Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0928/16
Data do Acordão:09/22/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA
CONTAGEM DE PRAZO
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista se o acórdão recorrido decidiu de acordo com a jurisprudência corrente do Supremo Tribunal Administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P20917
Nº do Documento:SA1201609220928
Data de Entrada:07/18/2016
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:ISS, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. A…………., Lda. intentou acção administrativa especial contra o Instituto de Segurança Social, IP, (ISS, IP) pedindo a anulação do acto da sua Vice-Presidente, de 22/03/2010, que negou provimento ao recurso hierárquico, interposto da decisão proferida pelo Centro Distrital de Vila Real, acto que findou nos seguintes termos:
«13. Face ao exposto, conclui-se que os trabalhadores … e …, se encontravam convictos do seu direito a prestação de desemprego, recaindo na EE A……………. LDA. a responsabilidade de restituição da totalidade dos períodos de concessão da prestação inicial de desemprego deferida aos mesmos, nos termos do art. 63º do Dec. Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro.
14. Termos em que se mantém a decisão proferida pelo Centro Distrital de Vila Real, negando-se provimento ao recurso hierárquico.»

1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, por Despacho de 19/01/2012 (fls. 146/149) decidiu:
«No caso dos autos o A. foi notificado do despacho do Director do Núcleo de Prestações em 21/11/2007, que negou provimento à reclamação apresentada do despacho que tinha determinado a reposição no valor de 11.140,50, por não estarem reunidas as condições de atribuição das prestações de desemprego.
Deveria o A. ter impugnado este acto, e não aquele que impugnou, porque, tendo eficácia externa, também era susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos.
Pelo exposto e nos termos do art.º 89.º, n.º 1, al. c) do CPTA a excepção invocada obsta ao prosseguimento do processo, pelo que absolvo o R. da instância – 288.º, n.º 1 al. e) do CPC».

1.3. Na sequência desse Despacho, A Autora apresentou nova petição inicial, ao abrigo do artigo 89.º, n.º 2 do CPTA, onde pedindo a anulação do acto praticado pelo Instituto de Segurança Social, IP que lhe foi notificado em 22.11.2007.

1.4. O TAF de Mirandela por Despacho de 13/05/2015 (fls. 273/274) decidiu:
«Na 1ª decisão o tribunal pronunciou-se única e exclusivamente quanto à excepção de inimpugnabilidade do acto, em excepção arguida pelo R.
O acto que agora vem impugnar foi-lhe notificado, conforme confessa, em 22/11/2007 (art.º 2).
Se assim é, na data de interposição da 1ª acção (22/04/2010) – dia em que se considera apresentada a acção que deu entrada em 3/2/2014 de acordo com o art.º 89.º, n.º 2, do CPTA – já tinha caducado o direito de acção da A., uma vez que tinha decorrido o prazo de três meses desde a data da notificação do acto impugnado, a que os art.os 58.º, n.º 2, al. b) e 59.º, n.º 1 do CPTA aludem.
Caducidade é uma excepção peremptória (material) porque, consistindo na invocação de factos que extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo A. importam a absolvição total ou parcial do pedido – Art.º 576.º, n.º 3 do CPC (…).
Decisão
Pelo exposto, constituindo a caducidade uma excepção peremptória, absolvo o R. do pedido».

1.5. A Autora recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão de 04/03/2016 (fls. 321/340), lhe negou provimento.

