Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01362/13
Data do Acordão:09/18/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
GARANTIA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
VIOLAÇÃO
Sumário:I - De acordo com o disposto nos artºs 199º, nº 5 do CPPT e 52º, nº 3 da LGT, a administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
II - Sendo invocada pela AT a depreciação dos bens imóveis oferecidos como garantia, em virtude do decurso do tempo e da conjuntura económica actual, cabia a avaliação desses bens de acordo com o mercado, não bastando para esse efeito apresentar o valor dos bens ao abrigo do artº 250º, nºs 1 e 4 do CPPT, pois que este valor apenas releva como valor base da venda a anunciar em processo executivo.
III - Não tendo o Mmº Juiz recorrido apreciado a garantia na totalidade (a já prestada relativa a imóveis e a oferecida relativa a ações), por entender que a recorrente já não podia reclamar da avaliação efetuada pela AT quanto aos imóveis, impõe-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para apreciação da reclamação, tendo em conta a unidade da garantia e que os valores a ter em conta devem ser os de mercado.
Nº Convencional:JSTA000P16215
Nº do Documento:SA22013091801362
Data de Entrada:08/26/2013
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. “A…………, SA” os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Viseu que negou provimento à reclamação por si deduzida contra decisão do órgão de execução fiscal que entendeu que a garantia oferecida como penhor de ações da reclamante não podia ser aceite por falta de idoneidade, consubstanciada na sua insuficiência, com o consequente levantamento da suspensão da execução, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A) - Conforme resulta do processo e dos factos provados, o processo executivo encontra-se suspenso com garantia (penhora efetuada no dia 05.01.2004 sobre os prédios urbano 1554 e rústicos 12136 e 12137, da freguesia de …………);

B) - Em 26.04.2012, a recorrente foi notificada para, nos termos do artigo 199º, n.º 10 do CPPT "proceder ao reforço da garantia no valor de € 791.357,13, ou prestar nova garantia idónea no montante de € 841.480,55, sob pena de não o fazendo, se proceder à penhora de bens."

C)- A recorrente juntou aos autos avaliação dos imóveis, que atesta que aqueles bens possuem um valor de mercado de pelo menos € 856.000,00;

D) - Em 06 de setembro de 2012, foi a reclamante notificada que o Serviço de Finanças não aceitava a garantia prestada, pelo que, em 24 de setembro de 2012 a reclamante requereu o reforço da garantia, disponibilizando-se, através dos seus acionistas, a dar de penhor as ações que aqueles detêm na reclamante, tendo entregue 9.000 títulos representativos de 90.000 ações;

E) - A Direção de Finanças - DIT l, consultada pelo órgão executivo, avaliou cada ação em €1,0156, no valor total de € 91.404,00;

F) - Através do ofício 1547, datado de 28.02.2013, notificado em 19.03.2013, veio o Sr. Chefe de Finanças, suportado na informação que antecede o seu despacho, datada de 25 de fevereiro de 2013, entender que a garantia oferecida não poderá ser aceite por falta de idoneidade, consubstanciada na sua insuficiência, com o consequente levantamento da suspensão, decisão contra a qual se insurge a reclamante e que constitui o objeto da presente reclamação;

G) - Só com tal despacho o órgão de execução rejeitou a garantia oferecida pela recorrente, consubstanciada nos bens imóveis já penhorados complementada, posteriormente, com o penhor de ações e ordenou o levantamento da suspensão do mencionado processo executivo sem conceder qualquer novo prazo para reforço de garantia;

H) - Apenas o despacho atrás referido consubstancia uma decisão lesiva dos direitos e interesses da recorrente, pelo que, apenas essa decisão é suscetível de impugnação judicial através do mecanismo da reclamação regulada nos artigos 276º e seguintes do CPPT;

I) - O órgão executivo percorreu um iter processual que culminou no despacho atrás referido, pelo que as anteriores decisões fazem parte integrante da decisão reclamada, não sendo de aplicar o princípio da preclusão processual a qualquer uma delas;

J) - A decisão reclamada contém em si mesmo a apreciação para fins de garantia idónea, dos prédios imóveis, pelo que as questões relacionadas com a valorização dos imóveis pode e deve ser apreciada no âmbito dos presentes autos;

L) - A decisão do órgão de execução não se limitou a indeferir o reforço através do penhor de ações, pois que tal decisão voltou a considerar inidóneo, para efeitos de garantia, o valor dos bens imóveis;

