Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:039/16
Data do Acordão:11/23/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:MAIS VALIAS
REINVESTIMENTO
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
ANULAÇÃO PARCIAL
ACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I - Para efeito de exclusão de tributação das mais-valias, a quantia a reinvestir na nova habitação deve ter uma correspondência directa com o montante recebido com a venda da habitação antiga;
II – Sendo reinvestido apenas parte do montante do valor da realização no momento da compra da nova habitação, deve-se considerar que ocorreu reinvestimento meramente parcial, e, portanto, a exclusão da tributação cingir-se-á apenas à parte da mais-valia tributável proporcional ao reinvestimento efectuado;
III – O pagamento parcial do empréstimo obtido para a compra da nova habitação em momento posterior ao da aquisição, com a parte restante do valor de realização, não pode ser considerado para efeitos de exclusão de tributação de mais-valias.
Nº Convencional:JSTA00069925
Nº do Documento:SA220161123039
Data de Entrada:01/11/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.......E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - MAIS VALIAS.
DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:LGT ART8 ART4.
CPPTRIB99 ART124.
CIRS ART10.
CCIV66 ART874.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01721/02 DE 2003/03/12.; AC STA PROC01359/03 DE 2004/01/28.; AC STA PROC01774/03 DE 2004/03/03.; AC STA PROC01876/03 DE 2004/04/20.; AC STA PROC02053/03 DE 2004/03/27.; AC STA PROC0125/06 DE 2006/09/28.; AC STA PROC01241/09 DE 2010/03/24.; AC STA PROC0938/04 DE 2004/12/07.; AC STA PROC0950/12 DE 2013/01/16.; AC STAPLENO PROC0298/12 DE 2013/04/10.; AC STA PROC0583/10 DE 2011/01/12.; AC STA PROC0965/10 DE 2012/01/12.; AC STA PROC0533/12 DE 2012/10/10.; AC STA PROC0477/12 DE 2012/12/05.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, recorreu da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 21 de Setembro de 2015, que julgou procedente a impugnação deduzida por A…………. E B…………., contra a decisão tácita de indeferimento, da reclamação graciosa que estes intentaram do acto de liquidação de IRS respeitante ao ano de 2004, no montante de global de imposto e juros, de € 14.310,56.

Alegou, tendo concluído como se segue:
I. Não concordando com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” porquanto entende que a mesma ao julgar totalmente procedente a impugnação deduzida incorreu em vício de violação de direito vem a Administração Tributária apresentar o presente recurso.
II. Fá-lo porquanto entende que, contrariamente ao que decidiu o tribunal a quo em que a liquidação resulte dos elementos contidos nas declarações do contribuinte a Administração Tributária está de acordo com o nº 2 do artº 60º da Lei Geral Tributária, dispensada da audição prévia dos interessados.
III. Ora in casu temos que, os impugnantes declararam na declaração Mod 3 do IRS do ano de 2004, que pretendiam reinvestir o montante de € 150,000,00, valor esse correspondente a totalidade das mais valias obtidas com a venda do imóvel que era nesse ano a sua habitação própria e permanente.
IV. Porém, o que efectivamente ocorreu foi que os Impugnantes somente declararam ter reinvestido no prazo legalmente previsto (24 meses), o montante de € 101.100,00, razão pela qual a AT efectuou a (re) liquidação do imposto em causa.
V. No entanto fê-lo não considerando qualquer montante reinvestido que, tendo os sujeitos passivos declarado a efectiva utilização do montante de € 101.000,00, deveria a impugnação, quando muito, ter sido declarada parcialmente procedente dado que os Impugnantes nunca chegaram a declarar a utilização do restante montante de € 49.000,00 na aquisição de uma nova habitação e que esta no prazo de 6 meses tivesse sido utilizada como sua habitação própria e permanente.
