Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01197/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DO ACTO ADMINISTRATIVO
REQUISITOS
DISCIPLINAR
SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DE MAGISTRADO
MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário:I - Resulta dos n.ºs 1 e 2 do art. 120.º do CPTA/2015 a previsão dum distinto grupo de condições de procedência que se podem reconduzir:
i) a duas condições positivas de decretamento, o periculum in mora (receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente) e o fumus boni juris (“aparência do bom direito” - reportado ao ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente]; e,
ii) a um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.
II - O fumus boni iuris, apreciado num juízo esquemático e provisório inerente à índole dos autos cautelares, exige para o seu preenchimento a existência, in casu, de probabilidade de sucesso da ação administrativa principal.
III - Tem-se como preenchido, no caso, o requisito do periculum in mora, na vertente dos prejuízos de difícil reparação, quando a Requerente, não dispondo de outros rendimentos para além do seu vencimento, deste se pode ver privada, em execução da pena disciplinar suspendenda, por um período de afastamento de funções de 240 dias, pondo, assim, em risco ou fazendo perigar a satisfação de necessidades pessoais elementares dela e do seu agregado, bem como a possibilidade da mesma honrar compromissos bancários anteriormente assumidos.
IV - Se na sua oposição o Requerido não invocou qualquer prejuízo para o interesse público decorrente da adoção da providência, tal permite ao Tribunal julgar verificada a inexistência de tal lesão, de acordo com o estabelecido no n.º 5 do art. 120.º do CPTA, se não se vislumbrar in casu qualquer lesão manifesta ou ostensiva do interesse público.
Nº Convencional:JSTA000P22635
Nº do Documento:SA12017113001197
Data de Entrada:10/31/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO
1.1. A………………………, devidamente identificada nos autos, instaurou neste Supremo Tribunal a presente providência cautelar contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [doravante «CSMP»], nos termos e com a motivação aduzida no requerimento inicial de fls. 02 e segs. dos autos, sustentando estarem verificados os requisitos exigidos no art. 120.º do CPTA [na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02.10 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], pelo que peticiona a “suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público de 10 de outubro de 2017” que lhe aplicou “a pena disciplinar de 240 dias de suspensão do exercício de funções”.

1.2. Por despacho de fls. 274 foi determinada a citação do requerido «CSMP» nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 117.º e 118.º do CPTA [cfr. fls. 196 e segs. dos autos], tendo o mesmo, sem apresentação de qualquer resolução fundamentada, deduzido oposição [cfr. fls. 279/303 dos autos] na qual se defende por impugnação, sustentando que o ato suspendendo não enferma de qualquer das ilegalidades que lhe são imputadas, não estando verificados os requisitos previstos no n.º 1 do art. 120.º do CPTA, pelo que concluiu pelo indeferimento da pretensão cautelar.


1.3. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. f), e 2, do CPTA, o processo foi submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.