M) - O órgão de execução teria, assim, que explicar em que medida e porque razão considera inidónea tal garantia o que implica uma valorização conjunta do valor dos bens (imóveis e ações) para fins de suspensão da execução;

N) - Como o Tribunal o quo não cuidou de apreciar os valores dos bens imóveis e, como tal, a idoneidade da garantia prestada, deve ser ordenada a remessa dos autos à primeira instância, com vista à realização das diligências probatórias que permitam apreciar da idoneidade da garantia prestada, consubstanciada na penhora dos bens imóveis e no penhor das ações;

O) - A decisão do órgão de execução padece de vício de falta de fundamentação, pois, o mesmo, recorrendo aos serviços da Direção de Finanças, avaliou as ações em € 1,0156, a que corresponde um valor total de € 91.404,00;

P) - O órgão de execução explicou como calculou o valor das ações oferecidas em penhor mas não informou os valores que utilizou no cálculo;

Q- A recorrente viu-se impedida de perceber o valor alcançado e, acima de tudo, de o poder sindicar;

R) - Compete ao órgão de execução explicar porque razão e em que medida são os bens oferecidos em garantia insuficientes para a suspensão do processo executivo. Para tal, não basta reduzir a apreciação dos bens ao resultado obtido através da aplicação de duas fórmulas matemáticas, antes se impondo àquele órgão, estabelecer uma correspondência entre o valor matemático e o verdadeiro valor de mercado dos bens, o que importa a realização de uma apreciação casuística, o que não foi feito;

S) - A decisão recorrida viola, entre outras, as normas constantes dos artigos 276º do CPPT, 199º, nºs. 2 5, 8 e 10, artigos 124º,125º, nº l do Código de Procedimento Administrativo e artigo 77º, n.º 2 da LGT;

Pelo que,
Deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, em consequência, deve ser a sentença revogada, ordenando-se a anulação do ato do órgão de execução ou, no limite, ordenando-se a remessa dos autos à primeira instância, com vista à realização das diligências probatórias que permitam apreciar da idoneidade da garantia prestada.
Assim decidindo, farão V. Exas.
JUSTIÇA!

2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 395/397, no qual se pronuncia pela procedência do recurso.

3. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

A) No âmbito da execução fiscal n° 2720-02/101822.10159200081002937 do Serviço de Finanças de Viseu, onde se visa a cobrança coerciva de IRC do ano de 2000, no montante de 505 622.51€, contra a aqui Reclamante, esta veio, alegando e documentando ter impugnado judicialmente a dívida exequenda, solicitar a dispensa de prestação de garantia, mas porque não foi deferida a solicitação pediu a prestação de penhor ou hipoteca voluntária que veio a ser deferida a suspensão, através de despacho de 2004-03-11, mediante a penhora registada sobre três imóveis, (cfr. fls. 4 a 8, 58 a 61, 65 a 70, 82, 83 e 135 a 45, aqui dados como reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos);

B) Em 2011-09-14, considerando que: "Dada a atual situação económica e acentuada depreciação imobiliárias, proponho que seja promovida nova avaliação dos imóveis penhorados para garantia nos termos do artigo 199°, nº 9 do CPPT” proposta que foi acolhida e, consequentemente, foi apurado o novo valor dos imóveis, no total de € 71.604,89 pelo que, calculando o valor da garantia e subtraindo-o ao referido valor foi a reclamante notificada, em 2012.04.26, para prestar nova garantia no valor de €791 357,13 ou reforçá-la, com a cominação do n° 8 do artigo 199° do CPPT (vide 146 a 151);

C) Reagiu a Reclamante apresentando, em 2012.05.18, relatório de avaliação dos bens no qual foi atribuído aos bens o valor de €856.000.00 e, por isso, requereu fossem aceites os imóveis com garantia idónea e suficiente para a suspensão do processo (cfr. fls. 155 a 166);

D) Requerimento que foi submetido à orientação da Direção de Finanças a qual foi no sentido de não se aceitar a garantia porque o valor patrimonial atual dos bens é claramente inferior ao valor da garantia a prestar pelo que a Reclamante foi notificada novamente, em 06-09-2012, para reforçar ou prestar nova garantia, nos termos e com a cominação já aludidas em B) (vide fls. 169 a 173 e 179;