VI. Acontece que o tribunal a quo, veio a considerar que, uma vez que a Administração tributária não notificou os Impugnantes para o exercício do direito de audição prévia em momento anterior ao da elaboração da (re) liquidação, o procedimento padecia de vício de preterição de formalidade essencial razão pela qual declarou a impugnação totalmente procedente, e acrescentou ainda que, em consequência, considera que “Queda prejudicada a apreciação da bondade da determinação das mais-valias objecto de tributação.”.
VII. Ora, a liquidação efectuada pela AT teve por base os dados constantes das declarações entregues pelos Impugnantes, isto é, a liquidação emerge do facto de os sujeitos passivos não terem declarado a efectiva utilização da totalidade das mais valias obtidas, razão pela qual se deve, em nossa opinião, considerar que, nos termos do nº 2 do artº 60 da LGT, se encontrava dispensada a audição prévia dos interessados.
VIII. Aliás neste mesmo sentido vai, inclusive, o determinado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 14/03/2012, no âmbito do processo nº 155/12, em cujo sumário se afirma “I- Nos termos do nº 2 do artigo 60º da Lei Geral Tributária a audição é dispensada “no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável”.
II - Tendo o contribuinte feito constar na sua declaração de rendimentos, relativa ao ano de 2000, a venda de um prédio e a intenção de reivestir o respectivo preço, a liquidação adicional, efectuada com base na falta de declaração, nos dois anos seguintes, desse reinvestimento, não precisa de ser precedida da audição do contribuinte nos termos dos ns. 1 alínea a), e 2 do artigo 60º da Lei Geral Tributária”.
IX. Assim, tendo a decisão tomada contrariado o entendimento legal, e jurisprudêncial, aqui referido pugnamos por Acórdão que revogue a decisão tomada pelo tribunal a quo e que desta forma determine a necessidade do decisor analisar a legalidade da liquidação efetuada uma vez que a sua bondade não se pode limitar somente à analise dos montantes alegadamente reinvestimentos, embora parcialmente não declarados mas antes há que ter em conta que para a exclusão da tributação ocorrer há ainda que analisar outras questões como, a titulo de exemplo, a prevista no n.º 6 do artº 10º do IRS.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a legalidade do procedimento utilizado pela AT e ainda a necessidade de serem apreciadas as restantes questões suscitadas em 1ª instância, porém, V, Exas. decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público, notificado, pronunciou-se pela revogação, da decisão recorrida e, “conhecendo este tribunal em substituição, se julgue verificada a exclusão parcial da tributação das mais-valias, determinando-se a anulação parcial da liquidação adicional na parte correspondente, procedendo, assim, em parte, a impugnação judicial.”.
O Ministério Público defende que, por um lado, tendo a liquidação sido efectuada de acordo com as declarações apresentadas, está dispensado o exercício do direito da audição, por outro, tendo ficado comprovado o reinvestimento parcial do valor da realização verifica-se a procedência parcial da impugnação.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Os impugnantes – A…………. e B…………… - venderam no dia 23 de dezembro de 2004, pelo preço de €150.000,00 a fração autónoma destinada a habitação, designada pela letra «……», correspondente ao “………….”, quinto andar esquerdo, do prédio situado na Rua ……………., tornejando para a Rua …………….., no Prior Velho, concelho de Loures, prédio esse em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o art.684° e onde até então mantinham a sua morada habitual.
2. No dia 10 de março do ano seguinte os impugnantes compraram, pelo preço de €351.000.000, que logo pagaram à sociedade vendedora, a fração autónoma destinada a habitação, designada pela letra «……….», correspondente ao segundo andar ………. do “………..” - habitação -, dispondo de um espaço de estacionamento automóvel com o n° ………., e com uma arrecadação com o n°…………, no piso -1, do prédio situado na confluência das Avenidas ………….. e ………….., Condomínio do ………………….., na Póvoa de Santa Iria, no concelho de Vila Franca de Xira, prédio esse em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o art.2716°.
