Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01445/17
Data do Acordão:01/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
ACÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Sumário:O STA carece, em primeiro grau de jurisdição, de competência em razão da hierarquia para o conhecimento de ação administrativa na qual é unicamente pedido indemnizatório emergente de responsabilidade civil extracontratual do «Estado»/«Assembleia da República», por alegada conduta/atuação ilícita de funcionária da «AR», visto a mesma caber ao tribunal de 1.ª instância [cfr. arts. 01.º, 24.º, n.º 1, e 44.º, n.º 1, todos do ETAF, 13.º, 14.º, 18.º e 21.º do CPTA].
Nº Convencional:JSTA00070502
Nº do Documento:SA12018011801445
Data de Entrada:12/14/2017
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ACÇÃO ADM
Objecto:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Decisão:DECL COMPETENTE TAC LISBOA
Área Temática 1:DIR PROC ADM
Legislação Nacional:ETAF ART1 ART5 N1 N2.
L 62/2013 ART38.
CPTA ART4 ART13 ART21 N1.
ETAF ART24 ART37 ART44 N1
CPC ART555 N1 ART36 N1 N2 ART37 N1
CPTA ART14 ART18.
Jurisprudência Nacional: AC STA PROC0616/14 DE 2005/05/11.;  AC STA PROC01021/11 DE 2011/11/30.;  AC STA PROC01055/12 DE 2014/01/29.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A…………, B………… e C…………, devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante «TAC/L»] a presente ação administrativa contra o “ESTADO PORTUGUÊS” - “ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA” [«AR»], fundada na sua responsabilidade civil extracontratual, nos termos e com a motivação aduzida na petição inicial de fls. 04 e segs. dos autos, peticionando que fosse «o réu condenado a pagar a cada um dos autores a quantia de 12.000,00 euros, (…), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento».

2. Após dedução de contestação pela «AR» na qual foi, nomeadamente, excecionada a incompetência daquele Tribunal [cfr. fls. 196/238], e de articulado denominado de “réplica” pelos AA. em que requereram a remessa dos autos a este Supremo na procedência de tal exceção [cfr. fls. 248/248 v.], foi proferida decisão pelo «TAC/L», datada de 20.09.2017 e inserta a fls. 251/252 dos autos, julgando-se, no que importa, procedente a exceção de incompetência em razão da hierarquia que havia sido suscitada pela «AR» e determinando a remessa do processo a este Tribunal.

3. Dispensados os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência.


DAS QUESTÕES A DECIDIR

4. Constitui objeto de apreciação liminar nesta sede o determinar da competência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecer e julgar da pretensão condenatória do ente aqui demandado no pagamento das indemnizações peticionadas por cada um dos AA. e fundadas na responsabilidade civil extracontratual daquele [cfr. arts. 04.º, 24.º, e 44.º do ETAF, 13.º e 89.º do CPTA - ambos na redação que lhes foi dada pelo DL n.º 214-G/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Estatuto e Código sem expressa referência em contrário].


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
5. Resulta apurado com interesse para a apreciação da questão a decidir o seguinte quadro factual:
I) Os AA. instauraram no «TAC/L» a presente “ação administrativa” demandando o “Estado Português - Assembleia de República”, nos termos e com a motivação aduzida na petição inicial de fls. 04/29 dos autos e que aqui se dá por reproduzida, peticionando que fosse «o réu condenado a pagar a cada um dos autores a quantia de 12.000,00 euros, (…), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento», quantia essa devida aos AA. pelo facto de, enquanto funcionários do quadro de pessoal da «AR», haverem sido vítimas de alegada atuação ilícita e lesiva da Diretora do Serviço do Museu da «AR», sua superiora hierárquica, e que se traduziu em vários atos e condutas que descrevem como corporizadoras de «violência profissional e psicológica», de humilhação e desvalorização profissional, e «sem defesa por parte dos órgãos diretivos da AR e desta forma, sujeitos a uma tensão emocional extrema com um desgaste enorme para a sua saúde psíquica» desenvolvida desde 2014.
II) Realizada a citação a «AR» veio deduzir contestação na qual, nomeadamente, se defendeu por exceção [incompetência do «TAC/L» dado ser competente o STA] e por impugnação [cfr. fls. 196/238 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido], concluindo pela sua absolvição do pedido;
III) Os AA. notificados vieram apresentar resposta, mormente, à referida contestação [cfr. fls. 248/248 v. dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido], concluindo pela remessa dos autos a este Supremo na procedência daquela exceção;
IV) Em 20.09.2017 foi proferida decisão pelo «TAC/L», inserto a fls. 251/252 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde, no que aqui releva, se julgou procedente a exceção de incompetência em razão da hierarquia que havia sido suscitada pela «AR» e se determinou a remessa do processo a este Tribunal.