2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
Com interesse para a decisão a proferir, considera-se como assente o seguinte quadro factual:
I) A requerente é Procuradora Adjunta, desde 04 de setembro de 2006, exercendo funções junto do Tribunal da Comarca ………… […….. - Cível/Criminal];
II) Em 08.08.2014, foi instaurado pelo «CSMP» um primeiro processo disciplinar à Requerente por ter incorrido em atrasos processuais no período compreendido entre maio de 2012 e maio de 2014 [cfr. Proc. n.º 15/2014 - RMP - PD].
III) Em outubro de 2015 foi instaurado pelo «CSMP» um segundo processo disciplinar à requerente, com fundamento em atrasos processuais no período compreendido entre 01.06.2014 e 29.06.2015 [cfr. Proc. n.º 12/2015].
IV) Em 13.11.2015, foi instaurado pelo «CSMP» um terceiro processo disciplinar à Requerente, com fundamento em novos atrasos processuais no período compreendido entre 29.06.2015 e 15.01.2016 [cfr. Proc. n.º 15/2015].
V) No âmbito do primeiro processo disciplinar o «CSMP», por deliberação de 10.03.2015, aplicou à Requerente a pena de suspensão de exercício de funções por 230 dias [cfr. Doc. n.º 02 junto com o «R.I.» e cujo teor aqui se dá por reproduzido].
VI) A eficácia daquela deliberação veio a ser suspensa, no âmbito de providência cautelar intentada pela Requerente, por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo [«STA»], datado de 30.04.2015, proferido no âmbito do processo n.º 404/15 [cfr. Doc. n.º 03 junto com o «R.I.» e cujo teor aqui se dá por reproduzido].
VII) Encontrando-se ainda a correr a ação principal interposta contra a deliberação punitiva proferida no âmbito do primeiro processo disciplinar.
VIII) Por acórdão de 24.01.2017, o Plenário do «CSMP» aplicou à Requerente a pena de inatividade pelo período de um ano e cinco meses, por ter procedido ao cúmulo jurídico da pena disciplinar aplicada pela secção no segundo e terceiro processo disciplinar com a pena disciplinar que havia sido aplicada no primeiro processo disciplinar [cfr. Doc. n.º 04 junto com o «R.I.» e cujo teor aqui se dá por reproduzido].
IX) A eficácia daquela deliberação veio a ser suspensa, no âmbito de providência cautelar intentada pela Requerente, por acórdão deste STA, datado de 04.05.2017, proferido no âmbito do processo n.º 163/17 [cfr. Doc. n.º 05 junto com o «R.I.» e cujo teor aqui se dá por reproduzido].
X) Encontrando-se ainda a correr a ação principal interposta contra a deliberação punitiva referida em IX).
XI) Por decisão de 12.01.2017, foi instaurado pelo «CSMP» processo disciplinar à Requerente por, no período compreendido entre 01.02.2016 e 20.10.2016, ter incorrido, mormente, em atrasos processuais na tramitação de processos, em falta de pontualidade, atrasando o início de várias diligências de audiência de julgamento [cfr. Proc. n.º 1/2017 - RMP - PD].
XII) Por acórdão de 10.10.2017, o Plenário do «CSMP» indeferiu a reclamação deduzida pela Requerente face ao acórdão da Secção Disciplinar do «CSMP» de 04.07.2017 que lhe havia aplicado a pena de 240 dias de suspensão do exercício de funções com transferência para tribunal diferente daquele em que exerce funções [fundado na prática, no período que mediou entre 01.02.2016 a 20.10.2016 “em autoria material e em concurso efetivo, de três infrações disciplinares a saber: - Uma, por violação do dever de zelo previsto nas disposições conjugadas dos arts. 163.º, 108.º e 216.º do EMP e 73.º, n.ºs 2, e) e 7 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; - Uma, por infração do dever de prossecução do interesse público previsto nas disposições conjugadas dos arts. 163.º, 108.º e 216.º do EMP e 73.º, n.ºs 2, a) e 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; - Uma, por violação do dever de pontualidade previsto nas disposições conjugadas dos arts. 163.º, 108.º e 216.º do EMP e 73.º, n.ºs 2, j) e 11 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas], confirmando o mesmo integralmente [cfr. Doc. n.º 01 junto com o «R.I.» e cujo teor aqui se dá por reproduzido], extraindo-se, mormente dos seus termos e no que para aqui ora releva, para além da integração na “II. Fundamentação - Dos factos (…) Dados curriculares e disciplinares da Magistrada Arguida” da referência [cfr. arts. 07.º a 13.º, e 100.º daqueles factos] feita às anteriores decisões disciplinares do «CSMP» de 16.09.2009 [pena 15 dias de multa no «P.D.» n.º 15/2008-RMP-PD], de 10.01.2012 [pena 30 dias de multa no «P.D.» n.º 19/2011-RMP-PD], de 27.01.2015 [pena de suspensão do exercício de funções no «P.D.» n.º 15/2014-RMP-PD - “decisão ainda não se tornou definitiva], de 24.01.2017 [pena, em cúmulo jurídico, de inatividade por um ano e cinco meses cumulada com pena de transferência nos «P.D.» n.º 15/2014-RMP-PD, n.º 12/2015-RMP-PD e n.º 15/2015-RMP-PD] e de que “… nem as sanções disciplinares já anteriormente aplicadas à magistrada arguida no âmbito dos processos disciplinares n.ºs 15/2008-RMP-PD, 19/2011-RMP-PD e 15/2014-RMP-PD, conforme cadastro disciplinar a fls. 197, foram suficientes para que esta viesse a adotar comportamentos e métodos de trabalho mais adequados a uma normal e mais célere tramitação processual”, considerou-se, ainda, na “III. Fundamentação - Do Direito” em sede de “determinação da medida concreta da pena” e aplicação do disposto no art. 185.º do «EMP» que “… é de considerar, entre o mais, o facto de a magistrada visada ter sido já sancionada disciplinarmente por acórdão de 16/04/2009, tendo-lhe sido aplicada a pena de 15 dias de multa e, por acórdão de 10/01/2012, nova pena de 30 dias de multa, bem como foi-lhe aplicada a pena de suspensão de funções de 230 dias, confirmada em Plenário de 10/03/2015, pela violação dos deveres de zelo, prossecução do interesse público e pontualidade, cumulada com pena de transferência e pena de inatividade (Proc. 12/2015-RMP-PD e 15/2015-RMP-PD), penas, em todo o caso, objeto de impugnação das decisões em que foram proferidas” e que “[a] existência de tais antecedentes disciplinares e inerentes punições demonstram que as penas aplicadas não surtiram o efeito pretendido”; [ATO SUSPENDENDO].
XIII) Em 02.06.2015 o Procurador Coordenador junto do Tribunal de Comarca ……………. proferiu o «despacho avulso n.º 1/2016» contendo as listas anexas de «vistas» e «conclusões» por despachar pela Requerente a 01.06.2016, determinando, mormente, o seu envio/conhecimento à Procuradora Geral Distrital do Porto [cfr. Doc. n.º 06 junto com o «R.I.» e cujo teor aqui se dá por reproduzido].
XIV) A Requerente havia já sido punida disciplinarmente pelo «CSMP» pelas deliberações de 16.09.2009 [com a pena 15 dias de multa no «P.D.» n.º 15/2008-RMP-PD] e de 10.01.2012 [com a pena 30 dias de multa no «P.D.» n.º 19/2011-RMP-PD].
XV) A Requerente não dispõe de outra fonte de rendimento para além do vencimento que aufere como magistrada do Ministério Público, sendo exclusivamente com tal vencimento que assegura o seu sustento e o da sua filha menor, nascida a 25.02.2009, e que com a mesma vive após o divórcio dos pais [cfr. Doc. n.º 07 junto com o «R.I.» e cujo teor aqui se dá por reproduzido].
XVI) Vencimento esse com o qual, para além das despesas mensais de alimentação e vestuário, suporta mensalmente a quantia de cerca de 300,00 € para pagamento do colégio [cfr. Docs. n.ºs 08 a 11 juntos com o «R.I.» e cujo teor aqui se dá por reproduzido], bem como o empréstimo bancário da casa onde vive com a filha no montante de 705,00 € [cfr. Docs. n.ºs 12 a 14 juntos com o «R.I.» e cujo teor aqui se dá por reproduzido] e ainda um outro crédito bancário no montante de 414,65 € [cfr. Doc. n.ºs 15 e 16 juntos com o «R.I.» e cujo teor aqui se dá por reproduzido].
XVII) O presente processo cautelar deu entrada em juízo no dia 30.10.2017 [cfr. fls. 02 dos presentes autos].