3. Neste novo espaço habitacional, pelo menos desde então, passaram os Impugnantes a residir de forma habitual - fixando aí o respetivo domicílio fiscal.
4. Para pagamento de parte do preço da mencionada aquisição, os Impugnantes, aquando da respetiva escritura pública, igualmente celebraram logo aí, com o Banco ………….., S. A., um contrato de mútuo, garantido por hipoteca da casa ao banco, o qual lhes emprestou, para aquele fim, €250.000, paralelamente pagando o remanescente do preço com €101.000 do preço percebido pela venda referida no ponto 1..
5. Em 25 de outubro de 2006 os Impugnantes amortizaram, daquele empréstimo, €49.000,00 com efeitos retroagindo a 5 desse mesmo mês.
6. Na sua declaração para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativa ao ano de 2004, de 16 de maio de 2005, os Impugnantes declararam o valor da alienação descrita no ponto 1., no respetivo “Anexo G - mais-valias”, o ano e valor da aquisição dessa casa de morada [respectivamente €59.855,75 e 1993] e, bem assim, declararam pretender reinvestir o valor desse rendimento na aquisição de uma nova casa para morar.
7. Ser-lhes-ia então elaborada pela Administração Tributária, em 22 de agosto de 2005, a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativa a 2004, com o n°[2005]5003570278, sustando a tributação sobre o rendimento referido no ponto 1., em conformidade com a intenção dos Impugnantes referida no ponto anterior, e da qual resultaria uma dívida de imposto no montante de €22.146,56, que os Impugnantes satisfizeram a 12 de outubro de 2005.
8. Perante a intenção manifestada conforme descrito no ponto 6., de acordo com a qual fora elaborada a liquidação referida no ponto anterior, sem outras informações complementares, designadamente auscultando os próprios Impugnantes, a Administração Tributária elaborou-lhes em 4 de junho de 2008, sem de mais curar, a reliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativa ao ano de 2004, com o n° [2008] 5000071869, em que o rendimento da alienação referida no ponto 1., passou a ser tributado sob a consideração de que, portanto, não fora reinvestido na aquisição de uma nova casa de morada e no período de tempo legalmente fixado, de 24 meses.
9. Desta liquidação, depois de estorno e compensação com o pagamento da liquidação originária, resultou para os Impugnantes, ainda, uma dívida de imposto e de juros compensatórios [estes no valor de €1.057,34,] no montante global de €14.310,56, com termo de prazo de pagamento em 30 de julho de 2008.
10. Esta alteração relativamente à liquidação originária resultou, assim, da consideração como tributável aquele rendimento, categoria G “mais-valias” do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e de acordo com os seguintes dados:
• a mais-valia resulta de: €150.000 (preço de venda) - subtraído de €59.855,75 (preço de aquisição) x 1,39 (atualização monetária deste valor do ano de 1993), subtraído ainda de €534,39 (despesas inerentes à aquisição) = €150.000- €83.733,88 = €66.266,11.
• a tributação incide sobre metade deste último valor: €33.133,05
11. Notificados desta nova liquidação, os Impugnantes reclamaram dela graciosamente em 28 de julho de 2008, procedimento este a que no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 foi dado o n°3573200804001699, alegando que tinham aplicado todo o rendimento auferido da venda do ponto 1., na aquisição do ponto 2., e adentro do lapso de tempo dos 24 meses que se seguiram àquela venda.
12. Todavia, aquele procedimento nunca teve decisão, pelo que no dia 12 de fevereiro de 2009 os Impugnantes apresentaram a petição na origem dos presentes autos.
13. Como os Impugnantes não satisfizeram a dívida de imposto que resultava da nova liquidação, no mencionado Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 foi instaurada a 22 de agosto de 2008 a sua execução coerciva, à qual coube o n°3573200801115960.
14. Na supra-citada execução prestariam os Impugnantes garantia bancária, em finais de outubro de 2008, para que ela fosse sustada, a aguardar primeiro a finalização da reclamação graciosa citada e, depois, a finalização dos presentes autos.