E) A Reclamante manifestando estranheza pelo fato de o OEF entender como insuficiente o que durante muitos anos entendeu como idóneo, salientando o fato de os imóveis em causa terem sido avaliados por perito da confiança da Exequente em valor suficiente para garantia a execução, referindo que qualquer penhora sobre o restante património pode comprometer a continuação da sua atividade, em reforço da garantia já prestada os seus acionistas, em 24-09-2012 "vêm dar de penhor as ações que detêm na executada e cujo valor de mercado assegurará o pagamento da quantia exequenda." ( cfr. fls. 177 a 194);

F) O Órgão de Execução Fiscal solicitou à Direção de Finanças de Viseu, nos termos do n° 3 alínea a) do artigo 15° do Código do Imposto do Selo, a avaliação das ações dadas de penhor, que permitiu apurar o valor de € l,0156 por cada ação o que perfaz €91.404,00 pelo que, por despacho proferido em 25.02.2013 não foi aceite a garantia oferecida por falta de idoneidade, consubstanciada na sua insuficiência, com o consequente levantamento da suspensão do processo executivo, (vide fls. 195 a 212, 239 a 244 e 271 a 274);

G) Despacho comunicado à Reclamante em 19.03.2013, a que aquela reagiu remetendo, em 0l.04.2013, a Reclamação ora em apreciação.

4. Cumpre decidir.

5. Resulta da alínea A) do probatório supra que a recorrente, tendo impugnado judicialmente a dívida exequenda, prestou garantia mediante penhora registada de imóveis em 2004.

Em 14.09.2011 foi entendido que, dada a atual situação económica e a acentuada depreciação imobiliárias, os bens dados em garantia eram insuficientes para garantia da dívida, tendo sido promovida nova avaliação dos imóveis penhorados para garantia nos termos do artigo 199°, nº 9 do CPPT.

Seguidamente foi apurado novo valor dos imóveis, no total de € 71.604,89, tomando por base o valor apurado de acordo com o CIMI, tendo-se ainda considerado apenas 70% daquele valor (v. fls. 175).

Deste modo, calculando o valor da garantia e subtraindo-o ao referido valor foi a reclamante notificada, em 2012.04.26, para prestar nova garantia no valor de €791 357,13 ou reforçá-la, com a cominação do n° 8 do artigo 199° do CPPT (vide 146 a 151).

Reagiu a Reclamante apresentando, em 2012.05.18, relatório de avaliação dos bens no qual foi atribuído aos bens o valor de €856.000.00 e, por isso, requereu fossem aceites os imóveis com garantia idónea e suficiente para a suspensão do processo, (cfr. fls. 155 a 166), não sendo aceite a garantia porque o valor patrimonial atual dos bens era claramente inferior ao valor da garantia a prestar.

A Reclamante foi notificada novamente, em 06.09.2012, para reforçar ou prestar nova garantia, nos termos e com a cominação já aludidas em B), tendo oferecido, em reforço da garantia já prestada penhor de ações que os seus acionistas detêm na executada.

O Órgão de Execução Fiscal solicitou à Direção de Finanças de Viseu, nos termos do n° 3 alínea a) do artigo 15° do Código do Imposto do Selo, a avaliação das ações dadas de penhor, que permitiu apurar o valor de € l,0156 por cada ação o que perfaz €91.404,00.

Por despacho proferido em 25.02.2013 não foi aceite a garantia oferecida por falta de idoneidade, consubstanciada na sua insuficiência, com o consequente levantamento da suspensão do processo executivo, (vide fls. 195 a 212, 239 a 244 e 271 a 274);

5.1. A decisão recorrida indeferiu a reclamação por entender, tal como o órgão da execução fiscal, que “o reforço da garantia, conjugado com a já existente ela fosse objetivamente apta a garantir a totalidade da dívida e do acrescido”.

E considerou a decisão recorrida, quer os imóveis, quer as ações.

Relativamente aos primeiros, entendeu que a valorização dos imóveis não podia ser objeto de apreciação na reclamação, uma vez que tinha decorrido o prazo de 10 dias para a mesma. Do probatório resulta que a recorrente teve conhecimento da diversa valorização dos imóveis e não reagiu, limitando-se a apresentar uma avaliação, mas sem reagir contra a encontrada pelo órgão da execução fiscal. Deste modo, ficou ultrapassada aquela questão do valor dos imóveis para efeitos de garantia.