«*»

2.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente fixado em função daquilo que as partes alegaram nos articulados produzidos, bem como daquilo que foram os elementos de prova que as mesmas carrearam para os autos, passemos, então, à apreciação da pretensão cautelar deduzida pela Requerente.

I. Estriba a mesma a sua pretensão numa alegada verificação, no caso em presença, dos pressupostos legais que se mostram exigidos pelos critérios de decisão constantes do art. 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, pelo que conclui pela procedência do pedido cautelar deduzido.
Analisemos.

II. É comummente aceite que com o uso de processo cautelar visa-se evitar que com o tempo de demora necessário ao julgamento dum processo principal tal possa determinar a inutilidade da sua decisão, ou colocar o interessado numa situação de facto consumado ou em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilize a possibilidade de reverter a situação que existiria se a ilegalidade não tivesse sido cometida.

III. Daí que e de molde a evitar a verificação ou a produção de tais perigos, assegurando-se dessa maneira também a utilidade da sentença, veio, no art. 112.º do CPTA, a consagrar-se a possibilidade do decretamento de vários tipos de medidas ou providências cautelares.

IV. Previu e exigiu o legislador, todavia, que o decretamento de tais providências esteja sujeito ao preenchimento dos pressupostos fixados no art. 120.º do mesmo código.

V. Não estando em causa a impugnação de um ato sem natureza sancionatória que haja determinado o pagamento de quantia certa [cfr. n.º 6 do art. 120.º do CPTA], determina-se no n.º 1 do preceito em referência que “as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” e que, em tais situações, “a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências” [cfr. seu n.º 2], requisito este que, na falta de contestação por parte da autoridade requerida ou da alegação de que a adoção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificado, inexistindo assim tal lesão “salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva” [n.º 5], na certeza, sempre, de que, por um lado, a providências cautelares a adotar “devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença” [n.º 3] e de que, por outro, “[s]e os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária” [n.º 4].

VI. Preveem-se, pois, no normativo um distinto grupo de condições de procedência que se podem reconduzir: i) a duas condições positivas de decretamento [periculum in mora - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e fumus boni juris (“aparência do bom direito”) - reportado ao ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente]; e, ii) a um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.

VII. Passando, então, à análise dos referidos requisitos e centrando, desde já, nossa atenção no requisito do fumus boni juris, cumpre aferir, então, do seu preenchimento ou não, ou seja, determinar se in casu resulta demonstrada a existência de uma probabilidade de procedência da pretensão formulada ou a formular pelo requerente na ação administrativa principal.

VIII. Tal como vem entendendo este Supremo Tribunal [cfr., nomeadamente, os Acs. de 15.09.2016 - Proc. n.º 0979/16, de 08.03.2017 - Proc. n.º 0651/16, de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17, de 08.06.2017 - Proc. n.º 050/17 - todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário] na e para a integração do requisito ora sob análise entende-se como “«provável» … o que tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça”, sendo que no domínio jurídico “isso exige que algum dos vícios atribuídos (…) ao ato suspendendo se apresente já - na análise perfunctória típica deste género de processos - com a solidez bastante para que conjeturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do ato”.

IX. Não se trata, portanto, dum juízo que se baste com a mera indagação de um mínimo de verosimilhança dos fundamentos de ilegalidade invocados como geradores da invalidade do ato tal como de mostrava previsto na al. b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA na redação anterior à introduzida pelo referido DL n.º 214-G/2015, em que o critério legal de decisão relativamente ao requisito da aparência do bom direito era, então, um critério largo, bastando-se, para o efeito, que não fosse manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal.

X. Exige-se hoje, pois, que se apresente como provável a procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal para que se mostre preenchido este critério de decisão e que o requerente possa, assim, ver decretada a sua pretensão cautelar reunidos os demais requisitos cumulativamente exigidos.

XI. Analisado o articulado inicial [cfr., nomeadamente, os seus arts. 21.º a 62.º] extrai-se do mesmo que a Requerente assaca como fundamentos de ilegalidade do ato suspendendo os seguintes: i) a pretensa violação do disposto no art. 188.º do Estatuto do Ministério Público [«EMP»] dada a existência de um comportamento continuado de violação dos seus deveres disciplinares [o dever de zelo] conducente à aplicação, em concurso de infrações, duma única pena disciplinar; ii) a pretensa infração ao caso julgado e ao princípio do non bis in idem [cfr., nomeadamente, arts. 29.º, n.º 5, da «CRP», 180.º da «LTFP» “ex vi” do art. 216.º do «EMP»] pelo facto de haver sido levado em consideração na pena disciplinar concretamente aplicada neste processo disciplinar daquilo que foram as anteriores decisões disciplinares com que a Requerente havia sido sancionada [penas de 230 dias de suspensão e de inatividade por um ano e cinco meses] e cuja execução se mostra suspensa pelas decisões deste STA aludidas sob os n.ºs VI) e IX) dos factos apurados; iii) a pretensa nulidade insuprível decorrente de uma alegada violação dos direitos de defesa da Requerente, mercê do indeferimento ilegal de diligências instrutórias que a mesma havia requerido para afastar a sua responsabilidade disciplinar e da infração dos deveres instrutórios e princípio do inquisitório [cfr., arts. 32.º, n.º 10, 269.º, n.º 3, ambos da «CRP», 204.º do «EMP», 213.º, n.º 4, e 218.º, n.º 1, ambos da «LTFP», 59.º do «CPA»]; iv) a pretensa prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar em violação do art. 178.º, n.º 2, da «LTFP» aplicável subsidiariamente ex vi do art. 216.º do «EMP» [mercê do Magistrado do MP Coordenador, enquanto superior hierárquico da Requerente, ter tomado conhecimento dos atrasos processuais em 31 de março de 2016, voltando a tomar conhecimento dos mesmos em 23 de abril e 01 de junho do mesmo ano - vide «Despacho avulso n.º 1/2016»]; v) a pretensa violação do princípio da inocência do arguido fruto de uma ausência de prova carreada para o processo disciplinar bastante que permita fundar um juízo de culpa da mesma [cfr., arts. 32.º, n.ºs 2 e 10, da «CRP»]; vi) da pretensa existência de erro sobre os pressupostos e do princípio da legalidade [quanto ao facto de haver sido sancionada por ter incorrido em 03 infrações disciplinares (uma pela violação do dever de zelo, outra por infração do dever de prossecução do interesse público e a terceira pela violação do dever de pontualidade) quando existem apenas 02 infrações já que «os atrasos processuais constituem uma só infração disciplinar»]; e, em decorrência, vii) a pretensa infração do art. 181.º, n.º 4, da «LTFP» ex vi do art. 216.º do «EMP» já que, sendo apenas duas as infrações disciplinares tidas por cometidas, a pena máxima aplicável à Requerente seriam apenas os 180 dias de suspensão e nunca os 240 dias de suspensão que lhe foram aplicados.

XII. Presentes a factualidade lograda apurar e os elementos probatórios [documentais] aportados aos autos pelas partes, e, bem assim, aquilo que são as ilegalidades imputadas ao ato suspendendo acabadas de enunciar, julgamos ocorrer in casu, nos termos da parte final do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, o requisito da probabilidade de procedência da pretensão formulada na ação administrativa principal instaurada pela ora Requerente.

XIII. Reconduzindo-nos ao caso se, num plano estritamente abstrato, os fundamentos de ilegalidade invocados são, em tese, suscetíveis de poder invalidar o ato disciplinar punitivo, aportando, portanto, o fumus boni juris fundante para o deferimento da providência, temos também que a idêntica conclusão se chega quanto procedemos à análise concreta, mormente, da ilegalidade veiculada no antecedente ponto XI) sob o n.º ii) na vertente do apelo à infração do caso julgado, análise concreta essa que, num juízo esquemático e provisório inerente à índole destes autos, importa proceder na e para a aferição do preenchimento deste requisito e, assim, poder-se concluir quanto à existência in casu de probabilidade de sucesso da ação administrativa principal.