Não há outra matéria com interesse para a causa que tivesse resultado provada e não há factos não provados com essa relevância, salvo que não resultou provado:
1. Que, apesar do descrito nos pontos 4.-5. da matéria de facto provada, os Impugnantes hajam dito à Administração Tributária, designadamente aquando da apresentação das declarações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativas aos anos de 2005 ou 2006, maxime nesta, se, quando e como tinham levado a efeito a intenção e conforme descrito no ponto 6. da matéria de facto provada.
Nada mais se levou ao probatório.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Conforme resulta da petição inicial e da sentença recorrida, os impugnantes assacam três ilegalidades ao acto de liquidação sindicado, a saber:
-efectivo reinvestimento, nos termos legais, do valor de realização resultante da venda do imóvel que se encontrava afecto à sua habitação própria e permanente;
-não consideração na liquidação e cálculo do valor do imposto a pagar do coeficiente de desvalorização da moeda conforme o estipulado na Portaria 376/2004 e artigo 50º do CIRS;
-falta de audição prévia.

Na sentença recorrida deu-se procedência à pretensão dos recorrentes, anulação do acto tributário impugnado, com fundamento na verificação do vício da omissão da audição prévia dos impugnantes, vício de forma, tendo-se considerado prejudicado o conhecimento das questões atinentes à legalidade intrínseca da liquidação impugnada.
Porque a actividade da AT no âmbito do concreto procedimento tributário é estritamente vinculada, estando sujeita ao princípio da legalidade tributária consagrado no artigo 8º da LGT, não podendo, por isso, reger-se por regras de oportunidade ou conveniência, nem sequer de discricionariedade técnica, antes se impondo que toda a actuação se processe de acordo com as concretas regras e princípios fiscais aplicáveis ao caso concreto, surge-nos o vício de forma, falta de audição prévia, como um vício secundário, ao qual não deve ser reconhecido relevo invalidante caso se conclua pela conformidade legal da actuação da AT. E mesmo que se conclua por tal desconformidade, quer total, quer parcial, também não assume tal vício procedimental aquela característica uma vez que o mesmo não se sobrepõe à força própria dos vícios de substancia, por serem estes os determinantes para conformar a actividade da administração ao direito constituído.
E nem o interessado pode invocar em sede de audiência prévia, neste caso, questão de relevo que se possa sobrepor à força da Lei de modo a aquilatar da legalidade do acto, face aos factos carreados para os autos.

Assim, e ao contrário da sentença recorrida, porque os impugnantes assacaram ilegalidades de substancia ao acto tributário impugnado serão estas ilegalidades das quais se tomará conhecimento por serem as mesmas que, nos termos do disposto no artigo 124º, n.º 2, al. a) do CPPT, determinam mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, posto que não vem equacionado erro quanto à matéria de facto levada ao probatório.

A questão que se coloca nos presentes autos passa por saber se a liquidação efectuada pela AT incorreu ou não em vício que determine a sua anulação, pelo facto de ter considerado que o valor de realização da venda do imóvel que constituía a habitação dos impugnantes não foi reinvestido no prazo legal, pelos mesmos impugnantes, num outro imóvel que foi oportunamente, também ele, destinado à sua habitação.

