de atenção» prestada, no relatório, «aos seus problemas pessoais e de saúde», mas considera que não lhe assiste razão por ter sido apreciado tudo o que devia tê-lo sido, e acaba dando como reproduzido «nos termos do artigo 30º, nº7, do EMP» o relatório da inspecção.

Finalmente, o acórdão impugnado, do Plenário do CSMP, começa por analisar as questões suscitadas pela reclamante, e julga-as todas improcedentes.

De especial, para o que ora interessa, refere tal acórdão que «Quanto às condições que envolveram o exercício profissional, refira-se que a inspecção ressalvou os períodos em que esteve ausente ao serviço, justificadamente, por doença». Sublinha que na classificação «a atribuir à magistrada há que considerar todos os elementos recolhidos no processo inspectivo, incluindo a resposta da inspeccionada ao relatório do inspector, a informação final do inspector e a reclamação da inspeccionada, integrando-os nos critérios estabelecidos nos artigos 109º, 110º, e 113º, do EMP, e artigo 20º do RIMP». E conclui que integrando o desempenho da magistrada, demonstrado no acervo de elementos do processo inspectivo, neste quadro jurídico, «impõe-se concluir que a magistrada não interiorizou a necessidade de assumir os níveis de responsabilidade mínimos necessários ao exercício de funções de magistrada do Ministério Público». Termina indeferindo a reclamação da ora recorrente e confirmando o acórdão reclamado, da 2ª Secção Classificativa do CSMP.

Perante este quadro sinóptico, impõe-se-nos concluir que não estamos perante a invocada desconsideração das circunstâncias concretas em que se desenvolveu o trabalho da inspeccionada, nem perante qualquer erro manifesto no julgamento realizado a tal respeito pelo acórdão recorrido. Aliás, como deixamos dito, esse erro, a existir, deveria ser grosseiro, grave, para poder e dever ser sindicado pelo tribunal, e o que se constata é que todos os elementos, relativos às «condições de trabalho», que deviam ser tidos em conta, o foram, e não é pelo facto de as alegações da recorrente não terem sido apreciadas «do modo que ela pretendia» que o erro acontece.

5. Umbilicalmente ligado a este erro de julgamento, que julgamos improcedente, alega a recorrente que a classificação de medíocre é injustificada, desadequada, desproporcional face ao seu desempenho profissional, e violadora do princípio da proporcionalidade [artigos 266º, nº2, da CRP, e 5º e 6º do CPA]. E o acórdão recorrido «erra» ao assim não ter entendido.

Para esta alegação ser julgada procedente, a classificação de medíocre teria, no caso, de surgir como claramente desajustada, desmedida, face à ponderação dos diversos elementos constantes do processo de inspecção, que estão na base da dita classificação, pois só nesse caso o poder judicial, como vimos supra, estava legitimado, sem intrusão, a censurar a avaliação feita pelo poder administrativo. E isto é claro que não acontece. Da ponderação feita no acórdão impugnado, e mantida pelo acórdão judicial ora recorrido, resulta que a classificação atribuída ao serviço prestado pela recorrente durante o período inspeccionado é adequada e proporcional, pois classifica a sua prestação numa justa medida.

6. Ressuma do exposto, pois, a falta de razão da recorrente. Tendo prosseguido sensivelmente este mesmo percurso analítico, o acórdão recorrido, da «Secção», julgou improcedente a acção, fazendo-o com acerto.

Efectivamente, e como vimos, a deliberação classificativa estribou-se sobretudo no conteúdo analítico, e valorativo, do relatório da inspecção, no qual foram tidos em conta, do modo sublinhado, todos os aspectos do elemento «condições de trabalho» que o deveriam ser, e atribui à inspeccionada uma classificação que traduz, de forma adequada e proporcional, a «medida» da sua prestação.

Impõe-se-nos, portanto, negar provimento ao presente recurso.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento ao presente recurso e manter o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2019. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.