Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0563/18
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
COMPETÊNCIA HIERÁRQUICA
MATÉRIA DE FACTO
Sumário:Se o recurso acaba por não ter como fundamento, apenas matéria de direito, mas também de facto, o Supremo Tribunal Administrativo é incompetente em razão da hierarquia para o seu conhecimento pois apenas tem competência para conhecer de decisões dos tribunais tributários quando estiver em causa matéria exclusivamente de direito.
Nº Convencional:JSTA000P23523
Nº do Documento:SA2201807120563
Data de Entrada:06/07/2018
Recorrente:A.....
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 - RELATÓRIO
A……………….., melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a reclamação por ela apresentada contra o ato de indeferimento do pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas em cobrança coerciva no processo de execução nº 1562200101007696 referente a IRS de 1997, 1998, e 1999.

Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«1. A douta sentença proferida em 1ª instância nos presentes autos considerou não estarem prescritas as dívidas de IRS de 1997, 1998 e 1999.
2. Entendimento este não seguido pela Recorrente, pelos motivos que passará a explicar.
3. Contra a recorrente foi instaurado o processo de execução fiscal n° 1562199901017110 e apensos.
4. A Recorrente foi citada no referido processo a 26.11.2003, tendo sucessivamente deduzido oposição e prestado garantia.
5. Assim, e conforme consta do n°1 do artigo 49.º da LGT, “A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.”
6. Pelo que, in casu, a citação da Recorrente teria interrompido o prazo de prescrição, ora em curso, sobre as dívidas de IRS de 1997, 1998 e 1999.
7. No entanto, e apesar de considerar que lhe é aplicável a norma supra, entende também que lhe é aplicável a exceção presente no n°2 do artigo 49.º da LGT, que dispõe que “a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.”
8. Apesar de revogado, o n°2 do artigo 49.º da LGT é aplicável aos casos em que a paragem do processo tenha ocorrido antes de 01.01.2007, por força da norma transitória prevista no artigo 91.º da Lei n° 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
9. Ora, desde a data de oposição da Recorrente em sede do processo de execução fiscal, 23.12.2003, e até Abril de 2016, data em que invocou a prescrição, que o processo esteve parado por facto não imputável à Recorrente.
10. E em desarmonia com o entendimento do douto tribunal, de que este efeito apenas opera quanto ao processo de execução fiscal, considera a Recorrente que o mesmo afeta também a oposição.
11. Ou seja, para o douto tribunal, o disposto no n°2 do artigo 49.º da LGT “deve ser aferido quanto ao processo de execução fiscal e não quanto ao Processo de Oposição, por ter sido naquele que ocorreu a citação enquanto facto interruptivo que será (em abstrato) degradado em suspensão pela paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo.”
12. Ora, a possibilidade de oposição ocorre após a citação em sede de processo de execução fiscal.
13. Ainda que tramitada autonomamente, a sua decisão irá afetar o processo e produzindo assim os seus devidos efeitos.
14. Pelo que, considera a Recorrente que o processo executivo e a oposição são dependentes um do outro.
15. E, uma vez que a citação para a oposição ocorre no processo executivo, deverá estender-se o efeito do n°2 do artigo 49.º da LGT também à oposição, considerando-se assim prescritas as dívidas de IRS de 1997, 1998 e 1999.
Nestes termos, deve ser julgado procedente o recurso ora interposto e revogada a douta decisão decretada pelo Tribunal de 1ª instância, considerando-se as dívidas de IRS de 1997, 1998 e 1999 prescritas, com todas as devidas e legais consequências.»

Não foram apresentadas contra alegações.
O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«Questão Prévia
Da competência para conhecimento do recurso
I. 1. Veio a Reclamante A……………………… interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 12/04/2018, pelo M.mº Juiz de Direito do TAF de Sintra, que, por considerar que as dívidas de IRS de 1997, 1998 e 1999, em cobrança coerciva no Processo de Execução Fiscal n.º 1562200101007696 e apensos, não se encontravam prescritas, julgou improcedente a presente reclamação e, em consequência, manteve na ordem jurídica o despacho reclamado, praticado em 01/06/2017, pela Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 1, que indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição das referidas dívidas (v. a sentença recorrida, ínsita a fls. numeradas, entre a folha 102 e a folha 103 e, ainda, as alegações, juntas de fls. 117 a 119 do processo em suporte físico, abreviadamente designado, de ora em diante, como p. f.)
Examinadas as conclusões, que definem e delimitam o objeto do recurso jurisdicional, constata-se que a Recorrente veio insurgir-se contra sentença em crise, imputando-lhe, para além do mais, erros de julgamento incidentes sobre a matéria de facto, alicerçando-se, para tanto, em factualidade que não foi dada como assente e que, numa análise apriorística não é indiferente para o julgamento da causa (v., maxime, a Conclusão enunciada a fls. 119 do p. f.).
Com efeito, a Recorrente, em ordem à procedência da sua tese recursiva, parte do pressuposto de que o processo de oposição judicial esteve parado por facto que lhe não foi imputável, desde 23/12/2003 até abril de 2016.