Está assente a seguinte matéria de facto:
-os impugnantes venderam no dia 23 de dezembro de 2004, pelo preço de €150.000,00 a fração autónoma destinada à sua habitação;
-no dia 10 de março do ano seguinte os impugnantes compraram, pelo preço de €351.000.000, que logo pagaram à sociedade vendedora, fração autónoma destinada a habitação;
-para pagamento de parte do preço da mencionada aquisição, os Impugnantes, aquando da respetiva escritura pública, igualmente celebraram logo aí, com o Banco …………, S. A., um contrato de mútuo, garantido por hipoteca da casa ao banco, o qual lhes emprestou, para aquele fim, €250.000, paralelamente pagando o remanescente do preço com €101.000 do preço percebido pela venda referida;
-em 25 de outubro de 2006 os Impugnantes amortizaram, daquele empréstimo, €49.000,00 com efeitos retroagindo a 5 desse mesmo mês;
-porque os impugnantes não deram conhecimento à AT do reinvestimento feito, apenas da venda realizada, a mesma procedeu à liquidação de IRS, referente ao ano de 2004, categoria G, mais-valias, nos seguintes termos:
• a mais-valia resulta de: €150.000 (preço de venda) - subtraído de €59.855,75 (preço de aquisição) x 1,39 (atualização monetária deste valor do ano de 1993), subtraído ainda de €534,39 (despesas inerentes á aquisição) = €150.000- €83.733,88 = €66.266,11.
• a tributação incide sobre metade deste último valor: €33.133,05.

Dispunha à data o artigo 10º do CIRS a propósito da tributação de mais valias, e na parte com interesse:
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em Território português;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;
6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado;
7 - No caso do reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.

Como resulta da matéria de facto provada, a AT procedeu à liquidação impugnada porque os recorrentes não lhe comunicaram nos termos legais o modo e o momento pelo qual realizaram o reinvestimento, incorrendo assim no incumprimento da obrigação que sobre eles impendia, posto que haviam declarado expressamente a venda do imóvel e a intenção de reinvestimento na declaração do ano de rendimentos do ano de 2004.
Contudo, apesar de tal liquidação ter resultado da omissão declarativa dos impugnantes, não há dúvida que por força do disposto no artigo 4º da LGT sempre incumbiria ao Tribunal repor a legalidade da tributação de modo a que se possa conformar à realidade, aos factos reais que determinam a tributação, ou seja, a omissão declarativa não tem como efeito a “legalização” de um acto tributário sem suporte na realidade.

Perante a matéria de facto disponível, podemos facilmente surpreender que a pretensão dos recorrentes apenas poderá ser procedente em parte, se por um lado está provado o reinvestimento parcial do valor de realização a que alude ao artigo 10º, n.º 5, al. a) do CIRS, por outro também se encontra provada a consideração na liquidação e cálculo do valor do imposto a pagar do coeficiente de desvalorização da moeda conforme o estipulado na Portaria 376/2004 e artigo 50º do CIRS.
Vejamos porquê.
A questão fulcral consiste, pois, em determinar se a quantia que os recorridos auferiram com a venda da sua habitação foi “reinvestida” em termos de legitimar a exclusão de tributação dos ganhos que obtiveram com essa venda.
Estando assente que para adquirem o novo prédio também recorreram a um empréstimo bancário, o montante do empréstimo não pode fazer parte do capital reinvestido. É que esse montante não tem qualquer nexo de causalidade com o produto da alienação, sendo uma “nova” quantia investida num outro imóvel. Sobre a repercussão que o empréstimo bancário tem na exclusão da tributação das mais-valias, formou-se jurisprudência consolidada de que «o reinvestimento a que se referia o artigo 10º, nº 5 al. a) do CIRC e que levava à exclusão da tributação, era apenas o reinvestimento do produto da alienação, com exclusão do reinvestimento de um empréstimo bancário» (cfr. acs. do STA de 12/3/2003, rec nº 01721/02, de 28/1/2004, rec. 01359/03, de 3/3/2004, rec. nº 01774/03, de 20/4/2004, rec. nº 01876/03, de 2473/2004, rec nº 02053/03, de 28/9/2006, rec. nº 0125/06, de 24/3/2010, rec nº 01241/09).
Apenas a diferença entre o valor do empréstimo e o valor do prédio adquirido é que constitui reinvestimento para efeitos de integração na delimitação negativa expressa no nºs 5 do artigo 10º do CIRC. Ou seja, tendo o novo prédio sido adquirido por [€351.000,00], com recurso a empréstimo bancário de [€250.000,00], o reinvestimento corresponde a [€101.000,00]. Como o prédio antigo foi alienado por [€150.000,00], não houve um reinvestimento total dessa quantia, sobrando ainda [€49.000,00] do produto da alienação.
…Uma coisa são os pressupostos objectivos do imposto, a chamada incidência real, que no caso está definida na alínea a) do nº 4 do art. 10º do CIRS, medindo-se por aquela diferença [diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição], outra são os pressupostos da delimitação negativa da incidência ou da exclusão tributária, definidos na aliena a) do nº 5 do mesmo artigo, que tem por referência o «valor da realização»…
Ora, o [«valor de realização»] é a quantia recebida pelos vendedores a título de preço da venda. A obrigação essencial nessa espécie de contrato, o qual não pode subsistir sem ela, é a obrigação de pagar o preço (cfr. art. 874º do Ccv). Por definição, o preço é a expressão do valor em dinheiro, uma medida de valor expressa exclusivamente em dinheiro.
É essa medida que deve ser reinvestida na compra da nova habitação, para que haja exclusão de tributação nos ganhos obtidos com a venda da habitação antiga. A ratio legis dessa exclusão prende-se com o reconhecimento da protecção devida à aquisição ou melhoramento de imóveis destinados a habitação própria e permanente do contribuinte. Daí que se faça a exigência de que no património do contribuinte haja uma identidade funcional entre o imóvel transmitido e o adquirido com o valor da realização: ambos têm que ser destinados a habitação própria e permanente do contribuinte e respectivo agregado familiar. E se considere também que o incentivo, enquadrado na política de habitação, só assuma relevo fiscal se ocorrer reinvestimento dos valores realizados. Será, assim, necessário que o valor obtido na venda seja utilizado para o mesmo fim. Trata-se, pois, do «valor» realizado na venda e não do «ganho» obtido com ela.
Portanto, no caso dos autos, se a quantia a reinvestir corresponde ao montante recebido com a venda do prédio, logo se vê que tal quantia não foi utilizada na totalidade na compra da nova habitação, pois, ainda sobraram [€49.000,00].
…O facto do reinvestimento ser apenas parcial não permite concluir que não se verifica o pressuposto da exclusão tributária. O nº 7 do artigo 10º estabelece que «no caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o nº 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido». Ou seja, sendo o reinvestimento meramente parcial, então a exclusão da tributação cingir-se-á apenas à parte da mais-valia tributável proporcional ao reinvestimento efectuado (cfr. ac. do STA de 7/12/2004, rec. nº 0938/04).
Não sendo o valor da alienação utilizado na totalidade, a mais-valia será tributada proporcionalmente. Isto significa que o acto impugnado, que não admitiu a exclusão tributária da parte do capital reinvestido, é ilegal nessa parte. Dada a natureza divisível do acto tributário, nada obsta a que se reconheça que a liquidação impugnada padece de ilegalidade nessa parte. Os impugnantes apenas são lesados pelo acto impugnado na parte dos ganhos correspondente ao valor reinvestido, os quais deviam estar excluídos de tributação. Estabelecendo uma relação ente o vício e a lesão dos direitos dos impugnantes, verifica-se que apenas uma parte do acto é inválida e geradora de efeitos lesivos, e por isso mesmo, nada impede que a anulação se efectue à medida desses efeitos, independentemente da validade da parte restante.”, cfr. acórdão deste Supremo tribunal, datado de 16.01.2013, recurso n.º 0950/12.

Mas, além deste reinvestimento parcial imediato, pretendem ainda os impugnantes/recorrentes que também reinvestiram, no prazo legal, a sobrante quantia de €49.000,00 uma vez que a utilizaram para amortizar o empréstimo contraído aquando da aquisição da nova habitação.
Da leitura que se faz dos incisos legais, tal amortização não pode ser considerada reinvestimento para efeitos de isenção da tributação das mais-valias em sede de IRS.
