Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01010/08 |
Data do Acordão: | 04/29/2009 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL SISA CESSÃO DE QUOTAS |
Sumário: | O artigo 2.º, § 1.º, 6.º do CIMSISD visa apenas tributar as cessões de quotas que representem um efectivo incremento da posição do sócio no capital social, o que não sucede nos casos em que a posição do titular do capital fique diminuída em resultado da operação societária efectuada. |
Nº Convencional: | JSTA00065702 |
Nº do Documento: | SA22009042901010 |
Data de Entrada: | 11/12/2008 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL. |
Objecto: | SENT TAF SINTRA DE 2008/05/28 PER SALTUM. |
Decisão: | PROVIDO. |
Área Temática 1: | DIR FISC - SISA. DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL. |
Área Temática 2: | DIR COM - SOC COM. |
Legislação Nacional: | CSISD58 ART2 PAR1 N6. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório- 1 – A…, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 28 de Maio de 2008, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra liquidação de imposto de Sisa do ano de 2001, no valor de €139,981,61 referente a imposto e €37,028,01 a título de juros compensatórios, para o que apresentou as conclusões seguintes:a) Para que uma lei possa ser tida como interpretativa ela tem de ter vindo colocar cobro a uma controvérsia ou, pelo menos, forte incerteza sobre a interpretação de determinada regra jurídica e no presente caso tal não ocorria uma vez que já se tinha vindo a sedimentar uma sólida e reiterada jurisprudência de tribunais superiores no sentido de que era necessária a concessão do direito de audição em todas as fases referidas no n.º 1 do artigo 60º da LGT. b) Pelo que a intervenção do legislador nada teve de realmente interpretativo a não ser o nomen juris atribuído sendo de uma falsa interpretatividade que se trata. c) A isto acresce que no entender do recorrente as leis interpretativas nem são admissíveis em direito tributário pois que sempre tal teria como consequência uma aplicação retroactiva da lei fiscal o que hoje se tem por assente ser vedado pelo artigo 103º, nº 3 da CRP. d) Pelo que a interpretação e aplicação in casu do artigo 60º, nº 3 da LGT com um putativo efeito interpretativo que lhe foi dado pelo artigo 13.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31.5 se afigura desconforme com o artigo 103º, n.º 3 da CRP pelo que a sua aplicação deve ser recusada pelos tribunais. e) Ou seja, tal interpretação é materialmente inconstitucional por violação do princípio da irretroactividade. f) A possibilidade de requerer a passagem de certidão com os elementos omitidos na notificação originária é uma mera faculdade que o recorrente podia exercer, ou não, não se podendo considerar suprido o vício daquela notificação pelo não uso da dita faculdade pois que desde logo decorre daquele artigo 37º, nº 1 do CPPT que o interessado «pode» requerer a passagem de certidão e não que deve requerer a mesma. g) Na interpretação da lei deve o interprete presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – artigo 9º, nº 3 do Código Civil e no presente caso não existem razões que possam levar à conclusão de que o legislador se terá expresso de forma medíocre, dizendo menos do que aquilo que pretendia dizer. h) De acordo com o artigo 39º, nº 9 da CPPT a nulidade ocorre se faltar, para além de outros elementos que a sentença aceita como exigíveis, a indicação do sentido e data da delegação de competências e essa nulidade nem sequer é passível de sanação. i) Como resulta do probatório fixado – Ponto F), que não se questiona, o Chefe de Finanças delegou competências em B… mas sem que de tal delegação conste a data, âmbito, extensão, data e local de publicação da mesma pelo que padece a presente delegação de competências dos mesmos vícios já supra expostos levando, como que por arrasto, à efectiva incompetência do autor do acto de liquidação. j) Decidiu-se que a situação de o recorrente ter ficado a dispor de 99,993% do capital social da C…, que era detentora de um bem imóvel, cairia no campo de incidência de Imposto