XIV. De facto, se, por um lado, se nos apresenta como pouco provável a procedência das alegadas ilegalidades descritas no antecedente ponto XI) sob o n.º ii) na vertente do apelo à infração do princípio do non bis in idem [já que, à luz do alegado, não está em causa o mesmo substrato factual, inexistindo uma identidade de factos materiais imputados à Requerente, ali arguida, não podendo afirmar-se que esta veio a ser de novo perseguida e punida naquele âmbito pelo mesmo delito disciplinar - cfr., entre outros, os Acs. deste STA de 21.06.2012 (Proc. n.º 0772/10), de 23.01.2013 (Pleno) (Proc. n.º 0772/10), e de 13.07.2016 (Proc. n.º 0516/14) -, mas, antes, a aferição/avaliação em sede de ponderação da pena disciplinar a aplicar em concreto daquilo que é o teor ou consta do registo disciplinar da magistrada arguida] e sob o n.º iv) [prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar - infração art. 178.º, n.º 2, da «LTFP» - considerando, nomeadamente, o teor dos n.ºs XI), XII) e XIII) dos factos apurados e a jurisprudência deste STA expressa, entre outros, nos seus acórdãos de 21.06.2011 (Proc. n.º 0772/10), de 10.07.2012 (Proc. n.º 0803/11), de 23.01.2013 (Pleno) (Proc. n.º 0772/10), de 03.11.2016 (Proc. n.º 0548/16, e de 16.03.2017 (Proc. n.º 0343/15) e para aqui transponível, donde ressalta, no essencial, que o «EMP» contém um regime disciplinar especial que afasta o regime geral convocado, regime esse no qual se estabelece que a competência para instaurar o procedimento disciplinar aos magistrados do MP cabe ao «CSMP» ou ao «PGR» - cfr. arts. 12.º, n.º 2, al. f), 27.º, al. a), e 214.º daquele Estatuto - sendo por referência aos mesmos que importa aferir do conhecimento do superior hierárquico e não por referência ao conhecimento tido por parte do Procurador Coordenador].

XV. Já, por outro lado, quanto à referida ilegalidade descrita no antecedente ponto XI) sob o n.º ii) no segmento relativo à infração do caso julgado e presente o quadro factual apurado [cfr. nomeadamente, os n.ºs II) a XII) e XIV)] a mesma revela-se como gozando de subsistência bastante para fundar um juízo de probabilidade de procedência da pretensão impugnatória a deduzir na ação administrativa principal, porquanto o acórdão do Plenário do «CSMP» suspendendo ao proceder à ponderação da medida concreta da pena disciplinar a aplicar à Requerente no âmbito do processo sob análise tomou, ou levou em consideração, não apenas aquilo que eram as penas disciplinares impostas à mesma já firmadas na ordem jurídica [no «P.D.» n.º 15/2008-RMP-PD (pena 15 dias de multa) e no «P.D.» n.º 19/2011-RMP-PD (pena 30 dias de multa)] [cfr. n.ºs XII) e XIV) da factualidade apurada], mas também penas disciplinares ainda não firmadas [vide, deliberação punitiva de 10.03.2015 - «P.D.» n.º 15/2014-RMP-PD (pena de suspensão do exercício de funções), e de 24.01.2017 (pena, em cúmulo jurídico, de inatividade por um ano e cinco meses cumulada com pena de transferência nos «P.D.» n.º 15/2014-RMP-PD, n.º 12/2015-RMP-PD e n.º 15/2015-RMP-PD], já que alvo de impugnação judicial e cuja eficácia ou execução se mostrava suspensa por decisões judiciais deste Supremo [cfr. n.ºs II), III), IV), V), VI), VII), VIII), IX), X), XI), XII), XIV) da factualidade apurada].

XVI. Ora quanto a esta realidade punitiva ainda não firmada na ordem jurídica temos que, pelo menos prima facie, o ato punitivo suspendendo não poderia tê-la valorado e considerado como “assente” para efeitos da sua existência no quadro dos antecedentes disciplinares da Requerente e da consideração de que as inerentes punições anteriores demonstraram uma total ausência de efeitos na conduta e postura daquela, já que isso envolverá não apenas em infração da força do caso julgado, contornando-se o efeito suspensivo decretado pelos acórdãos deste Supremo Tribunal [vide, em termos de ilegalidade por infração da força do caso julgado, a situação de impossibilidade de cúmulo jurídico de pena disciplinar aplicada por decisão punitiva cuja eficácia se mostre suspensa por decisão judicial firmada no Ac. deste Supremo de 04.05.2017 (Proc. n.º 0163/17) - envolvendo as mesmas partes], mas, também, erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que se estribou tal juízo, termos em que deve ter-se por verificado o requisito do fumus boni iuris, já que provável, quanto a este fundamento, a procedência da pretensão impugnatória formulada ou a formular na ação administrativa principal.