1.6. É desse acórdão que a recorrente vem requerer, ao abrigo do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, a admissão do recurso de revista.
Conclui nas alegações:
«a) – O douto acórdão recorrido enferma de nulidade por não especificar os fundamentos de direito (designadamente a norma jurídica aplicável) que justificam a decisão nele contida – vd. art. 615º 1, c) do Cód. Proc. Civil supletivamente aplicável (art. 1º do CPTA.)
b) – Desrespeita as normas dos arts. 172º, 1 e 175º, 2, CPTA/1991 visto a aqui recorrente (como está provado) não ter sido notificada da remessa do seu recurso hierárquico para o órgão competente e assim ficar sempre impossibilitada de dar a sustentado (no acórdão recorrido) cumprimento aos invocados prazos de interposição de recurso contencioso.
c) – Faz incorrecta interpretação das normas dos arts. 58º, 2 e 59º, 1, CPTA considerando a data a partir da qual conta o prazo de impugnação, em desconformidade com o previsto nestas.
d) – Nestes termos, além de violar as normas do art. 59º, 1, CPTA e do art. 11º, 2, CPA, quanto à contagem do prazo e obrigatoriedade de publicidade do acto sob impugnação.
e) - Viola também a norma do art. 175º 1, CPA/1991 quando a aplica penalizando o que considera uma obrigação incumprida pela aqui recorrente, sendo o sentido do preceito o de impor um dever de conduta à Administração Pública (vd. art. 2 CPA).
f) – Desrespeita a norma transitória do art. 3º, 1 e 3 do Dec. Lei nº 4/2015 (que aprova o novo CPA), a qual considera que à data da sua publicação se consideram necessários os recursos hierárquicos dado o efeito suspensivo do recurso contencioso que lhes é atribuído.
g) – Viola os princípios jurídicos fundamentais da certeza e segurança e o princípio da boa-fé consignado no art. 6º-A do CPA ao pretender que a Administração Pública induza em erro os particulares através das suas notificações, como muito bem se considera no douto acórdão do TCAN proferido no Proc. n.º 178/10.5BEMDL.
h) – Não leva ainda em consideração, e portanto desrespeita, ainda os princípios consagrados nos arts. 4º (onde se atende aos legítimos interesses dos cidadãos), 5º (quanto ao afectar os interesses dos cidadãos desproporcionalmente), 7º (por omissão do dever de colaborar com os interessados) e 10º (no que tange à celeridade, economia e eficiência das decisões da Administração Pública) do CPA».

1.7. O recorrido defende a não admissão da revista.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a factualidade considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. O caso em apreço respeita a caducidade do direito de acção.
O caso foi decidido de forma convergente por ambas as instâncias.

A nulidade que a Recorrente imputa à decisão sob censura foi apreciada, ainda no TCA, pelo acórdão de 20/05/2016 (fls. 369/371), que julgou «Manter o acórdão recorrido por não padecer da invocada nulidade». E não se antolha qualquer deficiência nessa apreciação.

A Recorrente assaca ao acórdão recorrido o desrespeito do disposto no artigo 3.º, n.os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/01, que aprovou Código do Procedimento Administrativo, o «qual considera que à data da sua publicação se consideram necessários os recursos hierárquicos dado o efeito suspensivo do recurso contencioso que lhes é atribuído». (alínea f)).
Não se descortina a relevância do citado preceito para o presente caso, desde logo porque ele respeita às impugnações administrativas existente à data da entrada em vigor desse decreto-lei (ver o artigo 3.º. n.º 1), sendo que a impugnação administrativa que interessa nos autos havia já terminado, precisamente com o acto de 2010, que foi o inicialmente objecto de acção contenciosa.

No presente processo não se pode esquecer que o problema se inicia com o despacho judicial de 19/01/2012, indicado no supra ponto 1.2, que julgou procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto de 2010. Esse despacho transitou em julgado, sendo que a Autora decidiu apresentar nova petição inicial, ao abrigo do artigo 89.º, n.º 2 do CPTA, e identificou como acto impugnado o proferido em 21/11/2007.
É já nesse quadro, como parece que não poderia deixar de ser, que o acórdão recorrido ponderou:
«[…] tendo o acto que a Autora identifica como o acto impugnado, e que não era de publicação obrigatória, sido notificado em 22-11-2007, e dele interposto recurso hierárquico em 01-02-2008, conclui-se que entre as duas datas mediou um período inferior a três meses ou 90 dias, mais propriamente de 59 dias, considerando o período de férias judiciais de 22-12-2007 a 03-01-2008 (artigo 144° do CPC61 e actual 138° do CPC2013).
Em face do disposto no n° 4 do artigo 59° do CPTA, na data da interposição do referido recurso hierárquico suspendeu-se o prazo de impugnação contenciosa do identificado acto impugnado, o qual só retoma o seu curso com a notificação, da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.
Assim, a contagem do remanescente do prazo de 90 dias será retomada com a ocorrência da primeira de duas situações: Ou a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.
A notificação do despacho de 22-03-2010 que negou provimento àquele recurso hierárquico teve lugar no dia 26-03-2010.
Todavia, o prazo legal para decisão do recurso hierárquico era de 30 dias, contados a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer, não sendo alegado nos autos nem denotando o teor do despacho que negou provimento ao recurso hierárquico (doc. 1 junto com a primitiva petição inicial) que tenha havido nova instrução ou a realização de diligências complementares, na relevância aludida no n° 2 do artigo do 175° do CPA/1991.
Na ausência de contra-interessados (aqueles que possam ser prejudicados pela procedência, na letra do artigo 171° do CPA/1991), resta a contabilidade do prazo legal de 15 dias para a pronúncia sobre o recurso hierárquico e remessa ao órgão competente para dele conhecer (n° 1 do artigo 172° do CPA/1991).
Assim, interposto o recurso hierárquico em 01-02-2008, os 15 dias a que alude o n° 1 do artigo 172° do CPA, tendo em conta o disposto no artigo 72° do mesmo CPA sobre a contagem de prazos, terminam no dia 25-02-2008.
Donde, os 30 dias para a decisão do recurso (artigo 175°, n° 1, do CPA) terminaram no dia 08-04-2008.
Sendo esta a data que primeiro ocorre relativamente à data da notificação da decisão do recurso hierárquico, constitui o dies a quo da contagem do prazo de impugnação de 90 dias que com a sua interposição havia ficado suspenso, ou seja, os remanescentes 31 dias (90-59=31) e o seu dies ad quem ocorreu no dia 09 de Maio de 2008 (artigo 144° do CPC61).
Quando a acção deu entrada em juízo no dia 22 de Abril de 2010, há muito havia decorrido o prazo para o efeito» (fls. 338/339).

