Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0889/09
Data do Acordão:05/19/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
RECURSO JUDICIAL
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
COIMA
INTERESSE EM AGIR
Sumário:I - O pagamento voluntário de coima, quando legalmente admitido, determina a extinção do procedimento de contra-ordenação decorrente da completa realização do seu objecto, com a consequente extinção da responsabilidade contra-ordenacional do arguido.
II - Uma vez extinto esse procedimento por contra-ordenação, o arguido, por falta de interesse em agir, não detém legitimidade para interpor recurso da decisão administrativa que aplicou a coima.
Nº Convencional:JSTA00066431
Nº do Documento:SA2201005190889
Data de Entrada:09/22/2009
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART61 C.
CCIV66 ART8 N3.
CPTRIB91 ART193 C ART207 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1230/09 DE 2010/02/24.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – O Magistrado do Ministério Público, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente o recurso que A…, Lda, melhor identificada nos autos, deduziu da decisão do Director de Finanças de Lisboa que lhe aplicou uma coima, no valor de € 24.939,89, pela prática da contra-ordenação prevista e punida nos artºs 26º, nº 1 e 40º, nº 1 do CIVA e 29º, nº 2 do RJIFNA, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1 - A decisão em apreço faz errado julgamento de direito;
2 - Na verdade, face aos factos dados como provados e, nomeadamente, no ponto 5 dos Factos Provados, porque ocorreu o pagamento voluntário da coima, no decurso do processo de contra-ordenação, o procedimento contra-ordenacional instaurado contra a arguida “A…” extinguiu-se, nos termos do disposto no artigo 61º al. c) do RGIT;
3 - Pelo que a decisão em apreço deveria ter decidido encontra-se extinto procedimento contra-ordenacional instaurado contra a arguida e, em consequência
4 - Ter rejeitado o recurso interposto em 20.9.2000 quer por falta de legitimidade e interesse em agir da recorrente, quer por falta de objecto do recurso.
5 - Deve assim, a decisão em apreço ser revogada e substituída por outra que decida encontrar-se extinto o procedimento contra-ordenacional instaurado contra a arguida pela prática das infracções enunciadas no Auto de Notícia de fls. 2 e sgs, ser manifesta a falta de legitimidade e de interesse da arguida para recorrer, e a carência de objecto do recurso, e, consequentemente
6 - Decida rejeitar o recurso interposto a fls. 30 e sgs.
7 - Normas jurídicas violadas, artº 78º, nºs 2 e 3 e 61º al. c) do RGIT, artigo 401, nº 1 al. b) e n° 2 do CPPenal ex vi artigo 3º al. b) do RGTI e artº 41 nº 1 do Dec. Lei nº 433.82, de 27.10;
Se, assim, também, se não entender diremos:
8 - A sentença é nula pois,
9 - Conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento;
10 - Na verdade, a sentença em apreço não podia conhecer do objecto do recurso interposto em 20.9.2000 - fls. 30 - pois,
11 - Em 15.9.2000, a arguida procedeu ao pagamento voluntário da coima que lhe foi fixada. - cfr. fls. 29;
12 - Pelo que à data da interposição do recurso e face ao pagamento voluntário da coima durante o processo de contra-ordenação, estava já extinto o procedimento contra-ordenacional contra ela instaurado, pelo que a sentença em apreço não podia conhecer do que estava extinto, do que já não existia;
13 - Ao fazê-lo a sentença violou o disposto nos artigos 379 nº 1 al. c) do CPP ex vi artigo 3º al. b) do RGIT, artº 41 do RGCOC (Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que são as normas jurídicas violadas);
14 - Pelo que é nula, nulidade que se argúi e requer seja decretada para todos os efeitos legais e, em consequência, se ordene a devolução do processo a este Tribunal de 1ª instância para que seja proferida nova sentença expurgada da nulidade.