Municipal de Sisa pois que passou a ser titular de 75% do capital pese embora anteriormente à transformação fosse titular de 100%, ou seja, entende a sentença que o facto de o recorrente ter cedido uma pequena parcela da sua participação originária, e não adquirido note-se bem, teria por consequência a aplicação do artigo 2º, P. 1º, nº 6 do CIMSISSD. k) O recorrente não passou, devido a qualquer aquisição, a dispor de 75% do capital social pois que já dispunha de valor superior a esse e, com a cessão de uma parte das suas participações, passou a ser detentor de menos do que anteriormente. l) O que o legislador pretendeu com a norma em causa foi tributar uma situação em que o controle sobre a sociedade permitia concluir, ou pelo menos presumir, um controle e disponibilidade sobre o bem imóvel de que a mesma fosse detentora e esse domínio já o recorrente tinha anteriormente. m) Assim como o que a lei pretende tributar é uma aquisição que dê um domínio (ainda que presumido) sobre imóveis e não uma alienação. n) Ora, como parece evidente da leitura do aresto supra citado no texto das alegações, a norma de incidência em causa só teria aplicação se o ora recorrente passasse a dispor de pelo menos 75% do capital social e passar a dispor para o futuro significa, sem grande esforço intelectual, pensa-se, que não o tinha anteriormente o que não era manifestamente o caso. o) Sendo certo que nos termos do artigo 35º, nº 8 da LGT os juros compensatórios se integram na própria dívida de imposto menos verdade não será que, nos termos do n.º 1 do mesmo normativo, os ditos juros dependem de um comportamento culposo imputável ao recorrente que retardou a liquidação do imposto. p) Ora como a responsabilidade objectiva não existe no presente caso nem a mesma se presume deveria ter sido fundamentada, que não foi, a razão de ser de tais juros e não apenas os mesmos serem lançados na notificação da liquidação efectuada. q) Pelo que padece a liquidação de juros de falta de fundamentação sólida que a sustente sendo, também por aqui, o presente recurso merecedor de provimento. r) Violou a sentença os artigos 103.º, n.º 3 da CRP, 37º, nº 1, 39º, nº 9 do CPPT, 9º, nº 3 do CC, 77º da LGT, 2º P.1º, nº 6 do CIMSISSD, não se podendo assim manter antes devendo ser revogada e substituída por uma decisão que dê provimento à pretensão do recorrente. Nestes termos e nos demais de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença e substituída a mesma por uma decisão que declare como totalmente procedente a pretensão do aqui recorrente, tudo o mais com as consequências legais. 2 – Não foram apresentadas contra-alegações. 3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se o julgado recorrido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. - Fundamentação – 4 – Questões a decidirNas suas alegações, o recorrente imputa à sentença recorrida vícios vários. Impõe-se conhecê-los pela ordem cuja procedência determine (…) mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos (artigo 124.º, n.º 2, alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário – CPPT), pois que os pedidos não se encontram apresentados numa relação de subsidiariedade (artigo 124.º, n.º 2, alínea b) a contrario. Assim, começar-se-á por averiguar da ilegalidade substantiva imputada à liquidação impugnada, havendo apenas que cuidar das demais questões suscitadas nas alegações de recurso - e apenas as relativas à liquidação, pois que é este o objecto da impugnação deduzida -, em caso de improcedência desta. 5 – Matéria de facto Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos: A) Mediante contrato de compra e venda, com permuta de participações sociais (acções) celebrado entre D…, LDA e o ora, Impugnante, A… em 31 de Janeiro de 2000, este passou a ser o único accionista da sociedade E…, S.A. (Fls. 75 a 80 do p.a. em apenso) B) Em 12 de Janeiro de 2001, no Décimo Nono Cartório Notarial de Lisboa foi celebrado o contrato de “Transformação de sociedade e cessão de quota” nos termos do qual a sociedade E…, S.A. foi transformada em sociedade comercial por quotas com a denominação SOCIAL, C… LDA DA QUAL O Impugnante ficou titular de uma participação social de 99.9943% do capital social. (Fls. 82 a 85 do p.a. em apenso) C) Em 12.01.2001 a “E…” era detentora de um imóvel no valor de € 1.749.869.90. (Relatório de Inspecção de fls. 41 a 45 88 do p.a., em apenso) D) O Impugnante foi objecto de acção de inspecção efectuada pela Direcção-Geral dos Impostos, a exercício do ano de 2002 no âmbito do IRS. (Relatório de Inspecção de fls. 41 a 45 do p.a., em apenso) E) Na sequência da acção inspectiva referida na al. C) do probatório, mediante o ofício n.