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DE DIREITO

6. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação da questão supra enunciada, porquanto importa aferir do acerto da decisão acerca da competência prolatada pelo «TAC/L», tendo até em conta o que se preceitua no art. 05.º, n.º 2, do ETAF.

7. Mostra-se consensual o entendimento de que a competência do tribunal afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante, sendo que a mesma se fixa no momento em que a ação é proposta, dado se mostrarem irrelevantes, salvo nos casos especialmente previstos na lei, as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito operadas, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa [cfr. arts. 38.º da Lei nº 62/2013 - Lei da Organização do Sistema Judiciário («LOSJ») - e 05.º, n.º 1, do ETAF], na certeza de que na apreciação da mesma não releva um qualquer juízo de procedência [total ou parcial] quanto ao de mérito da pretensão/ação ou quanto à existência de quaisquer outras questões prévias/exceções dilatórias.

8. Tem-se ainda como consensual de que a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria [cfr. art. 13.º do CPTA].

9. Da análise conjugada e articulada do que se mostra disposto nos arts. 24.º, 37.º e 44.º, n.º 1, do ETAF resulta, como regra, competir aos tribunais administrativos de círculo o conhecimento e julgamento, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, não esteja reservada aos tribunais superiores, exceções estas insertas no n.º 1 do art. 24.º e no art. 37.º ambos do referido Estatuto.

10. No caso, importa aferir e determinar se a presente ação administrativa se mostra abrangida pela previsão da exceção inserta no n.º 1 do art. 24.º do ETAF, do qual decorre, no que releva, que «[c]ompete à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo conhecer: (…) a) Dos processos em matéria administrativa relativos a ações ou omissões das seguintes entidades: (…) ii) Assembleia da República e seu Presidente; (…) e) Dos pedidos cumulados nos processos referidos na alínea a) (…)».

11. Presente o regime aportado pelo ETAF com a reforma de 2002/2004 ao referido art. 24.º [sem qualquer modificação quanto às alíneas e subalíneas aqui ora em causa pelo DL n.º 214-G/2015] temos que o Pleno deste Supremo Tribunal no seu acórdão de 11.05.2005 [Proc. n.º 0616/04 - consultável in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário] firmou entendimento de que a competência, em 1ª instância, da Secção de Contencioso Administrativo do STA prevista no n.º 1 do citado preceito apenas se referia ao conhecimento dos processos em matéria administrativa relativos a ações ou omissões a que correspondiam as então denominadas ações administrativas especiais e não às ações de indemnização deduzidas como ações administrativas comuns [vide no mesmo sentido, entre outros, os Acs. deste STA/Secção de 30.11.2004 - Proc. n.º 0616/04, de 30.11.2011 - Proc. n.º 01021/11, e de 29.01.2014 - Proc. n.º 01055/12].

12. Pese embora a eliminação no nosso contencioso do regime dual, da dicotomia, entre ações administrativas comuns e especiais operada em 2015 com o referido DL n.º 214-G/2015, passando apenas a existir uma ação administrativa, não se vislumbra que o posicionamento e entendimento quanto à questão da competência importe ou careça de ser alterado.

13. O preceito em questão reporta-se aos processos que cabem aos tribunais administrativos unicamente em virtude da natureza administrativa das ações ou omissões objeto do litígio, sendo que tais processos continuam, residualmente, confiados, em primeira instância, ao STA, em razão da autoria dessas ações ou omissões, exigindo-se, como fator de atribuição de tal competência residual afastadora do regime regra inserto constante do n.º 1 do art. 44.º do ETAF, que na ação administrativa instaurada estejam em causa ações ou omissões da autoria de algum dos entes/autoridades elencados na al. a) do n.º 1 do art. 24.º objeto de impugnação/pretensão consistente, mormente, na anulação ou a declaração de nulidade ou de inexistência, ou na condenação à prática de ato devido, ou na declaração de ilegalidade de normas.