Todavia, examinado o probatório, constata-se que esse facto não consta da factualidade dada como assente pelo tribunal a quo (assim, cfr. os itens 1 a, 10, constantes de fls. não paginadas do p. f.)
Destarte, a Recorrente veio invocar, a título de fundamento da sua pretensão recursiva, factos que não têm suporte na decisão judicial recorrida e que pretende que sejam aditados à matéria de facto adquirida pelo tribunal a quo.
E, porque assim é, cumpre ao Ministério Público suscitar, a título prévio, a questão da incompetência, em razão da hierarquia, deste Colendo Tribunal para conhecer e decidir o recurso jurisdicional em análise.
I. 2. Ab initio, dir-se-á que a competência dos tribunais da jurisdição fiscal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (v. o artigo 13.º do CPTA, aplicável por força do artigo 2º, alínea c), do CPPT).
Acresce que, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do CPPT, a infração das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do Tribunal, a qual é do seu conhecimento oficioso e pode ser arguida ou suscitada até ao trânsito em julgado da decisão final.
Em adição, o Ministério Público tem legitimidade para suscitar a questão da incompetência absoluta do tribunal em processo judicial tributário, conforme emerge do n.º 2 do citado artigo 16.º do CPPT.
Assim, o Ministério Público avança, desde já, que este Colendo Supremo Tribunal Administrativo não é competente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do presente recurso, por este versar, também, matéria de facto, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 280.º, n.º 1, 2.º segmento, do CPPT, 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a), estes últimos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
Com efeito, as conclusões das alegações definem o thema decidendum submetido ao escrutínio do tribunal ad quem, de harmonia com o que dispõe o artigo 635.º, n.º 4, do CPC de 2013, aqui aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
Ora, a Recorrente veio sustentar a sua tese recursiva em factualidade que não foi levada ao probatório da sentença em crise, de que pretende extrair consequências jurídicas relevantes (vide a já assinalada conclusão 9.ª inserta a fls. 119 do p.f.)
Acresce que, em ordem à apreciação da questão da competência, há que abstrair da eventual relevância dos factos alegados pelo recorrente para o julgamento do mérito do recurso, porque «saber o que vai ser objeto da decisão do tribunal e o que terá ou não relevo para chegar a e/a é matéria sobre a qual cabe ao tribunal competente para o julgamento pronunciar-se e, por isso, não pode essa mesma matéria ser utilizada para decidir a questão prévia da competência» (v. JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado», Vol. 1, 6.ª edição, 2006, Áreas Editora, 2011, anotação 10 ao artigo 16.°, págs. 224).
Por este prisma, o presente recurso jurisdicional não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo o STA - Secção do Contencioso Tributário - incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento e competente o TCA Sul (cfr. os artigos 26°, alínea b) e 38.º, alínea a), ambos do ETAF e 280.º, n.º 1, este último do CPPT).
De resto, os interesses da ora Recorrente não quedarão desacautelados, porquanto poderá requerer, oportunamente, o envio do processo para o tribunal declarado competente, ao abrigo do n.º 2 do artigo 18.º do CPPT.
Efetivamente, este entendimento segue na esteira da jurisprudência uniforme, pacífica e consolidada deste Colendo STA (vide, por todos, os douto Acórdãos de 22/03/2017, no Processo n.º 01325/16, de 19/04/2017, no Processo n.º 01266/16 e de 28/06/2017, no Processo n.º 0472/17, todos consultáveis in www.dgsi.pt/jsta).
Nesta conformidade, porque o Ministério Público sufraga inteiramente esta posição doutrinária e, ademais, não vislumbra razões para dela dissentir no que tange à sua aplicação ao caso em presença, impõe-se que se profira decisão a declinar a competência deste Colendo STA para o conhecimento do presente recurso jurisdicional e, como decorrência, a declarar a competência em razão da hierarquia, do TCA Sul - Secção do Contencioso Tributário.
II. CONCLUSÃO
Destarte, nos termos e com os fundamentos expostos, o Ministério Público emite parecer no sentido de que esta Secção de CT do Supremo Tribunal Administrativo deverá julgar-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso interposto nestes autos e, nos termos do n.º 3 do artigo 18.º do CPPT, indicar-se como tribunal que se considera competente o Tribunal Central Administrativo Sul - Secção do Contencioso Tributário.»

O Parecer do Mº Pº foi notificado às partes que não se pronunciaram.