º 71995 de 04.11.2005, o Impugnante foi notificado para, no prazo de 10 dias, querendo se pronunciar sobre o Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção nos termos do art. 60º da LGT e art. 60º do RCPIT. (Fls. 197 e 202 do processo administrativo tributário). F) Mediante ofício 003573 datado de 02.05.2007, o Impugnante foi notificado nos seguintes termos: «Fica V. Exa por este meio notificado, para no prazo de 10 (dez) dias a contar da assinatura do aviso de recepção, efectuar o pagamento do Imposto Municipal de Sisa, cujas guias deverá solicitar neste Serviço de Finanças, na importância total de 177,009,62 euros, correspondendo 139.981,61 euros a imposto, e 37.028,01 euros aos juros compensatórios previstos no art. 13º do Código do Imposto Municipal de sisa s/ as Sucessões e Doações, pelo contrato de compra e venda, com permuta, de participações sociais, celebrado em 31/01/2000, com a D… Lda, pelo qual passou a ser o único accionista da E… celebrada por escritura de 12/01/2001 no 19º Cartório Notarial de Lisboa, ficou V. Exº a deter 99,9943% do capital social da referida sociedade que à data era detentora de um imóvel no valor de 1.749.869,90 euros, correspondendo-lhe nesse imóvel o valor de 1.749,770,16 euros (99,9943% x 1.749.869,90 euros), cuja liquidação foi feita nos termos do n.º 6 do § 1º do art. 2º, conjugado com a regra 2ª do § 3º do art. 19º, ambos do C.I.M.S.I.s/S.D. Mais fica notificado de que não sendo paga a Sisa no prazo acima referido, proceder-se-á à extracção da certidão de dívida para efeitos de cobrança coerciva, nos termos do art. 117º do já referido Código, com a redacção dada pelo art. 8º do D. Lei n.º 7/96, de 7/02. Junta-se mapa demonstrativo da liquidação do Imposto e Juros Compensatórios. Com os melhores cumprimentos O Chefe de Finanças Por delegação, o Adjunto (B…) (doc. a fls. 27 dos autos) G) O ofício referido na al. F) do probatório fez-se acompanhar por um documento intitulado “DEMONSTRAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO” que se mostra assinado por um funcionário do SF de Cascais 1 (Carcavelos) cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzido. (Doc. a fls. 28 dos autos). 6 – Apreciando. 6.1 Da ilegalidade substantiva imputada à liquidação impugnada A sentença recorrida ponderou sobre esta matéria nos seguintes termos: “Informa-nos o probatório que o Impugnante em resultado da transformação da sociedade E… S.A, em sociedade comercial por quotas, com a denominação social de C…, passou a ser detentor de uma quota de 99,993% do capital social dessa sociedade que era detentora de um bem imóvel, assim, é de dar-se como verificado o pressuposto contido no transcrito n.° 6 do § 1° do art. 2° do C.I.M.S.I.S.S.D., pois que passou a ser titular de 75% do capital social da referida sociedade, pese embora em momento anterior ao da dita transformação fosse titular de 100% do capital. Termos, improcede o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito imputado ao acto tributário colocado em crise”. Por sua parte, o recorrente, em resumo, vem defender que a “lei pretende tributar uma aquisição que dê um domínio (ainda que presumido) sobre imóveis e não uma alienação”, sendo que no caso através da transformação da sociedade e cessão de quotas ocorrida passou de titular de 100% do capital social para detentor de 99,993% (alíneas A) e B) do probatório). Vejamos. Dispõe o artigo 2.º, § 1.º, 6.