XVII. Passando à análise do requisito do periculum in mora temos que as providências cautelares visam impedir, como tivemos já oportunidade de referir, que durante a pendência de qualquer ação principal a situação de facto se altere de modo a que a decisão que nela venha a ser proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela [obviar a que a decisão judicial não se torne numa decisão «puramente platónica»].

XVIII. Nessa medida, o requisito encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil mercê da constituição de uma situação de facto consumado, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de prejuízos ou danos dificilmente reparáveis.

XIX. Nesta sede, em que se trata de aferir, nomeadamente, da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação” o critério a atender deixou, pois, de ser aquele que jurisprudencialmente era aceite em matéria de análise do requisito positivo da al. a), do n.º 1 do art. 76.º da LPTA, ou seja, o da suscetibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 09.06.2005 - Proc. n.º 0412/05, de 10.11.2005 - Proc. n.º 0862/05, de 01.02.2007 - Proc. n.º 027/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 12.02.2012 - Proc. n.º 0857/11, de 05.02.2015 - Proc. n.º 1122/14].

XX. Refira-se, ainda, que na expressão “prejuízos de difícil reparação” se mostram abarcados não apenas os danos patrimoniais, mas também os danos não patrimoniais, que serão infligidos ao requerente cautelar, sendo que no seu quadro encontram ainda abrangência os prejuízos decorrentes das violações de direitos e liberdades públicas das pessoas, das violações em matéria dos direitos, liberdades e garantias, bem como dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, ainda que os prejuízos sejam sociais ou humanos.

XXI. Não relevam ou não são de atender para o conceito de “prejuízos de difícil reparação” aqueles que derivados da execução do ato se repercutam na esfera jurídica de terceiro, sendo, assim, totalmente alheios ao requerente cautelar, à situação e esfera jurídica deste, dos seus direitos e interesses.

XXII. Visando a providência cautelar de suspensão de eficácia dum ato administrativo a proteção da situação ou posição jurídica do requerente cautelar afetado pela execução e eficácia imediata do aludido ato impõe-se, então, que no juízo a firmar sobre a pretensão cautelar sejam considerados os prejuízos advenientes para a esfera jurídica do requerente, tudo sem prejuízo da valoração também de prejuízos imediatos causados a terceiros ou mesmo a interesses gerais, da coletividade, na medida em que possam contribuir para reforçar positivamente os prejuízos que foram invocados pelo requerente cautelar.

XXIII. Ressuma do exposto e no que releva em sede desta providência cautelar que os “prejuízos de difícil reparação” serão os que advirão da não decretação da pretensão cautelar de suspensão de eficácia do ato em crise e que, pela sua irreversibilidade, torna extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, pese embora suscetíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela contudo insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica da Requerente, devolvendo-lhe a situação em que a mesma se encontraria não fora a execução havida e materialização daquele ato.

XXIV. E revertendo ao caso sub specie cumpre, então, presente aquilo que constitui o quadro factual logrado provar [cfr. n.ºs XII), XV) e XVI], apurar da verificação do requisito do periculum in mora.

XXV. Tal como tem sido jurisprudência assente do facto de facilmente ser quantificável o prejuízo pecuniário resultante da privação/redução de vencimentos não se pode sem mais concluir pela inexistência de periculum in mora, pois, será de reputar como irreparável ou de difícil reparação quando essa privação/redução puser em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou mesmo se determinar um drástico abaixamento do nível de vida do requerente e seu agregado familiar [vide, entre outros e nos mais recentes, os Acs. deste STA de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 28.01.2009 - Proc. n.º 01030/08, de 24.09.2009 - Proc. n.º 0821/09, de 20.03.2014 - Proc. n.º 0148/14, de 30.04.2015 - Proc. n.º 0404/15, e de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17].

XXVI. Afirmou a propósito este Supremo Tribunal no seu recente acórdão de 04.05.2017 [Proc. n.º 0163/17 - envolvendo também as mesmas partes litigando nos autos sub specie], reiterando o que já havia afirmado em anterior acórdão de 30.04.2015 [Proc. n.º 0404/15 - também envolvendo as mesmas partes], estamos perante a situação de produção de prejuízos de difícil reparação, já que “a requerente alegou e provou a este respeito que a imediata execução do ato suspendendo acarretará danos patrimoniais, visto que fica privada do seu vencimento, sua única fonte de rendimento, durante o período da pena disciplinar de suspensão do exercício de funções por 230 dias, pelo que não terá condições económicas para nesse período suprir as necessidades do seu agregado familiar, constituída por si e pela filha menor” e que é a mesma “que suporta com o seu salário todos os encargos e despesas do agregado familiar, neles se incluindo as despesas mensais normais de alimentação e vestuário, para si e a sua filha, também o colégio da menor, num montante de cerca de € 300,00 mensais, e com a prestação da casa e um outro crédito bancário paga cerca de € 1116,00, não dispondo de quaisquer poupanças”, razão pela qual “[é] óbvio que a perda do vencimento pelo período da suspensão, impedindo a requerente de manter o seu nível de vida e mesmo de prover às necessidades básicas suas e da sua filha não pode ser colmatada com o pagamento posterior do vencimento que auferiria durante o período da suspensão do exercício de funções, e se a pena vier a ser anulada”, tanto mais que “[c]onstitui jurisprudência pacífica deste STA, que «a privação do vencimento de um funcionário ou agente do Estado e, designadamente de um magistrado, em consequência da imediata execução do ato punitivo que o afaste de funções, causa prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado com esse ato, se tal privação diminuir drasticamente o seu nível de vida ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social»”.

XXVII. Para depois, em aplicação deste entendimento, concluir no caso de que “a perda da remuneração por parte da Requerente, durante o período de suspensão do exercício de funções de 230 dias, é suscetível de causar prejuízos de difícil reparação à Requerente e ao seu agregado familiar”, e, bem assim, de que tal impedirá a mesma “de cumprir os seus compromissos a nível do empréstimo hipotecário constituído”, razões pelas quais “se deve ter por verificado o requisito do periculum in mora”.

XXVIII. Reiterando este juízo, também aqui transponível para o caso sub specie, tanto mais que a realidade factual é semelhante e que a pena disciplinar aplicada é igualmente similar àquela que estava em causa no referido acórdão de 30.04.2015, importa concluir, sem qualquer dúvida, no sentido de que a não suspensão da execução do ato aqui em crise causará à Requerente um prejuízo, pelo menos, de muito difícil reparação, estando, por conseguinte, preenchido também in casu o requisito do periculum in mora.

XXIX. De facto, num contexto de exercício profissional em regime de exclusividade sem outros proventos ou rendimentos temos que a supressão total da remuneração comporta ou arrasta consigo necessárias e sérias dificuldades na gestão e equilíbrio da vivência da visada, pondo em risco ou fazendo perigar a satisfação de necessidades pessoais elementares concretas da mesma e da sua dependente, não lhe permitindo manter minimamente uma qualidade de vida condigna ao nível daquele que era o seu padrão.

XXX. Ora não se mostra como aceitável a sujeição da Requerente a tal quadro situacional e consequências negativas, inferido do juízo de prognose por nós levado a cabo à luz dos factos apurados, quando o ato punitivo gerador de tais consequências ainda não se mostra estabilizado como legal e legítimo, impondo-se, reunidos que estejam todos os demais requisitos, o acautelar desse perigo.

XXXI. Importa, agora, aferir do requisito ou pressuposto negativo previsto no n.º 2 do art. 120.º do CPTA [requisito relativo à ponderação da adequação/equilíbrio em termos da decisão de concessão ou recusa da providência], já que a despeito de estarem verificados os requisitos positivos exigidos para a adoção da providência a mesma ainda assim será recusada “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa” [cfr. art. 120.º, n.º 2, do CPTA].

XXXII. Neste preceito introduz-se aquilo que já foi denominado como “cláusula de salvaguarda”, constituindo um critério adicional de ponderação que coloca, num mesmo patamar, os diversos interesses [públicos e/ou privados - Requerente/Requerido], que, no caso concreto se perfilam ou estão em jogo.

XXXIII. Exige-se que, na justa composição dos interesses contrapostos em presença, o julgador cautelar proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos referidos interesses, balanceando os danos/prejuízos que a atribuição ou a recusa da providência possa envolver para os interesses contrapostos.

XXXIV. É, assim, que, no contraste entre os prejuízos que a execução causará na ótica do requerente e os danos que a suspensão provoca aos interesses prosseguidos pelo requerido, deve dar-se prevalência aos de mais elevada consideração ou de maior intensidade, sendo que nesta ponderação, que nem sempre é fácil de fazer, o tribunal procura sopesar os interesses prosseguidos pela execução do ato com os interesses obtidos com a sua suspensão.

XXXV. A decisão num sentido ou noutro tem que ser feita de modo justo e equilibrado, evitando sacrifícios injustificados e desproporcionados dos direitos e dos interesses tocados pelo ato.

XXXVI. Os índices dos interesses cuja “tutela” em termos de perdas ou de danos impõem a eficácia imediata do ato têm que se encontrar no circunstancialismo que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos, e nas razões invocadas pelo requerido, sendo necessário, no entanto, ter presente que a apreciação da lesão do interesse público a partir dos fundamentos do ato não significa qualquer resignação à presunção da sua legalidade.

XXXVII. E de que, nos termos do n.º 5 do art. 120.º do CPTA, nas situações de ausência de dedução de oposição/contestação pela autoridade requerida ou em que esta não alegue na mesma que a adoção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva.

XXXVIII. No caso sub specie a Requerente, na alegação daquilo que seriam os danos decorrentes da não suspensão, refere que os prejuízos que pretende evitar são muito superiores aos danos que resultarão para o Requerido da adoção da providência, inexistindo, no seu entender, grave prejuízo para o interesse público decorrente da concessão da providência.