Quanto às ações, ao contrário do entendimento da recorrente, a sentença recorrida decidiu não existir falta de fundamentação, já que no despacho reclamado se explicou que, na falta de cotação oficial, se aplicou o previsto no nº 3 do artº 15º do CIS para cálculo do seu valor.

E concluiu a decisão recorrida que, no mais, o despacho reclamado é percetível pois que, considerando o valor a garantir de 814.480,55 euros e o valor das garantias já constituídas 52.982, 52 euros, adicionado do valor das ações é claramente insuficiente para a suspensão da execução.

5.2. Diferente entendimento manifestou o MºPº propugnado pela violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que a recorrente não é responsável pela demora da impugnação judicial, sendo que a desvalorização de que os bens objeto da garantia possam sofrer lhe não é, por isso, imputável.

5.3. A recorrente, por sua vez, entende que a decisão reclamada contém em si mesmo a apreciação para fins de garantia idónea, dos prédios imóveis, pelo que as questões relacionadas com a valorização dos imóveis pode e deve ser apreciada no âmbito dos presentes autos.

Isto porque aquela decisão não se limitou a indeferir o reforço através do penhor de ações, pois que tal decisão voltou a considerar inidóneo, para efeitos de garantia, o valor dos bens imóveis.

Assim, o órgão de execução teria que explicar em que medida e porque razão considera inidónea tal garantia o que implica uma valorização conjunta do valor dos bens (imóveis e ações) para fins de suspensão da execução.

Ora, o Tribunal o quo não cuidou de apreciar os valores dos bens imóveis e, como tal, a idoneidade da garantia prestada.

5.4. Desde já diremos que nos parece que a razão está do lado da recorrente. Na verdade, o reforço da garantia está relacionado com o valor dos bens imóveis, pelo que, para se apreciar a suficiência dos bens dados em garantia havia que considerar também o valor dos imóveis, o que a decisão recorrida não fez.

Não está em causa que a Administração Tributária esteja impedida, ao abrigo do disposto nos artºs 199º, nº 5 do CPPT e 52º, nº 3 da LGT, de exigir reforço de garantia anteriormente prestada, contanto que seja demonstrado que a mesma se tornou manifestamente insuficiente para garantir a dívida exequenda e o acrescido.

No caso concreto dos autos, para concluir pela insuficiência da garantia, a AT limitou-se a encontrar o valor patrimonial dos imóveis e a reduzir a 70% o respectivo valor. Ora, este valor é o que a lei prevê como valor base a anunciar numa venda em execução fiscal (artº 250º, nº 4 do CPPT). Porém, este montante, só por si, nada significa já que os bens até podem vir a ser vendidos por valor substancialmente superior (como podem vir a ser vendidos por valor inferior).

Assim, e como se concluiu no Acórdão deste STA, de 16.01.2013 – Processo nº 01294/12, uma coisa é o valor fiscal ou contabilístico dos bens, outra é o seu valor de mercado que é o que deve ser tido em conta para efeitos de avaliação dos bens.
Comparando o valor apurado pela AT e o valor resultante do relatório de avaliação apresentado pelo recorrente, desde logo se vê que a discrepância impõe alguma cautela, havendo, por isso, que tentar apurar se existiu a depreciação do valor dos bens apontada pela AT e justificativa da exigência do reforço de garantia.

Ora, cabe à Administração Tributária demonstrar a manifesta insuficiência actual da garantia para o que se impõe que proceda a uma correta avaliação dos bens em termos de mercado, tanto mais que a avaliação apresentada pelo recorrente desde logo lança dúvida sobre o valor dos imóveis apurado pela AT.

Ao desconsiderar que o recorrente não podia agora contestar o valor dos imóveis apurado pela AT, a sentença recorrida errou, em nosso entender, pois que para se determinar a garantia há que considerar os bens no seu todo, pelo que no caso concreto é irrelevante que o recorrente tenha tido conhecimento daquele valor há mais de 10 dias.

Sendo assim, não pode manter-se a decisão recorrida.

Desde modo, impõe-se a revogação da decisão recorrida com a baixa dos autos ao respetivo tribunal para que aprecie a reclamação no que toca à colocada questão da idoneidade da garantia na sua globalidade (a já prestada e a ora oferecida), na perspectiva da sua suficiência, tendo em conta que relativamente aos imóveis se impõe atender ao seu valor de mercado.

6. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a baixa dos autos para apreciação da reclamação nos termos acima referidos.

Sem custas.

Lisboa, 18 de setembro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Dulce Neto.