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD): Artigo 2° O imposto municipal de sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis. § 1° Consideram-se, para esse efeito, transmissões de propriedade imobiliária: 6° As aquisições de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome colectivo, em comandita simples ou por quotas, bem como a amortização ou quaisquer outros factos, quando tais sociedades possuam bens imobiliários e por aquelas aquisições ou estes factos algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75 por cento do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois, sendo marido e mulher, casados com comunhão geral de bens ou de adquiridos. A propósito do preceito transcrito, há que considerar ainda o que sobre ele diz o próprio legislador na exposição de motivos que constitui o Relatório do próprio Código (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958), onde se lê, no respectivo n.º 6: «As cessões de quotas ou partes sociais, nas sociedades que não sejam por acções e possuam bens imobiliários, são hoje sempre passíveis de sisa em proporção do que lhes corresponda no valor desses bens. Teve-se em vista, ao tributá-las, impedir que os imobiliários das sociedades pudessem ser praticamente adquiridos por qualquer dos sócios sem o pagamento da sisa. Mas a verdade é que se foi longe demais, onerando todas as cessões e, portanto, até aquelas — e são o maior número — que não encobrem, manifestamente, nenhum propósito de transmissão de imobiliários. Só nos casos em que o adquirente da quota ou parte social se torna como que dono da sociedade é que a tributação pode justificar-se à luz dos princípios e é que ela se mostra verdadeiramente necessária para impedir a grande maioria das fraudes. Resolveu-se, por isso, sujeitar a sisa apenas as cessões pelas quais algum dos sócios obtenha 75 por cento do capital, o que lhe dará nítida posição de predomínio, ou pelas quais o marido e a mulher, casados com comunhão geral de bens ou de adquiridos, fiquem sendo os únicos sócios da sociedade. Escaparão, é certo, os possíveis, mas raros, conluios entre cessionários de quotas ou partes sociais; contudo, mal se compreenderia que, para se evitarem algumas evasões, se tributasse o grande número de adquirentes de boa fé». Parece, pois, poder afirmar-se que a intenção do legislador com a norma do n.º 6.º do § 1, do artigo 2.º do CIMSISD foi apenas a de tributar as cessões de quotas que representem um efectivo incremento da posição de algum sócio no capital social das sociedades, do qual resulte a detenção de, pelo menos, 75% desse capital, dessa forma lhe proporcionando uma “nítida posição de predomínio”, concretizando-se essa intenção do legislador na letra da lei pela utilização da expressão “fique a dispor”, a qual há-de traduzir-se num aumento percentual na detenção do capital social por parte de um sócio. Ora, no caso dos autos, como se alcança da factualidade constante das alíneas A) e B) do probatório, o recorrente através do contrato de “Transformação de sociedade e cessão de quotas”, celebrado por escritura de 12/01/01, ano a que respeita o imposto liquidado, viu a sua posição de titular de 100% do capital social diminuída para detentor de uma participação social de 99,9943%. Sendo assim, mediante esse contrato, o recorrente não obteve “ex novo” uma participação no capital social superior a 75%, antes viu diminuída a sua participação, embora de forma insignificante, mas efectiva, o que lhe possibilitou a manutenção de uma “nítida posição de predomínio”. Sucede que o legislador não pretendeu tributar em tais circunstâncias a alteração da detenção do capital social, pelo que o acto de liquidação tributário impugnado não se pode manter na ordem jurídica. Procedem, pois, as conclusões j) a n) das alegações do recorrente, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões. - Decisão – 7 - Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgando-se procedente a impugnação, com a consequente anulação da liquidação impugnada.Custas pela Fazenda Pública, mas só na primeira instância uma vez que não contra-alegou neste STA, fixando-se a procuradoria em 1/8. Lisboa, 29 de Abril de 2009. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pimenta do Vale – Miranda de Pacheco. |