Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0229/17
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:PLANO REGIONAL DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO DO ALGARVE
LICENCIAMENTO DE CONSTRUÇÃO
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:É de admitir revista excepcional estando em debate o conceito de razões ponderosas integrante, nomeadamente, do artigo 26.º n.º 2 do Plano Regional de Ordenamento do Território para o Algarve, havendo indícios de reiterada conflitualidade com base na mesma problemática.
Nº Convencional:JSTA000P21616
Nº do Documento:SA1201703160229
Data de Entrada:02/24/2017
Recorrente:MUNICÍPIO DE SILVES E A......
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E BANCO B......., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

O Digno Magistrado Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, intentou contra o Município de Silves, tendo como contra-interessados A……… e o Banco B…………, S.A, acção administrativa especial, pedindo a declaração de nulidade da deliberação da Câmara Municipal de Silves, de 9 de Fevereiro de 2004, que deferiu o licenciamento de uma moradia e do despacho de 23 de Novembro de 2005, que licenciou a utilização da habitação entretanto construída.
Alegou a nulidade desses actos por os mesmos contrariarem disposições legais e regulamentares.

Com êxito já que aquele Tribunal, por Acórdão de 06/02/2014, julgou a acção procedente e declarou-os nulos.

Recorreu desse Acórdão para o TCA Sul e este, por Acórdão de 03/11/2016, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que aquele recorrido e a contra-interessada vêm recorrer, ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA.

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Ilustre Magistrado do M.P., junto do TAF de Loulé, pediu a declaração de nulidade da deliberação da Câmara Municipal de Silves que licenciou a construção de uma moradia unifamiliar requerida pela Contra Interessada e do despacho da sua Presidente que deferiu o pedido de licença de habitabilidade.
O TAF julgou a acção procedente e, em consequência, declarou nulos aqueles actos pela seguinte ordem de razões:
- O terreno rústico onde Contra-Interessada pretendia construir está situado em zona classificada nas cartas de ordenamento e de condicionantes do PDM como local protegido para fins agrícolas, onde são proibidas quaisquer acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas e florestais.
- No entanto, e apesar disso, é possível edificar nesses locais desde que haja parecer favorável da Comissão Regional da Reserva Agrícola e que razões ponderosas justifiquem essa construção (DL 196/89, Regulamento do PDM de Silves e PROT - Algarve).
- Ora, as razões invocadas pela Contra Interessada respeitavam à precariedade da habitação onde vivia juntamente com a sua avó, às suas dificuldades económicas para conseguir habitação e à extrema necessidade de obter uma habitação permanente e condigna, razões que não integram o conceito de «razões ponderosas» referido nas citadas leis.
- Deste modo, e muito embora a Comissão Regional da Reserva Agrícola tenha emitido parecer favorável à pretensão da Autora, os actos impugnados não deixam de ser ilegais.

Decisão que o TCA confirmou com idêntica fundamentação.

3. Ora, a Recorrente não aceita essa decisão e, por isso, requer a admissão desta revista pelas razões constantes das seguintes conclusões:
“1. A questão submetida a este douto Tribunal centra-se em saber se a norma mais restritiva de um plano regional, sem eficácia plurisubjetiva, pode ser utilizada em sede de interpretação para limitar o âmbito de aplicação de uma norma de um plano municipal de ordenamento do território atribuindo, dessa forma, eficácia vinculativa do particular à restrição constante apenas do plano regional de ordenamento do território.
2. Sendo certo que, a esta, vem associada a questão de saber se os direitos, liberdades e garantias de um particular e, concretamente, os direitos constitucionais de propriedade e à habitação podem ser afectados por uma restrição que não se encontra formulada de forma clara, precisa e expressa numa norma de planeamento, resultando essa restrição apenas da interpretação integrativa que faz apelo a uma norma não aplicável directamente ao particular.
3. A importância da questão suscitada em torno da atribuição de eficácia directa, por via interpretativa, a uma norma que não apresenta eficácia plurisubjetiva, afectando-se assim os direitos constitucionais de um particular sem que tal restrição resulte, de forma clara, precisa e expressa numa norma de planeamento, compele a que se imprima, dentro do possível, uma absoluta certeza jurídica à actuação da Administração, que permita conferir, também dentro do possível, a desejável segurança jurídica aos cidadãos, de onde se retira, maxime, a relevância jurídica da questão em apreço.
4. Sendo que a relevância social da questão em apreço reside, essencialmente, na circunstância de os efeitos do caso em apreço, se projectarem muito para além da esfera jurídica da ora Recorrente, sendo susceptível de gerar um impacto negativo na comunidade social.
5. De onde fica evidenciada a necessidade clara de uma melhor aplicação do Direito, que incumbe a este douto Tribunal, uma vez que, como adiante melhor se demonstrará, os Tribunais das instâncias inferiores, cometeram clamorosos erros de julgamento, por via de uma incorrecta aplicação do Direito ao caso sub judice.”