Não se afigura que o acórdão tenha saído dos cânones.
Por um lado, a interpretação deste Supremo Tribunal do disposto no artigo 59.º, n.º 4, do CPTA02, tem sido uniforme no sentido de que a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para decidir, conforme o que ocorra em primeiro lugar (cf. acórdão do Pleno da Secção do CA de 27/02/2008, processo n.º 0848/2006).
Por outro lado, as consequências que a recorrente intenta extrair da não notificação da remessa do seu recurso hierárquico para o órgão competente não parecem ajustadas. Afinal, iriam contra as razões que aquele mesmo citado acórdão do Pleno considerou: «Se a impugnação administrativa suspende e, na medida da respectiva duração, inutiliza o prazo da impugnação contenciosa, então, sob pena se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes, é forçoso, em nome da segurança, impor um limite à duração da suspensão. Este desiderato só é alcançável com a interpretação perfilhada no acórdão recorrido: a suspensão, se antes não tiver o seu termo, mediante a notificação da decisão, mantém-se, no máximo, por tempo igual ao que está legalmente concedido à Administração para decidir a impugnação administrativa». E, expressamente, o problema foi enfrentado no acórdão deste Supremo Tribunal de 19.6.2014, proc. 01954/13, decidindo contra a tese agora também sustentada pela recorrente

Quanto à questão da boa-fé, recorde-se que a recorrente não a suscitou no recurso para o TCA. Ora, ela está coligada à própria interpretação dos termos das notificações efectuadas pela entidade administrativa. Mas essa matéria não foi sequer discutida no acórdão, perante o que simplesmente lhe havia sido colocado. Não se revelaria adequado que fosse discutida, agora, em revista, limitada que se encontra pela disposição do artigo 150.º, 4 do CPTA. A que acresce, como também se ponderou, precisamente, no pedido de revista do acórdão do mesmo TCA Norte de 5.2.2016, referenciado quer no acórdão recorrido quer nas alegações de recurso, no qual as partes eram as mesmas, embora em posição processual inversa, que ela surgiria «influenciada pela particularidade dos termos da notificação do acto primário lidos no contexto no contexto interpretativo proporcionado pela redacção do n.º 4 do art.º 59.º do CPTA então vigente. Face à nova redacção do preceito, não se afigura fortemente plausível que a questão venha a ser perspectivada, na prática administrativa e judiciária, nos mesmos termos em que o foi no acórdão recorrido, num número indeterminado de casos futuros, pelo que se não vislumbra na sua apreciação no presente recurso interesse jurídico que transcenda o caso singular». Por isso, não se admitiu, então, a revista - acórdão de 19.5.2016, proc. 0525/16.

E tudo o demais invocado pela recorrente não assume natureza suficientemente importante

Em face deste circunstancialismo, e mesmo tendo em consideração tudo o demais que vem invocado pela recorrente, entende-se que a problemática suscitada pelo recorrente não assume, quer do ponto de vista jurídico quer ponto de vista social, relevância que possa ser qualificada de importância fundamental. De igual modo, não se justifica a intervenção deste Tribunal para uma melhor aplicação do direito.

3. Pelo exposto, não se admite a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 22 de Setembro de 2016. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro