Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02125/17.4BELSB
Data do Acordão:01/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:Não se justifica admitir recurso de revista de acórdão que deferiu uma providência cautelar através de discurso fundamentado e juridicamente plausível.
Nº Convencional:JSTA000P24077
Nº do Documento:SA12019011102125/17
Recorrente:MUNICÍPIO DE LISBOA E OUTRA
Recorrido 1:APPA - ASSOCIAÇÃO DO PATRIMÓNIO E DA POPULAÇÃO DE ALFAMA E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. O MUNICÍPIO DE LISBOA e a ASSOCIAÇÃO TURISMO DE LISBOA ………………… recorreram nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 14 de Julho de 2018, que revogou a sentença proferida pelo TAC de Lisboa, na PROVIDÊNCIA CAUTELAR instaurada por ASSOCIAÇÃO DO PATRIMÓNIO E DA POPULAÇÃO DE ALFAMA e, consequentemente, julgou procedente o pedido cautelar e suspendeu as deliberações da Câmara Municipal de Lisboa n.ºs 493/CM/2016 e 494/CM/2016 – relativas ao projecto de construção do futuro Museu Judaico de Lisboa – e determinou a não demolição dos edifícios existentes no local projectado para a construção do Museu e respectivo edifício de apoio.

1.2. Fundamentam a admissibilidade da revista, relativamente às seguintes questões:

O Município de Lisboa: - inutilidade superveniente da lide em virtude dos edifícios cuja preservação o Tribunal a quo entendeu justificar o decretamento da providência já estarem demolidos; - ponderação de interesses, sendo a seu ver preponderante o interesse na execução imediata das deliberações cuja execução o acórdão recorrido suspendeu;

A Associação Turismo de Lisboa: - para além das questões suscitadas pelo Município considera ter havido erro de julgamento na apreciação do requisito “fumus boni juris” e que se não verifica o requisito “periculum in mora”.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O TAC de Lisboa, por sentença de 6 de janeiro de 2018, julgou improcedente a pretensão cautelar.

3.3. Em recurso para o TCA Sul interposto pela Associação do Património e da População de Alfama, a recorrente imputou à sentença três vícios: (i) erro na apreciação da matéria de facto; (ii) nulidade por omissão de pronúncia; (iii) erro de julgamento quanto à violação pelos actos - objecto da providência - de várias disposições legais.

3.4. Através do acórdão recorrido o TCA Sul revogou a sentença e julgou verificado o “fumus boni juris”, por entender violado o art. 10º do Regulamento do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico de Alfama e da Colina do Castelo, uma vez que de acordo com tal norma “… a demolição dos edificados só poderia ser autorizada se, através de uma vistoria municipal, fosse reconhecido o preenchimento de algumas das condições previstas nas al.s a) a c) do n.º 1, (para além de prévio licenciamento de uma nova construção para o local)”. Perante a inexistência dessa vistoria municipal (ou relatório) concluiu o acórdão “(…) não estando reunidos os necessários pressupostos (desde logo, a falta de vistoria municipal) não podia ter sido autorizada a demolição do edificado, ou seja, foi violado este art. 10º, com a consequente invalidade das deliberações suspendendas (…)”.

Verificado o “fumus boni juris” e não tendo sido impugnado no recurso o “periculum in mora”, que a sentença reconhecera existir, o TCA Sul passou a ponderar os interesses públicos e privados em presença, nos termos e para os efeitos do art. 120º, 2 do CPTA. Conclui, neste ponto, que a concessão da providência, ou seja, a não demolição dos edificados e, consequentemente, a não construção do Museu Judaico de Lisboa (e respectivo edifício de apoio) por mais algum tempo – até que seja proferida decisão final na acção principal – não provocará danos superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, o que implica o preenchimento do requisito relativo à proporcionalidade”.

3.5. Como decorre do exposto foi declarada a suspensão de eficácia das deliberações que determinaram a demolição do edificado, por se entender que não foi cumprido o disposto no art. 10º do Regulamento do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico de Alfama. O entendimento seguido no acórdão recorrido é plausível, desde logo, porque na informação dos serviços do Município, é referido claramente esse incumprimento, quando diz que “… não foi apresentada uma justificação suficiente, designadamente um relatório detalhado do estado de conservação dos edifícios, que permitirá enquadrar a pretensão numa das condições previstas no art. 10º do Regulamento do Plano.” Assim, e perante, um juízo perfunctório próprio das providências cautelares, o entendimento do TCA Sul quanto ao requisito “fumus boni juris” não justifica a intervenção do STA, dada a sua clara plausibilidade.

O “periculum in mora” foi considerado verificado na 1ª instância e dessa parte da sentença não houve recurso. Portanto, a verificação deste requisito está adquirido nos autos, por força do caso julgado formal.

Quanto ao juízo sobre a ponderação de interesses é a nosso ver claramente plausível o entendimento do TCA Sul, colocando em confronto o adiamento da construção do Museu e a demolição (irreversível) do edificado.

Daí que perante a fundamentação plausível do acórdão recorrido não se justifique admitir a revista.

Resta saber ser a alegada inutilidade superveniente da lide, por ter sido entretanto demolido o edificado, justifica, por si só a admissão da revista, já que as questões concretamente apreciadas a não justificam. Julgamos, todavia, que essa circunstância só agora invocada (consumação da demolição) não justifica a admissão do recurso excepcional de revista, desde logo, por não ter sido colocada e apreciada no acórdão recorrido, a sua relevância poder ser apreciada em sede de execução da decisão cautelar e constar dos autos que, entretanto, ocorreu a paralisação das obras de demolição que haviam sido iniciadas.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pelos recorrentes.

Porto, 11 de Janeiro de 2019. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.