4. Está em causa, como se vê, a aplicação de normas do Regulamento do Plano Director Municipal de Silves e do Plano Regional de Ordenamento do Território para o Algarve (PROT - Algarve) que estabelecem, como regra, a proibição de «novas edificações que provoquem ou aumentem a edificação dispersa», interdição que, excepcionalmente, pode ser afastada «por razões ponderosas» demonstradas pelo interessado (artigo 26.º/2 do PROT e art.º 17.º/2 do PDM de Silves).
A recorrente invocou no requerimento de licenciamento da habitação que pretendia construir que vivia “em comunhão de mesa e habitação com sua avó, C………”, “não possui habitação própria, nem possibilidades de conseguir, comprometendo-me a fixar residência própria e permanente, no local onde pretende construir a Moradia, ou seja no sítio do …………, freguesia e concelho de ………..
Todavia, o Acórdão recorrido considerou que tais razões não cabiam no conceito de razões ponderosas de que falavam as apontadas normas e que, por isso, os actos de licenciamento impugnados não tinham cobertura legal.
É a integração do conceito de razões ponderosas que está na base do dissídio.

Esta não é primeira revista que vem interposta de decisões que se pronunciam sobre situações com manifesta similitude com a presente. Assim, e a título meramente exemplificativo, podem citar-se os Acórdãos desta Formação de 15.5.2013 (rec. 135/13), de 06.03.2014 (rec. 132/14) e de 29/05/2014 (rec. 299/14), os primeiros com decisões de não admissão do recurso e o último em sentido contrário, pelo que é lícito concluir que se está perante problema que assume importância fundamental e que a forma como o mesmo vem sendo encarado não é absolutamente consensual o que, desde logo, aconselharia à admissão da revista.
Acresce que o Acórdão da Secção de 23/06/2016 (rec. 299/14), que abordou uma situação muito semelhante à presente, parece admitir a possibilidade das razões ponderosas de que falam as identificadas normas se reportarem a interesses pessoais não estritamente relacionados com a utilização agrícola dos solos o que, de resto, vem em linha com o facto da lei não ser taxativa (ao referir-se às razões ponderosas fala em designadamente). Razões essas que, tendo de ser analisadas em função do caso concreto, tornam a questão suscitada intrinsecamente dependente das circunstâncias de cada caso.
Finalmente, deve destacar-se a utilidade que a revista pode vir a ter, principalmente para os municípios, através de uma mais definição precisa do conceito de razões ponderosas ou de alguma orientação jurídica esclarecedora que possa surgir do entendimento deste Supremo.
Nesta conformidade, atendendo a que o Município licenciador dispõe de margem de livre apreciação suficiente para preencher aquele conceito da forma como o preencheu, que não é de excluir que as razões invocadas pela Requerente possam ser qualificadas como ponderosas e tendo, ainda, em atenção as graves consequências que advirão para a Recorrente com a eventual demolição da sua habitação é de admitir a revista.

Decisão
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal decidem admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 16 de Março de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.