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1 - No dia 15/2/1999, na Direcção de Serviços de Cobrança do I.V.A., quando se encontrava no exercício das suas funções, um funcionário da Administração Fiscal, verificou pessoal e directamente que a sociedade “A…, L.da.”, com sede em Sacavém, Loures, e área de competência deste Tribunal, enquadrada em I.V.A. no regime normal com periodicidade mensal, não efectuou o pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, previamente liquidado nos termos da lei, relativamente ao mês de Janeiro de 1998, no montante global de € 204.737,32 (duzentos e quatro mil setecentos e trinta e sete euros e trinta e dois cêntimos), tudo conforme auto de notícia de fls. 2 e 3, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;
2 - O auto de notícia mencionado no nº 1 deu origem ao presente processo de contra-ordenação fiscal, cuja parte administrativa correu seus termos no do 4º Serviço de Finanças de Loures;
3 - No âmbito da qual o arguido foi notificado nos termos e para os efeitos do artº 199, do C. P. Tributário, através de carta registada no pretérito dia 10/4/1999, não tendo apresentado defesa (cfr. fls. 4 e 5 dos autos);
4 - Em 6/7/2000, por despacho do Director de Finanças de Lisboa, exarado a fls. 25 e 26 dos autos e que se dá aqui por integralmente reproduzido, foi aplicada coima ao arguido no montante de € 24.939,89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), devido à prática da contra-ordenação identificada no n° 1 supra, e p.p. nos art°s. 26, n° 1, e 40, n° 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (C.I.V.A.), e 29, n° 2, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (R.J.I.F.N.A.), decisão que lhe foi comunicada em 1/9/2000 (cfr. fls. 27 e verso dos presentes autos);
5 - Em 15/9/2000, a sociedade arguida efectuou o pagamento da coima e custas em que foi condenada no âmbito dos presentes autos, tudo no montante total de € 24.974,81 (cfr. documento junto a fls. 29 dos presentes autos; informação exarada a fls. 36 dos presentes autos);
6 - Em 20/9/2000, deu entrada no 4° Serviço de Finanças de Loures o recurso da decisão de aplicação de coimas interposto pelo arguido e que deu origem ao presente processo (cfr. data de entrada aposta a fls. 30 dos autos);
7 - O arguido agiu animado de vontade livre e consciente, através dos seus representantes, sabendo que a sua conduta (não entrega nos cofres do Estado do imposto sobre o valor acrescentado previamente liquidado nos termos da lei), porque ilícita e punível, lhe estava legalmente vedada;
8 - Da conduta do arguido resultou efectivo prejuízo para a Fazenda Nacional (expresso no montante de imposto liquidado e não entregue nos cofres do Estado no tempo e lugar devidos - € 204.737,32);
9 - Consta dos autos que o arguido se encontra indiciado da prática de outras infracções ao disposto no regime declarativo e de pagamento do I.V.A. (cfr. quadro 2 constante da informação anexa ao auto de notícia e junta a fls. 3 do processo);
10 - O presente processo esteve com a instância suspensa entre 29/11/2002 e 2/3/2009, nos termos do art° 74, n° 2, do R.G.I.T. (cfr. despachos de suspensão da instância e de cessação da mesma exarados a fls. 53 e 124 dos presentes autos).
3 – A questão que constitui o objecto do presente recurso consiste em saber se, tendo sido efectuado o pagamento voluntário, antes da interposição do recurso da decisão administrativa, da coima por esta aplicada, o respectivo procedimento contra-ordenacional se extinguiu nos termos do disposto no artº 61º, al. c) do RGIT, devendo, assim, o recurso ser rejeitado ou, se assim se não entender, a sentença recorrida é nula por se ter conhecido do que já se encontrava extinto.
Desde logo, importa referir que, no caso dos autos, na altura em que foi interposto o recurso judicial da decisão administrativa que aplicou a coima (20/9/00), esta já se encontrava paga desde 15/9/00 (vide nº s 5 e 6 do probatório).
Sendo assim, será o recurso admissível?
Questão idêntica foi já apreciada por esta Secção do STA no Acórdão de 24/2/10, in rec. nº 1.230/09, em que o recorrente era o mesmo, como as mesmas eram as partes e idênticas as conclusões da motivação do recurso.
Por isso e tendo sempre em vista a interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artº 8º, nº 3 do CC) e com a devida vénia, vamos aqui transcrever o referido aresto.
Escreve-se, então, ali que, “…nos termos da alínea c) do artigo 193.º do Código de Processo Tributário (em vigor à data do pagamento voluntário e da interposição do recurso e não a alínea c) do artigo 61.º do RGIT, como pretende o recorrente), o procedimento por contra-ordenação extingue-se pelo pagamento voluntário no decurso do processo de contra-ordenação.
Isso significa que, não obstante, mediante acto que reveste natureza meramente formal/declarativa o respectivo processo ainda não ter sido arquivado pela entidade competente (artigo 207.º n.º 1 do CPT), o que até se compreende atento o diminuto lapso de tempo decorrido entre o pagamento voluntário da coima e a interposição de recurso, a arguida deixou de ter qualquer interesse juridicamente atendível no resultado do recurso interposto.
Na verdade, o pagamento voluntário da coima, quando legalmente admitido, como é o caso, determina a extinção do procedimento de contra-ordenação decorrente da completa realização do seu objecto, com a consequente extinção da responsabilidade contra-ordenacional do arguido.
Sendo assim, ainda que lhe fosse favorável, a decisão jurisdicional que viesse a ser proferida no recurso não repercutiria qualquer efeito útil na sua esfera jurídica, sendo certo que o interesse em recorrer se define pela utilidade derivada da procedência do recurso.
Acresce que a notificação que lhe foi feita (cfr. fls. 27) não deixava dúvidas quanto à possibilidade que lhe era dado a conhecer de, em alternativa, no prazo de 15 dias efectuar o pagamento da coima ou recorrer judicialmente da decisão administrativa que a aplicou.
Impõe-se, pois, concluir que uma vez extinto o procedimento por contra-ordenação decorrente do pagamento voluntário da coima aplicada, o arguido, por falta de interesse em agir, não detém legitimidade para interpor recurso da decisão administrativa que aplicou a coima.
Daí que o recurso não deveria ter sido admitido, ficando prejudicado o conhecimento da nulidade da sentença que subsidiariamente vem arguida”.
4 – Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida e rejeitar o recurso judicial interposto da decisão administrativa de aplicação da coima.
Sem custas, por não serem devidas neste STA.
Lisboa, 19 de Maio de 2010. – Pimenta do Vale (relator) – António Calhau – Isabel Marques da Silva.