XXXIX. Atente-se, desde logo, que o Requerido para além de não haver produzido qualquer resolução fundamentada, também na sua oposição nenhuma alegação fez ou produziu quanto ao requisito sob análise, já que se limitou a impugnar a articulação feita quanto aos requisitos previstos no n.º 1 do art. 120.º do CPTA, omitindo ou silenciando qualquer referência conducente à negação da pretensão cautelar dada a lesão do interesse público, sendo que no quadro situacional apurado também não se vislumbra que seja manifesta ou ostensiva uma tal lesão derivada da concessão da providência cautelar peticionada.

XL. Aliás, como sustentou este Tribunal no seu acórdão de 14.03.2006 [Proc. n.º 0108/06], “deve entender-se que o obstáculo ao decretamento da providência previsto no n.º 2 do mesmo artigo 120.º, no caso, não se verifica, manifestamente, uma vez que a entidade recorrida já disse de modo expresso que, na sua avaliação, o interesse público não impede que o requerente, para já, se mantenha a exercer funções. (…) O exposto, em especial a posição assumida pela entidade recorrida, permite também concluir num juízo de ponderação dos interesses públicos e privados em presença, que a concessão da providência não vai acarretar danos maiores que a sua recusa - n.º 2 do art. 120.º”.

XLI. E, por outro lado, nas situações similares às aqui sob apreciação, envolvendo também, mormente, as mesmas partes, tem sido sustentado, com plena pertinência também para o caso concreto, que “mesmo que houvesse que proceder à ponderação do n.º 2 do preceito em causa, considerando que os factos imputados à Requerente e pelos quais foi punida disciplinarmente são suscetíveis de assumirem em si mesmos alguma gravidade para o prestígio do Ministério Público e a imagem da justiça, o certo é que, se a ação principal improceder, a suspensão de eficácia apenas determinará um retardamento na execução da pena. Já a imediata execução do ato determinará que a Requerente sofra os prejuízos acima indicados”, termos em que “devidamente ponderados, o eventual interesse público e o interesse privado, em presença, é de concluir com segurança que a suspensão de eficácia não causa ao interesse público, um dano superior ao que resulta da sua recusa, pelo que o n.º 2 do art. 120.º do CPTA também não obsta a que seja decretada a providência” [cfr. os Acs. deste Supremo de 30.04.2015 - Proc. n.º 0404/15, e de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17 já supra citados].

XLII. De notar, por fim, que no n.º 2 do art. 120.º do CPTA não se estabelece “que a providência deva ser recusada quando tal seja preferível para o interesse público, quando a recusa traga mais vantagem para este interesse, mas sim que essa recusa deve acontecer quando dela resultem danos ao interesse público, o que é diferente de não haver vantagem”, presente que “mesmo que houvesse dúvidas sobre a existência de hipotéticos danos, elas teriam de ser valoradas a favor do Requerente e não contra ele, por força da referida regra do ónus da prova. Isto é, tem de se ter como assente, para efeitos de decisão do presente processo, que a adoção da providência de suspensão de eficácia, diferindo o eventual cumprimento da pena, não acarretará quaisquer danos para o interesse público, apenas podendo obstar a não seja desse cumprimento retirada a vantagem que poderia ser retirada se o cumprimento fosse imediato”, tanto mais que “face do que consta dos autos, só se entrevê que possam advir danos para o interesse público (e não mera não obtenção de vantagem) derivados da não suspensão de eficácia da deliberação impugnada, pois, no caso de o Requerente cumprir imediatamente a pena e, posteriormente, ser anulada a decisão punitiva, teriam de ser pagas ao Requerente, em execução de julgado, as quantias correspondentes às remunerações deixadas de auferir, sem que fosse dada por este a respetiva contrapartida, através do exercício das suas funções” [cfr. Ac. deste STA de 06.10.2010 - Proc. n.º 01217/09]

XLIII. Nessa medida e considerando tudo o atrás exposto, é de concluir que a adoção da providência não tem potencialidade para provocar danos, ao contrário do que sucede com a sua recusa, pelo que se impõe decidir que ela não deve ser recusada, à face do preceituado no art. 120.º, n.º 2, do CPTA.


3. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em julgar totalmente procedente a pretensão cautelar sub specie, decretando a providência requerida de suspensão de eficácia da deliberação punitiva do «CSMP» de 10 de outubro de 2017 até decisão final da ação administrativa principal.
Custas a cargo do requerido. D.N..




Lisboa, 30 de novembro de 2017. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (voto o projecto sublinhando que considero que, se a autoridade requerida tivesse, no âmbito da dedução da oposição/contestação, alegado fundadamente a lesão para o interesse público que decorre da actuação do requerido cautelar (lesão que não é manifesta ou ostensiva), a solução encontrada no que respeita à ponderação de interesses, poderia ser outra.).