14. No caso vertente inexiste uma qualquer dedução de pedido de impugnação/condenação com tal alcance, mormente de reposição e reconstituição da legalidade administrativa que haja sido infringida por ações ou omissões tidas por ilegais do ente demandado, já que, em causa, está, tão-só, a dedução de pedido indemnizatório emergente de responsabilidade civil extracontratual do «Estado»/«AR» por alegada conduta/atuação ilícita de funcionária da «AR».

15. Falhando tal pressuposto, ou tal fator atribuidor de competência a este Tribunal, também de nada vale para uma tal atribuição de competência o apelo ao fator de conexão extensor da mesma e inserto na al. e) do n.º 1 do art. 24.º do ETAF em conjugação, nomeadamente, com os arts. 04.º e 21.º, n.º 1, do CPTA.

16. É certo que no quadro da ação administrativa o contencioso administrativo dispõe dum “amplo” e “generoso” regime em matéria de cumulação de pedidos, tal como decorre da análise do que se preceitua nos arts. 04.º e 05.º todos do CPTA, em que, nomeadamente, se permite que com o pedido principal de anulação de um ato administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica sejam cumulados outros que com aquele apresentem uma relação material de conexão, segundo o disposto no art. 04.º, designadamente, o pedido de condenação da Administração à reparação dos danos resultantes da atuação ou omissão administrativa ilegal [cfr. art. 04.º, n.ºs 1 e 2, al. f), do CPTA].

17. E que do n.º 1 do art. 21.º do mesmo Código resulta que «[n]as situações de cumulação em que a competência para a apreciação de qualquer dos pedidos pertença a um tribunal superior, este também é competente para conhecer dos demais pedidos», derivando, ainda, do regime processual civil vigente em matéria de cumulação de pedidos que o autor pode “deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação” [cfr. n.º 1, do art. 555.º do CPC em articulação com o disposto nos arts. 36.º, n.ºs 1 e 2 e 37.º, n.º 1, do mesmo Código] [sublinhados nossos].

18. Ocorre que a extensão de competência deste Supremo prevista nos arts. 24.º, n.º 1, al. e), do ETAF, 04.º e 21.º, n.º 1, do CPTA, exige, nomeadamente, a dedução na ação administrativa de um pedido de anulação, ou de declaração de nulidade, ou de inexistência de um ato administrativo, ou de um pedido de declaração da ilegalidade de uma norma, ou de um pedido de condenação da Administração à prática de um ato administrativo legalmente devido, aos quais se irá cumular um pedido de condenação da Administração à reparação de danos causados, pedidos esses sem os quais não se pode falar nunca de cumulação, visto o adicionar, o associar ou o juntar algo à pretensão pressupõe a existência de um outro pedido com tal objeto.

19. Nessa medida, falhando in casu tal pressuposto ou fator este Supremo Tribunal carece, em primeiro grau de jurisdição, de competência em razão da hierarquia para o conhecimento do pedido indemnizatório deduzido na ação administrativa sub specie visto o mesmo apenas competir ao tribunal de 1.ª instância [tribunal administrativo de círculo - art. 44.º do ETAF - e aquele que, no caso, for o territorialmente competente - o «TAC/L»] [cfr., nomeadamente, os arts. 01.º, 24.º, n.º 1, e 44.º, n.º 1, todos do ETAF, 13.º, 14.º, 18.º e 21.º do CPTA].

20. Em suma: a decisão emitida no «TAC/L» a propósito da competência em razão da hierarquia não pode manter-se, sendo que a presente decisão prevalece sobre aquela face ao que se disciplina no n.º 2 do art. 05.º do ETAF.




DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em julgar este STA incompetente em razão da hierarquia para conhecer, em 1.ª instância, da ação administrativa sub specie em virtude de tal competência caber ao TAC de Lisboa, para onde os autos serão remetidos, após trânsito, a fim de aí prosseguirem os seus normais termos.
Não são devidas custas.
D.N..



Lisboa, 18 de janeiro de 2018. - Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano - Alberto Acácio de Sá Costa Reis.