Se, de facto, a lei prevê expressamente que parte do valor de realização possa ser destinado à amortização do empréstimo que serviu para a aquisição do prédio vendido, cfr. n.º 5, al. a), sendo só reinvestido no novo prédio a parte do valor sobrante, também exige, como já atrás vimos, que ocorra o reinvestimento do valor total de realização no momento da aquisição da nova habitação. E, portanto, para que se possa concluir pela não tributação do valor de realização, é essencial que se verifiquem dois requisitos cumulativos, o quantum reinvestido, bem como o momento em que esse quantum é reinvestido.
Não se pode afirmar que é a mesma coisa fazer o reinvestimento directo do valor de realização na aquisição da nova habitação, ou proceder ao pagamento do empréstimo da nova habitação com esse valor, porque necessariamente são realidades que se desenvolvem em momentos temporalmente bastante diversos, enquanto que a primeira é contemporânea da aquisição, já a segunda tem que ocorrer num momento posterior e só indirectamente pode ter relação com a referida aquisição mas, por razões de ordem lógica, já não se poderá afirmar que o valor da realização foi utilizado na concretização da aquisição.
Assim, teria sempre que improceder a argumentação esgrimida pelos impugnantes/recorridos no que toca ao efectivo reinvestimento da totalidade do valor da realização.
Consequentemente, e à primeira vista, pareceria que a liquidação deveria ser anulada parcialmente, na parte atinente aos ganhos provenientes da parte do valor de realização não reinvestido, atenta a regra da admissibilidade da anulação parcial do acto de liquidação de imposto, consensualmente aceite pela jurisprudência e pela doutrina por apelo à divisibilidade desse acto tributário. (Cfr., o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 10/4/2013, no rec. nº 298/12, onde se reafirma a jurisprudência vertida nos acórdãos da Secção, de 12/1/2011, no rec. nº 0583/10, de 12/1/2012, no rec. nº 0965/10, de 10/10/2012, no rec. nº 0533/12 e de 5/12/2012, no rec. nº 0477/12.)
Todavia, não nos parece que tal possa acontecer no presente caso.
É que para se saber se o acto de liquidação deve ser total ou parcialmente anulado há que determinar o tipo de ilegalidade que o inquina e analisar se ele é susceptível de o afectar no seu todo, caso em que ele tem de ser integralmente anulado.
Ora, no caso dos autos, há que ter atenção que estamos perante imposto sobre o rendimento, em que a determinação do quantitativo de imposto devido passa pela aplicação das taxas gerais correspondentes ao rendimento colectável determinado, taxas que são, em regra, progressivas e não fixas, como acontece com a tributação dos ganhos com a alienação de imóveis por sujeitos passivos residentes, a que são aplicáveis as taxas finais de IRS.
No caso vertente, o rendimento colectável é afectado pelo saldo anual positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias imobiliárias realizadas no ano em questão, e a taxa de imposto aplicada foi de 40% em face do montante global dos valores considerados para efeitos de mais-valias €33.133,05. E daí que a ilegalidade cometida e a consequente exclusão de tributação desse valor de realização vá não só alterar a quantificação do rendimento colectável, como pode influir decisivamente na taxa de imposto aplicável.
Pelo que, a redução do rendimento colectável exige a prática de novo acto tributário, sendo impraticável a mera anulação parcial ou a reforma do acto tributário impugnado, porque o tribunal não pode substituir a taxa de imposto efectivamente aplicada na liquidação impugnada por outra, isto é, não pode substituir-se à administração tributária na aplicação de outra taxa de imposto ao rendimento tributável se for caso disso.
Razão por que se impõe manter a sentença recorrida, de anulação total da liquidação, embora com a presente fundamentação, isto é, por dever ser excluído de tributação a parte do valor de realização efectivamente reinvestido.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida de anulação total da liquidação impugnada, embora com a presente fundamentação.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 23 de Novembro de 2016. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.