2 - Fundamentação
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 11-03-1999 foi extraída certidão de dívida por falta de pagamento da liquidação n.º 5133150795 com a quantia exequenda de 1.350.760$00 (€ 6.737,56) pela Reclamante e por B……………….., referente a IRS de 1997 e instaurado o processo de execução n.º 1562199901017110 (cf. certidão de dívida a fls. 7 do PEF 1562199901017110);
2. Em 15-06-2000 foi extraída certidão de dívida por falta de pagamento da liquidação n.º 5130066010 com a quantia exequenda de 2.366.638$00 (€11.804,74) pela Reclamante e por B……………., referente a IRS de 1998 e instaurado o processo de execução n.º 1562200001025686 (cf. certidão de dívida a fls. 2 do PEF 1562200001025686);
3. Em 10-02-2001 foi extraída certidão de dívida por falta de pagamento da liquidação n.º 5133542150 com a quantia exequenda de 4.418.826$00 (€22.041,01) pela Reclamante e por B………………, referente a IRS de 1999 e instaurado o processo de execução n.º 1562200101007696 (cf. certidão de dívida a fls. 16 do PEF 1562200101007696);
4. Os processos de execução n.º 1562200001025686 e 1562200101007696 foram apensos ao processo 1562199901017110, que passou a processo principal (cf. print do sistema informático a fls. 10 do PEF 1562199901017110);
5. Em 26-11-2003 a Reclamante foi citada no processo n.º 1562199901017110 e apensos, com a quantia exequenda de € 37.341,11 (cf. Citação a fls. 138/139 do PEF 1562200101007696; e fls. 13/14 dos autos);
6. Em 23-12-2003 foi autuado o processo de Oposição deduzida pela Reclamante quanto ao processo de execução n.º 1562199901017110 e apensos e que correu termos no tribunal administrativo e fiscal e Sintra sob o processo n.º 195/04.4BESNT (cf. autuação a fls. 129/132 do PEF 1562199901017110);
7. A Reclamante, tendo deduzido oposição, requereu a prestação de garantia no processo de execução n.º 1562199901017110 e apensos através da constituição de hipoteca voluntária sobre a fracção E, descrita na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 1848 da freguesia de .......... (cf. requerimento a fls. 12 do PEF 1562199901017110);
8. Em 19-04-2004 foi registada hipoteca legal a favor da Fazenda Pública para garantia do pagamento de € 37.341,11 sobre a fracção E descrita na conservatória do registo predial sob o artigo 1848 (cf. registo predial a fls. 115 do PEF 1562200101007696);
9. Em 19-02-2015 foi julgada improcedente a Oposição deduzida pela Reclamante, por decisão do Tribunal Central Administrativo Sul em sede de recurso, proferida no processo n.º 05873/12 (cf. sentença e acórdão a fls. 49/68 dos autos);
10. O processo de execução n.º 1562199901017110 está extinto por pagamentos coercivos referentes a compensações (cf. informação do serviço de finanças a fls. 72/75 dos autos; print da tramitação do processo de execução constante da última folha do PEF; facto aceite pela Reclamante no pedido formulado na presente reclamação).
3- DO DIREITO
DECIDINDO NESSE STA
Este Supremo Tribunal, por respeito aos ditames legais em matéria de competência hierárquica, concorda que não pode conhecer do recurso, pois verifica-se que, a recorrente na conclusão 9) alega facto não fixado, em sede do probatório da sentença recorrida, daí pretendendo retirar consequências jurídicas, designadamente, que ocorre prescrição da(s) obrigação(ões) tributária(s) a que deduziu oposição. Com efeito, alega que desde a data em que deduziu oposição em 23/12/2003 e até Abril de 2016, data em que invocou a prescrição, o processo esteve parado por facto que não lhe é imputável, defendendo que esta paragem do processo afecta não apenas o processo de execução fiscal mas também o processo de oposição porque são dependentes um do outro. De outro modo é certo que, desde logo, quanto a esta matéria da paragem do processo de oposição nada se fixou no probatório supra destacado. E, finalmente, a nosso ver não se patenteia a inutilidade do facto alegado à luz da tese defendida pela recorrente com a qual pretende alcançar o efeito jurídico procedência da oposição por via da prescrição da obrigação tributária, sendo certo que não podemos agora entrar nessa apreciação da fundamentação jurídica apresentada pela recorrente.
Portanto, como bem refere o Mº Pº junto deste STA é certo que o presente recurso acaba por não ter como fundamento, apenas matéria de direito, mas também de facto, acolhendo-se e, aportando para aqui a douta fundamentação ali expressa, por acertada.
Ora, este Supremo Tribunal apenas tem competência para conhecer de decisões dos tribunais tributários quando estiver em causa matéria exclusivamente de direito (cfr. art. 26º, al. b) do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, 107-D/2003, de 31 de Dezembro, 1/2008, de 14 de Janeiro, 2/2008, de 14 de Janeiro, 26/2008, de 27 de Junho, 52/2008, de 28 de Agosto, 59/2008, de 11 de Setembro, Decreto-Lei n.º 166/2009 de 31 de Julho e Lei nº 55-A/2010 de 31 de Dezembro e nº 1 do artigo 280º do CPPT), cumpre declarar a sua incompetência em razão da hierarquia.
Pelo exposto, o Supremo Tribunal Administrativo é incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, indicando-se nos termos do artº 18º nº 3 do CPPT, o Tribunal Central Administrativo Sul, como sendo o tribunal competente.
4- DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes deste STA em declarar incompetente em razão da hierarquia este STA, para o conhecimento do recurso apresentado, determinando a remessa, oportunamente, dos autos ao TCA Sul.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Julho de 2018. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.